AFEMIL-Palavra, Natal de 2020

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Ano 30 - Dezembro de 2020.


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PALAVRA, Natal de 2020.


PALAVRA Boletim Informativo da Academia Feminina Mineira de Letras Ano 30, dezembro de 2020.

Edição AFEMIL Endereço: Rua Timbiras 1560 salas 703/704 Com autorização dos participantes Responsável pela Edição: Elizabeth Rennó e Lívia Paulini - Presidentes Eméritas Registro Civil de Pessoas Jurídicas: livro A n.58875 Decreto de Utilidade Pública Estadual: 9173 – 21/05/86 Decreto de Utilidade Pública Municipal: 9933 - 27/05/99 Decreto de Utilidade Pública Federal: Lei: 09/03/00

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ÍNDICE Lívia Paulini (Prefácio) Natal 2020

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Maria Elisa Chaves Machado (Editorial) 2020... O ano que não começou

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Alice Spíndola

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Sinos do Natal Almira Guaracy Rebelo Poemeto

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Aprisionamento

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Elizabeth Rennó

Elizabeth Rennó Novos tempos

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Elizabeth Rennó O Menino

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Helene Maria Paulinyi Natal 2020

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Anjos em Nós

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Irislene Castelo Branco Morato

Irlanda Silva Gino Minhas janelas Jô Drumond Natal 2020

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Maria Amélia Bracks Duarte Saudade do Natal Maria da Conceição Elói Natal na quarentena Maria Lúcia Cardoso de Magalhães Natal de gratidão!

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Maria Teresa Freire Testemunho em brilho

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Posfácio

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Elizabeth Rennó

AMIGOS DA AFEMIL

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Evandro Valentim de Melo Outro vírus

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São Nuno de Santa Maria

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Teófilo Minga

Teófilo Minga O primeiro rosário NOTÍCIA ACADÊMICA

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Lívia Paulini (Prefácio)

NATAL 2020 A presença divina do Menino Bendito dá ao Natal um significado celestial. Surgindo da desconhecida escuridão e iluminado pelas luzes sobrenaturais, com a presença do coro dos anjos, faz-nos reconhecer a sua importância por beneficiar o futuro da humanidade ao aceitar as dificuldades temporais/humanas na sua vida terrena. Sua presença neste mundo faz-nos reconhecer novas esperanças, novas possibilidades de sobrevivência, novas expectativas de trabalho e, às vezes, na sofisticada maneira de viver, nos dramáticos enfrentamentos do mundo atual significa acumular forças abençoadas que emanam do Menino Santo neste tempo de Natal. Assim, acreditando num ano abençoado com Ele, a esperança cresce com a palavra Natal e é esta esperança que espero levar aos leitores que leem esta minha mensagem. Um abençoado Natal desejo a todos, Lívia.

Lívia Paulini Presidente Emérita da Academia Feminina Mineira de Letras

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Maria Elisa Chaves Machado (Editorial)

2020... O ANO QUE NÃO COMEÇOU A nossa Comunidade de Mulheres Escritoras - Academia Feminina Mineira de Letras - foi fundada há quase quatro décadas. É uma Casa de Memória da Literatura, que dá voz às mulheres amantes do conhecimento, das artes e da Língua Portuguesa. Formou-se um grupo de mulheres obstinadas e corajosas, guiadas por Lívia Paulini – uma predestinada, que saiu da Hungria em meio à Segunda Guerra Mundial. Ela sabia que quaisquer obstáculos podem ser ultrapassados... Ao longo do tempo, vem conduzindo bravamente a instituição. Para dar publicidade aos feitos, criou a Revista Palavra, que tem como tema, no fim de cada ano, o Natal. Março começou com muito entusiasmo, muitos sonhos... Tivemos a palestra de abertura em homenagem aos 100 anos da Academia Mineira de Letras, proferida pelo seu Presidente Dr. Rogério Faria Tavares. Ótimas palestras já estavam agendadas, bem como a posse das novas Acadêmicas, no Espaço de Cultura Ideia, da Presidente Emérita Maria Inês de Morais Marreco. Fizemos em nossa sede uma singela posse para o novo biênio, porque, entre outros fatores, um fato relevante se impôs: assinei com o contador e os advogados o termo para a transferência do imóvel – um conjunto de salas na Rua Araguari, do Bairro Santo Agostinho, que ganhamos em razão da dissolução das Amigas da Cultura. No Brasil, desde o império, a burocracia para abrir ou fechar uma empresa é de uma lentidão assustadora. Mas, fomos liberadas do ITBI (Imposto de Transmissão de Imóveis), que constituiu em grande economia. Tudo será finalizado em breve. De toda forma, eram tantos os sonhos a realizar... E o mundo parou... As mulheres desde sempre recolheram os sentimentos mais profundos da humanidade para cuidar do amor maior: a família. Logo assumiram os protocolos da saúde para se evitar o contágio do vírus invisível, mas letal.

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A pandemia nos privou de tudo que nos é mais sagrado – a liberdade! Para nós que vivemos da Literatura, das artes, tirou-nos o bálsamo, a dádiva da mais livre beleza, que transforma e dá sentido à vida. As palavras nos sustentam, libertam a nossa mente... Se não se é livre, completamente livre, ninguém é. Só na arte, a liberdade não é uma ilusão. Só na arte se é livre. É CHEGADO O NATAL! Tempo da confraternização universal. O Padre Javier Leoz, pároco de Lourenço, em Pamplona, na Espanha escreveu um texto sobre o Natal nestes tempos de pandemia, que encantou o Papa Francisco. (vale transcrevê-lo) “Não haverá Natal?” “Claro que sim. Mais silencioso e com mais profundidade. Mais parecido com o primeiro em que Jesus nasceu na solidão. Sem muitas luzes na terra, mas com a estrela de Belém fulgurando trilhas de vida em sua imensidão. Sem cortejos reais colossais, mas com a humildade de sentirmos pastores e servos buscando a verdade. Sem grandes mesas e com as marcas ausentes. Mas, com a presença de um Deus que tudo plenificará. Não haverá Natal? Claro que sim. Sem as ruas a transbordar, mas com o coração aquecido por aquele que está por chegar. Sem barulhos, nem ruídos, propagandas ou foguetes, mas vivendo o mistério sem medo do coviderodes que pretende nos tirar até o sonho de esperar. Haverá Natal porque Deus está ao nosso lado e partilha como Cristo fez no presépio a nossa pobreza, pranto, angústia e orfandade. Porque necessitamos da luz divina em meio a tanta escuridão. A Covid-19 nunca poderá chegar ao coração nem à alma dos que no céu põem o seu maior ideal. Haverá Natal!!! Cantaremos nossos cantos natalinos e Deus nascerá e nos dará a liberdade.” Vamos então fazer ecoar o grito de amor que há milênios vem do Deus–menino, que nasce em nossa família... Maria Elisa Chaves Machado - Presidente da AFEMIL

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Alice Spíndola

SINOS DO NATAL É tempo de dizer com Jorge de Lima: “Era um Natal. (E um poema de alegria escrito pela mão de quem se iludia). E nele havia as dádivas do dia, e nele havia sinos acordados...”

Sinos tocam e me recordam os doces dias da Infância. Meu pai e minha mãe dizendo: – Venham logo, não podemos atrasar! Sons do piano e do violino dizem: não tenham pressa. Inconfundível, a música natalina. Clima de festa e de segredos. Há um sigilo na entrega dos presentes. Sobre a toalha do Natal, aqueles docinhos que só a Mamãe sabe fazer. Sons do piano e do violino. Acordados sinos. Aniversário de Cristo Jesus.

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Almira Guaracy Rebelo

POEMETO O HOMEM por vezes gasta a existência numa insensata vivência sem pensar no que há de vir. POR TEMPOS mantendo seu bem-viver, desfruta de seu prazer sem ligar no que há de vir. MAS HOJE no mundo explode a endemia que atemoriza e angustia sem mostrar ao que há de vir. O HOMEM passa a viver sua vida em liberdade contida, sem saber o que há de vir. GUARDANDO uma esperança insistente de ser livre novamente no futuro que há de vir.

Almira Guaracy Rebelo, Acadêmica da AFEMIL – Cadeira n. 12

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Elizabeth Rennó

APRISIONAMENTO A palavra quer soltar-se livre e verdadeira mas o vento do desespero a contém O verso é pecado capital não alcança o perdão É estigma cruel e sacrílego Que tempos são estes em que a própria liberdade é tolhida em seu ofício de viajar pelo espaço do viver? Os sentimentos são partículas insensíveis no seu dever primeiro Vive-se o terror o suplicio do tornado a incerteza do amanhã Só a máscara inconsútil o cobre e lhe proíbe o respiro.

Elizabeth Rennó - Presidente Emérita da AFEMIL

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Elizabeth Rennó

NOVOS TEMPOS

Nada será como antes em que ponto? em que circunstância? Será este cruel vírus tão poderoso assim? revolucionará a paz mundial? a tranquilidade? o amor? a convivência? Para nós que cremos no Deus do amor nada mudará em termos de união e fraternidade Mais unidos mais amados seremos os que esperam do Deus Menino a Sua proteção

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Com suas bênçãos a Paz será companheira longe dos conflitos e da desarmonia Mudarão os modos e os projetos a era digital prevalecerá a simplicidade será pauta do cotidiano Amaremos mais o irmão assim como nos disse João As crianças ingressarão em mundo ecológico preservando o meio ambiente Assim viveremos após assoladora pandemia neste mundo que será sempre de Deus que o criou. Esta é a nossa esperança.

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Elizabeth Rennó

O MENINO Os pássaros vêm pousar-lhe nas mãos os carneirinhos deitam-se a seus pés o pai entalha a mesa a mãe tece a túnica inconsútil O Pai abençoa a Família de Nazaré dá-lhe alento paz e fortaleza para que suportem o drama da Cruz que virá. Saúde e paz a todos.

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Helene Maria Paulinyi

NATAL 2020 Natal sem festa, sem mesa posta. Natal sem família, mas com vizinhos e amigos solidários, que trocam lustres e acendem carinho nas almas, que fazem compras, que atendem doentes fora da fila dos hospitais. Na tristeza e na dor o Natal transforma e brilha com a Estrela do Bem – Maior: com o raio da solidariedade, da amizade, como o Menino – Deus nos indicou.

Helene Maria Paulinyi Presidente Emérita da Academia Feminina Mineira de Letras.

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Irislene Castelo Branco Morato

ANJOS EM NÓS Quando pensamos no amor As estrelas desse Universo imenso Ilumina nossos corações Com a luz infinita Do amor Do perdão E da caridade Caminhando assim... Nossos anjos Nos protegem Nos intuem Entramos em sintonia Com o Divino em nós Nossos anjos são Nosso elo de evolução Nossa segurança Nossa paz! Se conseguirmos ser amor Conseguiremos ser Anjos!

Irislene Castelo Branco Morato Acadêmica da AFEMIL - Cadeira n. 25

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Irlanda Silva Gino

MINHAS JANELAS A memória muitas vezes falha, mas um poeta me disse que “escrever é uma janela aberta na casa da memória”. Eu concordo. A memória não falha totalmente, nela há sempre uma janela aberta. E nessa janela eu vejo uma criatura sozinha, abandonada pela família, não tinha instrução, nem fonte de renda. Eu a via de vez em quando, não conseguia entender por que ela vinha até a minha casa. Éramos criaturas simples, mas com certeza, meus pais lhe davam alguma coisa, por isso sempre vinha. Eu era muito pequena. Guardei na memória apenas o seu rosto, o seu porte magro e sua voz trêmula e um pouco gaga. Abro essa janela da memória e penso: como eu gostaria de vê-la novamente, mas como não é possível, peço a Deus que dê a esta criatura a recompensa pelo que sofreu na Terra. Da cama a menina viu pela janela entreaberta um bem-te-vi que veio lhe dar bom dia. Cantou, cantou, depois, assustado com a mãe da menina que entrou no quarto, ele abriu suas asas e partiu. À noite, ao se deitar, a menina lembrou-se do bem-te-vi. Despejou um pouquinho de farelo numa panelinha do seu joguinho de brincar, colocou-o na janela e se deitou. Pela manhã lá estava o bem-te-vi comendo os farelinhos. Ao terminar sua refeição, esticou o peito e pôs-se a cantar. Todas as noites ela não se esquecia do seu amigo cantor. O livro é uma janela que podemos abrir e nos encantarmos com a paisagem. Ora ele é instrutivo trazendo-nos o que desconhecemos, ora ele é portador de belezas que aprimoram o nosso conhecimento, ele pode ser engraçado também, proporcionando-nos divertimento. Não podemos ficar sem ele, embora os nossos políticos estejam a fazer de tudo para que não o possamos adquirir. Eles estão querendo nos roubar esta janela.

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Vou agora fechar as janelas dos olhos e abrir as dos sonhos. Será que conseguirei ver alguém muito caro debruçada em uma janela? Será que poderei ver novamente a bonequinha preta cair da janela no cesto de alfaces fresquinhas? Será que conseguirei ver outra vez aquele que me descrevia assim “vestida de azul e branco trazendo um sorriso franco no rostinho encantador”. Será? Quando outrora abria a janela do meu quarto, via o flamboyant, árvore que papai plantou no passeio em frente à nossa casa. Uma vez ao ano ela florescia para minha alegria. Os seus ramos bem verdes foram crescendo e hoje eles chegam a beijar as grades da varanda da casa dando-lhe um toque maravilhoso. A casa é pintada de branco com a barra azul marinho lembrando o uniforme da normalista que esteve presente em minhas recordações. Agora fecho a janela do meu passado para abrir outras que virão, com certeza, com paisagens renovadoras, até quando Deus resolver fechá-las para sempre.

Irlanda Silva Gino Acadêmica da Academia Feminina mineira de Letras Cadeira n. 8

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Jô Drumond

NATAL 2020 A célebre frase do poeta americano Ezra Pound, “os artistas são a antena da raça”, aplica-se perfeitamente aos chargistas. Eles têm uma capacidade ímpar de captar o que se passa e de registrar numa charge o fato de forma perspicaz e bem-humorada. Até mesmo as tragédias são retratadas comicamente. Cultivo profunda admiração por esse tipo de criação artística. Estamos chegando ao fim de 2020, ano totalmente atípico, devido à avassaladora pandemia mundial. A charge acima demonstra exatamente isso. Quase tudo está de ponta-cabeça. Por que não uma menina no local da Natividade? Essa charge, que circula anonimamente pelas redes sociais, retrata bem os transtornos vividos neste ano. Enquanto durar o pandemônio causado pela covid, nada será como antes. Até pouco tempo, caso alguém entrasse mascarado em um banco, os agentes de segurança seriam acionados. Hoje, ao contrário, eles podem ser acionados caso alguém entre no recinto sem máscara. Usuais manifestações de afeto podem se transformar em sentença de morte. Todos estão infectados até que se prove o contrário. As palavras mais corriqueiras são “quarentena”, “confinamento” e “distanciamento social”. Por meio da internet, grande aliada dos confinados, pode-se fazer quase tudo virtualmente, na medida do possível. Entretanto o possível nem sempre é o bastante. Não se pode saborear a ceia de Natal virtualmente, a não ser por sinestesia, prelibando seus odores e sabores apenas com o olhar. A pergunta mais ouvida neste início de dezembro é: como será a confraternização de Natal, sem reunião familiar, sem abraços, sem presentes e sem comilança? Tudo pode acontecer. Até mesmo surgir no presépio uma menina em vez do menino-Jesus. Na primeira mirada da charge, o espectador ri ou gargalha, dependendo do impacto. Repare as fisionomias de espanto dos Reis Magos. Exaustos pela longa caminhada, seguindo a estrela-guia para adorar e presentear simbolicamente o menino-Deus com ouro, incenso e mirra, o que encontram? Uma menina! Que desolação! Sabe-se que, na criação artística, fazer rir é bem mais difícil que fazer chorar. Para provocar o choro há mecanismos infalíveis, como os utilizados nos dramalhões mexicanos. O riso, apesar de banal e corriqueiro, é de grande complexidade para os teóricos. O que provoca a derrisão a alguém, pode AFEMIL

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causar tristeza e até mesmo choro a outrem. Há diversos tipos de riso: o inocente, o diabólico, o satírico ou zombador, o irônico, o triunfante, o regenerador, o exultante... às vezes torna-se difícil aos estudiosos o desbravamento de suas sendas. Por que essa charge provoca a derrisão? A meu ver, o riso pode estar aqui associado a algo inesperado, mas também a um desacordo entre conceito e realidade, causado pelo automatismo inconsciente. O menino, salvador da humanidade, sempre foi representado como sendo do sexo masculino. Subitamente, contrassenso e inversão podem desencadear o riso fragoroso. Sub-repticiamente, podem desencadear também o riso irônico ou o sarcástico, devido à zombaria ao sagrado. Jesus, “filho de Deus feito homem”, misto de personagem histórica e mítica era do sexo masculino. Daí surge a pergunta que não se quer calar: Quem definiu o gênero e o sexo de Deus? Sabe-se que a iconografia da mitologia religiosa, ao longo dos séculos, foi criada por artistas do sexo masculino, já que o universo da mulher era restrito ao âmbito familiar. Evidentemente tais artistas retrataram a divindade pretensiosamente “à sua imagem e semelhança”, relegando a mulher a um plano inferior. Talvez seja resquício do patriarcado, iniciado há cerca de seis milênios, no qual o varão sempre tinha preponderância absoluta em todas as circunstâncias. Infelizmente o cristianismo adotou a mesma linha de exclusão do feminino. O representante de Deus na terra, o Papa, é do sexo masculino, assim como toda a hierarquia clerical: patriarca, cardeal, primaz, arcebispo, bispo, presbítero, padre, diácono... Aproveitando a sutileza do chargista sobre o Natal 2020, faz-se mister repensar a condição feminina de inferioridade e de submissão, na sociedade, desde priscas eras. Nota-se um misto de espanto e incredibilidade na expressão do primeiro rei Mago, que, dois mil anos atrás, exclama. É menina! E nós, mulheres do século XXI, atuantes em todos os setores da sociedade, após termos tido a permissão de acesso ao ensino formal, podemos perguntar, sem petulância. Por que não uma menina? Jô Drumond Acadêmica Efetiva da AFEMIL – Cadeira n. 24 Dezembro/2020

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Maria Amélia Bracks Duarte

SAUDADE DO NATAL Queiramos ou não, descrentes ou otimistas, as luzes que enfeitam a cidade na época do Natal nos remetem às brincadeiras ingênuas de um tempo que ficou para trás. Talvez seja mesmo esse sentimento de saudade pulsando num peito cansado que nos socorre e nos faz acreditar que Papai Noel realmente existe. É urgente crer em alegria, em pisca-pisca, em solidariedade na distribuição de presentes, em justiça social, na ilusão do sapatinho deixado na janela e no bom velhinho descendo de uma chaminé que nem existe mais. O cheiro do papel roxo da maçã importada permanece nas nossas doces lembranças, da mesma forma que o aroma da rabanada passada no açúcar no fogão à lenha da cozinha de azulejos azuis; a surpresa de receber a boneca de pano com carinha de porcelana pedida na letra miúda da carta ao Papai Noel; a certeza de que a boa nota na escola seria recompensada com o cavalinho de pau, numa época em que nem se conhecia o brinquedo eletrônico. Há pressa em ser feliz: tempo de Natal é tempo de recordações da infância protegida pela família que se reunia para a Missa de Galo; da roupa de babado e a fita de gurgurão enfeitando a cabeça; do jovem que jogava futebol no colégio dos padres; do primeiro beijo sempre adiado; da matinê na sessão da tarde, depois de comer a macarronada da vovó; da bala de goma presa no céu da boca; da pipoca partilhada entre mãos trêmulas; do primeiro diploma na escola e toda uma vida pela frente; do último diploma e a vida já era o agora. No entanto, 2020 foi um ano de máscaras: de rostos escondidos pelo temor de um vírus que não se aquieta; milhões de mortes no mundo e os abraços que não foram completados; mães não veem os filhos; irmãos não se visitam; os amigos se distanciaram; o medo nos fez prisioneiros, uns em mansões, a maioria, sem espaços, na promiscuidade da miséria. Às vésperas do Dia da Consciência Negra, um homem negro é morto em São Paulo a socos e pontapés na porta de um supermercado; a carne negra é mais barata, cantava Elza Soares; vidas negras importam é o lema da mudança lenta e sofrida. AFEMIL

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Contudo, Natal é tempo de continuar acreditando na justiça, nos que semeiam utopias e colhem verdades; no combate a todo o tipo de discriminação; nos que transformam a palavra em ação, na luta para que o mundo seja colorido para todos os povos; para que todas as crianças recebam a sua cota de alegria na partilha dos grãos de lentilha; para que, enfim, ocorra o milagre maior que é a presença do Menino Jesus na manjedoura singela, num tempo de cantigas e muita paz.

Maria Amélia Bracks Duarte Acadêmica da AFEMIL – Cadeira n. 9

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Maria da Conceição Elói

NATAL NA QUARENTENA

Para amenizar o isolamento e a solidão, fui buscar no passado um hino, uma poesia e um cartão postal com o descanso de Nossa Senhora na gruta. Saudosamente lembrei-me de Clara, Eleonora, Elza e de Antônia, a que sabia como ninguém, armar o presépio na sede da AFEMIL e que partiram para a casa do Pai. Mas mesmo fechadas em nossos lares e com máscaras, armemos na sala o presépio com suas imagens, estrelas e animais. Também, a árvore de Natal com suas luzes e bolas douradas. Aguardemos, esperançosas, a vinda da família musical de Brasília, que sempre encanta nossas celebrações natalinas: violinista Zoltan Paulini, Iracema, João Marcos, Pedro e Frederico. Vamos todos rezar, confiantes na bondade da Sagrada Família, para o término da pandemia.

MARIA DA CONCEIÇÃO ELOI Acadêmica a AFEMIL – Cadeira n.35

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Maria Lúcia Cardoso de Magalhães

NATAL DE GRATIDÃO! Obrigada Pai pelo nascimento de Jesus Cristo, nosso Redentor, em Belém! Obrigada Maria por te acolhido o Filho de Deus em teu ventre bendito e virgem! Obrigada São José por não ter repudiado Maria mas a abrigado e amado como a Mãe do Senhor! Obrigada Isabel por ter louvado à sua prima Maria pela graça de gestar o Salvador do mundo! Obrigada aos Pastores que, guiados pelos Anjos, foram visitar a Sagrada Família na gruta de Belém! Obrigada aos Magos que, iluminados pela Estrela, foram adorar Jesus na simplicidade do presépio! Obrigada a São João Batista, o Precursor, que soube anunciar e indicar o Messias tão esperado! Obrigada Pai pelo mistério insondável da encarnação do Filho de Deus! Que este seja nosso Natal de Gratidão! Gratidão pelo Universo e pelo nosso planeta Terra! Gratidão pelo sol, pela lua e pelas estrelas! Gratidão pelas montanhas, pelos vales e pelos mares! Gratidão pelas nossas famílias e pelos nossos amigos! Gratidão pela nossa saúde, pela nossa Vida, Senhor! Obrigada! Obrigada! Obrigada! Feliz Natal! Feliz Natal! Feliz Natal!

Malu de Magalhães Acadêmica da AFEMIL – Cadeira nº 29

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Maria Teresa Freire

TESTEMUNHO EM BRILHO Na minha morada silenciosa e escura aguardo o momento especial. O momento em que a luz clareia minha escuridão como o prenúncio da claridade constante que envolverá meus momentos, horas, dias e noites que seguirão. A claridade que se incorporará à minha existência envolver-se-á de risos, conversas, abraços, beijos, cumprimentos carinhosos, de alegria! Estarei acompanhada de brilhos, enfeites, mesa decorada, vinho saboroso, comida deliciosa. Estarei acompanhada de pessoas calorosas, vestidas com suas melhores roupas, com seus finos acessórios, envoltas em animação, em satisfação, em esperança de que o momento quase perfeito se repita nos dias adiante. Retiram-me do local escondido, protegido onde estou embrulhada em papel de seda para que eu me mantenha brilhante e suave. Desembrulham-me, apreciando minha beleza singela, ainda que imponente. Levam-me para eu ser colocada no lugar que é sempre meu, acima das desavenças, acima do malquerer que, por vezes, se instala entre as pessoas. Acima da inveja, do ódio, da luta, do desencontro, dos vários desamores. Acima dos males terrenos que afligem mentes, almas e corações. Acima sim, para que o meu brilho lhes recorde para onde devem dirigir seus passos: para a luz, esperança e fraternidade. Lá, do alto, observo a casa colorida, em verde, vermelho, prateado e dourado. Cores espalhadas por todos os espaços familiares, em pequenos objetos, em flores diminutas, em grandes pétalas que preenchem vasos de cristal límpidos e transparentes. Enfeites da época que relembram tradições, apegadas aos seus corações e mentes, tradições veneradas, tradições que sustentam o sentido da festa, a ingênua crença das crianças e a esperança de muitos. Continuo a olhar, curiosa, os brindes em alto e em bom tom para que todos se unam no tilintar das taças, cheias de borbulhas na delicada cor âmbar a confirmarem os desejos de felicidade. Sigo olhando, atenta, aos atraentes pratos abarrotados dos manjares apetitosos que traduzem a reverência ao capricho de criação de tantos sabores delicados, fortes, claros, escuros, mas sempre convidativos à degustação. AFEMIL

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Junto a mim, outros acompanhantes se instalam harmonizandose àqueles duradouros momentos de contentamento e resplandecente de boa vontade entre as pessoas. Todos nós, bolas, pingentes, guirlandas, luzinhas e tantos outros, somos partes desse momento de regozijo e cooperamos para que assim seja. Nós, as enfeitadas decorações de Natal. Sou a estrela que, na ponta mais alta da árvore de Natal, simboliza a verdadeira estrela que guiou os três Reis Magos até ao Pequeno Menino que nascia e trazia consigo a esperança de amor e renovação ao mundo. Sou a estrela cujo brilho deve ser a guia de todos para a luz, para a compreensão, solidariedade e fraternidade. Recolhem-me à minha morada silenciosa, porém com um sentimento esperançoso de ter cooperado em um festejo glorioso de amor e aconchego humano. No próximo ano voltarei para renovar esses votos, com o mesmo brilho de sempre, pois represento a estrela que guia suas vidas!

Maria Teresa Freire Acadêmica Benemérita

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Elizabeth Rennó

POSFÁCIO Atualidade A nossa Palavra de Natal será diferente neste ano de 2020. Nossa comemoração será simples sem grandes enfeites dourados, ceias lautas, muitos presentes. Que vivamos na simplicidade, guiados pelo amor, na dedicação, conduzidos pelo Espírito de Luz em nossa comunidade. Agradeçamos o bem que nos ficou, as pessoas que não se foram, o amor que restou. A mão de Deus nos guiará e com ela, temos certeza, o futuro será benéfico para nossos filhos. Cumpre-se a profecia advertida por São Lucas (capítulo 17, versículos 35,36). Naquela noite estarão dois em uma cama: um será tomado e outro será deixado. Duas estarão juntas, moendo: uma será tomada, e outra será deixada. Assim tem sido. Um será salvo, o outro partirá. Aos que se foram, aos que aqui estão, aos que chegarem. Ao passado, ao presente, ao futuro. É preciso grande aceitação e conformidade para compreender os desígnios de Deus. Que Jesus Menino, de sua manjedoura, lance seu olhar sobre nós e nos ampare. Que a nossa Academia Feminina Mineira de Letras, forte e preciosa, neste novo ano que se anuncia promissor, honre seus princípios e seus projetos, como sempre fez em sua história. Que a Palavra plena e verdadeira seja sempre o nosso norte.

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AMIGOS DA AFEMIL

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Evandro Valentim de Melo

OUTRO VÍRUS Primeiras horas do mês de dezembro, céu ainda escuro. Ambos chegam quase ao mesmo tempo. — Logo você? Tanta gente mais interessante... — O prazer também é meu, senhor rabugento. — Você está atrasado. — Dois minutos. — Atraso é atraso, não importa. — Fez alguma coisa ou ficou à toa, coçando o joelho? — Eu lá sou homem de ficar à toa? — Então, mãos à obra. Agarraram firme a manivela e tentaram girá-la. — Emperrada. — Ou enferrujada. — Pudera, um ano como este... — Aplique spray lubrificante. — Não ensine meu trabalho, sei o que fazer. — Alguma vez na vida você sorriu? — Não é de sua conta! Vamos tentar de novo. Minúsculo movimento da manivela. — Não seja pão duro, aplique mais lubrificante. Bastante desta vez. As expressões faciais retratavam a intensidade do esforço. Uma eternidade de minutos depois, a manivela se movimentou alguns milímetros. Sentaram-se exaustos, arfantes. — Não temos mais idade para essas coisas. Ele podia ter convocado dois jovens... AFEMIL

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— Você é ranzinza até não poder mais. Muitos gostariam de estar aqui. Somos privilegiados, isso sim. Dez minutos depois, ergueram-se resolutos. — Ou vai ou racha! Músculos retesados, dentes trincados, gotas de suor a escorrer em bicas... A manivela, finalmente, cedeu. Sorrisos largos substituíram a tensão nos rostos. Os pequenos trabalhadores se abraçaram esquecendo as ranhuras do início do encontro. Aberta a portinhola, o manto do espírito natalino foi liberto. Subiu aos céus, espraiou-se a fim de contagiar todos os viventes com um novo vírus, este benéfico. A população mundial receberia um bálsamo compensatório pelo enorme sofrimento experimentado em 2020, a inexplicável felicidade do natal. Assim seja, dentro ou fora da ficção.

Evandro Valentim de Melo, Administrador e Mestre em Recursos Humanos

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Teófilo Minga

SÃO NUNO DE SANTA MARIA São Nuno de Santa Maria, O Santo Condestável. Militar de valentia, E da corte, homem amável. Nasce em Cernache do Bonjardim. Será casado com Leonor de Alvim. (1) Militar, a um dado momento, É armado Cavaleiro entre os Cavaleiros. Dona Beatriz será filha do seu casamento. Participará na batalha de Atoleiros, E também na batalha de Aljubarrota. Mas, homem de Deus, mudará de rota! (2) É ainda eleito do Reino, grande defensor, Convite que lhe chega do Mestre de Avis. Mas, por outros lados já vai o seu amor, Que, em tudo, o deixará mais feliz. Sonha consagrar-se totalmente a Deus. Aos pobres dará todos os bens seus. (3) Professa no Carmo em 15 de agosto, Dia de Nossa Senhora das Assunção. Pode, finalmente, responder ao seu gosto, AFEMIL

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Satisfazer o desejo do seu coração. Por Maria, a Deus é enfim consagrado. Nos Carmelitas continuará o seu fado! (4) O seu fado, longe das ambições terrenas. Agora, só a Deus quer adorar e servir. Olha para o Alto, combate de outras arenas… Tudo partilha e tudo dá antes de partir. Tudo abandona para abandonar-se totalmente Ao Senhor! Outro modo de servir a sua gente! (5) Teófilo Manziana, 6 de novembro de 2020 1) A festa litúrgica de São Nuno de Santa Maria é no dia 6 de novembro. A 15 de Janeiro de 1918 a Sagrada Congregação dos ritos, em sessão plenária, aprova e reconhece o culto do Santo condestável, que o Papa Bento XV confirma, no decreto de 23 de janeiro do mesmo ano. Em 26 de Abril de 2009, foi canonizado por Bento XVI. Tive a alegria de poder presenciar a festa da canonização na Praça de São Pedro em Roma. 2) O Santo Condestável: foi sempre uma figura simpática que ficou na minha memória, desde os bancos da escola primária. Admirava-o por ter tido grande riqueza e lugar de destaque no Reino de Portugal. E a um dado momento deixa tudo para entregar-se totalmente a Deus. Nasceu a 24 de Junho de 1360 no Cernache do Bonjardim. Aos 13 anos fazia parte do séquito do rei Dom Fernando e por essa altura foi armado Cavaleiro 3) Por obediência a seu pai casa com D. Leonor de Alvim, rica dama de Entre-Douro-e-Minho. Do casamento nasceu uma filha: Dona Beatriz, e dois filhos que morreram em tenra idade. Após a morte de D. Fernando e porque a filha deste era casada com o rei de Castela, vendo ameaçada a independência nacional entra em atividade política. Após vencer várias batalhas (Atoleiros, Aljubarrota) e já viúvo lança ombros à construção do Convento do Carmo, em Lisboa. AFEMIL

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4) Em 1422 partilha os seus bens e professa no Carmo, em 15 de agosto de 1423. Sempre o dia de Nossa Senhora da Assunção a presidir aos momentos culminantes da sua vida. 5) Ei-lo agora o asceta despegado de toda as ambições terrenas, entregue por completo ao único fito de adorar e servir a Deus: o herói de outra batalha que, depois de se ter mostrado invencível nas lutas do mundo, abandona tudo para se tornar apenas, humilde e feliz, Frei Nuno de Santa Maria. Um santo extraordinário no desapego das coisas. Um belo exemplo para nós. Permanece um convite, para todos nós, a fazermos de Deus, em nossas vidas, a grande prioridade. A prioridade absoluta. E ao entregar-se totalmente a Deus, não deixou de servir os seus irmãos, por quem já tinha repartido todos os seus bens. E não eram assim tão poucos, ao ser Condestável do Reino (Condestável= Comandante Supremo do exército). Encontrou apenas outro modo de os servir no silêncio da oração e da contemplação.

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Teófilo Minga

O PRIMEIRO ROSÁRIO O primeiro Terço, Quem o rezou foi Jesus, Aprendendo no berço, Onde tudo era luz, A da mais linda manhã. E Maria a ouvir: “Mamã”. (1) Mamã, outra vez ainda, Balbucia o menino… Que oração mais linda, O mais simples hino, Da boca de uma criançaE Maria, certamente, dança! (2) Dança enquanto varre a sala… Mas vai ouvindo esta oração, Fruto do amor que embala, E lhe toca o fundo do coração. Com Jesus podemos aprender: “Mamã”: seja o nosso modo de ser! (3) Sejamos homens e mulheres mariais, Tendo, por Maria, especial carinho. “De Maria nunca diremos demais” AFEMIL

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Esteja sempre presente no nosso caminho. Pouco importam as invocações: são variadas. Mas, em Maria, somos sempre pessoas amadas. (4) Seja grande a devoção ao Rosário, Ou a qualquer outra oração mariana. Saibamos encontrar um momento diário, Para Maria que, com todo o amor, exclama: Bem-vindos sejais: meu filho, minha filha. Comigo, em vós, a luz de meu Filho brilha. (5) Teófilo Manziana, 24 de novembro de 2020. Às vezes, caem-te nas mãos fotografias ou pinturas que parecem uma coisa de nada. E, no entanto, carregam em si uma grande mensagem existencial, religiosa, social, relacional e todas dentro de um modo de ser extraordinariamente humano. Assim foi para mim, esta imagem que me chegou hoje. O primeiro Rosário quem o rezou foi Jesus. E eu que tinha passado anos a dizer que São Domingos, quando fui professor de Mariologia, foi o “inventor” do Terço. Uma forte tradição na Igreja diz que São Domingos de Gusmão, enviado pelo Papa Gregório IX (1227-1241) para converter os hereges cátaros na França, recebeu a visita de Nossa Senhora, que lhe apresentou o Terço e o Rosário como armas para a conversão dos hereges. São Domingos caminhava rezando o Rosário e pregando a sã doutrina da fé. Segundo a tradição, São Domingos converteu milhares de hereges com a oraçao do Terço. Mas podemos imaginar um Terço simplificado. Os pastorinhos de Fátima diziam: “Ave-maria” e respondiam “Santa Maria”. Jesus ainda parece tê-lo simplificado mais: “Mamã, mamã…”. Era o modo de exprimir, como todas as crianças, o seu amor por Maria. Mas, de acordo, com as situações que vivemos pode ser um pedido de ajuda ou um grito de louvor, repetindo-o como se fosse um mantra espiritual que nos põe sempre numa relação amável com Maria. Ouvido na boca de uma criança é de

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extraordinária beleza, simples, espontânea. Mas de um modo, à sua maneira consciente, transmite sempre um grande amor. Lembro-me das minhas tias que rezavam o Terço, quando faziam as tarefas de casa. No coração mesmo do trabalho, não esqueciam a mãe de Deus. E Maria, ali estava com elas. Viriam as crianças a fazer o seu apelo, chamando apenas: “Mamã”. Era um modo muito natural de se associar, inconscientemente, à oraçao que as mamãs faziam. E, desde pequenos, o sentido da oração e da relação com Deus e Maria aparecia no nosso modo de ser. Quem não recorda, já mais cresciditos, as nossas mães ou as nossas avós a ensinar-nos a rezar as três Ave-marias, ao deitar? Era a melhor oraçao da noite que poderíamos fazer. E fica o convite a sermos homens e mulheres com uma grande devoção a Maria. Sabemos o que Maria significa em toda a tradição cristã: entre outras coisas, sem duvida importantes para a dogmática cristã, sabemos que Ela é Mãe de Deus, Mãe da Igreja, nossa Mãe. Aqui uso uma expressão de São Maria Grignon de Monfort “De Maria nunquam satis” que seria: “De Maria Santíssima, jamais se falará suficientemente” ou: “A respeito de Maria jamais se dirá o suficiente”. É uma frase atribuída a São Bernardo de Claraval, e repetida depois por muitos santos. Contudo não se conhece nenhum documento deste “cantor da Virgem” onde apareça a frase. Ela é encontrada no livro Tratado da verdadeira devoção a Maria de São Luis Maria Grignion de Monfort (1673-1716) publicado pela primeira vez em 1843. Possa ela ser compreendida por todos nós na expressão do nosso amor a Maria, Rainha, sem dúvida, mas Mulher do povo “com poeira nos pés” (como diz um documento Marista sobre Maria). Talvez a sensibilidade moderna a encontre mais neste modo de ser simples, Maria de Nazaré, lembrando o viver simples de tantas mulheres das nossas aldeias e cidades. Invocamo-la com mil títulos, mas é sempre a Mãe do Céu que está aí para nos livrar de todos os perigos. Eu tenho essa experiência. Já tive três acidentes nas estradas que poderiam ter sido muito ruins. Acabaram por ser pouco coisa. Por coincidência verifico que esses acidentes foram em dias de festas de Nossa Senhora (dois deles) e um quando viajava depois de uma peregrinação a Fátima. De uma forma muito visível, Ela protegeu-me nesses momentos. Mas, não há que duvidar: Ela protege-nos sempre. Limito-me aqui a escrever estes dados que podemos encontrar na Internet: Leão XIII (1878-1903), em tempos difíceis, dedicou ao Rosário dezesseis documentos, sendo onze encíclicas e uma constituição apostólica; AFEMIL

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Paulo VI dedicou três documentos ao Rosário; uma encíclica (Mense, de 29 de abril de 1965) recorda que “Maria é caminho para Cristo e isto significa que o recurso contínuo a ela exige que se procure nela, para ela e com ela, Cristo Salvador, ao qual nos devemos dirigir sempre”. Na carta apostólica de João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae, ele declara: “Percorrer com ela [Maria] as cenas do Rosário é como frequentar a ‘escola’ de Maria para ler Cristo, penetrar os seus segredos, compreender a sua mensagem”. O Rosário pode promover o ecumenismo. “É a minha oração predileta”, disse João Paulo II. Em 10 de outubro de 2010, o Papa Bento XVI disse que o Rosário é “a oração mais querida pela Mãe de Deus e que conduz diretamente a Cristo. O Rosário é a oração bíblica, totalmente tecida pela Sagrada Escritura. É uma oração do coração, em que a repetição da Ave-Maria orienta o pensamento e o afeto para Cristo”. E como não seria assim, se Jesus, bem pequeno ainda, foi o primeiro a recitar o Rosário: “Mamã, mamã, mamã…”. Tê-lo-ia dito 50 vezes?

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