TCC Processos Manuais de Impressão - Patrick Fernandes

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PROCESSOS MANUAIS DE IMPRESSÃO Técnicas Criativas de Experimentação no Projeto de Design Gráfico PATRICK FERNANDES DE CARVALHO MOURA

Universidade Federal De Pelotas Centro de Artes Bacharelado em Design Gráfico Pelotas 2014



Projeto acadêmico apresentado ao Curso de Design Gráfico da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Design Gráfico. Acadêmico Patrick Fernandes de Carvalho Moura Orientadora Prof.ª Dr.ª Andréia Bordini Brito

Qualificadora e Examinadora Prof.ª Dr.ª Lúcia Bergamaschi Costa Weymar Qualificadora e Examinadora Prof.ª Dr.ª Roberta Coelho Barros Qualificadora e Examinadora Convidada Prof.ª Dr.ª Maria de Lourdes Valente Reyes

Pelotas 2014



A história nos mostra que os conhecimentos acumulados pelas civilizações não se eliminam, ao contrário, somam-se. - Anico Herskovits

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente aos meus pais, por saberem que daria certo a Andréia, pelo entusiasmo que me trouxe aqui a Maria de Lourdes, pela inspiração a Lúcia, pelo incentivo e apoio a Roberta, por achar bem a Helena por me apresentar o mundo da gravura e a Márcia, por me manter nele a Regina, pelos conselhos a Júlia, por fazer de amizade e amor um só ao Fábio e a Tabata, por cuidarem aos amigos que fizeram parte


resumo Esta pesquisa, desenvolvida no Curso de Design Gráfico da Universidade Federal de Pelotas, objetiva resgatar os processos manuais de impressão como ferramenta de criação e experimentação do processo de design. Nela, evidencio a influência que o contato com o espaço físico e o acaso têm para o pensamento projetual do designer e para a descoberta, percepção e concepção de novas alternativas. Assim, articulo as possibilidades técnicas não convencionais aos recursos de edição e de reprodução atuais a fim de criar uma série de cartazes e um projeto editorial híbrido que, juntos, destaquem as possibilidades visuais e táteis da impressão manual. Palavras-chave: Impressão manual, Experimentação, Processos, Design Gráfico


abstract This research developed in the Graphic Design Course at the Federal University of Pelotas, aims to rescue the manual processes of printing as a tool of creation and experimentation of the design process. I demonstrate the influence that the contact with the physical space and the unforeseeable actions have in the designer’s thinking and discovery, perception and conception of new alternatives. Therefore, I articulate the unconventional techniques possibilities to editing and reproduction ressources of current to create a series of posters and a hybrid publishing project that together highlight the visual and tactile possibilities of manual printing technical possibilities. Keywords: Manual Printing, Experimentation, Processes, Graphic Design


lista de figuras Figura 1

Tradicional carimbo chinês

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Figura 2

Carta de Baralho em xilogravura

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Figura 3

Composição de tipos móveis

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Figura 4

Pedra Litográfica

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Figura 5

Processo offset de impressão

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Figura 6

Andy Warhol durante impressão serigráfica

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Figura 7

Fotolitos

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Figura 8

Matriz de impressão offset

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Figura 9

Fases do método segundo Löbach

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Figura 10

Fases do método segundo Peón

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Figura 11

Fases do método segundo Munari

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Figura 12

Litografia e infografia 40x60cm, 1998

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Figura 13

Projeto desenvolvido para MTV

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Figura 14

Projeto PUM Zine

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Figura 15

Cartão PUM Zine com imagem fotográfica

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Figura 16

Cartão PUM Zine com traços e tipografia manual

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Figura 17

Cartão PUM Zine com imagem digital

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Figura 18

Cartão PUM Zine com a imagem impressa duas vezes

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Figura 19

Impressões do Projeto PUM Zine

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Figura 20

The American Spirit Jack Daniel’s

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Figura 21

Gavetas de tipos móveis da Yee-Haw

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Figura 22

Gravação do bloco de madeira

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Figura 23

Whisky JD misturado à tinta

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Figura 24

Cartaz Jack Daniel’s

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Figura 25

Cartaz Jack Daniel’s July 4th

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Figura 26

Cartaz Jack Daniel’s Free Spirits

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Figura 27

Detalhe embalagem Sabadì

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Figura 28

Gravação do Linóleo

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Figura 29

Entintagem da placa

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Figura 30

Processo de gravação e impressão do linóleo

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Figura 31

Alteração das cores para criação das embalgens

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Figura 32

Embalagens finais do chocolate Sabadì

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Figura 33

Painel de referências visuais

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Figura 34

Esboços de estrutura

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Figura 35

Estrutura escolhida

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Figura 36

Estrutura Vetorizada

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Figura 37

Desenho vetorizado sobre o carbono e o linóleo

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Figura 38

Marcas da lapiseira sobre o carbono

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Figura 39

Processo de gravação do linóleo

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Figura 40

Gestos da gravação do linóleo

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Figura 41

Impressão do linóleo, utilizando prelo, em papel Pólen Bold 90g/m2

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Figura 42

Testes de Impressão do linóleo, utilizando prelo, em papel Pólen Bold 90g/m2

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Figura 43

Impressão do linóleo, utilizando colher, em papel Pólen Bold 90g/m2

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Figura 44

Impressão do linóleo, utilizando prelo, em papel Sulfite 75g/m2

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Figura 45

Cartaz Linóleo

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Figura 46

Composição de tipos móveis

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Figura 47

Afabeto de tipos móveis

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Figura 48

Processo de impressão com tipos móveis

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Figura 49

Impressão de palavras com tipos móveis

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Figura 50

PRINT - tipos móveis presos com elástico

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Figura 51

Testes de impressão com tipos móveis utilizando tintas e papéis diversos

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Figura 52

Impressão do alfabeto Arial com tipos móveis em diferentes entintagens

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Figura 53

Entintagem de tipos móveis com rolo

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Figura 54

Composição digital das letras impressas com tipos móveis

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Figura 55

Fotografia da raposa e, abaixo, depois de tranferida com tíner

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Figura 56

Grid da proporção áurea

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Figura 57

Cartaz Tipos Móveis

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Figura 58

Tinta sobre superfície da mesa de impressão

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Figura 59

Impressão de monoprint, em papel Sulfite 75g/m2

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Figura 60

Impressão de monoprint, escrita, em papel Sulfite 75g/m2

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Figura 61

Impressão de monoprint, com máscaras, em papel Sulfite 75g/m2

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Figura 62

Texto sobre o mármore para impressão

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Figura 63

Texto sobre o mármore para impressão

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Figura 64

Impressão de monoprint, escrita, em papel Sulfite 75g/m2

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Figura 65

Ferramentas criasdas a partir de lápis e esponja

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Figura 66

Teste de escrita sobre a mesa de impressão

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Figura 67

Impressão de monoprint, escrita cursiva, em papel Sulfite 75g/m2

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Figura 68

Impressão de monoprint, escrita condensada, em papel Sulfite 75g/m2

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Figura 69

Cartaz Monoprint

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Figura 70

Tela serigráfica 77 fios, antes da gravação

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Figura 71

Imagem com ferramentas das impressões manuais

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Figura 72

Imagem com palavras-chave

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Figura 73

Fotolito de impressão 1 em papel Poliéster

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Figura 74

Fotolito de impressão 2 em papel Poliéster

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Figura 75

Fotolito sobre caixa de luz para gravação da tela

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Figura 76

Lavagem da tela após gravação

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Figura 77

Tela após gravação e lavagem

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Figura 78

Detalhe da Tela após gravação e lavagem

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Figura 79

Processo da impressão serigráfica

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Figura 80

Processo da impressão serigráfica

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Figura 81

Processo da impressão serigráfica

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Figura 82

Entintagem do rodo para impressão

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Figura 83

Impressões em serigrafia sobre diversos papéis

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Figura 84

Impressões em serigrafia sobre diversos papéis

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Figura 85

Impressões em serigrafia na secadora

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Figura 86

Impressões preparadas para receberem a segunda tela

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Figura 87

Impressão da segunda tela

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Figura 88

Segunda tela impressa em azul

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Figura 89

Impressões serigráficas finalizadas

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SUMÁRIO IMPRESSÕES INICIAIS

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1. PROCESSOS DE IMPRESSÃO

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1.1 RELEVO QUE REVELA 1.2 IMPRIMIR E MULTIPLICAI-VOS 1.3 AUTOMATIZAÇÃO DIGITAL

2. O PROCESSO CRIATIVO 2.1 PRODUÇÃO GRÁFICA: O PROJETO IMPRESSO 2.1.1 PROJETAÇÃO 2.1.2 PRÉ-IMPRESSÃO 2.1.3 IMPRESSÃO 2.1.4 ACABAMENTO 2.2 O PROCESSO PROJETUAL 2.3 O DESIGNER CRIADOR DE ALTERNATIVAS 2.4 EXPERIMENTAÇÃO

3. ANÁLISES 3.1 ESTÚDIO PUM 3.2 JACK DANIEL’S 3.3 SABADÌ

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51 53 54 55 56 57 58 60 66

75 77 88 98


4. IMPRESSÃO COMO PENSAMENTO 4.1 IMPRIMIR PARA CRIAR 4.2 LINOLEOGRAVURA - CARTAZ MACHINE 4.3 TIPOS MÓVEIS - CARTAZ FOX 4.4 MONOPRINT - CARTAZ IS NOT DEAD 4.5 SERIGRAFIA - PROJETO EDITORIAL

109 111 119 145 171 191

impressões FINAIS

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REFERÊNCIAS

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IMPRESSÕES INICIAIS



O Curso de Design Gráfico da UFPel, com a característica de ter surgido como uma habilitação das Artes Visuais, é por si só uma das grandes motivações para este trabalho acontecer. Esta relação de proximidade, inclusive física, gera para mim, enquanto aluno, não somente o diálogo constante entre os dois campos, como também uma troca entre suas formas de pensar e fazer. Claro que não me dei conta desse potencial de imediato, nas aulas do meu primeiro semestre, acredito que o tempo necessário para acontecer a minha identificação com os ateliês de impressão tenha se passado naturalmente. O primeiro, dos três estímulos, veio por parte dos próprios professores do design, ao nos incentivar a cursar outras disciplinas ofertadas além da nossa grade curricular. A seguir, o contato nos encontros acadêmicos com estudantes de outras faculdades de design país afora também foi fundamental, fazendo-me conhecer as características dos outros cursos e, naturalmente, fazendo-me perceber as particularidades do nosso curso de design. Para completar a tríade, o meu ingresso no grupo de extensão Gravadores de Rua, coordenado pela professora Helena Kanaan aproximou-me, definitivamente, do espaço da gravura. As reuniões do grupo se davam sempre nos ateliês de impressão, o que fazia recorrente a divisão do espaço com alguns alunos que estivessem trabalhando em suas matrizes: gravando e imprimindo. O encantamento com a linguagem que ali vi não tardou a se transformar em curiosidade e, por isso, matriculei-me na disciplina Introdução à Gravura. Em uma turma com a predominância de alunos das Artes Visuais, tive a oportunidade de experimentar diversas técnicas de impressão manual e trocar experiências quan23


to ao modo de trabalho dos outros colegas. Com o tempo curto para cada processo e a clara falta de prática, posso descrever como aquele sendo um semestre de descobertas e surpresas. Ao levantar a folha sobre a matriz entintada eu percebi que não era possível precisar o resultado que eu encontraria. Isso me conquistou. No sexto semestre, quando comecei a esboçar o tema para o presente trabalho, iniciei na disciplina Ateliê de Gravura I, ministrada pela professora Márcia Sousa. Com uma abordagem mais aprofundada sobre a gravura, tive que traçar um plano de trabalho que articulasse tanto a técnica quanto a poética que guiariam a minha produção naquele semestre. O fato de ser o único aluno da turma cursando design me instigou a refletir acerca da relação que o designer gráfico atual tem com as técnicas manuais de impressão que vinha praticando, na busca de entender como elas e o contexto do ateliê de impressão mudavam a minha percepção do processo projetual. Em uma época na qual os projetos acontecem através de interfaces virtuais, dei-me conta que esta relação do designer gráfico com a impressão muito se difere de outros tempos. Os processos foram se adaptando às tecnologias e à demanda sempre crescente, se automatizando para atender às exigências de soluções cada vez mais rápidas. O desenvolvimento de softwares que permitem outras possibilidades de criação e também a simulação de diversas técnicas manuais no ambiente digital faz com que, em muitos casos, os projetos tenham o computador como ferramenta inseparável do projeto. Se por um lado as impressões manuais demandam tempo e possuem suas limitações em comparação com outros processos avançados de impressão, a experiência 24


visual e tátil que elas permitem e a experimentação que carregam não podem ser renegadas pelos atuais estudantes e profissionais. Cada uma das técnicas possui materiais, ferramentas e gestos que são intrínsecos ao seu processo e, sendo assim, contam com fatores de imprevisibilidade presentes desde a escolha e confecções das matrizes, até o momento da entintagem para impressão. A relação do “feito à mão” e o sentimento de singularidade que esses processos carregam para seus resultados, vão ao encontro da tendência e do desejo de exclusividade que o público atual busca após décadas de produção em massa. Assim, tenho como objetivo principal desta pesquisa trabalhar no resgate de técnicas manuais de impressão, inserindo-as como ferramentas de criação de alternativas do processo de design para, junto às tecnologias atuais, realizar a produção de uma série de cartazes que evidenciem as vantagens e linguagens das próprias técnicas experimentadas. Para tanto, estruturei o trabalho em quatro capítulos que abrangem objetivos mais específicos acerca da pesquisa. No primeiro capítulo (Processos de impressão) traço uma narrativa sobre a evolução das principais técnicas de impressão, para compreender seus materiais e processos. A partir deste estudo teórico inicial, foi possível esboçar as técnicas que posteriormente utilizo para o projeto prático. No capítulo seguinte (Processo criativo) articulo a relação entre criação e impressão, ao demonstrar como ocorre, atualmente, o projeto e a produção de um material impresso. Discuto ainda como a experimentação de técnicas e ferramentas não convencionais podem estar presentes 25


durante esse processo, para contribuírem na criação de alternativas. Realizo, então, no momento seguinte (Análises), a pesquisa de projetos que encaram a impressão manual de diferentes maneiras. O conhecimento de seus métodos ajuda a entender quais conceitos estão envolvidos quando se opta por técnicas manuais dentro do design atual. Por fim (Impressão como pensamento), apresento o planejamento e a execução da série de cartazes. Levando em consideração o acesso, a pluralidade de resultados e o tempo para execução, decidi fazer o recorte das seguintes técnicas: linoleogravura, tipos móveis e monoprint. A temática dos cartazes promove os principais conceitos abordados na pesquisa teórica, tais como o uso de ferramentas não convencionais e a renovação ao invés da substituição de técnicas. Na busca por expandir e experienciar as possibilidades do meio gráfico e, também, trazer a sensibilidade tátil da impressão manual, incorporo diretamente ao projeto gráfico desta pesquisa as minhas experimentações com a serigrafia. Exploro ainda recursos de impressões em diferentes tipos e formatos de papéis, além de, incorporar a escrita manual, como anotações, a fim de trazer a linguagem do esboço e do traço à mão livre que carregam os sketchbooks. A intenção é fazer com que o projeto editorial corresponda ao conteúdo apresentado. Para dar conta dos objetivos estabelecidos por este estudo de abordagem qualitativa, separei a metodologia em duas fases: bibliográfica teórica e projetual prática. O primeiro momento, que compreende os três capítulos iniciais, está baseado na pesquisa bibliográfica e documental. Já o segundo momento, é voltado para criação dos 26


cartazes e do projeto gráfico. Assim, faço o relato do meu processo projetual e da minha experiência nos ateliês de impressão para realização da prática. A inter-relação de ambos os momentos traz à pesquisa o caráter teórico-prático, no qual as atividades de pesquisa e a experimentação permeiam e se sobrepõem constantemente durante todo o projeto. Parte-se do princípio de que a experiência no ateliê exige uma maior interação do designer com o espaço físico, desde a concepção do projeto até o momento da impressão e, isso, traz consigo, um novo olhar sobre o trabalho. O conhecimento adquirido contribui para ampliar o repertório, não apenas técnico como também visual, através do contato com novas formas, cores e texturas. O intuito, contudo, não é defender uma volta ao passado, mas sim trazer o conhecimento sobre como essas técnicas podem contribuir para soluções criativas e, assim, instigar outros estudantes e profissionais de design a buscarem modos inspiradores de trabalhar e renovar o design gráfico.

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PROCESSOS DE IMPRESSテグ


É importante compreender o que de mais fundamental pode significar o termo “impressão” aqui empregado. No primeiro momento precisa-se desassociá-lo de suas manifestações nas diferentes áreas, como na arte, no design e na imprensa, nas quais a impressão pode representar uma gama de processos distintos. Gascoigne (1986, p.12) ajuda nessa compreensão ao afirmar que a “impressão é estritamente definida como a transferência de tinta de uma superfície (bloco, chapa, ou pedra) preparada com uma imagem para uma folha de papel ou outro material.” Entende-se a impressão como o resultado obtido a partir da pressão exercida em uma matriz entintada sobre outra superfície. É a materialidade das matrizes que indica as possibilidades tanto projetuais quanto os resultados visuais que podem ser obtidos a partir dela.


CARBONO

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1.1 RELEVO QUE REVELA De acordo com Ross (1990), os primeiros registros mostram que a impressão teve surgimento na China, no início do século IV. A primeira técnica desenvolvida foi a impressão em relevo, a qual se caracteriza pela retirada dos espaços que não serão impressos permitindo, assim, que apenas a parte em alto relevo seja entintada e tenha transferida sua imagem para o suporte. Elementos caligráficos (Fig. 1) eram entalhados em superfície plana (ouro, prata ou jade), para depois serem entintados e pressionados sobre outro suporte para imprimir, como uma forma de carimbo rudimentar. Foi por volta do século VIII que a impressão em relevo passou a utilizar blocos de madeira como matriz, marcando o que hoje se entende por xilogravura. Nessa época, imagens e textos religiosos eram amplamente produzidos e distribuídos para a população chinesa, significando uma verdadeira revolução intelectual e cultural no Oriente (MEGGS, 2009). Foi somente no século XIV que a impressão com matrizes em madeira passou a ser conhecida na Europa, voltada

Figura 1: Tradicional carimbo chinês Fonte: Philip Meggs

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em um primeiro momento para estampagem de tecidos. As possibilidades de utilização da técnica se ampliaram a partir do aumento na produção de papel que aconteceu na França, Itália e Alemanha por volta de 1400. As primeiras impressões ocidentais em papel foram destinadas principalmente para reprodução de ícones religiosos. A vida dos santos e outras passagens bíblicas eram retratadas como numa espécie de história em quadrinhos, com o intuito de facilitar a compreensão até mesmo da grande maioria iletrada da época (FERREIRA, 1997). Além do caráter religioso que as impressões tiveram nesse período, Meggs (2009) destaca também a importância do baralho (Fig. 2). Apesar de oficialmente banido pelo clero, este jogo era um dos mais populares da época. As cartas gravadas em madeira e depois impressas em papel circulavam desde a nobreza até à classe de trabalhadores: Os baralhos foram as primeiras peças impressas a passar para uma cultura iletrada, fazendo delas a mais antiga manifestação europeia da capacidade de democratização da impressão (MEGGS, 2009, p. 93).

Com o tempo, as narrativas religiosas evoluíram para livros mais extensos, o que exigiu novas soluções no processo de mecanização das publicações. Mesmo que a busca pela impressão por tipos móveis não tenha sido centralizada em apenas um local da Europa, é creditado ao alemão Johan Gutemberg o título de inventor do processo de impressão tipográfica em 1450 (MEGGS, 2009). Segundo Meggs (2009, p. 97) Gutemberg “trabalhou durante dez anos para obter sua primeira impressão e vinte até imprimir o primeiro livro tipográfico, chamado de bí36


Figura 2: Carta de Baralho em xilogravura Fonte: Philip Meggs

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Figura 3: Composição de tipos móveis Fonte: flickr.com/marcinwichary


blia de 42 linhas”. O processo de impressão se iniciava com a escolha da tipografia a ser fundida, geralmente inspirada na letra dos escribas. Após a confecção em chumbo, os caracteres eram colocados individualmente, lado a lado, para formar palavras, frases e parágrafos inteiros (Fig. 3). Imagens produzidas em blocos de madeira eram encaixados junto ao texto. Depois de realizada a impressão, cores e ornamentos eram adicionados manualmente, para que então as páginas fossem organizadas e encadernadas. A extensão deste processo exigiu que suas etapas fossem divididas em múltiplos operadores, para que se pudesse diminuir o tempo de impressão dos livros. A impressão tipográfica prosperou e se tornou marco para a comunicação da época, uma vez que revolucionou os sistemas de publicação e reprodução de textos. O maquinário criado por Gutemberg perdurou por mais de quatrocentos anos, passando apenas por alguns ajustes e avanços antes de ser substituído. Durante os primeiros anos do século XVII, surgiu na Europa o monoprint, cuja técnica baseia-se em uma matriz capaz de realizar uma única impressão. A partir de uma superfície entintada, utilizam-se pincéis, esponjas, máscaras, ou mesmo os próprios dedos, para manipular a tinta e criar a imagem. Posteriormente, o papel é colocado sobre a matriz e pressionado, para transferi-la. Por não envolver nenhum tipo de entalho ou gravação, a matriz perde suas características depois de impressa, o que torna impossível obter uma nova impressão com as mesmas marcas que a anterior. Devido aos gestos livres e às ferramentas, combinadas à transferência de tinta, o processo ficou conhecido como “pintura impressa”, sendo assim a combinação singular entre as duas (ROSS, 1990). 39


Na contramão dos processos de impressão que buscavam a multiplicidade de um número cada vez maior de exemplares, o monoprint trata a impressão como expressão de traço originado da transferência de tinta de uma superfície à outra e não necessariamente como meio de reprodução.

1.2 IMPrIMIR E MULTIPLICAI-VOS Durante as últimas décadas do século XVIII se inicia um período de grandes avanços tecnológicos pela Europa obtidos a partir da invenção da máquina à vapor por James Watt. De acordo com Cardoso (2008, p. 48), a Revolução Industrial, que compreendeu o período entre 1760 e 1840, trouxe consigo radicais mudanças sociais e econômicas, tais como o surgimento das grandes linhas de produção e a ampliação do público leitor. Ambos fatores tornaram possíveis a diversificação dos meios tradicionais de comunicação (livros e jornais), trazendo uma expressiva variedade de impressos na forma de material publicitário, anúncios, revistas, cartazes e embalagens. Essa nova necessidade projetual de comunicação de massa exigiu mudanças que influenciaram também o sistema de impressão: As artes manuais se encolhiam à medida que findava a unidade entre projeto e produção. Anteriormente, [...] um impressor se envolvia em todos os aspectos de sua arte, do projeto do tipo e do leiaute da página à impressão concreta de livros e folhas. No curso do século XIX, porém, a especialização do sistema fabril fragmentou as artes gráficas em projeto e produção (MEGGS, 2009).

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Neste novo cenário, a xilogravura não era a melhor opção para as necessidades da época. Na busca por novas soluções, o bávaro Aloys Senefelder inventa em 1796 a litografia, trazendo para os impressos a precisão do traço. Diferentemente das impressões em relevo, a impressão litográfica trata-se de um processo planográfico (impressão a partir de superfície plana), que tem como princípios básicos a propriedade de repulsão entre água e gordura. A imagem é desenhada sobre a pedra de calcário com um lápis, caneta ou qualquer outro material de base oleosa. No momento da impressão a pedra é umedecida para que a água se espalhe por toda sua extensão, salvo a área de imagem. Com um rolo a superfície é entintada, sendo esta aderente apenas na parte desenhada e não nas demais áreas. Por fim, o papel é colocado sobre a pedra e com uma prensa a imagem é transferida da matriz para a folha (FERREIRA, 1997). Com a possibilidade de desenhar diretamente sobre a superfície da pedra (Fig. 4), a litografia permitiu efeitos de luz e sombra em uma ampla escala de cinzas. Em 1837, o francês Godefroy Engelmann torna possível a impressão colorida, na qual é utilizada uma pedra para cada cor que compõe a imagem. A técnica atraiu tanto a indústria quanto artistas, como no caso de Toulouse Lautrec, cujos cartazes em litografia figuram entre os mais notáveis do período Art Nouveau (MEGGS, 2009). Neste mesmo período, a introdução da prensa cilíndrica a vapor de König significou um salto para o processo de impressão em massa. Segundo Cardoso (2008, p. 48), a produção saltou de 250 folhas/hora para 4200 folhas/ hora, fazendo a mecanização da impressão responsável pelo aumento da produtividade e diminuição dos gastos com mão de obra especializada. 41


Figura 4: Pedra litogrรกfica Fonte: liveauctioneers.com

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Assim como em outras atividades da época, métodos começaram a se tornar obsoletos para produção impressa se comparados com as novas tecnologias. Isso fez com que tipógrafos e gravadores fossem mais resistentes às mudanças na medida que suas atividades perdiam cada vez mais espaço. Aos poucos a impressão passa a configurar-se como indústria gráfica, e a separação entre as funções de projetar e imprimir por fim se estabelecem como distintas (CARDOSO, 2008). Ainda no século XIX, a invenção da fotografia vem para modificar drasticamente o pensamento acerca da reprodução de imagens e a sua função como registro histórico. Quando aprimorada a capacidade de captura das câmeras, o desafio seguinte foi tornar possível a incorporação da imagem fotográfica aos meios impressos, já que até o presente momento a ilustração era a técnica mais utilizada em publicações como livros, revistas e jornais. Após décadas de experimentos, em 1881 o norte americano Frederick E. Ives desenvolveu um processo baseado em uma espécie de retícula, ou seja, a repartição da imagem em uma série de pontos diminutos, capaz de transferir para lâminas de impressão de meios-tons a imagem fotográfica (MEGGS, 2009). Rapidamente a fotografia dominou os meios de comunicação como semanários e jornais. Meggs (2009, p. 195) afirma que “a fotografia monopolizou a documentação factual e impeliu a ilustração para a fantasia e a ficção”, dando a esta novo significado no meio impresso. Se por um lado a fotografia foi responsável por reduzir a atuação dos ilustradores, por outro permitiu que estes explorassem novas possibilidades de expressão que não tivessem compromisso com a realidade. 43


Avanços chegaram também ao sistema litográfico de impressão. A matriz em pedra foi substituída pela chapa de metal, com maleabilidade suficiente para assumir a forma cilíndrica, tornando o processo rotativo ainda mais eficiente quanto à impressão de folhas por hora. Ainda que a melhor alternativa da época, a litografia também apresentava suas dificuldades. O fato da utilização de água em seu processo fazia muitas vezes com que a umidade danificasse o papel. Ao mesmo tempo, o contato direto da matriz com a superfície áspera do papel também contribuía com o desgaste, ou mesmo a ruptura, da delicada chapa litográfica (BANN, 2010). De acordo com o autor, a solução foi incorporar ao sistema um terceiro cilindro (blanqueta), de borracha, com a função de “filtrar” parte da água, servindo de intermediário entre a matriz e o papel, como na figura abaixo:

Figura 5: Processo offset de impressão Fonte: Dados do autor


Desta forma, a matriz primeiro imprime este cilindro para que este imprima o papel. Surge assim o processo de litografia offset (mais tarde chamado apenas de offset), na qual a impressão deixa de ser direta (matriz-papel) para se tornar indireta. Neste mesmo período, outro processo de impressão que ganhou destaque para indústria gráfica foi a serigrafia. Segundo Ferreira (1997), a técnica já era conhecida no Ocidente desde o século XVI, mas a sua aplicação se intensificou durante o século XIX para estampagem de tecidos e papéis de parede. O autor destaca que, por volta de 1936 a serigrafia passou a ser utilizada principalmente por artistas como forma de expressão, imprimindo as obras de Andy Warhol (Fig. 6) e de outros nomes da Pop Art nas décadas seguintes. De maneira simples, a serigrafia se baseia em uma tela de seda ou náilon, de trama fina e estirada em uma armação de madeira. As áreas que não serão impressas são isoladas com filmes ou soluções de cola, para que apenas os espaços livres permitam a tinta passar por entre a trama da tela e imprima o suporte, caracterizando o processo como permeográfico. (FERREIRA, 1997). A primeira metade do século XX foi um período de importantes avanços no meio impresso. De modo geral, as duas grandes guerras e as pesquisas que estas estimularam tiveram reflexos em diversas áreas da indústria. O aperfeiçoamento do maquinário chega também ao sistema de impressão offset, que aos poucos se torna cada vez mais automatizado. Avanços na indústria química permitiram também que tintas se fixassem em outros materiais, como borrachas, plásticos e vidros, sendo criados processos de impressão específicos para esses suportes. 45


Figura 6: Andy Warhol durante impressĂŁo serigrĂĄfica Fonte: jasonrulnick.com

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1.3 Automatização digital Segundo Villas Boas (2010), a partir da década de 1980, o surgimento dos primeiros microcomputadores impulsionou também o desenvolvimento das impressoras digitais. O processo digital tem bases na xerografia – sistema de reprodução criado em 1938 por Chester Carlson – na qual a impressão ocorre através da eletroestática oposta entre o toner e a superfície do papel, com a diferença de que no processo digital a entrada de dados é eletrônica e não a partir de um original previamente impresso. A adequação desse processo para a impressão unitária, ou mesmo de baixas tiragem, possibilitou a popularização das impressoras digitais para o espaço além da produção gráfica. Hoje estes equipamentos estão presentes em escritórios e residências para o uso pessoal: Como não há chapa de impressão, é possível alterar os dados (por exemplo, o nome e endereço do destinatário) entre uma impressão e outra. Desse modo, o destinatário pode receber um produto personalizado, com texto e imagens diferentes de todos os outros na tiragem (BANN, 2010, p. 96).

Bann (2010), afirma que embora a ausência da chapa para impressão represente uma redução dos gastos iniciais, o custo de cada cópia ainda é maior na impressão digital. Isso porque os custos dos papéis e dos pigmentos (tintas e toners) desse processo, geralmente são maiores do que para o offset. Os avanços tecnológicos ao longo da história foram responsáveis por fortes mudanças no processo de design. Como aponta Meggs (2009, p. 626) “a Revolução Industrial 47


havia fragmentado o processo de criação e impressão da comunicação visual em uma série de etapas especializadas”. Agora, com a tecnologia digital, é chegada a vez de tornar possível a manipulação de várias atividades através de computadores, operados por um número reduzido de profissionais.

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O processo criativo


Percebe-se como as tecnologias dos processos de impressão foram e são influentes na maneira de projetar em design. O barateamento e o acesso a esses equipamentos nos últimos vinte anos, bem como o controle quase que total através do computador, fez com que atividades relacionadas à composição, montagem e entintagem das chapas deixassem de demandar a operação de um profissional específico. A nítida divisão em etapas de criação e etapas de impressão, hoje executadas por profissionais distintos, não significa que ambas devam estar desconectadas. Independentemente de qual seja a fase em andamento em um processo, é importante que o designer compreenda suas exigências. Isso, porque as definições do projeto, como layout, tipo de papel e acabamentos, apesar de acontecerem ainda no momento inicial, vão se refletir nas possibilidades das fases posteriores, o que gera a necessidade de um pensamento sempre reverso entre impressão e criação (JOHASSON, 2004).


2.1 Produção gráfica: o projeto impresso A impressão envolve uma série de passos que guiam o designer gráfico e demais colaboradores desde o briefing com o cliente até a distribuição das peças. Produção gráfica é a capacidade de materializar uma ideia criativa, estando em contato com formas, cores, estilos, materiais e tendências, dentro de um layout [...] (SURIANI 2008).

As denominações e a quantidade de etapas da produção gráfica variam de acordo com cada autor, podendo ser demonstradas de maneira mais detalhada ou então agrupadas em fases, mas em geral, não sofrem alterações significativas na sua sequência lógica. Para compreender a ordenação desse processo como um todo, escolhi demonstrar o caminho organizado por Villas Boas (2010), que utiliza como base o offset pelo fato deste ser, atualmente, o tipo de impressão mais utilizado na indústria gráfica. O autor divide a produção de um material impresso em quatro fases principais:

Essa estruturação evidencia aquelas consideradas as fases principais, sendo cada uma delas composta por uma série de outras etapas específicas que também podem aparecer, ou não, dependendo das características de cada projeto. 53


2.1.1 Projetação É a primeira e, ao mesmo tempo, a fase decisiva dentro do projeto, na qual ocorre desde a sua conceituação até o fechamento dos arquivos para impressão. Articulada pelos escritórios de design e seus profissionais envolve, segundo Johasson (2004), um momento estratégico e outro criativo. No primeiro respondem-se questões que contemplam em sua totalidade o projeto, como: Para qual público é dirigido o material? Qual a sua utilidade e finalidade? Como será a abordagem? Com estas definições parte-se para o momento criativo no qual as ideias começam a se formar e, de maneira concomitante, também são tomadas decisões quanto ao tipo de papel para suporte, à necessidade de baixa ou alta tiragem, ao processo de impressão mais adequado e aos acabamentos posteriores. De acordo com Fernandes (2003), após definido o layout da peça, este é encaminhado para a aprovação do cliente. Uma vez aprovado, a fase da projetação se conclui através dos arquivos denominados artes-finais ou originais que, como define o autor, são todos os elementos gráficos (textos, fotografias e ilustrações) e qualquer outro material, seja este físico ou digital, que compõem o trabalho e se fazem necessários para a sua reprodução gráfica. 54


2.1.2 Pré-impressão Como aponta Villas Boas (2010), dadas as necessidades do projeto, é neste momento que há a digitalização e o tratamento de imagens em alta resolução. Em seguida ocorre a geração de provas, ou seja, impressões testes para que o cliente possa aprovar a continuidade do fluxo de trabalho ou o retorno à etapa de projeto, para realizar alterações. Segundo o autor, em seus estágios finais, a pré-impressão é responsável pela produção dos fotolitos (filme transparente que tem como função sensibilizar a matriz, como visto na Fig. 7). Com os avanços e a informatização da área gráfica, os fotolitos são gradativamente substituídos pela gravação a laser da matriz, realizada diretamente do computador, em um método denominado CTP (Computer To Plate). No caso da impressão digital também é importante, antes de realizar a produção de toda a demanda, fazer testes de impressão para confirmar a qualidade de resolução das imagens e a fidelidade das cores.

Figura 7: Fotolitos Fonte: Dados do autor

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2.1.3 Impressão Já com os fotolitos prontos (se for o caso), o produtor gráfico inicia a gravação das matrizes que, em seguida, são reveladas e testadas antes que de fato ocorra a impressão do material. O número de matrizes (Fig. 8) corresponde à quantidade de fotolitos produzidos que, por sua vez, depende das opções de cores do projeto. Segundo Fernandes (2003), para os diferentes processos gráficos existem matrizes que podem ser específicas de um método de impressão, ou mesmo comuns a mais de um deles. De modo geral, as matrizes são classificadas em físicas e digitais. As matrizes digitais correspondem basicamente aos arquivos eletrônicos direcionados às impressoras digitais, enquanto as matrizes físicas, contendo uma grande diversidade, possuem uma vasta tipologia. No que confere às técnicas manuais, como foi evidenciado no primeiro capítulo, as matrizes têm forte influência sobre o modo de trabalho. Suas características físicas ditam as ferramentas para gravação e interferem de maneira expressiva no processo e no resultado.

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2.1.4 Acabamento De acordo com Johasson (2004, p. 264), esta fase “compreende todos os tratamentos de finalização que se aplicam após a impressão, para se obter o produto final”. O acabamento que recebe um material impresso está vinculado ao projeto e à sua função, por isso a variedade é imensa. O autor reforça que os tipos de acabamento têm influências desde o início do projeto, sendo responsáveis pelo bom aproveitamento dos recursos e, consequentemente, pelo barateamento ou encarecimento do projeto. Dentro das tarefas mais simples estão os refiles e as dobras, hoje em dia realizadas quase que de maneira automatizadas por algumas máquinas. Há também os cortes especiais que, diferentemente dos refiles, envolvem formatos de corte mais complexos e específicos. No caso dos projetos editoriais – livros, revistas e jornais – existem os cuidados de imposição e de encadernação das páginas. Há ainda a aplicação de vernizes, que segundo Villas Boas (2010), tem como principal objetivo gerar recursos gráficos que valorizem o impresso, através de efeitos de brilho, lisura e avivamento das cores. Uma vez concluídos os acabamentos, o material é conferido e entregue ao cliente ou, então, é direcionado para distribuição/exposição junto ao público.

Figura 8: Matriz de impressão offset Fonte: ingraphix.com

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Observando a sequência de etapas que compõem as fases do projeto impresso, é possível notar como as atividades que ocorrem antes e depois da impressão envolvem uma série de especificidades para que este momento aconteça da forma esperada. Atualmente, o fluxo de informação na indústria gráfica pode chegar a ser muito complexo. Dado que cada fase está influída pelas demais e, por sua vez, influi sobre elas, é necessário que os responsáveis de cada fase recebam e entreguem a informação correta (JOHASSON, 2004, p. 302, tradução livre).

São por essas características que o autor defende a presença de um profissional com a função acompanhar e gerenciar o fluxo de informações e de materiais que demanda cada fase. A figura do designer é a mais oportuna pela sua posição de idealizador do projeto, e de elo, entre a gráfica e o cliente. Ainda que separados física e temporalmente no processo, o designer e o produtor gráfico não devem deixar de estar em contínua comunicação. Desde os trabalhos simples até os mais complexos, o bom relacionamento e a parceria entre os dois profissionais reduzem decisões equivocadas e ampliam as possibilidades de bons resultados.

2.2 Processo Projetual Dentro da produção gráfica é nítida a importância e o peso da fase de projetação nas demais fases que se seguem para a realização do projeto impresso. Afinal, este é o mo58


mento de maior complexidade por envolver a tomada de decisões sobre todo o projeto gráfico do material. Para melhor conceituar, de acordo com a Associação de Design Gráfico (ADG), o termo “projeto gráfico” designa o Planejamento das características de uma peça gráfica, seja uma publicação, um folder ou um cartaz, envolvendo o detalhamento de especificações para a produção gráfica, como formato, papel, processos de composição, impressão e acabamento (ADG, apud PANIZZA, 2004, p.59)

Todos estes atributos citados precisam de uma boa organização do pensamento durante o processo. É devido a isso que projetar em design, independentemente do tamanho do trabalho, envolve uma série de etapas que, agrupadas e aplicadas, caracterizam-se como um método de projeto (FRASCARA, 2006). Os primeiros estudos acerca dos processos de design e métodos de projeto aconteceram no início dos anos 1960 e, de lá para cá, diversos autores desenvolveram e publicaram métodos próprios com abordagens nas diferentes áreas de atuação do design. Em seu livro “Das coisas nascem coisas”, Munari (1998, p.10) define que “o método de projeto não é mais do que uma série de operações necessárias, dispostas em ordem lógica, ditada pela experiência”. Essa sistematização das ações permite um melhor aproveitamento do tempo, reduzindo os esforços que se têm com adversidades não previstas. Para Peón (2001), mesmo que totalmente possível o desenvolvimento de um projeto de design sem a utilização de um processo projetual, o caminho até a solução torna-se difícil, truncado e cansativo. De acordo com a autora esta é uma ferramenta na realização do trabalho e não deve tomar o lugar de objetivo do projeto. Embora exija comprometimento, o método no design 59


não é definitivo, devendo se comportar de maneira líquida e adaptar-se às peculiaridades que envolvem cada projeto. Munari (1998, p. 11), ainda afirma que, a despeito do que possa parecer, seguir um método não significa que o designer terá a sua capacidade criativa bloqueada, apontando que “criatividade não significa improvisação sem método”, sendo este uma contribuição capaz de estimular o descobrimento de novas soluções. A organização de todo o processo fornece uma visão de quais ações precisam ser executadas para que o fluxo do projeto continue. O método ajuda a entender que a criação de soluções em design não ocorre por geração espontânea ou depende de um momento único no qual acontece a inspiração e que, na verdade, para isso estão envolvidas uma série de atividades que despertam a atenção do designer para as possibilidades que podem ser seguidas.

2.3 O designer criador de alternativas Embora a divisão das fases e suas denominações sejam particularidades de cada autor, a ocorrência de dois grandes momentos dentro do processo projetual é algo recorrente: um, baseado no conhecimento e coleta de informações e, um outro, direcionado à criação de ideias e soluções. Ambos os momentos têm sua relevância para a conclusão do projeto e funcionam de forma articulada entre si. Neste trabalho, o foco será a experimentação de técnicas de impressão manual que envolvem ferramentas e processos não convencionais para criação de alternativas em um projeto gráfico. 60


Dentro do processo projetual as ações que envolvem a geração de alternativas estão distribuídas em várias outras fases. A geração aqui citada compreende tanto as atividades que levam à conceituação do projeto como as traduções visuais dessas ideias em algo tangível. Sua importância reside no fato de que as decisões tomadas na criação extrapolam este momento, exercendo sua influência e sendo influenciadas pelas demais fases da projetação e de toda a produção gráfica. É descrito como o momento no qual são criados os conceitos de design, possibilidades de solução, esboços de ideias e modelos que, posteriormente, serão avaliados para determinar qual a melhor opção para o projeto. No método apresentado por Lobäch (Fig. 9), o autor divide, de forma didática, o processo criativo em quatro fases.

Figura 9: Fases do método segundo Löbach Fonte: Adaptado de LÖBACH, 2001, p.142

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Lobäch assim descreve que a geração de alternativas É a fase da produção de ideias baseando-se nas análises realizadas. Nesta fase de produção de ideias a mente precisa trabalhar livremente, sem restrições, para gerar a maior quantidade possível de alternativas (LÖBACH, 2001, p. 150).

O autor ainda destaca que o designer, além das habilidades intelectuais e analíticas sobre os problemas que lhe são apresentados, deve possuir capacidade criativa que lhe permita, baseado em seus conhecimentos e experiências, estabelecer novas relações entre as informações coletadas, reforçando que Para isto é necessário observar fatos conhecidos sobre novos pontos de vista, abandonando-se a segurança daquilo que é conhecido e comprovado, por uma postura crítica em busca de novas respostas a antigos problemas (LÖBACH, 2001, p. 139).

Em um outro método, voltado aos sistemas de identidade visual, proposto por Peón (2001, p.52), a projetação é composta por três principais fases (Fig. 10) que englobam, cada uma delas, uma sucessão de outras etapas. A produção criativa neste método está concentrada basicamente na segunda fase, não à toa denominada concepção, ao ponto de ser confundida com a execução do projeto como um todo. É neste momento que o designer define a melhor solução para o projeto a partir das várias alternativas criadas, utilizando-se de um processo de escolha que envolve o teste constante, junto ao público e ao cliente, das opções julgadas mais promissoras. 62


Figura 10: Fases do método segundo Peón Fonte: Adaptado de PEÓN, 2001, p.52

Ainda que o sistema de Peón seja orientado para a criação de identidades visuais, através dele percebe-se que uma solução em design é fruto de um trabalho de tentativa e erro que busca o máximo refinamento de uma ideia e da sua execução para que sejam evitados problemas como a obviedade ou a redundância da solução apresentada ao público. Munari (1998) aponta que a precipitação de muitos designers em querer encontrar imediatamente uma ideia após o contato com o problema é uma maneira equivocada de proceder, devendo a criatividade se sobressair sobre a ideia intuitiva. Enquanto a ideia é algo que, supostamente, deve fornecer a solução bela e pronta, a criatividade leva em conta, antes de se decidir por uma solução, todas as operações necessárias que se seguem à analise dos dados (MUNARI, 1998 p. 44).

No método apresentado pelo autor (Fig. 11), a produção criativa pode se destacar do encadeamento de três das etapas: criatividade, materiais e tecnologias e experi63


Figura 11: Fases do mĂŠtodo segundo Munari Fonte: Adaptado de MUNARI, 1998, p.55

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mentação. Estes três momentos apresentados pelo autor trazem consigo valores e ações que são de grande relevância à maioria dos projetos. A criatividade, sexto passo no método de Munari, vem com o papel de propor soluções realizáveis dentro do que foi pesquisado e definido sobre o problema, ocupando aquela primeira ideia intuitiva para dar lugar a uma série de alternativas melhor desenvolvidas. Mesmo que isso pareça inerente ao espírito do designer, aguardar o momento certo de articular essas ideias é o que reduzirá a chance da execução de soluções que caem no senso comum ou possuem um caráter extremamente fantasioso ao projeto. De acordo com Munari (1998), soluções criativas dependem do cruzamento com informações sobre os materiais e tecnologias disponíveis para sua realização. Surge aí a importância de o designer possuir um repertório acerca das opções de execução das soluções propostas para o projeto. É necessário uma dose extra de criatividade: nem sempre os recursos conhecidos ou tidos como convencionais são os únicos modos de se fazer algo; buscar outras possibilidades irá, naturalmente, adicionar novos valores ao projeto e, com isso, o autor introduz o conceito de experimentação ao processo de design: É nesta altura que o projetista irá experimentar os materiais e as técnicas disponíveis para o seu se projeto. Com frequência, materiais e técnicas são usados de uma única maneira, ou poucas, segundo a tradição (MUNARI, 1998, p. 48).

A experimentação se torna então necessária ao processo de design na sua busca pelas soluções criativas. Isso porque o projeto, ainda que conceituado de maneira 65


original, dificilmente consegue transmitir todo o seu potencial se, no momento em que executado, prevaleça a opção viciosa das mesmas ferramentas. A apropriação de materiais e técnicas não convencionais neste processo de criação de alternativas é fundamental para realizar, de maneira singular, aquilo que foi idealizado.

2.4 Experimentação Quando penso em design gráfico, uma de suas principais características que me surgem à mente é a produção de resultados táteis. Os projetos, na área do design, culminam em peças que interagem com o espaço e que, na maioria das vezes, são manuseadas e manipuladas pelo público. Por tal qualidade, o design, sendo gráfico, permite uma relação direta com gestos, formas e texturas, experimentadas e sentidas a partir do contato pessoal direto com o material impresso. No entanto, a predominância dos sistemas de impressão com entrada de dados através de arquivos eletrônicos, como no caso do offset e da impressão digital, tornou o computador indispensável ao processo de design e, por consequência, mais distante o uso das ferramentas manuais e do espaço físico. Os efeitos se refletiram no processo de criação: atualmente, é recorrente que um projeto gráfico seja criado e concebido exclusivamente em uma plataforma virtual passando a existir fisicamente apenas em seu estágio final, quando impresso. A necessidade de gerar um arquivo de impressão tem induzido o designer a optar, de maneira equivocada, quase sempre pelas ferra66


mentas digitais, na hora de executar o projeto. De acordo com Fernandes (2003, p. 222), mesmo que os computadores sejam “de longe, de longe mesmo, as melhores ferramentas de execução para as artes gráficas”, ao ponto de terem se tornado fundamentais dentro do atual sistema de produção impressa, “continuarão sendo ferramentas, nada mais que isso”. É por isso que o erro ocorre quando o designer acredita que esta é a sua única ferramenta: Durante os últimos anos, os profissionais de criação vêm se acorrentando às limitações dos softwares gráficos. Sim, limitações. Diante da infinita capacidade de concepção de nossos cérebros, ficamos presos a algumas dezenas de opções e suas combinações representam que nos tornamos seres limitados (FERNANDES, 2003, p.221).

Antes que se pense que esta pesquisa conversa com a visão de um futuro pessimista narrada por Aldous Huxley, devo dizer que considero, sim, o computador, enquanto ferramenta, um admirável aliado. Ao reduzir os esforços braçais e facilitar atividades demoradas que antigamente eram inerentes ao processo gráfico, o computador agilizou em muito o processo. Suas possibilidades de composição, de precisão e de alteração em muito contribuem para aperfeiçoar o trabalho. Para Fernandes (2003), o grande problema está no uso exaustivo destas plataformas, cujos softwares não têm sua capacidade explorada além das opções padrões, o que incorre em trabalhos pasteurizados, com o uso de uma linguagem visual inacabada e que apresentam os mesmos erros de construção. 67


Da mesma forma que o design não acontece apenas no computador, o processo criativo não precisa ter a mesma velocidade com a qual se mudam filtros no Photoshop. É necessário se dedicar à experimentação de ferramentas e técnicas não convencionais, como uma maneira de alcançar novas formas, cores e texturas, que expandam as possibilidades do projeto gráfico. Lupton (2013, p. 140), afirma que “desacelerar o processo de design e observar as formas físicas pode ajudar os designers a aprender com as nuances de espaço, luz e textura”. O momento de afastar-se do computador e realizar experimentações, sem pressa, a partir da propriedade física dos materiais, permite que as superfícies e estruturas conduzam o processo ao trazerem para o projeto imperfeições e qualidades do acaso. As ferramentas padrão muitas vezes produzem resultados padrão. [...] A utilização de ferramentas diferentes – alterando a maneira que processamos fisicamente nossos conceitos – pode acabar soltando as amarras criadas pelos nossos próprios hábitos e expectativas. As personalidades complexas das ferramentas podem levar as ideias para além do comum (LUPTON, 2013, p. 148).

Retomando minha visão pessoal de um design gráfico tátil, esta pesquisa visa resgatar e utilizar a impressão manual para trazer essa “materialidade” não apenas no estágio final, mas como criação durante o processo projetual. Este olhar para o passado torna-se essencial quando se busca encontrar na experimentação outros modos de criar e produzir.

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De acordo com Barnbrook, em entrevista a Heller (2013), é necessário conhecer a atividade de design segundo uma visão ampliada, que vá além do que tem-se hoje convencionado. Muito mais do que a simples busca por uma linguagem visual pré-definida experimentar traz consigo um ar de rebelião cujas indagações não acontecem se não houver a combinação entre conhecimento e curiosidade. Compreendo os processos manuais e os digitais ambos como ferramentas disponíveis ao designer gráfico e, por isso, não apresento nesta pesquisa um ou outro sendo trabalhado de forma individual. Proponho, assim, a experimentação de ambos na busca por extrair a potencialidade que surge do cruzamento entre os processos, os pensamentos e os recursos, que tanto o manual quanto o digital podem proporcionar. Em 1998, Helena Kanaan trouxe à sua dissertação de mestrado este mesmo cruzamento entre o manual e o digital, porém, naquela época, tratou o computador como ferramenta de experimentação nos processos da gravura. Com o trabalho intitulado Poro Mix Pixels, Kanaan explorou a intersecção entre o ponto da pedra litográfica e o ponto do monitor ao propor a combinação das imagens geradas a partir de uma matriz física e de uma matriz digital. A prática do trabalho resultou na sobreposição de ambas as imagens (Fig. 12), que a autora descreve: [...] sinto como se pudesse explodir a linearidade sequencial do tempo e dos espaços, e entremear passado e presente, provocando e respeitando inter-relacionamentos e contradições, possibilitando a sensibilidade, receptividade e fruição de novas criações (KANAAN, 1998, p. 7).

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Figura 12: Litografia e infografia 40x60cm, 1998 Fonte: Helena Kanaan


Embora a minha pesquisa e a dissertação de Kanaan venham de lados diferentes, reconheço que ambas seguem na mesma direção e têm como acontecimento o encontro entre o manual e o digital, cuja combinação traz criações e resultados que extrapolam os limites impostos entre o físico e o eletrônico ou mesmo entre Arte e Design, trazendo uma constante fluidez entre técnicas, métodos e linguagens. Em conversas no ateliê de gravura com a professora Márcia Sousa, dei-me conta que a experimentação pela experimentação não tem o mesmo potencial se não acompanhada de uma reflexão. Não que para experimentar se necessite de um objetivo previamente definido, pelo contrário, o pensamento livre faz com que tracemos novas relações que se desprendam daquilo que estamos acostumados a fazer de maneira lógica. Contudo, experimentar também envolve aguçar o olhar sobre as experimentações, para que delas se extraiam possibilidades e aprofundamentos que, certamente, enriquecem o trabalho.

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Anรกlises


Os três projetos selecionados buscam englobar as principais variáveis acerca da impressão manual, contudo, vale lembrar que é um recorte na vasta gama de possibilidades que o tema permite. A análise de seus processos ajuda a entender quais motivações estão envolvidas quando se opta por técnicas manuais dentro do design atual e quais são os resultados esperados.


3.1 Estúdio PUM O nome descontraído já sugere que não se trata de qualquer estúdio. Não mesmo. Segundo a própria descrição em seu site:

O PUM é um estúdio multidisciplinar que pertence a dois designers. Eles querem fazer trabalhos legais e que funcionem. Se você pensa como nós, vamos conversar e descobrir como podemos fazer algo juntos. Abraços! (www.estudiopum.com)

É com bom humor que o paulista Felipe Magario e o argentino Javier Cifre apresentam o PUM, criado em São Paulo no final de 2012. O nome vem, justamente, da espontaneidade que os dois jovens designers sentiam falta em seus antigos empregos em escritórios de design. Apesar de sediado na capital paulista, suas atividades se expandiram para além das fronteiras regionais e, hoje, o estúdio desenvolve projetos para televisão, mídias digitais e principalmente para o meio editorial no país e no exterior. Como estúdio, destacam-se pela inovação gráfica que, segundo eles mesmos, permite uma fonte de experimentação e pesquisa constante na área do design. Seus 77


Figura 13: Projeto desenvolvido para MTV Fonte: EstĂşdio PUM

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projetos, inclusive os digitais, carregam em sua essência muito da materialidade do “feito à mão”, com ilustrações, colagens e impressões de baixo custo, tudo mesclado de diferentes maneiras. No desenvolvimento de seus trabalhos, sejam estes comerciais ou independentes, Felipe e Javier dividem o processo projetual em alguns passos. O primeiro é o momento de escrita do brienfing, no qual são realizados os levantamentos dos objetivos do projeto, prazos, valores e demais detalhes pertinentes ao seu desenvolvimento. Com as informações em mãos, passa-se para o momento de pesquisa em diversas áreas, com destaque para o design gráfico, afim de aumentar o repertório visual. Definida a linguagem para o projeto, inicia-se a fase de estudos, com os esboços e rascunhos do layout. Após selecionar a melhor alternativa, o trabalho é criado. Por fim, chega o momento de lançamento do projeto. Apesar de recente, o estúdio já tem em seu portfólio empresas como a MTV Brasil (Fig. 13), Billabong, Google, Element, Eletrolux e Citibank. Independemente do propósito, sua intenção é a de sempre realizar trabalhos com espaço para originalidade, deixando transparecer o bom humor que o PUM carrega aos projetos. Por esta razão, a dupla encontra espaço para produzir trabalhos autorais que funcionam como exercícios para criatividade e descoberta de novas linguagens gráficas. Este é o caso de seu projeto editorial independente, o PUM Zine, que é um exemplo de como o hibridismo de técnicas permite trabalhos com mais personalidade e expressividade. Nesta fanzine do estúdio PUM cada edição conta com um tema (ou mesmo não possui um tema específico), variando em seu formato, material e técnica de reprodução. 79


Em seu lançamento, o PUM Zine se apresenta em nove cartões (Fig. 14), impressos diretamente em serigrafia. Neles, são exploradas as diversas possibilidades de composições com fotografias (Fig.15), ilustrações manuais (Fig.16) e digitais (Fig. 17), tipografia e texturas. De maneira geral, eles traduzem a linguagem da técnica da serigrafia, evidenciando o uso da retícula, da forma chapada de cor e, em alguns momentos, apresentam o erro de registro obtido pela sobreposição (Fig. 18) da mesma imagem. 80


Figura 14: Projeto PUM Zine Fonte: EstĂşdio PUM

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Figura 15: Cartão PUM Zine com imagem fotográfica Fonte: Estúdio PUM

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Figura 16: Cartão PUM Zine com traços e tipografia manual Fonte: Estúdio PUM

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Figura 17: Cartão PUM Zine com imagem digital Fonte: Estúdio PUM

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Figura 18: Cartão PUM Zine com a imagem impressa duas vezes Fonte: Estúdio PUM

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Ao utilizar apenas uma tela de impressão para cada cartão as imagens em monocromia se comportam de maneiras diferentes de acordo com as cores das tintas e dos papéis utilizados para impressão (Fig. 19). Isso gera inúmeras combinações que trazem para o projeto uma verdadeira pluralidade, ao mesmo tempo que faz, de cada cartão, um objeto singular. Sem um cliente definido ou com objetivo estritamente comercial, os trabalhos autorais como PUM Zine circulam pelo país através das feiras de publicações independentes, junto com uma série de outros trabalhos desenvolvidos, principalmente, por estudantes de design. 86


Figura 19: Impressões do Projeto PUM Zine Fonte: Estúdio PUM

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3.2 Jack Daniel’s Jack Daniel’s é uma das marcas de whisky mais vendidas e reconhecidas no mundo e realiza, anualmente, parcerias com artistas independentes norte americanos com a intenção de criar peças gráficas de tiragem limitada que traduzam aquilo que chamam “The American Spirit”. Em 2011, a JD decidiu voltar ao seu lugar de origem, o estado americano do Tennessee, para trabalhar juntamente com a Yee-Haw Industries (Fig. 20), um ateliê de impressões tipográficas, na criação e produção de dez cartazes exclusivos. De acordo com os próprios idealizadores da campanha, ambas marcas possuem uma valiosa herança e uma tradição naquilo que fazem, o que faz da junção um verdadeiro casamento. Para o lançamento dos cartazes foi produzido um vídeo que demonstra todo o processo de criação e impressão de uma das peças na Yee-Haw. Em sua abertura já se apresenta-se o porquê de tal parceria: Porque como Jack Daniel’s, Yee-Haw produzem as coisas do jeito que eles pensam ser o melhor – não o jeito mais barato ou rápido, mas com um espírito independente do qual Jack se orgulharia. (www.yeehawindustries.com)

A escolha da marca Jack Daniel’s em utilizar técnicas manuais de impressão, como no caso a tipografia e a xilogravura, é uma forma da marca reforçar os valores de tradição junto ao seu produto. Todo este conceito de resgate aos métodos tradicionais vai ao encontro das afirmações Ramalho e Oliveira (2009, p. 96) de que “o avanço dos meios de reprodução e a consequente massificação 88


Figura 20: The American Spirit Jack Daniel’s Fonte: Diego Guevara

de produtos, geraram a falta de identidade” e, por isso, atualmente ocorre um retorno à valorização daquilo que é resultado direto da ação da mente e da mão humana. 89


Ao som de um banjo, instrumento típico da região onde é produzido o whisky, realiza-se a imersão no espaço da Yee-Haw. Inúmeras gavetas de tipografias (Fig. 21), máquinas, prensas e uma infinidade de cartazes são espalhados pelas paredes. Os impressores riscam os blocos de madeira com as imagens e as letras e, em seguida, utilizam as goivas para realizarem o entalhe (Fig. 22). Uma de cada vez, as matrizes são entintadas e passadas nas prensas para impressão de cada uma das cores da bandeira americana. 90


Figura 21: Gavetas de tipos móveis da Yee-Haw Fonte: Diego Guevara

Figura 22: Gravação do bloco de madeira Fonte: Diego Guevara

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O processo tem o seu ápice na preparação da tinta preta, cor com a qual é impressa a imagem da garrafa de Jack Daniel’s: alguns goles do whisky são despejados e misturados ao pote de tinta (Fig. 23). Ocorre, então, a união física e química da parceria, através da qual a marca busca levar sua essência junto à peça, para reforçar ainda mais a exclusividade e a aproximação com o seu público. 92


Figura 23: Whisky JD misturado Ă tinta Fonte: Diego Guevara

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A série de cartazes (Fig. 24 a 26) evidencia o orgulho americano de independência, conquistada graças aos seus heróis do passado, e a comunhão entre as mensagens e os processos tradicionais, olhando o passado com admiração e como parte integrante do que seus seguidores são hoje.

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Figura 24: Cartaz Jack Daniel’s Fonte: Diego Guevara

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Figura 25: Cartaz Jack Daniel’s July 4th Fonte: Diego Guevara

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Figura 26: Cartaz Jack Daniel’s Free Spirits Fonte: Diego Guevara

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3.3 Sabadì A marca italiana de chocolates traz em seu slogan “Slowliving” um incentivo a se levar uma vida mais calma, sem estresse.

Sabadì é talvez o dia que não exista. É o dia em que nós desaceleramos e nos concentramos no que realmente importa. É o dia em que descobrimos o quão diferente uma maçã pode ser da outra. (www.sabadi.it)

Com uma proposta baseada na saúde e no bem estar, Sabadì desenvolve seus produtos à partir de ingredientes naturais e sem a adição de conservantes. Em sua linha intitulada “Quality of Life” cada chocolate tem ingredientes orgânicos e específicos que condizem com uma sensação diferente que o cacau, segundo eles, pode transmitir: juventude, otimismo, beleza, saúde e sensualidade. Para evidenciar, nas embalagens, a relação dos chocolates Sabadì com um estilo de vida mais saudável a marca optou por uma linguagem visual (Fig. 27) que deixasse transparecer esta ligação com a natureza. 98


Figura 27: Detalhe embalagem SabadĂŹ Fonte: SabadĂŹ

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Figura 28: Gravação do Linóleo Fonte: Sabadì

Ao utilizar o linóleo – tecido com aparência semelhante a de uma placa de borracha – as imagens dos ingredientes são entalhadas (Fig. 28) sobre a superfície com o uso de goivas, em processo próximo ao da xilogravura. A vantagem nesse caso é que, pela maleabilidade do linóleo, é possível ter mais precisão de traço do que sobre a madeira. 100


Figura 29: Entintagem da placa Fonte: SabadĂŹ

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Figura 30: Processo de gravação e impressão do linóleo Fonte: Sabadì

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O processo (Fig. 29 e 30) se assemelha com uma impressão em carimbo e as irregularidades dos traços evidenciam os gestos da gravação, as formas sinuosas e os contornos orgânicos, abraçando o conceito de um produto natural. As variações da quantidade de tinta aplicada sobre a matriz e a pressão desta sobre o papel geram diferenças de intensidade e, quase sempre, apresentam as falhas vindas da própria irregularidade da superfície do linóleo.

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Para criação da embalagem (Fig. 31) as imagens anteriormente carimbadas são escaneadas e passadas para o computador. Utilizando softwares de edição, a cor da tinta preta é facilmente substituída pelas cores referentes a cada uma das sensações, dando inúmeras possibilidades de composição: rotação, sobreposições, variações de escala etc.

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Figura 31: Alteração das cores para criação das embalgens Fonte: Sabadì

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Figura 32: Embalagens finais do chocolate Sabadì Fonte: Sabadì

Na sua versão final (Fig. 32), produzida em offset, mesmo que esta não seja a impressão manual direta, a textura visual e a aparência original da impressão em carimbo se mantêm com a vantagem de, agora, poder ser reproduzida em larga escala. 106


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IMPRESSテグ COMO PENSAMENTO


A produção do material impresso evoluiu ao longo do tempo e, conjuntamente, as ferramentas e os processos que envolvem o design gráfico também se transformaram. Os recursos digitais e a automatização da produção gráfica não somente reduziram drasticamente o tempo de realização do projeto como também tornaram possível a reprodução ilimitada de qualquer material impresso. Por outro lado, tais mudanças contribuíram para o distanciamento do designer das ferramentas manuais e do próprio sistema de impressão. Ainda que os processos manuais de impressão não supram mais a tiragem que o cenário atual exige por que não dar, a estas, outras funções no processo projetual? Ou, então, por que não combiná-los às tecnologias atuais para obter aquilo que carregam de melhor para o projeto?


4.1 IMPRIMIR PARA CRIAR Nas minhas experiências com impressões manuais notei que as técnicas trazem consigo o contato com outros materiais, que carregam o processo projetual de novos gestos e dão a este um tempo diferente para acontecer. Através de suas qualidades e de suas limitações, o resgate destas técnicas aponta para diferentes caminhos dentro do design gráfico que, de certo, enriquecem o trabalho. A aproximação do designer com a impressão, através dos processos manuais, permite ainda que aquele tenha uma visão do projeto gráfico como um todo. Quando se assume a posição de projetista e impressor percebe-se de perto todas as nuances que envolvem ambas as atividades e, consequentemente, as alternativas que surgem do cruzamento entre elas. No processo manual, cada decisão tomada gera uma série de outras possibilidades: a escolha do tipo de impressão influencia no tipo de papel que, por sua vez, depende da característica da tinta e do método usado para imprimir. Cada escolha aponta para um resultado diferente, percebido diretamente quando se imprime. Mesmo que diferentemente dos processos convencionais da indústria gráfica esse contato direto entre o designer e a ação de imprimir em muito enriquecem o seu vocabulário técnico e visual ao abrir espaço para projetos com soluções que extrapolam o uso dos recursos-padrão. Se para os processos convencionais a criação culmina na impressão, nos processos manuais a impressão atua também como elemento de criação ao deixar espaço aberto para o acaso, a partir do qual surgem novas linhas, formas e texturas que se incorporam ao projeto. Criação e 111


impressão tornam-se momentos que se misturam, adicionando as ações de um sobre o outro. A ação exercida sobre a matriz de impressão não pode, neste caso, ser totalmente controlada por uma expectativa fechada de resultado; ainda que haja o domínio da técnica, apenas parte do trabalho vai depender da habilidade sendo, o restante, fruto das singularidades de cada superfície. Mais do que física, fala-se aqui em matriz viva, com poder de intervir desde os movimentos de gravação até os resultados de impressão. A imprevisibilidade aqui envolvida contribui para que o designer aguce o olhar sobre a produção e, com criatividade, saiba encarar os “erros” como parte do trabalho ou mesmo ver neles uma potencialidade para outros projetos. Além disso, os próprios ateliês de impressão trazem novos estímulos ao trabalho e contribuem para transformar o projeto. Os processos de impressão envolvem naturalmente ações de deslocamento pelo espaço: esticar a tinta, preparar os papéis, entintar a matriz, passar na prensa, levar à secadora, lavar as mãos, etc. Essas ações carregam em si a liberdade não apenas física, pois estimulam o pensamento que transita junto pelo espaço. Como afirma Herskivits (1986, p.5), “as técnicas e conhecimentos não são substituíveis, mas renováveis” e, assim, o resgate que aqui proponho não representa uma volta ao passado, guiada apenas pelo saudosismo do “feito à mão” ou pela rejeição do “produzido pela máquina”, mas sim, busca evidenciar a existência de diversas ferramentas e modos de considerar o design gráfico. Diante destas reflexões, como proposta de encarar as impressões manuais como ferramentas de experimentação durante a criação de alternativas, reuni algumas das 112


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qualidades e vantagens que essas técnicas trazem ao processo projetual e as traduzi em três cartazes, nos quais cada um tem sua inspiração e criação em um processo de impressão diferente. As peças finais, no entanto, representam a junção entre as qualidades visuais da impressão manual e as possibilidades de edição e reprodução do computador e da produção gráfica atual. Desta maneira, a impressão ocorre em dois momentos distintos no projeto. O primeiro momento faz parte do processo criativo realizado com os processos manuais de impressão incorporados à etapa de criação de alternativas, vista como meio e não fim do projeto. A proposta é verificar as possibilidades visuais que a experimentação das técnicas possui para geração de linhas, formas e texturas, além de sentir como o afastamento do computador no momento de criação e o contato com o espaço físico do ateliê proporcionam novas alternativas ao trabalho. Para determinar o recorte das técnicas, primeiramente percebi como necessário o conhecimento dos diferentes processos de impressão, antigos e atuais, já citados no primeiro capítulo desta pesquisa. Assim, defini que as técnicas escolhidas, além de realizadas de forma manual, fossem executadas no espaço dos ateliês de impressões do Centro de Artes para, assim, experienciar o projeto em todas suas etapas. Neste recorte, levei ainda em consideração a abrangência de processos distintos em suas ferramentas, métodos e resultados de impressão. A intenção é a de demonstrar a pluralidade de formas, tipografias, gestos e texturas neles presentes. Decidi, então, pelas técnicas: linoleogravura, tipos móveis e monoprint. Tendo como público os próprios estudantes e os profissionais de design faço, para o conceito dos cartazes, 114


associações com referências presentes no próprio vocabulário do design. Mesmo que tenha recebido certo direcionamento, o momento da criação sofreu influências da própria experiência com as técnicas e à estas foi se moldando. Assim, iniciei as atividades no ateliê que envolveram as experimentações e impressões de acordo com cada processo. A análise dos testes obtidos me guiaram por um ou por outro caminho dentro do projeto, fazendo-me retornar ao ateliê para refazer, melhorar ou mesmo experimentar outras possibilidades. Com os testes finalizados, as imagens obtidas do primeiro momento são então escaneadas e passam pelos softwares de edição e composição. Vale destacar que as imagens não sofrem a adição de filtro ou modificação de textura com o intuito de preservar suas características originais. As alterações, então, são baseadas na mudança de escala e na liberdade de mudança do layout para o formato final das peças. Ocorre, então, o segundo momento de impressão, agora destinado à reprodução dos cartazes, com a opção de tiragens indeterminadas. Ao ter no offset e na impressão digital ambas as possibilidades, dada a necessidade de um número médio de cartazes, a impressão digital mostrou-se a melhor para realizar as impressões finais. Entre as alternativas de jato de tinta ou laser, a aparência brilhante da impressão a laser parece ser a mais fiel às tintas usadas nos processos manuais. A intenção de semelhança não se relaciona à tentativa de “forjar” um resultado estético, mas, sim, de apresentar o projeto de maneira mais coerente com a proposta. A escolha da impressão apenas em preto surgiu dos testes, com objetivo de destacar a presença das texturas do pigmento. 115


Na escolha do papel para as tiragens opto pelo Pólen Bold 90g/m2 cuja coloração creme de leve textura amenizam o contraste com a tinta preta e traz uma sensibilidade tátil à peça. O formato dos cartazes, assim como a apresentação desta pesquisa, segue as proporções aproximadas do retângulo áureo por ser mais dinâmico, com as dimensões de 24 x 38 cm na orientação retrato. Além dos cartazes, trago ao projeto editorial o mesmo viés híbrido ao explorar as possibilidades de impressão. Desta forma, adiciono a técnica da serigrafia como elemento gráfico para dar identidade ao trabalho. Exploro, ainda, a impressão digital sobre diferentes papéis como maneira de apresentar um projeto com texturas e cores diversas. A intenção é relatar as experiências e descobertas realizadas durante a criação e a produção das peças, como forma de estimular a reflexão e o interesse de outros estudantes e profissionais de design.

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4.2 linoleogravura cartaz machine

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A técnica da linoleogravura possui semelhanças com o processo da xilogravura, no que diz respeito às ferramentas e aos métodos utilizados para sua impressão. No entanto, o linóleo, por possuir uma superfície lisa, maleável e mais regular que a madeira, torna-se uma boa alternativa para quem não tem o domínio das ferramentas de gravação. Além dessas vantagens, as placas de linóleo são mais baratas e mais fáceis de serem encontradas que os blocos de madeira recomendados para xilogravura. Para este primeiro cartaz, escolhi a frase do designer Milton Glaser acerca da sua visão das funções que o computador tem para o design: “Computers are to design as microwaves are to cooking”. A afirmação de Glaser evidencia o papel do computador como ferramenta ou, ainda, pode-se interpretar que assim como o uso do micro-ondas depende de que algo esteja previamente preparado, o designer também deve projetar antes de fazer uso do computador. Diante da cômica e pontual comparação de Glaser opto por criar uma ilustração para a frase. Percebo a oportunidade de explorar o uso de linhas e de formas mais geométricas que a gravação em linóleo permite e, por isso, crio uma máquina híbrida entre computador, micro-ondas e impressora, como forma de ironizar trabalhos projetados tão rapidamente quanto o tempo de preparo das comidas congeladas. No princípio, realizo uma pesquisa de referências visuais (Fig. 33) focando, principalmente, em versões antigas dos três equipamentos, para trazer à maquina uma aparência ultrapassada.

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Figura 33: Painel de referĂŞncias visuais Fonte: Adaptado de Pinterest.com

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Essa coleta de imagens ajudou a destacar as semelhanças de formatos entre os equipamentos e, deste modo, esboço as melhores maneiras uni-los. Realizo alguns estudos (Fig. 34) tentando achar um formato que, propositalmente, pareça tão esdrúxulo quanto as funções que um micro-ondas-computador-impressora poderia desempenhar. Desenvolvo, então, uma estrutura de aparência robótica (Fig. 35), contendo diferentes níveis de altura, saliências e reentrâncias. Concentro-me, a seguir, nos detalhes afim de caracterizar cada um dos componentes dando propositalmente à maquina a sensação de ser multifuncional. Como já havia trabalhado anteriormente com linóleo sei que, ainda que maleável, o uso de goivas não têm nele a mesma precisão do lápis, sendo necessária uma espessura mínima de linha. Por este motivo, decido digitalizar o desenho e traçar novamente todas as suas linhas de construção com a ajuda do software Illustrator (Fig. 36), para que a espessura do contorno do desenho fosse controlada.

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Figura 34: Esboรงos de estrutura Fonte: Autor


Figura 35: Estrutura escolhida Fonte: Autor


Figura 36: Estrutura Vetorizada Fonte: Autor


Após imprimir o desenho vetorizado, o passo seguinte consiste em transferir as linhas da máquina para a placa de linóleo. Para conservar a perspectiva do objeto opto por utilizar uma folha de carbono colocada entre o desenho e o linóleo (Fig. 37). Assim, desenvolvo mais uma vez, agora com régua e grafite, as linhas do desenho que, pressionado sobre o carbono, marca a superfície da placa de linóleo.

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Figura 37: Desenho vetorizado sobre o carbono e o lin贸leo Fonte: Autor

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Vale a pena, aqui, ressaltar a minha surpresa com o resultado surgido no carbono (Fig.38), o que me trouxe novas ideias para o projeto grรกfico da pesquisa.

Figura 38: Marcas da lapiseira sobre o carbono Fonte: Autor

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Com a imagem traçada, inicio o processo de gravação da placa. Por se tratar de uma impressão por relevo, na gravação da matriz utilizo goivas para retirar os espaços que não serão impressos e deixar sobressalente a superfície a ser entintada (Fig. 39). O manuseio das goivas exige cuidado, pois os fios de corte das ferramentas são afiados. Por isso, o ideal é deixar a mão que não está segurando a goiva sempre atrás da ferramenta, o que reduz as chances de acidentes caso ela escorregue sobre a superfície emborrachada e lisa do linóleo. Cada goiva possui um corte diferente e sua escolha depende do desenho e das intenções de resultado. Mesmo sendo maleável, é necessário força e firmeza para gravar a matriz. Neste caso isso fez com que naturalmente as linhas ganhassem as características dos gestos, ficando por vezes um pouco sinuosas.

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Figura 39: Processo de gravação do linóleo Fonte: Autor

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Figura 40: Gestos da gravação do linóleo Fonte: Autor

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Haja vista a quantidade de área removida da imagem (Fig. 40), não trabalhei mais que duas horas seguidas na gravação e, por isso, a atividade foi dividida ao longo de três dias, para dar descanso aos dedos. Finalizada a gravação, as impressões foram realizadas no Ateliê de Gravura. Utilizei tinta tipográfica e o rolo de borracha disponíveis no espaço para entintar a matriz. É necessário carregar a placa com bastante tinta, uma vez que o material absorve um pouco do pigmento antes que este se estabilize em sua superfície.

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A seguir, opto por testar primeiramente a impressão com o prelo, prensa utilizada também para as impressões de xilogravura na qual uma estrutura pesada de ferro pressiona o papel sobre a placa de linóleo. É um equipamento que, apesar de pesado, é fácil de ser manuseado por uma única pessoa. Inicio, então, as impressões (Fig. 41 e 42) com papel de gramatura 90, obtendo resultados variados de acordo com a força imposta à prensa. Apesar de reconhecíveis, algumas partes do desenho não são impressas. Entre uma impressão e outra, o processo de entintagem é repetido.

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Figura 41: Impress茫o do lin贸leo, utilizando prelo, em papel P贸len Bold 90g/m2 Fonte: Autor

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Figura 42: Testes de Impress茫o do lin贸leo, utilizando prelo, em papel P贸len Bold 90g/m2 Fonte: Autor

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Os próximos testes utilizam a colher de madeira para imprimir. Neste caso, coloca-se a matriz e o papel, e pressiona-se a superfície com a colher. Deste modo, é possível determinar quais áreas serão melhor impressas, de acordo com a pressão exercida sobre a matriz. Obtive, assim, uma imagem impressa uniformemente (Fig.43), mas com uma textura diferente, uma vez que os movimentos realizados com a colher de madeira ficam evidentes.

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Figura 43: Impress茫o do lin贸leo, utilizando colher, em papel P贸len Bold 90g/m2 Fonte: Autor

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Decido voltar ao prelo, mas, desta vez, utilizo um papel de gramatura 75, menos espesso que o anterior, o qual, ao ser pressionado, pudesse captar toda a superfĂ­cie da placa. O resultado foi uma imagem com mais detalhes e uma textura mais rica (Fig. 44). Assim, escolho este Ăşltimo mĂŠtodo como o que mais se aproxima do resultado pretendido.

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Figura 44: Impress茫o do lin贸leo, utilizando prelo, em papel Sulfite 75g/m2 Fonte: Autor

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Digitalizo a imagem em 300 dpi’s, o que permite aumentá-la consideravelmente. Pela própria característica e força desta imagem, opto por não interferir no layout e, para a versão final do cartaz (Fig. 45), deixo a imagem em sangria nas laterais. O fundo negro e texturizado ressalta a ilustração; e as marcas da retirada do linóleo, visíveis na superfície do desenho, sugere a aparência de madeira, como os primeiros computadores. Com uma máquina de escrever, a frase é datilografada e, após, digitalizada para compor o texto junto à imagem. A tipografia da própria máquina de escrever se mostra uma boa opção para reforçar o conceito de equipamento antigo, ou em desuso.

Figura 45: Cartaz Linóleo Fonte: Autor

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4.3 tipos m贸veis cartaz fox

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O uso de tipos móveis é a única técnica selecionada para esta pesquisa não ensinada nos ateliês de impressão da universidade. A tipografia, de maneira geral, é um dos elementos intrínsecos ao design e tem poder de ser trabalhado de diferentes maneiras, como texto, textura ou imagem; minha curiosidade me motivou a experienciar o uso de tipos móveis para este segundo cartaz. Inicio uma busca por espaços nos quais pudesse ter contato com tipos móveis o que me levou a perceber o quanto a técnica vem desaparecendo. Ainda que seja possível encontrar algumas gráficas que realizam o trabalho de composição e impressão utilizando o processo a maioria opera com produção reduzida. Hoje em dia, as gráficas remanescentes trabalham com pouco mais de uma família de tipos. Em conversas com os gráficos, confirmo que o motivo dessa redução na atuação dá-se devido à facilidade e ao baixo custo que o offset oferece, em comparação com o sistema de tipos móveis. Como consequência, muitas das gráficas fecharam suas portas e venderam suas gavetas repletas de famílias tipográficas de chumbo para ferros-velhos que, simplesmente, as derretem. Depois de quase desistir de ter a técnica experimentada para a pesquisa, obtenho o contato de um simpático impressor, a poucas quadras da minha faculdade. O profissional em questão chama-se Everson e, em sua gráfica, utiliza seus dois únicos alfabetos de tipos móveis (Times 12 e Arial 72) para imprimir capas de trabalhos acadêmicos (Fig. 46). No processo semelhante ao hot stamping, Everson não faz uso de tinta e, sim, de fitas com pigmento fixadas no formato das letras graças à soma pressão e calor.

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Figura 46: Composição de tipos móveis Fonte: Autor

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Para criar o cartaz de tipos móveis, exploro a frase “The quick brown fox jumps over the lazy dog” que, pelo fato de possuir todas as letras do alfabeto, tem seu uso recorrente por designers para a demonstração de uma família tipográfica. Concentro-me nos diferentes sentidos de quick (ligeiro/apressado) e no sentido de lazy (preguiçoso) e a frase é alterada para “The quick brown fox is not as quick as the lazy designer” (sem todas as letras do alfabeto) em um trocadilho que brinca com o fato de profissionais preguiçosos terem o hábito de fazer os trabalhos de maneira rápida e, muitas vezes, desleixada. Como tenho a intenção de explorar a qualidade visual da tinta sobre o papel pego emprestado, por uma tarde, o alfabeto em Arial 72 pontos (Fig. 47) para realizar as impressões no Ateliê de Gravura do Centro de Artes. Apesar de bem equipado para outros tipos de impressão, o espaço não possui uma caixa de composição de tipos e nem uma impressora própria para o processo, tornando necessárias algumas adaptações.

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Figura 47: Afabeto de tipos m贸veis Fonte: Autor

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Ao invés de pressionar o papel sobre a matriz, como acontece normalmente na impressão tipográfica, a matriz é pressionada sobre o papel (Fig. 48), no gesto semelhante ao carimbo. Mesmo sem seguir fielmente as atividades de composição e impressão dos tipos móveis, do ponto de vista projetual, o que mais se destaca nesse momento é a chance de experimentar o funcionamento da técnica. A preocupação, aqui, não está em realizar uma impressão definitiva uma vez que as provas experienciadas no ateliê são apenas uma base para a composição, realizada digitalmente, para o cartaz tipográfico. Com poucas opções e o alfabeto limitado em apenas uma peça de cada letra, concentro meus esforços em explorar ao máximo a materialidade que a técnica passa através de suas texturas e falhas.

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Figura 48: Processo de impress茫o com tipos m贸veis Fonte: Autor

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Torna-se possível, ainda, experimentar a composição de algumas palavras (Fig. 49); aquelas, claro, cujas letras não se repetem. O primeiro estranhamento é o de escrever a palavra espelhada, e, não raro, uma letra sai de cabeça para baixo ou virada.

Figura 49: Impressão de palavras com tipos móveis Fonte: Autor

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Além disso, para prender uma a outra, um elástico é utilizado, dando várias voltas para apertá-lo suficientemente para que os tipos não se desloquem no momento em que são pressionados sobre o papel (Fig. 50).

Figura 50: PRINT - tipos móveis presos com elático Fonte: Autor

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A escolha pelos papéis texturizados e com gramatura mais elevada mostrou-se a mais satisfatória pelo fato de absorver melhor o impacto da superfície dura do tipo móvel, garantindo que todo o contorno e o preenchimento sejam impressos. Além do papel, uma série de fatores se mostram relevantes para os resultados. Um deles é o desgaste da própria matriz que, devido ao longo tempo de uso, gera falhas que comprometem o contorno das letras (Fig. 51). Resolvo realizar uma experimentação e substituir a tinta tipográfica utilizada até então por tinta acrílica. Apesar de conseguir imprimir da mesma forma, sua consistência mais líquida deixa o resultado mais uniforme e com menos textura, além de, em alguns casos, ter grudado a matriz ao papel. Não sendo este resultado interessante para o propósito, resolvo retornar ao uso da tinta tipográfica.

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Figura 51: Testes de impressĂŁo com tipos mĂłveis utilizando tintas e papĂŠis diversos Fonte: Autor

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Com o objetivo de garantir a disposição de todas as letras no momento da composição da frase, persisto com os testes, imprimindo cada letra separadamente. Para obter uma variação na textura das letras impressas realizo, com apenas uma entintagem, até quatro impressões de cada tipo móvel (Fig. 52). Desta maneira, após uma primeira impressão com bastante tinta, as próximas impressões são, gradativamente, mais suaves devido à perda do pigmento pela matriz.

Figura 52: Impressão do alfabeto Arial com tipos móveis em diferentes entintagens, em papel Fabriano 300g/m2 Fonte: Autor

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De todas as variáveis, o modo de entintagem se apresenta como o mais importante para o processo. Inicio utilizando o rolo de borracha (Fig.53), o mais indicado para conseguir maior uniformidade da tinta sobre a matriz. Contudo, pela falta de uma caixa compositora para dar o devido suporte aos tipos, o uso do rolo dificulta que a entintagem atinja todas as áreas da peça. Após alguns resultados não muito satisfatórios utilizando o rolo, faço uso de uma espuma para distribuir de modo melhor a tinta sobre toda a extensão das letras. É nítida a diferença e a precisão com que a impressão das letras então se dá, o que demanda, até mesmo, menos esforço.

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Figura 53: Entintagem de tipos m贸veis com rolo Fonte: Autor

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Com todos os testes realizados, os digitalizo em 600 dpi’s. Prevendo mais liberdade de alterar a escala e, assim, preencher melhor o espaço do cartaz, precisaria aumentar consideravelmente as letras. No software Indesign, organizo a frase (Fig. 54), alinhando as letras e o espaçamento entre elas com a ajuda da tipografia Arial disponível no computador.

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Figura 54: Composição digital das letras impressas com tipos móveis Fonte: Autor

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Para a composição, escolho a imagem de uma raposa saltando e realizo alguns procedimentos para deixá-la com uma textura que corresponde à da frase. Primeiro, imprimo a imagem e, em seguida, obtenho uma fotocópia em uma máquina de pouca qualidade. Em casa, usei o solvente tíner para transferir o toner (pigmento de impressão da fotocópia) da cópia para outra folha. Esse processo, conhecido como transferência de pigmento, naturalmente cria falhas e transforma a imagem (Fig. 55).

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Figura 55: Fotografia da raposa e, abaixo, depois de tranferida com tĂ­ner Fonte: Autor

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Utilizando-me de um grid que segue as proporções áureas (Fig. 56) do formato do cartaz, para guiar a composição, realizo alguns testes de layout. Evidencio, assim, algumas palavras importantes para dar ritmo à leitura da frase e facilitar o seu entendimento na construção no cartaz final (Fig.57).

Figura 56: Grid da proporção áurea Fonte: Autor Figura 57: Cartaz Tipos Móveis Fonte: Autor

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Utilizando-me de um grid que segue as proporções áureas (Fig. 56) do formato do cartaz, para guiar a composição, realizo alguns testes de layout. Evidencio, assim, algumas palavras importantes para dar ritmo à leitura da frase e facilitar o seu entendimento na construção no cartaz final (Fig.57).

Figura 56: Grid da proporção áurea Fonte: Autor Figura 57: Cartaz Tipos Móveis Fonte: Autor


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4.4 monoprint cartaz is not dead

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O monoprint, um processo de impressão que produz uma única cópia à partir da sua matriz, é selecionado pela sua completa dissociação com as necessidades de reprodução. Se a vantagem da técnica não se encontra na multiplicidade, procuro extrair a multiplicidade e a expressividade dos traços e movimentos a partir das suas impressões singulares. Como o processo envolve que a tinta seja esticada sobre uma superfície que servirá de matriz (Fig. 58), esta é a técnica com a qual pude ter mais contato, inclusive durante os processos de impressão descritos anteriormente. Isso porque, quando finalizados os testes com os tipos móveis e com o linóleo, a sobra de tinta sobre a mesa de entintagem desempenha a função de matriz para as impressões de monoprint. Assim, antes mesmo de gerar o layout para o cartaz, fui experimentando e descobrindo as linhas, formas e texturas possíveis de obter com a técnica.

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Figura 58: Tinta sobre superfĂ­cie da mesa de impressĂŁo Fonte: Autor

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Desta maneira, ao mesmo tempo em que limpo o espaço, realizo, a partir dele, novas impressões. Por acaso, é justamente no próprio processo de limpeza que surgem resultados que julguei mais incríveis. Durante uma das vezes em que realizava a limpeza da mesa, já havia misturado óleo de cozinha à tinta com a ajuda de uma folha de jornal (para soltá-la mais facilmente da superfície) quando resolvi colocar um papel sobre a mistura, para ver o que obteria. Para minha surpresa, as linhas que se formaram a partir do movimento que realizei anteriormente tinham sido evidenciadas na impressão (Fig. 59). Os traços parecem pinceladas, ora mais finos, ora mais espessos, cuja sobreposição gera uma ilusão de profundidade e de camadas.

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Figura 59: Impress達o de monoprint, em papel Sulfite 75g/m2 Fonte: Autor

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Figura 60: Impress達o de monoprint, escrita, em papel Sulfite 75g/m2 Fonte: Autor

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Figura 61: ImpressĂŁo de monoprint, com mĂĄscaras, em papel Sulfite 75g/m2 Fonte: Autor

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Diante dessa experiência, foco a experimentação com a técnica nessa mistura da tinta com o óleo. Realizo vários testes (Fig.60 e 61), alternando os movimentos e as ferramentas que utilizo para manipular a tinta. Desde a folha de jornal amassada à escova de dente usada, há inúmeras maneiras de trabalhar sobre a tinta antes da impressão. Além disso, o gesto do próprio traço facilita o desenho e até mesmo a escrita rápida sobre a matriz, que trazem ao trabalho com o monoprint a sensação de fluidez e liberdade.

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Figura 62: Texto sobre o mármore para impressão. Fonte: Autor

Com as possibilidades de escrita e textura, decido utilizar no cartaz a frase “Print is not dead”, que tem se tornado popular e até mesmo se apresenta como uma forma de ativismo, depois do surgimento das mídias digitais e do constante comentário de que o meio impresso deixará de existir. Para associá-la à técnica, adiciono o prefixo “mono” antes de print, dando à frase o sentido de “Monoprint is not dead” (Fig. 62 a 64), como uma forma de resgatar este processo de impressão. 179


Figura 63: Texto sobre o mรกrmore para impressรฃo. Fonte: Autor

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Figura 64: Impress達o de monoprint, escrita, em papel Sulfite 75g/m2 Fonte: Autor

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Com o objetivo de escrever a frase e já conhecendo como a tinta se configura com o óleo, trabalho entintando apenas aquilo que são as letras. O desafio seguinte é descobrir uma ferramenta que melhor se comporte para deixar legível a frase. Realizo algumas adaptações com recortes de jornal presos ao lápis e também com pedaços de esponja (Fig. 65). A segunda opção me traz mais precisão da caligrafia, contudo, ainda deixa o traço muito espesso. Adapto então a esponja com uma fita crepe, reduzindo a área que entraria em contato com a tinta e com o mármore.

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Figura 65: Ferramentas criadas a partir de lรกpis e esponja Fonte: Autor

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Diante disso, executo uma série de testes, mudando a tipografia para obter o maior número de variações de escrita da mesma frase (Fig. 66). Como se trata de uma impressão direta, a imagem sai naturalmente espelhada no papel (Fig. 67 e 68). Assim, a frase, quando escrita sobre o mármore no sentido correto , resulta em uma impressão invertida no papel. As imagens passariam ainda pela digitalização e, por isso, não me preocupei com essa característica, uma vez que com apenas um comando é possível inverter a frase para o sentido lógico de leitura.

Figura 66: Teste de escrita sobre a mesa de impressão Fonte: Autor

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Figura 67: Impress達o de monoprint, escrita cursiva, em papel Sulfite 75g/m2 Fonte: Autor

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Figura 68: Impress達o de monoprint, escrita condensada, em papel Sulfite 75g/m2 Fonte: Autor

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Finalizados os testes no ateliê, digitalizo as imagens em 300 dpi’s. Para o cartaz, trago tanto a frase quanto a textura que o monoprint carrega. Manipulando a imagem, extraio partes de uma das experimentações para criar uma moldura que contorna a frase. Para evidenciar o próprio processo na peça, opto por não espelhar as letras digitalmente e mantê-la tal qual ela saiu no papel. Duplico a frase e desloco alguns milímetros da posição para passar a sensação de erro de registro, que ocorre quando o papel escorrega sobre a matriz, na versão final do cartaz (Fig 69).

Figura 69: Cartaz Monoprint Fonte: Autor

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4.5 serigrafia projeto editorial

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Como na experiência com os tipos móveis, o meu contato com a serigrafia para este trabalho é inédito. Embora já conhecesse os princípios da técnica, não possuía uma visão geral de suas etapas e resultados para compreender como de fato ela acontece. A minha escolha em utilizá-la diretamente no projeto editorial veio da qualidade da técnica de unir as ações físicas que envolvem a impressão manual, ao mesmo tempo em que possibilita a reprodução consistente e seriada. Desta forma, visualizo que posso ter na própria serigrafia a sensibilidade tátil para usar de diversas maneiras, como recurso gráfico. Ainda sem ter definida a imagem com que trabalharia, compro duas telas serigráficas: uma de 77 fios (50 x 40 cm) (Fig. 70) e outra de 120 fios (60 x 70 cm). Lembro que a serigrafia se baseia na divisão da imagem em pontos (retícula) e, assim, quanto maior o número de fios, mais pontos a tela possui e, consequentemente, mais precisão ela dá a imagem. Para explorar e aumentar as possibilidades de composição, crio para ambas as telas imagens que funcionam tanto de modo independente quanto de modo sobreposto. Assim, diferentemente das outras técnicas praticadas, o uso da serigrafia, aqui, não traz como resultado um cartaz e sim uma peça com a função de textura gráfica a ser incorporada de diversas maneiras ao projeto editorial.

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Figura 70: Tela serigráfica 77 fios, antes da gravação Fonte: Autor

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Com o intuito de testar a imagem fotográfica, na tela de 120 fios evidencio as ferramentas e os materiais que utilizo durantes as experimentações manuais nos ateliês. Fotografo os objetos e, no computador, edito e organizo as imagens para que a composição não ultrapassasse o formato da folha A3 (21 x 42 cm). Posteriormente, utilizando o Photoshop, realizo as alterações na imagem que evidenciam a retícula e, assim, tornam possível perceber a variação de luz e sombra que caracteriza os objetos (Fig. 71). Aqui, é importante testar o tamanho de vários pontos, para conciliar a quantidade ideal para a tela sem perder os detalhes da imagem.

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Figura 71: Imagem com ferramentas das impress천es manuais

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Para a segunda tela, de 77 fios, escolho quatro palavras que traduzem o cerne desta pesquisa: processos, experimentação, impressão e design. No Illustrator, organizo as palavras e em seguida conecto com linhas umas as outras, estabelecendo a união e o cruzamento entre os conceitos (Fig. 72). Adiciono, ainda, elementos geométricos para finalizar a composição. No caso desta imagem, por possuir apenas áreas de cor chapada, não é necessário evidenciar a retícula como na primeira tela.

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Figura 72: Imagem com palavras-chave Fonte: Autor

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Com as artes finalizadas, imprimo os fotolitos para gravação das chapas em papel Poliéster (Fig. 73 e 74).

Figura 73: Fotolito de impressão 1 em papel Poliéster Fonte: Autor Figura 74: Fotolito de impressão 2 em papel Poliéster Fonte: Autor

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No ateliê, as etapas que envolvem a emulsão e a gravação da tela são de certamente as mais delicadas do processo, uma vez que estas atividades são realizadas em uma sala escura, apenas sob a iluminação da luz vermelha. Portanto, não foi possível registrar as ações que se seguem.

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Com as artes finalizadas, imprimo os fotolitos para gravação das chapas em papel Poliéster (Fig. 73 e 74).

Figura 73: Fotolito de impressão 1 em papel Poliéster Fonte: Autor Figura 74: Fotolito de impressão 2 em papel Poliéster Fonte: Autor

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No ateliê, as etapas que envolvem a emulsão e a gravação da tela são de certamente as mais delicadas do processo, uma vez que estas atividades são realizadas em uma sala escura, apenas sob a iluminação da luz vermelha. Portanto, não foi possível registrar as ações que se seguem.

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Com as artes finalizadas, imprimo os fotolitos para gravação das chapas em papel Poliéster (Fig. 73 e 74).

Figura 73: Fotolito de impressão 1 em papel Poliéster Fonte: Autor Figura 74: Fotolito de impressão 2 em papel Poliéster Fonte: Autor

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No ateliê, as etapas que envolvem a emulsão e a gravação da tela são de certamente as mais delicadas do processo, uma vez que estas atividades são realizadas em uma sala escura, apenas sob a iluminação da luz vermelha. Portanto, não foi possível registrar as ações que se seguem.

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Primeiro, a cola é misturada ao sensibilizador (sensível à luz) e fica descansando por cerca de trinta minutos, até estar pronto para ser passado sobre a tela. Na próxima etapa, foi importante ter paciência para esticar a mistura de maneira uniforme pelas telas, diminuindo as chances de problemas durante a impressão. Ao concluir a emulsão, é necessário deixá-la secar sobre a tela. Para diminuir o tempo de espera na sala escura utiliza-se um secador de cabelos para acelerar a secagem. Em torno de dez minutos elas estão prontas para a gravação.

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Na caixa de luz, onde se coloca o fotolito e posteriormente a tela, a luz então é ligada e permanece acesa por quatro minutos. A claridade passa pelas áreas em branco da imagem e atinge diretamente a emulsão, fazendo com que esta fixe-se à tela. Já as áreas em preto do fotolito não permitem que a luz sensibilize aqueles pontos.

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Figura 75: Fotolito sobre caixa de luz para gravação da tela Fonte: Autor

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Passado o tempo de gravação, lavo a tela com jatos fortes (Fig. 76) para que a parte de emulsão não sensibilizada (as áreas da imagem) se solte. Vários fatores vão influenciar para que a tela tenha a gravação perfeita, desde o tipo de tecido usado ao excesso de força na hora de lavar. No meu caso, algumas áreas se soltaram e abriram mais a imagem em alguns pontos, o que não significa prejuízo algum (Fig. 77 e 78).

Figura 76: Lavagem da tela após gravação Fonte: Autor

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Figura 77: Tela após gravação e lavagem Fonte: Autor

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Figura 78: Detalhe da Tela após gravação e lavagem Fonte: Autor

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Ainda que prontas para serem impressas, aguardei algumas semanas para que os papéis encomendados chegassem e o tempo ficasse mais seco, assim, o papel ficaria melhor preservado. Com as duas telas divido a etapa de impressão em dois dias. No primeiro, imprimo a tela com os materiais e as ferramentas para que sirvam de “fundo” para a segunda tela com as palavras. Inicio determinando um espaço fixo no qual as folhas serão encaixadas. O papel é então colocado, a tela é baixada e com o rodo leva-se a tinta a toda a sua extensão (Fig. 79 a 81). Depois, levanta-se a tela e o papel impresso é levado à secadora e, assim, repete-se o processo (Fig. 82).

Figura 79: Processo da impressão serigráfica Fonte: Autor

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Figura 80: Processo da impressĂŁo serigrĂĄfica Fonte: Autor

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Figura 81: Processo da impressĂŁo serigrĂĄfica Fonte: Autor

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Figura 82: Entintagem do rodo para impress達o Fonte: Autor

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Com o auxílio de outra pessoa para lidar com o reposicionamento dos papéis, realizo mais de sessenta impressões em pouco mais de uma hora, variando entre o papel Pólen e o Color Set de diferentes cores (Fig. 83 a 85). Lembro-me que a sensação que tive é de que poderia ficar durante horas imprimindo folhas e folhas para cada vez me empolgar com a imagem que aparecia no papel. A pouca experiência, algumas dificuldades na hora de deslizar a tinta sobre a tela, ou mesmo o excesso dela, trouxeram às impressões alguns erros e falhas que adoto ao projeto por diferenciarem uma impressão da outra e, também, por humanizarem o processo.

Figura 83: Impressões em serigrafia sobre diversos papéis Fonte: Autor

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Figura 84: ImpressĂľes em serigrafia sobre diversos papĂŠis Fonte: Autor

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Figura 85: Impress천es em serigrafia na secadora Fonte: Autor

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No segundo dia, imprimo a outra tela com tinta azul e vermelha, tanto sobre folhas novas como também sobre as anteriormente impressas (Fig. 86 a 88). A ideia da sobreposição é unir os conceitos às ferramentas de impressão, como em uma ilustração da expressão “Impressão como pensamento”.

Figura 86: Impressões preparadas para receberem a segunda tela Fonte: Autor

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Figura 87: Impress達o da segunda tela Fonte: Autor

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Figura 88: Segunda tela impressa em azul Fonte: Autor

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Para o formato do TCC, trago a semelhança com o sketchbook que me acompanhou durante toda a pesquisa, incluindo as experimentações no ateliê, no qual fiz anotações e o planejamento do projeto. Assim, escolhi trabalhar com as proporções aproximadas do retângulo áureo, ou seja, 14x22 cm. Na diagramação das páginas deixo um espaço generoso de margem externa para facilitar a leitura e o manejo, como também para inserir possíveis anotações, da mesma forma que fiz em meu caderno. No texto principal, utilizo a família tipográfica Source 10,5 pontos e, para os títulos, a família Bebas 20 pontos. Faço uso também da minha própria caligrafia para as anotações e ilustrações. Analisando as impressões da serigrafia (Fig. 89), decido utilizar as cores azul e vermelho, junto ao preto, para dar identidade ao projeto. Assim, dobrando e recortando as folhas, faço uso destas impressões para sobrecapa, entradas de capítulo e como elemento para explorar a qualidade tátil e interativa que o design gráfico pode trazer. Para capa, utilizo papel craft, sobre o qual carimbo o título da pesquisa. Por fim, a encadernação de costura à mão, deixa exposta a linha preta e a lombada, dando ao TCC a aparência da junção de diversos papéis e anotações amarradas em um único volume. Figura 89: Impressões serigráficas finalizadas Fonte: Autor

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impress천es finais


Neste momento que chego às considerações finais desta pesquisa, me recordo do início do semestre quando levantei a proposta de unir os processos manuais de impressão ao atual projeto de design gráfico. Embora já tivesse experienciado algumas técnicas, este novo contato me trouxe ao longo do seu desenvolvimento, outras experiências e, com elas, novas indagações sobre o tema. Tornou-se forte a identificação com a palavra “processo” na associação de algo que movimenta-se e transforma-se e, acredito que, isso também tenha ocorrido com o trabalho. A cada semana, o conhecimento acerca das técnicas e do processo criativo fizeram com que as ideias fossem se unindo, transformando e clareando meu pensamento tanto sobre a pesquisa, quanto sobre o projeto prático. A união entre ambos, pude sentir quando ao voltar do ateliê, digitava o relato das impressões com os dedos ainda sujos de tinta. O deslocamento físico fez parte do meu cotidiano durante os meses que se passaram e, com ele, naturalmente veio o livre caminhar das ideias. A conceituação dos cartazes e os materiais necessários para sua realização levaram-me a conhecer novos lugares e pessoas. A busca pelos papéis me induziu a ir intuitivamente com o polegar e o indicador ao encontro das páginas de livros e de outras publicações que tinha à mão para, assim, sentir sua textura. O convívio com outros colegas no espaço do ateliê e, juntamente, o contato com suas produções, fez-se criar relacionamentos de cumplicidade e troca constante de experiências. Ainda, durante os estágios finais desta pesquisa, nos momentos em que realizei as provas de impressão na gráfica e os testes de encadernação, deparei-me com mais surpresas. 228


É por isso que, como desfecho deste trabalho, vejo na verdade o potencial que se mostra a partir da experimentação e da associação das diversas áreas que permeiam o design. Embora se esteja vivendo, de fato, em uma época guiada pelas mídias digitais, acredito que o design gráfico, assim como as técnicas aqui estudas e trabalhadas, não seja substituível e, sim, constantemente renovável.

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Referências livros e artigos BANN, David. Novo manual de produção gráfica. 2 ed. São Paulo: Bookman, 2010. CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à história do design. 3 ed. São Paulo: Blucher, 2008. FERNANDES, Amaury. Fundamentos de produção gráfica para quem não é produtor gráfico. Rio de Janeiro: Rubio, 2003. FERREIRA, Heloísa Pires; TÁVORA, Maria Luíza Luz (Coord.). Gravura Brasileira Hoje: depoimentos. Rio de Janeiro: Oficina de Gravura Sesc Tijuca, 1997. FRASCARA, Jorge. El diseño de comunicación. 1 ed. Buenos Aires: Infinito, 2006. GASCOIGNE, Bamber. How to identify prints: a complete guide to manual and mechanical processes from woodcut to ink jet. Espanha: Artes Gráficas Toledo, 1986. HELLER, Steven. PETTIT, Eleonor. Design em diálogo: 24 entrevistas por Steven Heller e Elionor Pettit. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

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