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A Vendedora de Cebolas José Leon Machado
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Ilustração de: Patricia Rodrigues, Artes Plásticas e Multimédia
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A rapariga tinha sido mandada à feira pela madrasta para vender um cesto de cebolas e uma giga de ovos. Saíra de casa com o cesto à cabeça ainda o sol não tinha nascido. Por várias vezes, ao longo do caminho, os socos derraparam nas pedras escorregadias pela geada. Salvou-a da queda o bom equilíbrio que sempre teve. C
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Deixasse cair o cesto e era certa a tareia da madrasta. Tanto mais
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que não se vendem cebolas maçadas e ovos muito menos e ela
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tinha de entregar em casa o dinheiro certinho. Chegou à feira já
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o sol ia alto. Quanto mais cedo se chegasse, melhor negócio se fazia. os preços começavam a baixar com o arrastar da manhã e os mercadores acabavam por vender os últimos produtos a menos de metade do preço, para não terem de regressar a casa com eles.
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Passou ao lado da tenda do mercador de caldeirões e corou quando o viu a falar com uma velha que apontava para um caldeirão. Ele era tão bonito, que a rapariga gostava C
de passar ali só para o ver. O jovem mercador nem para ela
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olhava. E como poderia ele olhar para uma rapariga tão feia e
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tão miseravelmente vestida?
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Mas ela não se importava. A lembrança dele nos dias duros de trabalho e nas noites frias aquecia�lhe o peito e isso bastava-he.
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Poisou o cesto – ninguém ali á volta se oferecera para a ajudar a C
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descê-lo da cabeça, nem mesmo as conhecidas de outros dias de feira que ao lado apregoavam os produtos –e sentiu-se derreada.
E ela disse que por causa da cebola. O pai acreditou e sentou-se à lareira a tirar as botas antes de pôr os pés ao fogo. A madrasta, No dia anterior, a madrasta tinha-a mandado retirar o estrume
ao lado, cozia uns fundilhos e ali estiveram a fazer sala á espera
do curral, trabalho que lhe ocupou grande parte do dia.
que o manjar estivesse pronto, enquanto os dois miúdos, seus
Já na cozinha, quando tinha mais vontade de comer do que
meios-irmãos, por ali andavam a arranhar�se com gritos e
fazer o que quer que fosse, a madrasta ainda a obrigou a fazer a
correrias.
ceia e a preparar o cesto para a feira. Enquanto picava uma cebola para o refogado, chorou e o pai, que acabava de chegar de uma lavrada, perguntou-lhe: - Porque choras, minha filha?
Foi muito tarde que a rapariga se foi deitar no quarto das traseiras, depois de ter lavado a loiça, preparar o avental, a saia e a blusa que no dia seguinte vestiria para a feira. Mesmo assim, aos olhos de quem passava, não parecia mais d que uma mendiga, tão remendada estava a saia, tão gasto o avental e tão puída a blusa.
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Apesar de todas as desgraças, o negócio corria-he bem e no final da manhã tinha vendido quase todos os ovos e boa parte das cebolas. Estava com tanta fome que se atreveu a pegar numa cebola, das mais pequenas. C
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Tirou-he as várias camadas de casca e começou a comê-a com um pedacito de pão duro que guardar no bolso do avental.
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Estava ela de boca cheia, sentindo a acidez da cebola a picar-lhe a
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língua, quando se aproximou a velha que ela tinha visto a falar com o jovem mercador. Traziaum caldeirão na mão, parou junto ao cesto e perguntou-he pelo preço das cebolas. A rapariga disse que, como eram as ultimas, lhas dava por metade do preço.
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- Não me parece que durem todo o Inverno.Têm casca mole. Piscou o olho direito e acrescentou:
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se assim fosse, a madrasta também era uma bruxa. Mas a rapariga
- Se ma deres por metade do preço dessa metade que dizes,
também sabia que as bruxas eram velhas e feias.
talvez as leve.
E então a madrasta já não podia ser uma bruxa. Foi por ser nova e
- Não posso tiazinha – respondeu a rapariga –A minha madrasta
bonita que o pai, quando ficou viúvo, casou com ela. Mas não sabia
recomendou-me que não descesse o preço mais do que o justo.
explicar como sabia a madrasta o dinheiro que a rapariga lhe
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A rapariga não sabia dizer. As bruxas são más, toda a gente sabe, e
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Se não lhe entregar o dinheiro certo, ela castiga-me. - E como sabe qual é dinheiro certo antes da feira acabar? - Perguntou a velha desta vez piscando o olho esquerdo - É por acaso bruxa?
deveria entregar. - Talvez - sugeriu a velha �ela não saiba, mas diz que sabe para tu ficares com medo e não te deixares enganar pelos clientes e n ão gastares o dinheiro mal gasto.
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E pôs-se a matutar. Bem que as cebolas valiam o dinheiro que a rapariga pedia. Mas ela não tinha moedas suficientes. Foi então que lhe surgiu uma ideia: - Dás-me as cebolas pelo meu preço e não precisarás mais de te preocupar com a tua madrasta, que deve ser uma mulher C
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bem mais malvada do que eu.
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A rapariga não percebeu bem a fala da velha do caldeirão.
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Mas porque lhe pareceu que a velha era atrasadinha, citada, deu-lhe as cebolas ao preço que ela estava disposta a pagar. A velha meteu as cebolas no caldeirão e foi-se embora muito satisfeita depois de ter dito como despedida: Eu te fado bem fadada Para que sejas bem Casada.
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A rapariga guardou as moedas no bolso do avental, acabou de comer a cebola e o pão, ajeitou o cesto na cabeça, agora bem mais leve e preparou-se para abandonar a feira. Passou na tenda do mercador dos caldeirões, e como sempre fazia, olhou para lá de relance. Estava estranhamente abandonada, com os C
caldeirões brilhando ao sol sem ninguém que os guardasse.
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A rapariga aproximou-se, pousou o cesto e pôs-se a observar a tenda. Ali perto havia um charco e ela ouviu um coaxar.
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Junto á água estava um enorme sapo, tão grande como ela nunca vira. A maneira como o bicho coaxava parecia dizer: Beija-me, beija-me, mas dito pelo nariz. Ela pôslhe a mão e sentiu-lhe o dorso viscoso. Se fosse outra, sentiria nojo e fugiria dali a cuspir. Mas a rapariga estava habituada a coisas bem mais nojentas que a madrasta a obrigava a fazer.
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E o sapo coaxava: Beija-me, beija-me. Ela pegou nele em ambas as mãos, como se pegasse numa flor, passou-he os lábios pela cabecita em pescoço e, sem que ela se C
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apercebesse como, viu-se ao colo do jovem mercador
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de caldeirões. Ele sorriu e retribuiu-he o beijo. Depois disse:
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- És a rapariga mais bela deste reino. E porque me salvaste, farei de ti a rainha dos caldeirões!
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