Single family houses by Mauricio de Vasconcelos, 1950-1970

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FACULDADE DE ARQUITECTURA DA UNIVERSIDADE DO PORTO Ano Lectivo 2007/2008 PROVA FINAL PARA A OBTENÇÃO DA LICENCIATURA EM ARQUITECTURA

AS CAS AS DESENHADAS PELO ARQUITECTO M AURÍCIO DE VASCONCELLOS ENTRE 1950 E 1970

Patrícia Isabel Martins da Rocha


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

2

Docente acompanhante Professor José Manuel Soares

Estágio Estágio curricular realizado sob a orientação do arquitecto Mário Marques, no gabinete de arquitectura J.B.M.M., entre Setembro de 2007 e Fevereiro de 2008


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

Aos meus pais

3


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

4

NOTA PRÉVIA

Pretende-se

com

este

trabalho

uma

reflexão

e

compreensão da arquitectura doméstica, uma vez que “a habitação é na arquitectura um dos programas que melhor responde e revela as 1

estruturas das sociedades em que se integra” .

Interessa-me particularmente o estudo da habitação unifamiliar, individualizada, pela liberdade que proporciona ao arquitecto, de poder experimentar novas formas de organização do espaço, novos materiais e tecnologias, novos modos de vida. Contudo, tratando-se de um tema tão abrangente, senti a necessidade de privilegiar um campo de análise. Propus inicialmente, o estudo de uma tipologia de habitação, que procura na paisagem o argumento para a sua concepção. Refiro-me naturalmente à casa belvedere, que, como enuncia Carlos Marti Aris será “ a casa que melhor representa as aspirações da arquitectura moderna”, pelos princípios de fluidez, dinamismo e abertura que

são explorados. Foi

durante

a procura

dos

exemplos que

melhor

representariam esta tipologia, que tive o contacto com duas casas (Casa C. Correia e Casa Cunha de Freitas) desenhadas pelo arquitecto Maurício de Vasconcellos na década de 50. A exploração de uma relação intensa entre interior/ exterior, a fluidez da composição do espaço interno e a sensibilidade ao lugar, demonstrada no modo como as casas se integravam na paisagem, foram os motivos que me levaram a querer estudar com mais profundidade a obra de um arquitecto que me era desconhecido,

e do qual,

infelizmente,

não existe muita

informação. Não intensidade,

podendo, todos

contudo,

os exemplos

explorar de

com

a

arquitectura

mesma notáveis,

produzidos por este autor ao longo de quase 50 anos de carreira, deixo apenas a intenção de enunciar as principais temáticas exploradas por este, nos projectos referentes à habitação unifamiliar.

1

TOSTÕES, Ana, 1957, p.51


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

5

Proponho simultaneamente uma análise do conjunto de referências que influenciaram o autor, levando-o a procurar uma linha de pensamento própria, procurando com isto entender as influências, motivos e intenções que justificam o modo como as casas foram projectadas.


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AGRADECIMENTOS

A realização desta prova não teria sido possível sem a ajuda de várias pessoas, que de uma forma directa/ indirecta, permitiram o seu desenvolvimento. Devo por isso deixar assinalado o meu profundo agradecimento a todos os que de alguma forma contribuíram para o resultado final deste trabalho. Começo naturalmente por agradecer ao meu orientador, o professor José Manuel Soares, ao qual devo a determinação que me levou a avançar com este estudo. Agradeço igualmente a colaboração constante, as conversas sobre arquitectura que me ajudaram na leitura dos vários casos em análise e o entusiasmo que demonstrou ao longo dos vários meses de trabalho. Ao arquitecto Cândido Reis, autor de uma tese de mestrado sobre o arquitecto Maurício de Vasconcellos, devo a possibilidade de realização deste trabalho, ao proporcionar o contacto com a família do arquitecto em estudo, ao organizar as inúmeras visitas aos casos em análise, aos preciosos conselhos e esclarecimento de dúvidas e finalmente à disponibilidade e apoio demonstrados em todos os momentos. Agradeço igualmente ao ceramista Paulo Óscar, filho do arquitecto Maurício, pela disponibilidade imediata com que me permitiu o acesso ao espólio, pelos diálogos sem os quais seria difícil a compreensão da personalidade do arquitecto e ao entusiasmo demonstrado em dar a conhecer o legado do seu pai. Não poderia deixar de mostrar o meu apreço a todos os proprietários que me permitiram o acesso à intimidade de suas casas, para me proporcionarem uma avaliação real dos espaços em estudo. Assim agradeço aos proprietários das casas: Cunha Freitas, Sr. Vasco Fragas; Franchi, Sr. Markus Kemper; Fernando Videira, Sr.ª Maria Teresa Videira e Eng.º Manuel Fernando Videira; Álvaro Trigo, Sr.ª Ana Maria; ao actual proprietário da casa Domingos França; Helena Freitas, Dr.ª Helena Freitas. À professora Lurdes Queiroz pelo tempo dedicado a rever e a corrigir este trabalho. A todos os colegas do gabinete onde realizei o estágio, que me apoiaram e ensinaram a ver a arquitectura de um modo diferente.


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

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Aos meus pais, o apoio incondicional, crucial nesta fase final dos meus estudos, a persistência e a determinação com que levei a cabo este estudo, fruto de uma personalidade que só a eles deve proveniência e por último todo o suporte financeiro, que permitiu o desenvolvimento desta investigação. Ao Carlos, companheiro de longa data, a paciência, o acompanhamento, o encorajamento e o auxílio prestados ao longo de todos estes anos de faculdade. À minha família por sempre acreditarem em mim e finalmente aos meus amigos agradeço o companheirismo e sobretudo o apoio em muitas horas menos positivas. A todas estas pessoas o meu muito obrigado.


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

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INDICE INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 10 METODOLOGIA .................................................................................................................................... 13 FONTES DOCUMENTAIS ..................................................................................................................... 15 CONTEXTUALIZAÇÃO.......................................................................................................................... 21 O INÍCIO DE UM PENSAMENTO ARQUITECTÓNICO ......................................................................... 25 1951_Uma casa no Brasil: Casa João Penteado................................................................................ 29 1951/52 _ “Surpresa No Aeroporto”: Casa Rangel Lima..................................................................... 33 1955 _

Casa Conceição Correia ................................................................................................... 40

A PROCURA DE UMA LINGUAGEM PRÓPRIA .................................................................................... 47 1958 _

Casa Cunha Freitas .......................................................................................................... 53

“A Trilogia Do Restelo”: 1961 Casa Franchi; 1962 Casa Fernando Videira; 1964 Casa Álvaro Trigo ......................................................................................... 61 A INFLUÊNCIA DO INQUÉRITO ........................................................................................................... 77 1964_

Casa Domingos França ........................................................................................................ 80

UM CASO PARADIGMÁTICO ............................................................................................................... 86 1969 _

Casa Dr.ª Maria Helena Freitas ........................................................................................ 90

CONCLUSÃO ........................................................................................................................................ 95 REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 103 INDICE DE ILUSTRAÇÕES ................................................................................................................. 110


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

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“ (...) possuir uma casa será ainda por largos anos uma aspiração do homem, tão natural e inerente à natureza humana como o próprio desejo de possuir.” Maurício de Vasconcellos


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

10

INTRODUÇÃO

“Encontro-me neste momento no comboio, em direcção a norte. Resolvi tentar descrever, ainda que no rescaldo desta visita a Lisboa, o que mais me impressionou nesta viagem de descoberta da obra do arquitecto Maurício de Vasconcellos. O acesso ao interior das casas foi nesta primeira viagem, infelizmente, dificultado por alguns dos proprietários. Das oito obras que são objecto de estudo desta prova, foi-me autorizado o acesso apenas a três. Contudo, tive experiências tão diferentes, que esta primeira viagem valeu por si só o esforço físico,

1Casa Dr. Luciano Carvalho _ vista M. de Vasconcellos, Costa da Caparica 1964

psicológico e monetários dispendidos. No domingo passado, dia 30 de Março o dia começou bem cedo. Fui para a Costa da Caparica, visitar o restaurante Carolina do Aires e a casa do Dr. Luciano Carvalho

(1964),

uma casa

desenhada em contexto urbano e com um programa diferente das que estou a estudar, por se tratar de uma casa de férias. Dirigi-me ao restaurante Carolina do Aires e uma vez que era hora de almoço decidi parar e aproveitar a oportunidade para entrar no restaurante e assim “sentir na pele o espaço”.

2Restaurante Carolina do Aires _ vista M. de Vasconcellos, Costa da Caparica 1964

Proposto, inicialmente, como um objecto para uma permanência de carácter temporário, Maurício desenha toda a estrutura em madeira, sendo rapidamente desmontável caso fosse necessário. Apesar de se encontrar muito alterado, pelo menos exteriormente, percebe-se claramente a intenção do arquitecto, a procura de uma ligação interior exterior. Por dentro ficámos maravilhados com a dinâmica imposta pela estrutura da cobertura e por todo o ambiente de recolhimento e conforto proporcionado pela madeira. De tarde, como ainda era cedo para ir visitar a moradia Domingos França, fui ver a Sociedade Portuguesa de Autores, na Rua Gonçalves Crespo. Trata-se de um edifício de gaveto, uma massa compacta rasgada verticalmente por inúmeras “frestas”, que se desenvolvem desde a cobertura até ao chão. Assume-se volumetricamente não pela cércea, mas pela leitura de continuidade que exprime provocada pelo ritmo de fachada constante. É a presença do

3Sociedade Portuguesa de Autores _ vista M. de Vasconcellos, Lisboa 1970


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

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chamado “gesto único”, referido por Alçada Baptista em conversa com o arquitecto Cândido Reis, que caracteriza a produção de Maurício de Vasconcellos no período correspondente ao trabalho no GPA (Grupo de Planeamento e Arquitectura). A melhor das surpresas estava reservada para a tarde. Cheguei às três e meia a casa do engenheiro Jorge Antunes e iniciámos então a visita. Tinha estado no dia anterior a olhar com

4Casa Domingos França _ vista M. de Vasconcellos, Venda do Pinheiro 1964

atenção para a planta. A sua composição geométrica era algo de novo para mim. Já tinha tido contacto com alguns esquemas parecidos, aquando da investigação de uma das personagens influentes na obra de Maurício de Vasconcellos, Frank Lloyd Wright. Não fazia contudo, a mínima ideia do que seria visitar um espaço desenhado daquela forma. Lembro-me de pensar no final da visita: “Agora vou para casa e tentar “digerir” o que vi” . Ao longo da semana, entre as horas que passei na biblioteca de arte da Gulbenkian, consegui felizmente ter acesso à moradia Cunha Freitas. Fui recebida pelo senhor Vasco Fraga, proprietário actual da moradia, que logo no início da conversa referiu “comprei a casa porque ela tinha qualquer coisa do Frank Lloyd Wright”. Existem de facto referências importantes à obra de Wright, contudo o arquitecto Maurício de Vasconcellos conseguiu de um modo muito próprio transformar esta moradia numa obra única e irrepetível, demonstrando um sentido muito singular de sensibilidade ao lugar e de aproximação do interior, exterior e paisagem.

5Casa Cunha Freitas _ vista M. de Vasconcellos, Cascais 1958

Sábado, 4 de Abril, chego à moradia Helena Freitas. Sou recebida pela Dr.ª Helena Freitas, ex-cunhada do arquitecto Maurício de Vasconcellos, que me descreve com entusiasmo todo o processo de desenvolvimento da casa bem como determinados aspectos da sua convivência com o arquitecto. No exterior, fui surpreendida com uma arquitectura brutalista completamente diferente de todas as obras que tinha visto até então. Tinha andado já pelo Restelo e visto a “trilogia” como qualifica o arquitecto Cândido Reis, ao conjunto de três casas, localizadas na mesma rua, das quais faz parte a casa Álvaro Trigo, talvez uma das obras mais conhecidas desenhadas por Maurício. 6Casa Álvaro Trigo _ vista M. de Vasconcellos, Restelo 1964


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

Com

influências

claramente Wrightianas,

12

quer

pela

organicidade e noção de movimento presente nos alçados, fluidos, desenhados com contínuos rasgos horizontais, quer pelo modo como se enquadram na envolvente, inclusivé pela utilização de materiais, o tijolo, a madeira, com cores que se harmonizam com a terra. Mas voltando à moradia Helena Freitas, é importante referir que a casa foi desenhada tendo em conta uma considerável

7Casa Franchi _ vista M. de Vasconcellos, Restelo 1961

condicionante, um problema de mobilidade. A procura de simplicidade é talvez a característica que melhor exibe a pretensão de Maurício de Vasconcellos. È aliás essa simplicidade que caracteriza a primeira fase de produção do arquitecto, da qual fazem parte três obras importantes: a moradia João Penteado, projecto que apresenta como C.O.D.A. (Concurso para a obtenção do diploma de arquitecto), a moradia Rangel Lima, obra também conhecida e à qual foi dedicada um artigo em

1953,

da revista Arquitectura

8Casa Rangel Lima _ vista M. de Vasconcellos, Lisboa 1951/52

Portuguesa Cerâmica e Edificação, intitulado “ Surpresa no Aeroporto” e a moradia Conceição Correia. Estas três obras exibem a influência da arquitectura brasileira, influência decorrente do estágio efectuado por Maurício de Vasconcellos, no gabinete de Sérgio Bernardes e Vilanova Artigas, no Brasil. Estou agora a chegar ao Porto e tenho a perfeita

9Casa Conceição Correia _ vista M. de Vasconcellos, Paço de Arcos 1955

consciência da viagem incrível que realizei. Espero, ao longo desta prova, ter capacidade para de uma forma clara vos demonstrar o que me atraiu na obra deste arquitecto.”

10Casa Mario Tacques Bitencourt _ vista Vilanova Artigas, S. Paulo 1959


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

13

METODOLOGIA

O presente trabalho tem por objectivo a realização de um estudo direccionado para a produção arquitectónica de Maurício de Vasconcellos no campo da habitação unifamiliar. Como

refere

Ana

Tostões

desde

sempre

campo

experimental de eleição para os arquitectos, laboratório a pequena 2

escala “ a habitação unifamiliar será um elemento significativo

para “afirmações de linguagem ou de tendência”3 e é por isso que neste trabalho se reveste de especial significado, constituindo um testemunho real da visão de arquitectura deste autor. Posto isto, o trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma. Numa primeira fase será realizada uma contextualização, da qual constará uma breve biografia, que será acompanhada por referências

que

arquitectónico

influenciaram

de

Maurício

de

directamente

o

Vasconcellos.

percurso

Após

esta

contextualização serão apresentados em diferentes capítulos os projectos

das

moradias

em

estudo

e

desenvolvidos,

simultaneamente, os temas que melhor representam a produção deste arquitecto. Este estudo será ainda acompanhado por referências a obras de outros autores, que sejam próximas temporalmente. Pretende-se com isto realizar uma espécie de confrontação de ideias, que terá como resultado a identificação dos diferentes modos de “fazer arquitectura”. Esta

investigação

para

além

de

constituir

um

enriquecimento pessoal, será uma oportunidade para dar a conhecer

um

arquitecto

cuja

produção

arquitectónica

faz

transparecer em todos os seus actos e obras um sentido profundamente humano. Apesar de o estudo se centrar no domínio da habitação unifamiliar, acabei por organizar uma espécie de fichas, as quais coloquei em anexo, procurando com isto fazer breves referências a outros programas, dando a conhecer outros projectos desenvolvidos pelo arquitecto Maurício e de alguma forma mostrar que o estudo de determinados temas na habitação podem 2

TOSTÕES, Ana, 1997, p.52

3

Ibidem


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

14

influenciar outras produções, garantindo-se assim uma linha de continuidade, no que diz respeito à criação de uma linguagem própria, identificadora. Os anexos constituem assim uma fonte importante de informação, contendo os processos correspondentes aos casos em estudo, que com facilidade poderão ser consultados em simultâneo com o corpo de texto principal, uma lista de obras onde se encontra descrita toda a produção arquitectónica de Maurício, incluindo os trabalhos desenvolvidos no GPA e ainda as fichas de alguns projectos desenvolvidos fora do âmbito do tema em estudo.


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

15

FONTES DOCUMENTAIS

A realização deste trabalho foi possível através da consulta do espólio do arquitecto Maurício de Vasconcellos, que se encontra na posse dos seus familiares. O espólio consultado engloba todas as obras realizadas até 1970, período que antecipa a formação do GPA. As obras realizadas posteriormente, já em parceria com Alçada Baptista e Bartolomeu Costa Cabral encontram-se no agora extinto atelier. Não pude, portanto consultar o espólio das obras produzidas após

1970.

Contudo,

como os casos de estudo em análise se enquadram no período em que Maurício trabalha sozinho, a execução deste trabalho não ficou prejudicada. É importante referir que alguns dos processos presentes nos anexos nem sempre correspondem à versão final das propostas. Todavia, são peças fundamentais para a compreensão global da intenção do arquitecto. São igualmente testemunhos importantes de um processo de estudo de arquitectura, próprio da época em que se enquadram. Posto

isto,

houve

naturalmente

a

necessidade

de

completar a informação e para isso foram consultadas publicações especializadas.

Refiro-me

concretamente

aos

periódicos

“Arquitectura”, “Binário”, “ Arquitectura Portuguesa Cerâmica e Edificação” e “ Jornal dos Arquitectos”. A tese de mestrado realizada pelo arquitecto Cândido Reis, foi também uma importante fonte de informação, tratando-se de um trabalho que desenvolvido à imagem de uma monografia, explora todos os programas de arquitectura desenvolvidos pelo arquitecto Maurício de Vasconcellos. O espólio do estúdio do fotógrafo Mário Novais foi também essencial para a obtenção de uma imagem real das obras aqui em estudo, uma vez que os registos coincidem na maior parte dos casos ao período imediatamente após a conclusão das obras. Os elementos fornecidos pelos proprietários das casas, às quais me foi possibilitado o acesso, e os seus depoimentos, preciosos em termos de conteúdo, pois denunciam o modo como vivem a obra, constituem uma informação essencial para o entendimento das casas em estudo. Já dizia o arquitecto Fernando Távora “Uma


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

16

forma só poderá compreender-se vivendo-a, bem como à sua circunstância e não apenas ouvindo descrições a seu respeito ou 4

consultando suas reproduções” .

4

TÁVORA, Fernando, 1996, p.23


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QUADRO CRONOLÓGICO


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

Data

Contexto internacional

Obras realizadas

Inicio da Mundial

Publicação do livro “ Brasil Builds”

1946 1947

Criação Unidas

das

Habitação Marselha, Le Corbusier

CIAM VII Criação da NATO

Casa Farnsworth, Van der Rohe

Mies

CIAM VIII

1952

1953

CIAM IX

Casa Boomer, F. L. Wright

1954

Casas Jaoul, Le Corbusier

1955

Ronchamp, Le Corbusier

1956

CIAM X

Formação superior em Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico

Formação ODAM, Porto “O problema da casa portuguesa”, por F. Távora I Congresso Nacional de Arquitectura (ISTLisboa) A revista Arquitectura publica a versão integral da Carta de Atenas Exposição” Arquitectura Moderna Brasileira”, em Lisboa

Pequena habitação em AVER-O-MAR, Delfim Amorim e Oliveira Martins

Viana de Lima funda o grupo CIAM no Porto

Casa Maria Borges, Av. do Brasil, Viana de Lima Casa em Valongo, João Andresen

Maurício de Vasconcelos estagia durante ano e meio no Brasil trabalhando no atelier de Vilanova Artigas e de Sérgio Bernardes Conclui o curso especial de arquitectura de 4 anos na EBAL

Exposição ODAM

Casa Rocha Gonçalves, Viana de Lima

Regresso a Portugal Moradia João Penteado

Victor Palla reactiva a revista Arquitectura Portuguesa tornando-se o "espaço da vanguarda mais radical do Estilo Internacional de influência brasileira" Realização do III Congresso Nacional de Arquitectura Criação MRAR Representação da arquitectura portuguesa na II Bienal do Museu de Arte Moderna de S. Paulo

Casa Ruy D' Athouguia, Ruy D‟ Athouguia

Moradia Rangel Lima

Casa Lino Gaspar, João Andresen

Casa Sande e Castro, Ruy D' Athouguia

Casa de Ofir, Fernando Távora

La Tourette, Le Corbusier

1957

1958 1959

da

“O problema da habitação”, artigo escrito por Keil Amaral Formação ICAT, Lisboa

CIAM VI

1950

1951

Morte de Wright

Frank

Biografia Maurício

Levi,

Nações

1948

1949

Plano da Encosta Ajuda, Faria da Costa

Casa do arquitecto “ Casinha”, Vilanova Artigas Casa Rio Branco Paranhos, Vilanova Artigas Casa Benedito Vilanova Artigas

1944 1945

Obras realizadas

Guerra

1940 1941 1942 1943

Contexto nacional

Projecto Resor, Mies Van der Rohe

1938 1939

18

Lloyd

Casa Mário Bitencourt, Artigas

Tacques Vilanova

Casa de Chá da Boa Nova, A. Siza Casa em S. João do Estoril, Victor Figueiredo Plano Olivais Sul, Rafael Botelho e Carlos Duarte

CODA/TESES (Hab. João Penteado), São Paulo, Brasil

Moradia C. Correia Pavilhão de Bruxelas (concurso) Cinema Avis, Av. Duque d‟ Ávila, Lisboa (3 projectos) Soprocine, Av. Duque de Ávila, Lisboa Sociedade Portuguesa de Automóveis, Rua da Escola Politécnica, Lisboa Moradia Cunha Freitas Posto do Vimioso


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

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Praça de Espanha, Lisboa (colaboração) Sociedade Portuguesa de Automóveis, Av. Liberdade, Lisboa Restaurante Gambrinos, Lisboa Moradia Franchi

1960

Publicação do “Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa” Inicio da Guerra Colonial

1961 FAU, Vilanova (1962/69)

1962

Artigas

Moradia Videira Edifício da Pasteleira, S. Fernandez e Pedro Ramalho

1963

Moradia Álvaro Trigo Moradia Domingos França Restaurante Carolina do Aires, Costa da Caparica Habitação Luciano de Carvalho, Costa da Caparica

1964

1965

Morte de Le Corbusier

Casa na Av. Dos Combatentes, A. Siza Funda o grupo de planeamento e arquitectura (GPA) Restaurante Escorial, Lisboa, (colaboração)

1968

1970

Colaboração com o arquitecto Conceição Silva durante 3 anos Hotel da Balaia

1966 1967

1969

Fernando

Morte de Mies Van der Rohe

Moradia Dr.ª Helena Freitas Sociedade Portuguesa de Autores, Lisboa


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

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CONTEXTUALIZAÇÃO


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

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CONTEXTUALIZAÇÃO

Recuemos atrás no tempo, mais concretamente ao ano de 1948, ano que assinala a realização do I Congresso Nacional de Arquitectura. Visto como uma oportunidade para uma tomada de consciência arquitectónica por parte dos arquitectos portugueses, permitindo uma comunicação das suas principais preocupações bem como dos condicionalismos a que a actividade estava sujeita, foi um momento especial principalmente para os arquitectos mais jovens que “viram neste acontecimento, por um lado, uma possibilidade de continuarem a tentar alterar o quadro da sua actividade profissional e, por outro, uma maior abertura para a aceitação das suas teorias de influência racionalista”

5

Dos temas postos em discussão salienta-se a contestação dos valores nacionais tal como eram impostos pelo governo e os problemas referentes às condições de alojamento. O Congresso fica contudo muito aquém das expectativas. Introduziram-se os princípios da Carta de Atenas e procurou-se a adesão a algumas fórmulas de Le Corbusier. Esperava-se, contudo, que os arquitectos pudessem “explodir com posições 6

teóricas longamente recalcadas” e que se debatessem contra as

intenções do Estado Novo, o que não aconteceu. Por esta altura encontravam-se em actividade duas organizações que tiveram um importante papel na organização do Congresso. Refiro-me naturalmente ao ICAT (Iniciativas culturais Arte Técnica) fundado em Lisboa no ano de 1946 e um ano mais tarde,

no

Porto,

o ODAM (Organização

dos

Arquitectos

Modernos). Estas duas organizações, à semelhança do que se pretendia para o Congresso que se viria a realizar pouco depois, tinham como principal objectivo a defesa de uma nova arquitectura, livre da motivação e do constrangimento de seguir os modelos oficiais. O ICAT assumindo uma postura “cívica e politizada “7relança a revista Arquitectura e organiza as Exposições Gerais de Artes Plásticas, 1946-1956 como forma de contestação. 5

RIBEIRO, Rogério, 1997, p.72

6

ALMEIDA, Pedro Vieira de; FERNANDES, José Manuel, [cop.1986], p.142

7

TOSTÕES, Ana [et al]., 2003, p.126

11Cartaz I Congresso Nacional Arquitectura


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

22

No Porto, o ODAM sob o lema “os nossos edifícios são diferentes dos do passado porque vivemos num mundo diferente”,

organiza em 1951 uma exposição, na qual será expressa a linguagem moderna pretendida. Beneficiando dos trabalhos de uma nova geração de arquitectos, construída sob os ideais modernos, é no Porto que aparecem as primeiras obras com influências marcadamente racionalistas. De salientar as condições especiais com que se desenvolveu a arquitectura no norte do pais, que pelo afastamento relativamente aos ministérios e favorecida por uma encomenda maioritariamente privada, conquistou desde cedo a pretendida

12ODAM _ Capa do livro

autonomia. A arquitectura produzida na década de 50 pode ser entendida como uma reacção à prática profissional até aquela data exercida, com modelos e estética fortemente determinados e instituídos pelo Estado. Será portanto, desta reacção que tendem a afirmar-se duas correntes. Uma, baseada numa visão internacionalista, assente nos princípios da carta de Atenas, (manifesto do chamado Estilo Internacional) com ligação a uma influência directa da América do Sul (como será explorado mais à frente); outra, ligada à compreensão da cultura nacional, que terá a sua base no Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal, 19561961. Como havia sido anteriormente referido é também durante os anos 50, que se começa a sentir uma atracção pela arquitectura desenvolvida na América do Sul, nomeadamente pela arquitectura brasileira, que chegava até nós através de revistas, como é o exemplo a revista “Arquitectura”, atracção que sairia reforçada após a Exposição de Arquitectura Moderna Brasileira realizada no inicio da década no IST. As obras produzidas no Brasil, por influência de Le Corbusier aparecem divulgadas no livro Brazil Builds, de 1943 constituindo ””cartilha obrigatória” de então, como diria Távora ou na 8

opinião de Maurício de Vasconcellos, “o nosso segundo Vignola”” .

Foi precisamente em 1950, após ter concluído o curso especial de arquitectura de 4 anos na EBAL (Escola de Belas Artes de 8

13 Brazil Builds _ Capa do Catálogo FERNANDEZ, Sérgio, 1988, p.57

1943


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Lisboa), que Maurício de Vasconcellos parte para o Brasil, onde permanece por um ano e meio, trabalhando com os arquitectos Sérgio Bernardes e Vilanova Artigas. Maurício de Vasconcellos nasce em Lisboa a 27 de Março de 1925. Filho de Raul de Faria Gonçalves, natural de Belém Pará e de Gabriela Jenino Silva Trindade de Vasconcellos, natural do Funchal, vive com a avó materna, Isabel da Trindade de Vasconcellos e frequenta o colégio moderno de Lisboa. Em 1943 termina o 7º ano no Liceu Camões e prossegue com a formação superior em Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico onde chega a fazer prova de admissão. Pouco depois troca o curso técnico por Belas Artes. Em 1951, regressa a Portugal e inicia o seu percurso como arquitecto tirocinante colaborando no projecto da célula 8 do Bairro de Alvalade em Lisboa, Bairro das Estacas, com os arquitectos Ruy D‟ Athouguia e Formosinho Sanches, iniciando simultaneamente o que viria a ser a sua carreira profissional, com atelier próprio na Praça do Areeiro9.

14Escritório na Praça do Areeiro

Entretanto volta a frequentar, o Curso Superior de Arquitectura na EBAL, que conclui em 1955, com 19 valores. No ano de 1956 participa na exposição de arquitectura portuguesa em Londres e em 1965 inicia a colaboração com o arquitecto Conceição Silva, com quem permanece durante três anos. Desta associação existem registos de 5 obras, uma das quais o “polémico” Hotel da Balaia (1966). Em 1968, juntamente com Alçada Baptista e Bartolomeu Costa Cabral, funda o GPA (Grupo de Planeamento e Arquitectura) iniciando-se um novo ciclo, caracterizado por uma vasta produção arquitectónica, principalmente no que respeita a equipamentos, dos quais saliento por exemplo os projectos da Sociedade Portuguesa de Autores

(1970),

do Hotel do Mar de

15Hotel da Balaia _ vista Atelier C. Silva e M. de Vasconcellos, Balaia 1966

Sesimbra (1982/92) e da Universidade da Beira Interior (1973/92).

9

Reis, Cândido José Brito, 2005, p.9 _ em conversa com Eng. Areosa Feio, colaborador

de Maurício de Vasconcellos até 1974

16Universidade da Beira Interior _ vista GPA, Beira Interior 1973/92


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

24

O INÍCIO

DE UM PENSAMENTO

ARQUITECTÓNICO


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

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O INÍCIO DE UM PENSAMENTO ARQUITECTÓNICO

“Existe naquelas obras, principalmente, a noção perfeita de união do princípio estrutural com o equilíbrio estético. Esta é, quanto a mim, a maior lição que nos vieram dar.” (...) “É evidente e natural que a Exposição de Arquitectura brasileira, venha a ter reflexo nos espíritos novos e, mais acentuadamente, nos alunos de arquitectura das duas escolas do país”

10

Maurício de Vasconcellos foi um desses “espíritos novos”, como descreve Formosinho Sanches que se fascinou pela arquitectura brasileira. O Brasil alheio à destruição que durante o período da II Guerra atingiu a Europa, foi o local ideal para se desenvolverem “ diversas obras de carácter moderno e inspiração europeia”, como

refere Ana Tostões. Passada uma primeira fase na qual a arquitectura brasileira se caracterizava por uma tentativa de reprodução dos modelos europeus, era urgente “ encontrar cedo, porém, o caminho 11

de uma expressão autêntica” .

A peculiar condição climatérica, a presença de Le Corbusier no Brasil e a própria herança nacional, foram os factores que aliados a um espírito inquietante manifestado nas camadas jovens de arquitectos deste país, despoletaram “uma 12

arquitectura cujo mérito menor, é certamente, a originalidade” .

Em 1943, o MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova Iorque) organizou uma exposição de arquitectura brasileira denominada: Brazil Builds. Philip L. Goudwin visita, a cargo do MoMA, o Brasil para um levantamento de arquitectura brasileira do colonial ao moderno. A divulgação desta publicação fez com que a arquitectura brasileira ganhasse prestígio e reconhecimento internacional. O próprio Maurício de Vasconcellos refere-se a esta publicação

10

SANCHES, Formosinho. Arquitectura moderna brasileira arquitectura moderna

portuguesa in revista Arquitectura nº29, Fevereiro/Março de 1949, pp.17 11

Exposição de Arquitectura Contemporânea Brasileira. Arquitectura nº 52. 2ª Série.

Fevereiro/Março de 1954, pp.19 12

Ibidem

17Ministério da Educação e Saúde _ vista Lúcio Costa, Óscar Niemeyer entre outros Rio de Janeiro 1936/42


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

26

como o “nosso segundo Vignola, livro de arquitectura brasileira, que na 13

época estava muito em voga”.

Chegava portanto a todo o mundo uma arquitectura caracterizada não só por uma tendência à leveza e transparência mas também por uma pureza formal possíveis através de um domínio técnico profundo do uso do betão. Era uma arquitectura de grandes gestos, com planos de vidro imensos protegidos pelo “brise-soleil” e com uma estrutura que se pretendia totalmente livre. Não será por isso difícil de compreender os motivos que levaram Maurício de Vasconcellos a prolongar a visita ao Brasil de um mês a um ano e meio de trabalho. Refere que foi no período em que esteve no Brasil, que obteve a formação real para o desenvolvimento da prática arquitectónica. “Sou formado por Lisboa. Mal formado por Lisboa... Realmente, a minha formação não foi totalmente feita aqui. Foi feita na E.S.B.A.L por necessidade de um “canudo”, mas talvez se deva mais ao 14

tempo que estive a trabalhar no Brasil” .

E não podia ter tido melhor experiência. Chegado ao Brasil tem a oportunidade de trabalhar com dois arquitectos importantes de S. Paulo, Sérgio Bernardes e Vilanova Artigas. É importante referir que Vilanova Artigas é um personagem importante para a compreensão do desenvolvimento da arquitectura moderna paulista na segunda metade do século XX, não tivesse sido ele o líder e reorganizador do curso de arquitectura da Universidade de 18Universidade de S. Paulo _ vista

S. Paulo.

Vilanova Artigas, S. Paulo 1962/69

Quando sai da Escola Politécnica de S. Paulo com o título de engenheiro-arquitecto, Artigas é seduzido pela obra de Frank Lloyd Wright. Reconhece, “com Wright entrei no mundo moderno: ver como é que precisava ser leal e honesto em relação à humanidade no seu conjunto. (...) Em todo caso, Wright me deu uma visão do mundo: o respeito à natureza do material, procurar a cor tal como ela é na Natureza. (...) Mas, no fundo, me forneceu uma moral para a criatividade 15

arquitectónica que me fez muito bem” .

13

Entrevista com o arquitecto Maurício de Vasconcellos in revista Arquitectura nº 124. 4ª

série, Maio de 1972, pp. 4 14

Ibidem

15

IRIGOYEN, Adriana, 2002, p.127

19Casa do Arquitecto “ Casinha” _ vista Vilanova Artigas, S. Paulo 1942


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

27

Mais tarde nega toda a influência da arquitectura americana, em especial da arquitectura desenvolvida por Frank Lloyd Wright e assume a influência de Le Corbusier. “Renegar suspeitas filiações Wrightianas que pudessem catalogá-los como antimodernos, parece ser uma obrigação entre aqueles que foram alguma vez, influenciados por Frank Lloyd Wright. É possível admitir ascendência miesiana ou corbusieriana, mas nunca se deverá confessar 16

a mínima afinidade com Wright” .

Maurício de Vasconcellos numa entrevista a revista arquitectura afirma “O arquitecto com quem trabalhei era um «wrightiano» extremo. Tinha a maior das admirações por Frank Lloyd Wright e estudava as suas obras. Isto pode parecer esquisito, ao pensarse na Arquitectura brasileira, mas a verdade é que Artigas aprendeu 17

muito com Frank Lloyd Wright” .

Daqui depreende-se a variedade formal a que Maurício esteve sujeito no Brasil, o que explica as diferentes abordagens que a

sua obra apresenta.

Assim,

numa primeira fase

encontramos obras com características marcadamente brasileiras, Casa João Penteado, Casa Rangel Lima e Casa Conceição Correia e numa segunda fase a transposição para uma linguagem arquitectónica próxima à arquitectura desenvolvida por Frank Lloyd Wright, como é o caso da casa Franchi, Fernando Videira e Álvaro Trigo.

16

IRIGOYEN, Adriana, 2002, p.126

17

Entrevista com o arquitecto Maurício de Vasconcellos in revista Arquitectura nº 124. 4ª

série, Maio de 1972, pp. 5


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

28

1951_Uma casa no Brasil: Casa João Penteado


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

29

1951_Uma casa no Brasil: Casa João Penteado

Será no atelier de Vilanova Artigas que Maurício de Vasconcellos projecta a casa João Penteado em 1951, para ser construída numa área de loteamento vizinha ao Parque de Ibirapuera. Desenhada para ser ocupada de modo permanente esta habitação “serviria” uma família composta por um casal e quatro filhos. Em 1951, na memória descritiva elaborada sobre o projecto supra referido, o qual seria mais tarde apresentado como C.O.D.A., Maurício refere: “A habitação, programa complexo e sempre em evolução é para o arquitecto o tema de maior interesse humano, e, quanto a mim, aquele que mais toca a sensibilidade do arquitecto. Há que encará-lo com apurado sentido de compreensão da pessoa humana, nas suas mais recônditas reacções ao meio ambiente, aquelas que, independentemente da rotina da vida, mais poderosamente modelam o 18

clima espiritual do homem” .

Deste excerto depreende-se uma preocupação em criar uma Arquitectura Humana, uma arquitectura que proporcione o ambiente ideal para o Homem, que não é um indivíduo geral mas um indivíduo em particular. Esta será a base comum desta obra e de todas as outras que aqui se encontram em estudo. Talvez tenha sido esta a característica mais importante que Maurício de Vasconcellos interiorizou na sua estada no Brasil. Voltando à casa João Penteado, tendo sido uma obra construída num país onde o clima é uma condicionante importante e tendo em conta que o projecto iria desenvolver-se marginal a uma das áreas mais atractivas de S. Paulo (Parque Ibirapuera) no que respeita à paisagem, é com naturalidade que a implantação 20Casa João Penteado _ implantação

desta obra tenha tido em consideração estes dois factores.

M. de Vasconcellos, S. Paulo 1951

O esquema em L sugerido na planta, mais do que uma intencionalidade de controlar o piso térreo, nomeadamente a área exterior da casa, deriva da pretensão de separar a zona de recreio e estudo do restante programa. Assim, no volume principal ao nível do primeiro piso Maurício desenha as áreas públicas (recepção

18

(1),

sala de estar

(2),

sala de jantar

(3),

cozinha

(4))

e 21Casa João Penteado _ piso 0

Memória descritiva da casa João Penteado in Anexos p.50

M. de Vasconcellos, S. Paulo 1951


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

serviços (quartos da empregada lavandaria

(8)),

(5),

wc‟s

(6),

30

arrecadações

(7)

e

reservando para o segundo piso as áreas privadas

(quarto dos pais

(1)

e três quartos para os filhos

(2),

wc‟s

(3))

enquanto no segundo volume, no piso do r/chão, faz corresponder uma área de terraço coberto e ao piso superior uma área de estudo (4). A existência de espaços exteriores cobertos, como é

22Casa João Penteado _ piso 1 M. de Vasconcellos, S. Paulo 1951

exemplo o terraço e a galeria de acesso à habitação e a transparência obtida através de amplos planos de vidro ao nível do r/chão, tornam este piso completamente aberto, obtendo-se um grande efeito de continuidade dos espaços e a consequente ligação com o exterior (fig.23). Esta procura pela relação do interior com o exterior e a continuidade dos espaços serão dois aspectos que aparecerão sistematicamente nas restantes obras, mesmo naquelas que apresentam já uma influencia wrightiana, embora tratados de

23Casa João Penteado _ continuidades M. de Vasconcellos, S. Paulo 1951

maneira diferente como se poderá ver ao longo deste trabalho. Na composição, adquire especial relevância a escada em caracol, desenhada no volume principal que liga o piso 0 ao piso 1. A sua posição, claramente central, se consideramos apenas a zona pública e a zona privada, e a forma como é desenhada à imagem de uma peça escultórica, independente, serpenteando sem qualquer apoio, pelo menos aparente, faz com que a zona de recepção seja um momento especial na dinâmica da casa. Esta importância conferida ao elemento de distribuição vertical é uma característica presente em outras obras de Maurício de Vasconcellos. Um outro elemento importante, este sem dúvida decorrente da arquitectura brasileira, será a adopção do “brisesoleil” no piso superior (neste caso foram utilizadas venezianas).

24Casa João Penteado _ vista M. de Vasconcellos, S. Paulo 1951

Trata-se de um dispositivo desenvolvido pelos arquitectos brasileiros, que para além de funcionar como uma protecção contra as rigorosas condições climatéricas permite igualmente a filtragem da luz e do olhar. No piso inferior é também evidenciada esta preocupação com a protecção solar que aqui é conseguida pelo balanço do volume superior. A linha de sombra obtida juntamente com a utilização dos pilares metálicos englobados no plano de vidro faz

25Casa João Penteado _ vista M. de Vasconcellos, S. Paulo 1951


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

31

com que o volume do piso superior pareça suspenso. Esta ilusão será também criada nos projectos das casas Rangel Lima e Conceição Correia, embora de modo diferente. Todos estes elementos imprimem algum dinamismo na fachada, possível quer pelo avanço dos volumes, quer pelo ritmo proporcionado pelo “brise-soleil”. Esta obra poderá ter sido a base experimental para as duas obras que se seguem cronologicamente, a casa Rangel Lima e a casa Conceição Correia. Estes três projectos podem ser “catalogados” numa fase de influência racionalista do trabalho deste arquitecto, que ao longo da sua carreira experimentou diversas linguagens na procura de uma ideia de arquitectura que o

26Casa João Penteado _ alçado NO M. de Vasconcellos, S. Paulo 1951

identificasse.

27Casa João Penteado _ vista M. de Vasconcellos, S. Paulo 1951


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

32

1951/52 _ “Surpresa No Aeroporto”: Casa Rangel Lima


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

33

1951/52 _ “Surpresa No Aeroporto”: Casa Rangel Lima “Voltamos ao estilo. A casa que aparece a meio da Avenida do Aeroporto, ali pousada como se tivesse aterrado vinda dum mundo diferente das que a precederam, suscita aqueles comentários, que todos nós já sabemos de cor, desde o «caixote» à «arquitectura bolchevista», (...) que aquilo não é para cá que é copiado do estrangeiro, que não é nacional”

19

Localizada numa Avenida marcada pela predominância de exemplos arquitectónicos de cariz “regionalista, pitoresco,” catálogo 20

de versões que declinaram ao absurdo o mito da casa portuguesa ”” ,

como refere Ana Tostões, surge com irreverência uma casa moderna de acentuado racionalismo e expressiva influência brasileira, irreverência que justifica a escolha do título “ Surpresa no Aeroporto”, apresentado num artigo publicado em 1953 pela revista

arquitectura portuguesa cerâmica e edificação.

28Casa Rangel Lima _ implantação M. de Vasconcellos, Lisboa 1951/52

Primeira casa desenhada por Maurício após a sua chegada do Brasil, é uma resposta, como o próprio refere “ aquilo que se poderia fazer no momento e não se fazia”.

21

A forma como se encontra particularmente implantada, com o perfil lateral voltado para a Avenida, abrindo o alçado principal para sul, decorre da pressuposta existência de uma praceta localizada precisamente a sul. Tal espaço não viria a ser concretizado, o que pôs em causa o princípio elaborado por Maurício de Vasconcellos, como o próprio explica no excerto aqui transcrito.

29Casa Rangel Lima _ alçado lateral M. de Vasconcellos, Lisboa 1951/52

No que corresponde à organização programática o esquema é simples. O volume, de base rectangular organiza-se em dois pisos. No piso térreo, voltados a sul localizam-se o escritório e sala à qual se encontra anexado o bar, abertos sobre o jardim, e a norte, quase em simetria o hall de entrada, os 19

Moradia Rangel de Lima. Arquitectura Portuguesa Cerâmica e Edificação nº3/4. Abril de

1953, pp.42 20

Tostões, Ana, 1997, p.60

21

Entrevista com o arquitecto Maurício de Vasconcellos in revista Arquitectura nº 124. 4ª

série, Maio de 1972, pp.4 30Casa Rangel Lima _ piso 0 M. de Vasconcellos, Lisboa 1951/52


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

34

serviços (wc, cozinha com copa, arrecadação e garrafeira) e circulações. No segundo piso, assumindo as linhas de composição do piso inferior encontram-se organizados numa primeira faixa os quartos e numa segunda faixa as circulações, instalações sanitárias e rouparia. Neste nível é interessante sublinhar o modo como se articula o quarto da empregada com o restante programa, que apresenta apenas uma ligação ao quarto de vestir da suite principal e a localização da lavandaria à qual se pode

31Casa Rangel Lima _ piso1 M. de Vasconcellos, Lisboa 1951/52

aceder apenas pelo exterior. A transição entre pisos é garantida por duas escadas: uma na cozinha, que assegura a ligação interna da zona de serviço dos dois pisos e outra localizada no hall de entrada, que ao desenvolver-se adossada à fachada norte e em conjunto com a varanda do piso superior, permite o desenvolvimento de um espaço de estar neste nível, voltado para a avenida. De notar que esta espécie de duplicação do hall atribui um papel especial ao momento de articulação vertical. Existe

uma

vontade

de

criar

espaços

inovadores,

adequados a um novo modo de pensar o habitar, que procura o desenvolvimento de espaços mais fluidos, dinâmicos e abertos em relação ao exterior. O arquitecto Rui Ramos, contextualizando a Casa Rangel Lima afirma “ A casa é então um contentor de múltiplas funções e actividades que já não encontram uma definição rígida, baseada na compartimentação, mas num espaço que se pretende fortemente continuo e fluido, de acordo com os habitantes e a sua idade a época ou 22

a circunstância” .

Vejamos, se considerarmos apenas o piso térreo, uma vez que no piso superior a presença das zonas íntimas levam naturalmente a uma maior compartimentação do espaço, é perceptível a ideia referida. Retirando os serviços assiste-se a uma lógica de continuidade baseada no princípio de “open space”, apenas interrompida na zona de trabalho a qual, anexa à sala comum não estabelece com esta nenhum tipo de ligação.

22

32Casa Rangel Lima _ “open-space” RAMOS, Rui Jorge Garcia, 2004, p.9.600

M. de Vasconcellos, Lisboa 1951/52


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

35

Depreende-se a intenção de criar uma zona de trabalho, independente da vivencia da casa e para isso o acesso a este compartimento é apenas possível através do vestíbulo de entrada. A sala comum é desenhada de forma linear, sem compartimentos, diluindo-se para a cozinha e para o hall da entrada. A lareira que assume lugar de destaque na composição da

sala,

é

o

único

elemento

fixo,

que

insinua

a

“compartimentação” do espaço, ao criar duas bolsas, às quais o arquitecto faz corresponder a zona de estar e de jantar. Este elemento poderá ser a “âncora” para a definição dos diferentes programas que a sala deve albergar como refere o arquitecto Rui Ramos, “surgem assim “âncoras” que no espaço aberto da sala comum vão, de forma mais ou menos determinada, fixar áreas e 33Casa Rangel Lima _ esquisso

processos de as ocupar e utilizar”23.

M. de Vasconcellos, Lisboa 1951/52

Esta procura de continuidade, fluidez e abertura será naturalmente estudada na procura de anulação dos limites entre interior e exterior, como a imagem procura evidenciar. A fachada sul, como se pode ver, é um plano contínuo em vidro, marcada ritmicamente pelos pilares que se destacam do plano. Nota 1 (RAMOS, Rui Jorge Garcia. 2004, p.8.525)

34Perspectiva desenhada por M. Vasconcellos ilustrando uma forma de organização do espaço no piso 0 (ver nota 1)

“Mas é na casa Rangel Lima (…) que a representação do espaço habitável é mais desenvolvida, como processo de comunicação de uma ideia moderna de vida doméstica (…) Neste processo de desenho de 1953, encontra-se uma perspectiva do terraço exterior no Rés-do-chão para a zona social. A publicação deste desenho é singular, constituindo dos raros exemplos de uma representação tridimensional do espaço e do mobiliário da habitação.”

O avanço das varandas no piso superior proporciona um espaço inferior, confortável, abrigado, conectado com o interior da casa e provoca simultaneamente um efeito de suspensão do piso superior, efeito que havia sido já explorado na casa João Penteado. Este efeito pode ser por exemplo observado na casa Benedito Levi em São Paulo

(1944),

de Vilanova Artigas. O piso

superior completamente vazado, enquadrado por uma espessa moldura, aparece em balanço sendo deste modo salientada a 23

35Casa Rangel Lima _ vista RAMOS, Rui Jorge Garcia, 2004, p.6.392

M. de Vasconcellos, Lisboa 1951/52


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

36

estrutura que aparece independente. O piso inferior, recuado em relação ao primeiro, despoleta o tão apetecido diálogo entre luz e sombra, que de forma tão clara surge na obra em estudo e nalguns exemplos que referirei posteriormente. A atitude racionalista inerente à forma de organização do programa e ao próprio desenho, que assenta numa base modular, adquirindo especial relevância em planta, pela marcação da estrutura; a cobertura, de tipo borboleta, invulgar na época e que se apresenta de forma imponente no alçado virado para a Avenida e o “brise-soleil” (lamelas horizontais de madeira) colocado nas varandas do primeiro piso protegendo os quartos da exposição solar, são sinais reconhecidos da arquitectura brasileira, que são importados e reinterpretados de diferentes modos por vários

36Casa Mario Tacques Bitencourt _ vista Vilanova Artigas, S. Paulo 1959

arquitectos da geração de Maurício. São vários os casos onde se detecta uma aproximação à arquitectura brasileira. Destaco por exemplo uma pequena habitação em A-ver-o-Mar, desenhada por Delfim Amorim e Oliveira Martins, em 1949, onde “ o prolongamento da linha de cobertura por uma estreita membrana que delimita o espaço descoberto do pátio da entrada, o emprego de quebra-luzes e o tratamento das aberturas e respectivas caixilharias inscrevem-se de modo bastante 24

directo nos modelos importados do Brasil” .

O esquema simples de funcionamento em planta (é

37Casa em A-ver-o-Mar _ vista Delfim Amorim e O. Martins, A-ver-o-Mar,1949

importante referir que os clientes pretendiam uma casa já mobilada, que satisfizesse as suas necessidades fundamentais e limites orçamentais), aponta já para a procura de uma nova espacialidade. Note-se por exemplo o desenho da sala comum que alberga já a zona de refeições, e a própria varanda, concebida como um prolongamento da zona de estar e jantar, defendida dos ventos incidentes e do sol por um quebra-luz de madeira, ou então o próprio mobiliário que aparece integrado no desenho, definindo espaços. Com diferentes condicionantes é desenhada em 1950 uma casa em Valongo, pelo arquitecto João Andresen, a qual “fará uso

24

FERNANDEZ, Sérgio, 1988, p.83

38Casa em A-ver-o-Mar _ piso 0 Delfim Amorim e O. Martins, A-ver-o-Mar,1949


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

37

de todo o tipo de sinais que facilmente se conotam com os da 25

arquitectura brasileira” .

Desenhada com a intenção de separar as zonas sociais e serviços das zonas privadas, Andresen cria 3 volumes. Um comporta as zonas sociais e os serviços, o segundo as zonas 39Casa de Valongo _ piso 0

privadas e o terceiro faz a ligação entre os dois primeiros.

João Andresen, Valongo 1950

Contudo, apesar desta intenção de separação, os volumes aparecem

unificados

pela

cobertura

em

betão

armado,

tipicamente brasileira, em asa de borboleta, a qual cobre toda a habitação, existindo apenas uma ruptura no pátio e no corredor dos quartos, abertura que neste ultimo será uma clarabóia voltada 40Casa de Valongo _ vista

a sul.

João Andresen, Valongo 1950

A adopção deste tipo de cobertura e “o emprego de proeminentes placas inclinadas apoiadas em estruturas tubulares de 26

ferro em forma de V” , sinais claros da adopção de um léxico de

inspiração brasileira, encontra-se presente também na casa Rocha Gonçalves, projectada em 1951 por Viana de Lima.

41Casa de Rocha Gonçalves _ corte Viana de Lima, Porto 1951

Destaca-se ainda pela organização interior, baseada em princípios de “open space”, como se pode verificar nas plantas, em especial na sala que se dilui que se anuncia em pé direito duplo, comunicando com o piso superior e acentuando deste modo o sentido de continuidade espacial, presente não só no plano horizontal mas aqui no plano vertical.

42Casa de Rocha Gonçalves _ piso 0 Viana de Lima, Porto 1951

Exemplo mais próximo da casa Rangel Lima será talvez a casa Ruy D‟ Athouguia. Sua contemporânea e similar em algumas das opções tomadas, foi desenhada pelo arquitecto Ruy Jervis D‟ Athouguia para ele próprio em Cascais, entre 1951 e 1953. Da planta, como se pode ver destacam-se três volumes, cada um deles com uma determinada função: volume principal

43Casa Ruy D‟ Athouguia _ vista Ruy D‟ Athouguia, Cascais 1951/53

onde se organiza o hall de entrada, a sala, os quartos e os wc‟s, e dois volumes secundários, um composto pelos serviços e cozinha e outro que alberga o atelier do arquitecto e a garagem. Interessa realçar que também aqui é procurada uma “ideia de continuidade espacial (...) enriquecida pelo sentido de hierarquia (programática) e pelos incidentes (pátios de serviços) e mais do que tudo

25

FERNANDEZ, Sérgio, 1988, p.102

26

Idem, 1988, p.81

44Casa Ruy D‟ Athouguia _ piso 0 Ruy D‟ Athouguia, Cascais 1951/53


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

38

27

pela intensificação da transição entre mundo natural e artificial ” . Essa

transição à semelhança do que acontece na casa Rangel Lima é reforçada na zona da sala, que se abre para a paisagem a sul, através de grandes superfícies de vidro, que se destacam da estrutura. Os pilares intencionalmente pintados de preto diluem-se no plano de sombra criado pelo avanço das varandas no piso superior, e assim é provocado o efeito de suspensão. A procura de uma nova forma de habitar é explorada mais uma vez com maior intensidade na zona da sala comum, que se

45Casa Ruy D‟ Athouguia _ vista Ruy D‟ Athouguia, Cascais 1951/53

prolonga com diversas zonas ao longo de um rectângulo que constitui todo o alçado sul. A métrica, reforçada pelos pilares auxilia nesta divisão entre zona de estar, zona de jantar e zona de convívio. Internamente existem duas paredes, que possuem painéis de correr que encerram cada uma destas zonas caso fosse necessário. Verifica-se portanto a existência de um espaço com princípios de flexibilidade e com isto a intenção de desenvolver novos modos de habitar baseados na continuidade, abertura e, como já foi referida, flexibilidade. O hall da entrada que aqui fica de certo modo colocado em segundo plano, ao ser transportado para a parte de trás da sala, assume relevo pelo desenho da escada, peça importante que faz

46Casa Ruy D‟ Athouguia _ flexibilidade Ruy D‟ Athouguia, Cascais 1951/53

a ligação ao piso dos quartos, projectada de forma livre, apenas com a estrutura de suporte e os degraus abertos, conferindo uma maior amplitude ao espaço que ela ocupa. Torna-se também importante a abertura lateral no alçado que faz com que este espaço de entrada seja bastante iluminado e por isso convidativo a entrar.

27

47Casa Ruy D‟ Athouguia _ vista CORREIA, Graça, 2008 p.108

Ruy D‟ Athouguia, Cascais 1951/53


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

39

1955 _ Casa Conceição Correia


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

40

1955 _ Casa Conceição Correia

Ainda integrada na fase de produção arquitectónica mais próxima da influência racionalista, Maurício de Vasconcellos projecta a Casa Dr. Fernando Ramalho Conceição Correia em 1955, na então “nova zona residencial de Paço de Arcos”. Trata-se

de

um

exemplo

notável

de

pesquisa

e

aperfeiçoamento de vocabulário arquitectónico pois, embora se percebam as influências da arquitectura brasileira, racionalista procuram-se já outros caminhos, baseados em novos conceitos

48Casa Conceição Correia _ implantação M. de Vasconcellos, Paço de Arcos 1955

de relação com o lugar, relação com o exterior, e nesta obra não tão evidente mas já presente nos projectos posteriores, uma nova organização espacial interna assente em noções de continuidade, distensão e abertura. Intenções fortes que serão claramente reveladas na casa Cunha de Freitas desenhada em 1958, Cascais, e que irão acompanhar a produção arquitectónica deste autor, pelo menos no que respeita ao projecto da habitação unifamiliar aqui em estudo. Aproveitando a magnífica panorâmica do rio e a inclinação do terreno, o arquitecto propõe um volume compacto, regular, que alcança movimento no sentido vertical, pelo jogo de pisos que propõe.

49Casa Conceição Correia _ corte M. de Vasconcellos, Paço de Arcos 1955

Embora o projecto tivesse sido concluído em 1955, só em 1960 é que se inicia a construção do mesmo. Tal atraso, como o próprio autor explica “ não é fácil nem benéfico para qualquer obra ou técnico (…) A temática então usada poderá estar correcta mas a

50Casa Conceição Correia _ estudos M. de Vasconcellos, Paço de Arcos 1955

evolução natural do autor durante esse tempo trará, senão uma nova concepção dos problemas, pelo menos um novo ou mais rico

51Casa Conceição Correia _ estudos M. de Vasconcellos, Paço de Arcos 1955


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

41

vocabulário, para além do que será lícito recear de tão prolongado 28

diálogo arquitecto cliente” .

Neste longo período de estudo manteve-se, contudo, a intenção inicial de ligação à envolvente, a qual denota uma extrema

sensibilidade

ao

lugar

por

parte

do

arquitecto,

demonstrada quer pelo modo como o volume se implanta no terreno e como procura a ligação com o exterior, quer pela própria escolha dos materiais, que de certo modo se aproximam à natureza, embora a opção por estes materiais se reveste de maior complexidade que mais à frente irei explorar. Como já foi referido, o intenso declive verificado no terreno, que chega a atingir os dois metros em relação ao nível da estrada,

52Casa Conceição Correia _ piso 0 M. de Vasconcellos, Paço de Arcos 1955

levou o arquitecto a desenhar um volume composto por 3 pisos e assim se desenvolve o programa definido pelo cliente. Num único piso, à cota da estrada desenvolve-se todo o programa habitacional. Contudo o acesso a este piso é feito por um nível inferior, no qual se desenvolvem as zonas de jogos e recreio que se ligam ao jardim localizado no primeiro nível. Estes dois níveis mantêm a continuidade com o terreno. Enquadrando toda a barra, voltado a sul e fechando-se por completo em relação à rua, situa-se o piso principal da casa. Inscritos numa planta quadrada, localizam-se o vestíbulo da entrada

(1)

com as escadas de acesso ao nível inferior, a sala

comum (2), três quartos (3), os serviços (4) e a cozinha (5). Mais uma vez se percebe a racionalidade do esquema, que aqui se apresenta marcado pelas paredes, espécie de lâminas que organizam o espaço interior e a procura de fluidez do

53Casa Conceição Correia _ piso 0 ampliação futura M. de Vasconcellos, Paço de Arcos 1955

espaço, que se demarca, especialmente na sala comum, rectangular, limitada pela escada de acesso, estabelecendo, contudo relações com o vestíbulo da entrada e com a cozinha. A organizar a fachada nascente encontram-se os quartos, que ocupam uma faixa rectangular, dos quais se destaca apenas a suite principal que se abre para sul. Esta disposição vai organizar os serviços, que ficam orientados a norte e a poente,

54Casa Conceição Correia _ piso 1 M. de Vasconcellos, Paço de Arcos 1955

28

LOBO, Vasco. A obra do arquitecto Mauricio de Vasconcellos in revista Arquitectura

nº75. Junho de 1962, pp. 8


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

42

beneficiando das condições térmicas, ideais para este tipo de programa. Denota-se neste projecto uma maior preocupação com a luz e seus efeitos, como elemento enriquecedor do espaço interno. Refiro-me concretamente às zonas centrais (escada e vestíbulo de entrada) e quartos de banho, iluminados zenitalmente e ao espaço correspondente a uma parte da cozinha, lavandaria e quarto de costura, que são iluminados através de um quebra sol

55Casa Conceição Correia _ corte M. de Vasconcellos, Paço de Arcos 1955

na fachada, a poente, composto por lâminas verticais que se distribuem ao longo do plano da fachada, que para além de protegerem estes espaços do sol conferem-lhes uma especial ambiência. A utilização do “brise-soleil” adquire especial relevância na sala ao funcionar como uma forma de “extensão da zona social da casa, situada neste piso e por isso sem contacto directo com o chão ”

que “obtida através de uma pala em grelha situada sobre o vidro do vão da sala comum e do quarto” permite criar “ não só uma zona de sombra

56Casa Conceição Correia _ esquisso M. de Vasconcellos, Paço de Arcos 1955

sobre esta superfície, mas também forçar a expansão da perspectiva do 29

interior sobre o espaço exterior” .

Este sentido de expansão, que de modo menos marcante aparecia já na casa João Penteado e na casa Rangel Lima, mas que aqui adquire plena expressão, é um novo modo de interpretação da relação interior exterior que agora se quer o mais aberta possível. Este desígnio vai ser igualmente explorado por outros arquitectos noutros projectos dos quais saliento por exemplo a Casa Lino Gaspar e a Casa Sande e Castro do arquitecto João Andresen e do arquitecto Ruy Jervis D‟ Athouguia,

57Casa Sande e Castro _ piso 0 Ruy D‟ Athouguia, Cascais 1954/56

respectivamente. Começando pela casa Sande e Castro

1954/1956,

por se

aproximar de certo modo, formalmente à casa C. Correia, podemos observar uma solução simples e clara, que procura resolver um programa adequado a uma vivência esporádica. Na planta podemos observar três zonas bem distintas: a zona de estar (sala comum zona de jantar), os serviços (cozinha, copa, lavandaria, quarto de costura e wc serviço) e a zona dos quartos, nos quais aparecem integrados os wc‟s. 29

RAMOS, Rui Jorge Garcia, 2004, p.10.622

58Casa Sande e Castro _ v Ruy D‟ Athouguia, Cascais 1954/56


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

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Será contudo a zona de estar que melhor expressará a intenção de trazer o exterior para a vivência interior da casa e Athouguia consegue-o procurando limitar esta área com amplos planos de vidro e estendendo a cobertura e o pavimento até ao exterior. O prolongamento de dois planos para o exterior, que internamente delimitam as diferentes zonas (estar, serviços e quartos),

assumindo

por

isso

um

papel

estruturador

na

composição da casa, permite igualmente o efeito de ligação entre

59Casa Lino Gaspar _ vista Andresen, Caxias 1953/55

interior exterior. Como refere Graça Correia “ Athouguia recorre à ideia essencial de casa como articulação de planos cujas relações com a 30

envolvente se estabelecem de modo distinto” .

O arquitecto consegue assim “uma feliz integração da Arquitectura na paisagem, além de uma boa solução de planta” e com

isto” toda a moradia parece fazer parte do ambiente e como que o 31

completa” .

Procurando responder da mesma forma à intrusão do espaço exterior no interior da casa, João Andresen desenha a casa Lino Gaspar

(1953/55),

projecto desenvolvido para o alto do 60Casa Lino Gaspar _ piso 0

Lagoal, em Caxias. Contudo, em vez de procurar a integração da

Andresen, Caxias 1953/55

casa na natureza do local, o arquitecto preferiu coloca-la numa posição contemplativa, francamente aberta sobre a paisagem, sobre a foz do rio Tejo. Na planta, longitudinal, coloca todos os compartimentos que necessitam de encerramento adossados à parede norte, libertando assim a sala e os quartos para sul. A sala de estar é contudo o compartimento que melhor exprime a vontade de abertura para o exterior. Se isolássemos os restantes compartimentos, a sala transformava-se numa autêntica caixa de vidro Interessa-me neste momento citar o arquitecto Rui Ramos que na sua tese afirma “O interesse pela continuidade espacial entre interior e exterior, é um dos factores mais influentes na transformação do 32

programa doméstico na arquitectura moderna” . Refere igualmente

61Casa Lino Gaspar _ vista Andresen, Caxias 1953/55

que a inclusão do exterior no interior da casa “faz-se pela substituição da parede maciça de alvenaria por uma de vidro, passando a considerar a envolvente da casa como uma paisagem, um wall30

Correia, Graça, 2008, p.144

31

Idem, 2008 p.146

32

RAMOS, Rui Jorge Garcia, 2004, p.10.623

62Casa Farnsworth _ vista Mies van der Rohe, Illinois 1950


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

44

33

paper” e recorda o trabalho de Mies van der Rohe “onde a ideia de 34

transparência e continuidade espacial são aspectos determinantes ” .

Deixo como exemplo a casa Farnsworth

(1950),

uma das

obras mais emblemáticas deste arquitecto, caracterizada por uma completa abertura em relação ao exterior. Trata-se de um contentor, se assim me posso referir, com uma “pele” em vidro, que acaba por ser a única barreira com o exterior.35

63Projecto Casa Resor Mies van der Rohe, 1938

Esta vontade de trazer o exterior para o interior da casa chega a ser tão obsessiva que no projecto para a casa Resor (1938) Mies realiza uma espécie de instalação ao colar nas paredes de vidro imagens de paisagens que poderiam ser observadas da própria casa. Senti esta vontade de enquadramento e relacionamento

64Casa Conceição Correia _ vista M. de Vasconcellos, Paço de Arcos 1955

com o exterior em várias obras que visitei, da autoria do arquitecto Maurício e apesar de não ter podido visitar a casa Conceição Correia, posso afirmar que os pequenos fragmentos de paisagem, vistos na medida do possível a partir da estrada, levam a adivinhar o magnífico enquadramento a que a sala e o quarto estão sujeitos, com a foz do Rio Tejo como fundo. Neste projecto é ainda importante perceber a nova imagem que o arquitecto Maurício de Vasconcellos quis estudar, ao modificar por completo a escolha no que respeita aos materiais. As paredes exteriores do último piso são duplas com caixa-de-ar, tendo ficado à vista o tijolo do paramento exterior; as restantes são acabadas a massa de fio de areia com caiação. Quanto às caixilharias, todas são feitas em madeira de tola na cor natural e envernizada, assim como os estores. A estrutura é constituída por pilares e vigas de betão sendo os pavimentos e cobertura em lages vazadas com tijolo de alvenaria. Esta opção, estamos a falar de uma casa que inicia construção em 1960, poderá ter recebido influência da fase pós estruturalista de Le Corbusier como refere o arquitecto Cândido

33

RAMOS, Rui Jorge Garcia, 2004, p.10.623

34

(Idem, 2004, p.10.623

35

BLASER, Werner, 1999, p.22 _ “The house doesn‟t need to be decorated through

landscaping. The coming and going of nature is the work of art. Where the interior blends into the exterior, transparency will resound with the cool slow of beauty”.

65Casa Conceição Correia _ vista M. de Vasconcellos, Paço de Arcos 1955


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

Reis36, na qual as casas Jaoul

(1954),

45

do mesmo arquitecto, virão a

constituir, posteriormente a imagem da corrente brutalista onde “ 37

um certo tipo de rudeza e nudez substitui a frieza do rigor racionalista” .

É com esta obra que encerro aquela que considero a fase de influência racionalista, a qual vai despoletar o desenvolvimento de um percurso arquitectónico marcado por várias fases de aprofundamento do fazer arquitectura. Este é um momento de

66Casa Conceição Correia _ vista M. de Vasconcellos, Paço de Arcos 1955

viragem, para a procura de um novo léxico, talvez proveniente da aprendizagem realizada no exterior, a qual abriu caminho ao estudo do mundo orgânico.

36

REIS, Cândido José Brito, 2005, p.32

37

FERNANDEZ, Sérgio, 1988, p.95


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

46

A

PROCURA

DE

LINGUAGEM PRÓPRIA

UMA


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

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A PROCURA DE UMA LINGUAGEM PRÓPRIA

“Não sei se foi sempre assim, mas quero crer que nunca uma geração pode deixar tantas dúvidas àquelas que se lhe seguem (…) Desde a escola, onde a sua aprendizagem fica marcada de maus tratos e frustrações, até ao cosmos da vida prática, passando pelos meandros das organizações públicas ou privadas a carreira do arquitecto é semeada de obstáculos e afectada por doenças que a inutilizam 38

socialmente” .

O período que aqui se encontra em estudo da carreira deste autor, corresponde a um tempo de enorme agitação cultural a todos os níveis. Na arquitectura as influências eram inúmeras “essa arquitectura moderna que o grande público considera “toda igual “ (…) diferencia-se, contudo, nos vários países, e, dentro destes, em inúmeras escolas, como nos períodos históricos mais brilhantes e fecundos, e numa riquíssima pluralidade de mestres ”

39

e em Portugal

finalmente era possível, ainda que por vezes com muitas criticas, experimentar novos modos de fazer arquitectura. Na obra do arquitecto Maurício de Vasconcellos detecta-se esta vontade de experimentação, o que torna extremamente rico o seu trabalho. Desde o início da carreira em 1950 até à formação do GPA 1970 são vários os ensaios, percorrendo diferentes correntes, passando

detectando-se pelo

movimento

desde

influências

orgânico,

chegando

racionalistas, mesmo

a

experimentar um léxico de cariz mais regionalista. Penso que esta variedade, presente no percurso singular de um arquitecto, foi também um dos motivos que me atraiu para o estudo da sua obra. Este ecletismo, que pensava ser singular na obra desenvolvida por Maurício de Vasconcellos não era afinal uma característica particular do autor.

38

LOBO, Vasco. A obra do arquitecto Maurício de Vasconcellos. Arquitectura nº75. Junho

de 1962, pp. 4 39

ZEVI, Bruno, 1996, p.121


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

48

Numa das conversas com o meu orientador, o arquitecto José Manuel Soares, foi-me lembrado o primeiro período da arquitectura moderna portuguesa, correspondente aos anos vinte e à produção, por exemplo, de um Rogério de Azevedo ou Pardal Monteiro, entre outros, onde se produziam obras que, ora adoptavam uma posição eclética/historicista e regionalista ora trabalhavam num registo modernista e internacional. Foi mesmo referido o exemplo da garagem do Jornal “Comércio do Porto” (1928)

de Rogério de Azevedo, onde se “combina um programa inédito

de garagem e escritórios resolvendo um gaveto com expressivo jogo volumétrico, livre de qualquer ornamentação”40, demonstrando a

aplicação de uma expressão modernista e internacional. Na obra de Maurício de Vasconcellos a etapa que se segue a uma primeira fase de carácter racionalista é precisamente uma experiência baseada nas linhas do movimento orgânico, que deriva em grande parte do trabalho que realizou no gabinete do arquitecto Vilanova Artigas, como havia sido já referido. Este período, que começa com o desenvolvimento do projecto da Casa Cunha Freitas

(1958),

estabelece um ponto de

especial interesse na obra de Maurício de Vasconcellos, ao iniciarse uma nova pesquisa no âmbito do espaço doméstico que se estenderá até ao final da década de sessenta, num conjunto de projectos que merece uma atenção particular.

40

TOSTÕES, Ana [et al], 2003, p.114

67Garagem do Jornal “Comércio do Porto”_ vista Rogério de Azevedo, Porto 1928,


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

49

“Estamos a fazer uma arquitectura de “esqueletos decorados” e Wright conseguiu criar organismos”

41

Fernando Távora

Não se podem negar as referências, o que conseguimos extrair delas é que torna o nosso trabalho especial e para melhor compreendermos

a

obra

do

arquitecto

Maurício

temos

naturalmente de tentar compreender a referência que foi a obra de Frank Lloyd Wright para o aprofundamento de uma nova ideia de arquitectura, à qual teve inevitavelmente contacto, por via da aprendizagem com o arquitecto Vilanova Artigas. Esta referência será de considerável importância nos trabalhos que se seguem, nomeadamente a casa Cunha de Freitas, a Casa Franchi, a casa Fernando Videira, a Casa Álvaro Trigo e por fim a casa Domingos França, embora nesta última se reconheça a utilização de um novo vocabulário, de aspecto mais regionalista. O trabalho desenvolvido pelo “profeta de Taliesin”42 que no início do século havia sido bem recebido na Europa, pela modernidade que já apresentavam alguns dos seus edifícios, foi rapidamente rejeitado com a chegada, das “formas puras e não objectivas” que se opunham à utilização do ornamento, elemento integrante da arquitectura de Wright, “A ornamentação era um 43

delito” .

Será mais tarde que se assiste à procura, por parte de alguns arquitectos, da doutrina de Wright. Esses discípulos como por exemplo, Hans Scharoun, Dudok, Mies e Haring, assimilam a arquitectura orgânica de Wright, e procuram reinterpretá-la, criando, cada um à sua maneira, os seus princípios para este conceito, “Com Wright, nasce uma nova linguagem arquitectónica que, pese embora a exasperante lentidão com que se assimila, informa toda a investigação e todas as tendências contemporâneas.”

44

41

TOSTÕES, Ana, 1997, p.180

42

GODINHO, Januário, Frank Lloyd Wright in revista Arquitectura nº67, Abril 1960, pp.4

43

Expressão baseada no texto escrito por Adolf Loos “Ornamento y Delito” de 1908

44

ZEVI, Bruno, 2002, p.222


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

50

A doutrina de Wright baseava-se em seis princípios, ou melhor,

características

para

a

arquitectura

orgânica,

que

estabeleceu em 1908. De um modo sumário faz a apologia da simplicidade, variedade ou seja tantos estilos em arquitectura como estilos de pessoas, procura que a concepção do edifício seja feita à imagem da natureza, defende que as cores se devem harmonizar com as formas naturais e que os materiais se devem mostrar tal como são e por fim, defende que a casa deve ter “carácter” (cf. nota 2). A essência da arquitectura desenvolvida por Frank Lloyd Wright baseia-se no entendimento da casa como um refúgio, na qual se deveriam responder às necessidades psicológicas e às necessidades de protecção do homem. Procurando responder a estas necessidades, o espaço é portanto concebido do interior para o exterior. As paredes que o envolvem não devem constituir uma barreira, mas permitir um efeito de continuidade entre as duas realidades e assim o espaço desenhado procura a flexibilidade para garantir essa mesma continuidade. Tal como no estrangeiro, em Portugal, a obra de Wright não

passa

despercebida.

Vários

arquitectos

procuram

reinterpretar este modo de fazer arquitectura. Cito por exemplo o arquitecto Januário Godinho, talvez o mais conhecido “Wrightiano” português, que num artigo que escreve à revista Arquitectura afirma “Frank Lloyd Wright, é sem dúvida o maior e mais completo arquitecto do nosso tempo, quer pela natureza das suas teorias, quer pela concepção, força e variedade das obras realizadas (…) até homens com o carácter e têmpera de Le Corbusier, por exemplo, já no dobrar da sua vida, sentem essa mesma influência, espécie de semente que anda no ar e que floresce consoante o terreno onde cai!- Ronchamp ,Chandigarh e outras obras de recente fase não teriam lugar, até porque a sua anterior doutrina está em conflito com esta nova filosofia de arquitectura”

45

O próprio Maurício refere “ um dos maiores espantos que tive na minha vida foi quando entrei no “atelier” de Alvar Aalto e a primeira

45

GODINHO, Januário, Frank Lloyd Wright in revista Arquitectura nº67, Abril 1960, pp.3

Nota 2: (IRIGOYEN, Adriana. 2002,p.85) “No começo de sua carreira Wright formulou os seis princípios que guiariam a sua obra em In the Cause of Architecture. O primeiro diz que a simplicidade e a serenidade são as qualidades que permitem medir o valor de uma obra de arte. A simplicidade não representa um fim em si mesma, mas consiste na eliminação de todo o supérfluo e sem sentido. No segundo reconhece que deveriam existir tantos tipos de casas como tipos de gente e tantas variações como indivíduos diferentes. Já o terceiro estabelece que o edifício deve harmonizarse com seu entorno. O quarto, que as cores deve seguir os “ tons da terra e das folhas do Outono”. O quinto afirma que a arquitectura deve manifestar a natureza dos materiais. Finalmente, o sexto princípio é uma chamada a uma arquitectura com carácter, sincera e genuína.”


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

51

coisa com que deparei à entrada foi um “poster” com a fotografia de 46

Frank Lloyd Wright” .

Penso que o que faz do espaço orgânico desenhado por Frank Lloyd Wright uma referência importante para a arquitectura de Maurício, é o que Bruno Zevi refere a seguir ”o espaço orgânico é rico em movimento, indicações direccionais, ilusões e perspectivas, em vivas e geniais invenções, mas o seu movimento tem de original o não querer impressionar os olhos do homem, mas exprimir a própria acção da vida”.

47

Assiste-se no trabalho de Maurício, após um período racionalista, a procura de uma nova concepção do espaço, que parte da indeterminação e da distensão, e que assim se desenvolve, aberto, contínuo e dinâmico. A criação de um projecto para um sujeito específico, como se cada espaço tivesse uma identidade própria, é para mim, uma das características mais particulares da obra deste arquitecto e talvez aquela que mais me seduziu “ para cada homem e para cada local uma casa diferente e opondo-se à importância de que a máquina se revestia no funcionalismo e afirmando que o artista não deve repetir-se, 48

declara que «uma casa nada tem a ver com um automóvel» ” .

A obra que a seguir apresento, marca um momento de transição ao ser consolidado “aquilo que era o gosto por um modernismo na arquitectura como também seria o aproximar de uma forma mais directa da aprendizagem com Vilanova Artigas e a admiração que este tinha por Frank Lloyd Wright. Ultrapassada a época mais brasileira na sua arquitectura, a evolução na forma arquitectónica e na linha plástica dirige-se agora numa linguagem mais próxima de F.L.W.”

46

Entrevista com o arquitecto Maurício de Vasconcellos in revista Arquitectura nº 124. 4ª

série, Maio de 1972, pp. 5 47

ZEVI, Bruno, 1996, p.126

48

TÁVORA, Fernando, 1996, p.41

49

REIS, Cândido José Brito, 2005, p.112

49


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

52

1958 _ Casa Cunha Freitas


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

53

1958 _ Casa Cunha Freitas “ O sítio contém já em muitos casos a génese e o potencial gerador das formas construídas, pelo apontar de um traçado, pela expressão de um lugar.”

50

Na casa aqui em estudo, o sítio foi de facto um factor determinante para o desenvolvimento da proposta. Em 1958, “nasce” numa zona residencial de Cascais, contígua ao Parque de Palmela, uma habitação que num terreno de difícil implantação, como se pode observar pelos cortes, revolucionaria, no que concerne ao estabelecimento de relações com o exterior51 e principalmente ao modo de organização interna, todo um vocabulário desenvolvido até ao momento por parte do arquitecto 68Casa Cunha Freitas _ implantação

Maurício de Vasconcellos.

M. de Vasconcellos, Cascais 1958

Tendo como ponto de partida a vontade de manter as características originais do terreno (cf. nota3) e o aproveitamento das condições de exposição solar, que coincidiam com a magnífica panorâmica, que se desenvolvia desde o lado sul até ao lado poente, o autor desenha a casa aproveitando a inclinação do terreno, o que lhe permite trabalhar com diferentes altimetrias e organiza-a tendo como ponto de referência o quadrante

Nota 3: (LOBO, Vasco. A obra do arquitecto Mauricio de Vasconcellos in revista Arquitectura nº75. Junho de 1962, pp. 15) “O terreno de características bastantes especiais apresenta-se na extrema nascente plano e mais alto do que a rua de cerca e dois metros decrescendo até zero na extrema Norte. O desnível na linha Nascente – Poente é de aproximadamente sete metros.”

enquadrado entre o eixo sul e poente. Se exceptuarmos as circunstâncias citadas e os pontos de partida já denunciados, deparamo-nos com a introdução de uma referência que acompanhará os seus futuros trabalhos e que se 69Casa Cunha Freitas _ corte

tornará um elemento importante no vocabulário procurado.

M. de Vasconcellos, Cascais 1958

Herdada talvez do contacto com o trabalho de Vilanova Artigas e consequentemente de Frank Lloyd Wright, refiro-me concretamente à chamada “Humanização da Arquitectura”52 na qual o edifício é concebido verdadeiramente para o homem, não um indivíduo qualquer, mas para um sujeito que vive dentro de um 50

LAMAS, José Manuel Ressano Garcia, 1993, p.63

51

De notar que esta interligação entre interior e exterior não é original nesta obra. Como

pudemos ver esta ideia de espaços que se conjugam relacionando-se e prolongando-se entre eles, vêm na sequência de uma ideia já utilizada nas moradias anteriormente estudadas: João Penteado, S. Paulo; Rangel de Lima, Lisboa; C. Correia, Paço de Arcos . 52

ZEVI, Bruno, 1996, p.125

70Casa Cunha Freitas _ vista M. de Vasconcellos, Cascais 1958


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

54

ambiente muito próprio e pessoal “ (…) é lei da cultura arquitectura orgânica a escala humana, o repúdio de toda a arquitectura que se sobrepõe ao homem ou que é independente dele”

Maurício

de

Vasconcellos

53

adopta

este

conceito

e

reinterpreta-o de modos diferentes, ao longo dos vários trabalhos que desenvolve, com uma magnífica sensibilidade ao pormenor, que se sente desde a maior à menor escala. Iremos reconhecer esta intenção em vários momentos, por exemplo, na diferença de escala que utiliza para diferenciar os espaços, utilizando muitas vezes pés direitos mínimos; no dimensionamento dos compartimentos e na forma singular com

71Casa Cunha Freitas _ vista M. de Vasconcellos, Cascais 1958

que desenha cada um, como poderemos ver nas plantas, em especial nos quartos; na criação de momentos onde se sente uma relação extrema com o exterior e uma ligação franca aos elementos naturais e até a própria aplicação de materiais e cores, que já não são os materiais frios e inexpressivos que dominam a arquitectura racionalista. Solicitando as palavras proferidas por Carlos S. Duarte, citadas na revista “Panorama”, ao referir-se a Januário Godinho, da mesma forma qualifico o trabalho do arquitecto Maurício “entende o projectar como forma de diálogo com a natureza e o lugar; como Wright, projecta de dentro para fora e estuda com pormenor e subtil delicadeza os espaços interiores.”

54

A complexidade que inicialmente senti ao analisar esta obra, desvaneceu-se aquando da visita de estudo a esta. Seria difícil perceber a essência do espaço sem realizar os movimentos sinuosos que nos levam até à entrada. Seria igualmente impossível perceber o sentido de fluidez e de abertura conquistados interiormente nos vários espaços ao analisarmos somente a planta que à primeira vista parece demonstrar espaços desorganizados e desconexos. Contudo o esquema que aparentemente se reveste de extrema complexidade se desvanece e faz transparecer uma obra com qualidades, que me fazem lembrar em muitos pontos a

53

ZEVI, Bruno, 1996, p.127

54

PERNES, Fernando, 1999, p.376

72Casa Cunha Freitas _ vista M. de Vasconcellos, Cascais 1958


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

55

famosa Casa da Cascata de Frank Lloyd Wright, Pensilvânia

Nota 4: (ZEVI, Bruno. 1985, p.152/53)

(1936/38) (cf.nota4).

“(…)Apoteose da horizontalidade, com as saliências impressionantes da sala de estar e dos terraços superiores, correspondentes aos quartos de dormir (…) “ «Wright concebe o edifício como uma série de tabuleiros separados por breves massas de pedra e inteiriços nos bordos. Fixou a massa da chaminé directamente sobre um grande macinho e ao redor dela projectou os espaços», escreve Edgar Kaufmann Jr.” “A «caixa» foi completamente destruída. Já não existem paredes nem esquemas geométricos, nem simetrias, nem consonâncias, nem pontos perspécticos privilegiados, nem leis que não sejam outras leis que as da liberdade e as da mudança ”

Simplificando as plantas denotamos que todo o programa se pode inscrever num quadrado, que se vai organizando em quatro pisos. Decorrente do acentuado declive do terreno e tendo como intenção a exploração da panorâmica, Maurício inverte a distribuição do programa doméstico. Este é um aspecto interessante na organização do programa uma vez que no piso

.

mais alto encontramos o acesso principal, com as zonas sociais e cozinha, e nos pisos inferiores os quartos e garagem. Neste quadrado que se desmaterializa pelos vários pisos detecta-se a presença de um núcleo, que numa posição central e assumindo a função de elemento de distribuição, vai ser uma espécie de âncora dos diferentes espaços, que procuram projectar-se para o exterior (este movimento vai notar-se especialmente no piso dos quartos, onde estes, análogos a braços parecem querer ir buscar o exterior) (fig. 71).

73Casa Cunha Freitas _ esquema

Este elemento irá ser recuperado nos projectos seguintes,

M. de Vasconcellos, Cascais 1958

expressando-se contudo com mais clareza: muitas vezes é a escada em torno da qual se desenvolve o programa, outras vezes é a lareira que define a composição do projecto, chegando mesmo a ser duplicada por pisos e ajudando na organização dos espaços, como acontece na Casa Dr.ª Helena Freitas. Como havia sido já referido, o arquitecto inverte a distribuição do programa doméstico. Assim após a passagem do

74Casa Cunha Freitas _ esquema M. de Vasconcellos, Cascais 1958

portão da entrada faz-se um percurso sinuoso ladeado por floreiras que nos leva à entrada da casa, abrigada e coberta por uma pala, do lado Nascente. Após entrarmos na casa, no hall de recepção existe lateralmente, separada por uma floreira, a escada que desce para o piso dos quartos. Sobe-se alguns degraus e encontramos o espaço de distribuição deste piso (correspondente ao núcleo). A partir deste ponto, além de ser possível o acesso à zona de serviços e a um wc de serviço, tem-se já uma vista do modo como se desenvolve a sala. Aliás é importante referir que a localização do espaço social, neste piso, tem a ver com a

75Casa Cunha Freitas _ esquisso M. de Vasconcellos, Cascais 1958

l l


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

56

paisagem, uma vez que se trata da zona que melhor enquadra a baía de Cascais. Na planta deste piso, são já visíveis os planos, que funcionando simultaneamente como elementos estruturais ajudam a limitar espaços e a criar percursos

(cf. nota 5).

Esta intenção é

particularmente expressiva na sala, um espaço caracterizado por uma certa indeterminação, abertura e continuidade. A sala em forma de L, é composta pela zona de jantar (1) e zona de estar (2). Inclui ainda um espaço particularmente interessante, direccionado

Nota 5: (LOBO, Vasco. A obra do arquitecto Mauricio de Vasconcellos in revista Arquitectura nº75. Junho de 1962, pp. 15) “Na concepção estrutural preferiu-se o aproveitamento das paredes como elementos resistentes sobre as quais descarregam as lajes de betão armado”

para a melhor vista, que se desenvolve já no exterior da casa, em torno de uma lareira também exterior

(3).

Embora este espaço se

encontre no exterior coberto, apresenta uma relação directa com o espaço interior da sala. Na zona de estar existe ainda uma zona que não consigo afirmar se se trata de um espaço destinado à lareira, envolta por bancos desenhados, construídos normalmente em pedra, como é comum aparecer nos seus trabalhos

(4).

De qualquer forma trata-

se de uma zona especial, resguardada do movimento da sala e completada por uma janela com vista para uma floreira no exterior55. Deste piso consta ainda um espaço de trabalho contíguo à zona de estar com ligação directa ao terreno

(5).

76Casa Cunha Freitas _ piso 0 M. de Vasconcellos, Cascais 1958

Como havia sido

referido, esta comunicação com o exterior, vai ser uma busca constante nesta obra, que se concretiza de forma directa ou por intermédio de varandas. Voltados a norte e localizadas no mesmo piso, embora isolados

num

rectângulo,

encontram-se

a

cozinha

e

as

77Casa Cunha Freitas _ vista M. de Vasconcellos, Cascais 1958

infraestruturas de apoio assim como umas escadas em caracol que descem para o piso dos quartos. Esta zona que aparece aqui quase segregada, liga-se tenuemente à sala de jantar e à varanda que se prolonga ao longo de todo o quadrante poente, sul. Internamente é também importante salientar o jogo que Maurício

vai

desenvolver

constantemente

com

a

escala,

diminuindo o pé direito em alguns lados, criando diferenças de

55

Como poderemos verificar ao longo do trabalho, as floreiras vão ser elementos bastante

utilizados: são muitas vezes desenhadas dentro da habitação; fazem a articulação entre os espaços interiores e exteriores e por vezes modelam os percursos exteriores.

78Casa Cunha Freitas _ piso 0 M. de Vasconcellos, Cascais 1958


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

57

cota através de degraus, provocando um movimento dinâmico que afecta directamente o ser humano. Nas casas de Maurício em alguns momentos temos a sensação

de

quase

podermos

tocar

o

tecto

e

noutros

rapidamente, quase sem nos apercebermos, de o sentir muito longe, e isto acontece de um modo consequente, sem provocação, num movimento contínuo. Descendo um piso, encontramo-nos na zona dos quartos. Aqui aparece bastante visível a ideia que anteriormente foi explicada, a de um quadrado que se desmaterializa, composto por um núcleo onde se encontram “agarrados” os quartos. Desta vez, o núcleo além de ser um elemento de distribuição horizontal é também um elemento de distribuição vertical (pode-se ver o arranque da escada em leque que faz a ligação com o piso da garagem). Ao contrário do que acontece no piso superior aqui existe uma maior complexidade, pelo do facto de nesta zona ser necessária uma maior compartimentação por aqui se encontrarem as zonas íntimas. A sensação de continuidade característica do piso

79Casa Cunha Freitas _ núcleo M. de Vasconcellos, Cascais 1958

superior, aqui, materializa-se de algum modo dentro das diferentes células. O interior estende-se para o exterior, para as varandas, soltas, descobertas, elementos significativos na “ (…) imagem do exterior da casa, que nos remete para a arquitectura doméstica de Wright, com utilização de varandas balançadas, ancoradas a um núcleo denso e fechado, construindo um contraste entre zonas de sombra e iluminadas.”

56

Chamo a atenção para estes momentos de transição entre interior e exterior porque aparecem em quase todos os quartos. Onde não existem varandas a ligação é feita directamente para o

80Casa Cunha Freitas _ piso -1 M. de Vasconcellos, Cascais 1958

terreno (a única excepção que existe acontece no quarto da empregada, que não apresenta nenhuma relação com o exterior). É também notável a forma como cada célula se apresenta desenhada. Excluindo o quarto que eu considero ser o da empregada, pela ligação que estabelece com a escada de caracol que acede à zona dos serviços no piso superior e novamente pela

56

81Casa Cunha Freitas _ células RAMOS, Rui Jorge Garcia, 2004, p.6.410

M. de Vasconcellos, Cascais 1958


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

58

segregação com que se apresenta em relação aos outros, todos os 4 restantes apresentam uma configuração diferente. Uns apresentam uma zona de recepção a partir da qual se acede ao quarto e num dos casos à instalação sanitária, ou seja o contacto com a paisagem não é imediata. Noutro exemplo a entrada no quarto é directa sendo imediatamente perceptível a paisagem exterior. Todos eles possuem wc, à excepção de duas células que partilham o mesmo wc, esquema que irá ser algumas vezes repetido noutros projectos como poderemos ver posteriormente. Deste nível tem-se então acesso à garagem, antecedida pela zona de brincar, abrigada e expandindo-se para o jardim na

82Casa Cunha Freitas _ ligação ao exterior M. de Vasconcellos, Cascais 1958

zona mais ampla. É importante referir que este é o único nível onde a cota da estrada é igual à cota do terreno. Se o piso da garagem estabelece o contacto com o chão, o terraço, acessível através de umas escadas exteriores próximas à entrada da casa, estabelece o contacto com o céu. Foi essa a sensação que tive, quando cheguei ao terraço, sem limites verticais que me obstruíssem de alguma forma a paisagem magnífica que se prostrava à minha frente, não só a imagem da 83Casa Cunha Freitas _ piso -2

baía de Cascais mas também a imagem da cidade.

M. de Vasconcellos, Cascais 1958

Toda a experiência descrita não ficaria completa sem a referência aos materiais utilizados, a qual será feita por intermédio de um artigo da revista arquitectura, uma vez que na altura da visita a esta casa (deve-se ter em conta que a casa tinha passado já pelas mãos de dois proprietários) os materiais presentes desvirtuavam

a

intenção

do

arquitecto

Maurício

de

Vasconcellos. Deve-se ao actual proprietário a intenção, para dentro do possível se proceder a uma reconfiguração dos

84Casa Cunha Freitas _ terraço M. de Vasconcellos, Cascais 1958

materiais próxima ao projecto inicial “As paredes que nascem do chão são todas em pedra castanha da região, com os dois paramentos vistos, ou em betão ciclópico; as outras são acabadas a massa de fio de areia. As varandas em betão descofrado à vista foram pintadas dum branco cortado. Toda a caixilharia é de madeira de tola envernizada. Os pavimentos principais são de tijoleira quadrada envernizada ou de réguas de pinho envernizado com as juntas calafetadas. Os ambientes interiores são dados pelas paredes de pedra ou forradas a madeira de 85Casa Cunha Freitas _ materiais M. de Vasconcellos, Cascais 1958


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

59

tola assim como alguns dos tectos. O restante é acabado a massa de fio 57

de areia pintada a branco quebrado” .

Gostaria ainda de acrescentar a esta análise um trabalho elaborado pelo arquitecto Victor Manuel Figueiredo, em S. João de Estoril, 1959. Embora saiba pouco das condições que levaram o arquitecto a projectar esta casa, reconheço nela algumas das características que enunciei da casa Cunha de Freitas. Ao olhar para as plantas é visível a mesma situação de formação de um núcleo a partir do qual, através de planos segmentados, são lançados os compartimentos para o exterior. Embora aqui isso se processe de uma forma mais racional, o esquema transmite igualmente uma procura de indeterminação espacial, de abertura para o exterior. Esta intenção de contacto com o exterior é neste caso mais limitada, contida, como se pode ler nos alçados, contudo é interessante o jogo dinâmico das varandas ao serem utilizadas como modo de prolongamento do interior para o exterior. A casa Cunha de Freitas, marca por fim, um ponto de

86Casa em S. João do Estoril _ piso 0 Victor Figueiredo, S. João do Estoril 1959

transição no desenvolvimento de uma linguagem arquitectónica por parte do autor, mas assinala sobretudo um momento em que se levantam inúmeras questões, às quais o autor irá responder de diferentes modos, nos projectos que desenvolverá posteriormente,

87Casa em S. João do Estoril _ alçado Victor Figueiredo, S. João do Estoril 1959

e é por isso que encaro este projecto uma peça importante no estudo da sua obra por o considerar uma base experimental para a afirmação de uma linguagem que será marcante nos trabalhos posteriores.

57

LOBO, Vasco. A obra do arquitecto Mauricio de Vasconcellos in revista Arquitectura

nº75. Junho de 1962, pp. 15 88Casa Cunha Freitas _ vista M. de Vasconcellos, Cascais 1958


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

60

“A Trilogia Do Restelo”: 1961 Casa Franchi; 1962 Casa Fernando Videira; 1964 Casa Álvaro Trigo


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

61

“A Trilogia Do Restelo”: 1961 Casa Franchi; 1962 Casa Fernando Videira; 1964 Casa Álvaro Trigo “ (…) Esta nova formalidade da sua arquitectura e a relação desta com a encosta do Restelo iriam formar de uma forma curiosa o inicio de um conjunto de três moradias na mesma rua, com leituras semelhantes e contínuas; também quanto à sua solução, podendo até de uma forma primária (no que se refere a este estudo) ser consideradas uma 58

trilogia.”

A década de 60, no qual se inserem as obras que a seguir apresento, caracteriza-se por uma transformação forte no campo político e social, resultado consequente do início da guerra colonial e da deterioração do regime fascista. Assiste-se a um enorme crescimento das periferias urbanas, provocado pelo abandono do campo por parte das pessoas que procuravam nas cidades melhores condições de vida. Atravessa-se simultaneamente a um engrandecimento da situação económica do país. Abrem-se por isso oportunidades especiais no campo da arquitectura e do urbanismo onde existe ainda um forte desejo de intervenção social, que embora apresente já “antecedentes temporais” marca ainda a primeira metade desta década. Faço referência ao plano dos Olivais de Rafael Botelho e Carlos Duarte que como refere Pedro Vieira de Almeida invade a

89Plano dos Olivais Sul Rafael Botelho e Carlos Duarte, Lisboa 1959

nova década “ (…) com uma intervenção maciça de arquitectos e urbanistas na construção do até então maior conjunto de habitação social (…) «bairro» para alojamento de quase 50 000 pessoas em Lisboa”59(cf. nota6). É portanto, neste contexto que surgem igualmente planos para o ordenamento urbanístico de áreas essencialmente destinadas à habitação unifamiliar.

58

REIS, Cândido José Brito, 2005, p.42

59

ALMEIDA, Pedro Vieira de; FERNANDES, José Manuel, [cop.1986], p.153

Nota 6: (TOSTÕES, Ana [et al]. 2003,p.146) “ (…) o plano dos olivais sul(…) requalificou inovadoramente o espírito das New-Towns inglesas, desenvolvendo o quadro mais completo das tendências arquitectónicas do momento, protagonizadas pelos melhores profissionais, a quem foram dados os projectos de arquitectura. Laboratório do urbanismo, da tecnologia da construção, da metodologia do projecto e, finalmente, da concepção habitacional (…)”


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

62

As três casas que se seguem localizam-se, como descreve o arquitecto Cândido Reis, na encosta do Restelo. Como refere a arquitecta Ana Tostões, a imagem programática que define a sua criação é a de um bairro privilegiado, destinado a uma pequena e uma outra mais vasta burguesia, facto que foi considerado no dimensionamento dos lotes (cf.nota7).

Nota 7: (TOSTÕES, Ana. 1997,p.59)

90Plano da Encosta da Ajuda Faria da Costa, Lisboa 1938/40

Esta zona em simultâneo com a Av. do Aeroporto, onde se encontra localizada a casa Rangel Lima, representam como enuncia

Margarida

Acciaiuolli,

“o

mais

acabado

„paraíso‟

residencial lisboeta, (…) as duas zonas residenciais de eleição da cidade moderna salazarista”60. A morfologia da zona em questão, a envolvente próxima (Mosteiro dos Jerónimos) e a extraordinária vista que se tem sobre o Rio Tejo e a margem sul, permitem o desenvolvimento de projectos interessantes sob o ponto de vista de adaptação ao terreno e aproveitamento da paisagem. Estes serão pontos igualmente aproveitados por Maurício para o desenvolvimento dos três projectos, como veremos a seguir.

60

TOSTÕES, Ana, 1997, p.61

“Em Lisboa, o palco de intervenções no domínio da habitação unifamiliar condensase indiscutivelmente no Bairro da Encosta da Ajuda, depois chamado do Restelo. Apesar da sua localização periférica a sul/poente da cidade, integra-se na área urbana definida no Plano Director de De Groer de 1938/48 e representa, ainda hoje, a imagem programática que definiu a sua criação, a do bairro privilegiado da cidade no tempo que se seguiu à Exposição dos centenários. Desenhado por Faria da Costa entre 1938 e 1940 no espírito da cidade/jardim howardiana, constituído por uma zona baseada em projectos/tipo de vivendas geminadas destinada a uma pequena burguesia e por uma outra mais vasta, com lotes de dimensão mais generosa, destinada a uma alta burguesia que concorria na construção de obras de carácter historicista apelando formalmente à “casa portuguesa”. A partir do inicio da década de 50, também sinal de uma nova burguesia com aspirações a uma vida moderna, começam a surgir obras de princípios filiados no Estilo Internacional pela mão dos arquitectos mais jovens da geração.”


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

63

1961 Casa Franchi

91Casa Franchi _ maqueta

92Robie House _ vista

M. de Vasconcellos, Restelo 1961

Frank Lloyd Wright, Chicago 1908

Antes de passar a qualquer tipo de explicação sobre a obra

Frank Lloyd Wright 1908 in História crítica da arquitetura moderna, Kenneth Frampton p. 63

em estudo, preferi colocar lado a lado este conjunto de imagens: Robie House de Frank Lloyd Wright

(1908/09),

Casa Rio Branco

Paranhos (1943) e Casa Franchi Maurício de Vasconcellos (1961). Penso que o conjunto ilustra perfeitamente a ideia que tenho tentado transmitir.

Não se pode negar

“A pradaria tinha uma beleza própria, e deveríamos reconhecer e acentuar essa beleza natural, sua tranquilidade. Portanto…coberturas salientes, terraços baixos e, fora, paredes contíguas, isolando jardins privados”

a ligação

arquitectónica destes três projectos mas pode-se constatar o modo como cada um deles se afirma, numa linguagem própria, individual, autónoma. Não poderia deixar de referir o exemplo da Robie House, uma das “prairie houses” mais conhecidas de Frank L. Wright, na qual se materializam as características de um estilo invulgar, que surge nos primeiros anos do século XX, pelas mãos de um arquitecto que segundo Carles Marti “se pode considerar o primeiro arquitecto moderno no sentido estrito do termo”61 e que vai influenciar naturalmente o mundo da arquitectura internacional.

93Casa Rio Branco Paranhos _ vista Vilanova Artigas, S. Paulo 1943

Será por Vilanova Artigas que essa influência chega a Maurício, como foi já várias vezes referido, daí a introdução da imagem da Casa de Rio Branco Paranhos (cf. nota8).

Nota 8: (Irigoyen, Adriana. 2002, p.141/143)

Mas voltando à Casa Franchi, a fotografia tirada à maqueta,

mostra

um

projecto

de

grande

sobriedade

e

simplicidade, no que concerne à leitura exterior da moradia. Linhas horizontais bem marcadas pelo avanço das coberturas que adquirem forte expressão, como se pode ver na imagem, pela linha de sombra impressa no plano de fachada.

61

MARTI, Carlos. Patio y Casa in revista DPA 13, 1997,pp.46

“A já citada Rio Branco Paranhos (1943) é uma releitura do Wright das Prairie Houses. Neste sentido, apela aos já mencionados invariantes wrightianos. O sistema de eixos de composição não coincide com o eixo de movimento (o acesso é lateral). A casa (do tipo moinho de vento) gira em torno do núcleo de circulação, a partir do qual vão-se integrando outros espaços. O efeito centrífugo é acentuado pelo forte desnível. A circulação vai costurando os espaços, à maneira de uma espiral, deixando de um lado as áreas de serviço. O sistema construtivo adapta o conceito de balanço a uma solução técnica concebida em função da tradição brasileira de construção de telhados”.


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

64

A leitura global da forma não expressa a mesma complexidade que a casa Cunha de Freitas apresenta, talvez consequente de uma morfologia não tão agressiva como a que caracteriza o terreno da casa de Cascais. A forma é mais contida, mais suave, e apesar da existência de um núcleo que agarra as divisões, estas já não se projectam para o exterior com a mesma força e atitude como na moradia anteriormente citada.

94Casa Franchi _ vista M. de Vasconcellos, Restelo 1961

Apesar de uma maior suavidade, no que toca ao problema da pendente, também aqui foi feito um esforço para a adaptação da habitação ao lugar. São três as características que delinearam o projecto da casa Franchi e estas aparecem claramente mencionadas na memória descritiva: a orientação, a panorâmica e a inclinação do terreno. Estão aqui lançados os princípios para a edificação da casa do senhor Cláudio Franchi, na Rua I, pelos arquitectos Maurício de Vasconcellos e Alçada Baptista. A visita a esta casa e a consulta do espólio demonstram um processo confuso, quer na parte inicial de discussão do projecto, por motivos relativos exclusivamente ao cliente, quer na parte que se refere ao processo de projecto62. Foi em grande parte desenhado pelo arquitecto Maurício, mas em algumas situações, não se compreende as soluções executadas, pelo que depreendo que sejam espaços eventualmente desenhados pelo arquitecto Alçada Baptista. Apesar das complicações que possam ter aparecido ao longo do projecto, a verdade é que o resultado no seu todo é de mais uma obra com características únicas no que respeita à organização do espaço doméstico, individualizado, mas assente nos mesmos princípios de indeterminação, continuidade e abertura. Ao contrário do que acontece na casa Cunha de Freitas, a leitura da organização interna reveste-se de menor complexidade, como podemos verificar na planta. A indeterminação espacial que

62

No espólio consultado existiam mais versões, uma delas consistia num aditamento à

câmara de Lisboa. Penso que os desenhos demonstrados em anexo foram os últimos a serem realizados.

95Casa Franchi _ vista M. de Vasconcellos, Restelo 1961


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

65

na casa de Cascais era sentida interior e exteriormente (indeterminação provocada pelo prolongamento dos planos, das varandas e das floreiras para o exterior), aqui é vivida internamente, embora de modo mais contido. A escada, elemento central da composição é o núcleo a partir do qual se desenham os diferentes compartimentos, numa espécie de movimento concêntrico. O mesmo movimento sinuoso registado na casa Cunha de Freitas, leva o sujeito, entre degraus ladeados de floreiras até à

96Casa Franchi _ piso 0 (zonas sociais) M. de Vasconcellos, Restelo 1961

entrada da casa63 coberta e localizada no alçado lateral. A partir do hall da entrada vê-se logo a escada, pontuada zenitalmente por uma clarabóia, que enche o núcleo de luz. Do hall acede-se por uma porta situada no lado direito ao escritório e em frente à sala de estar e jantar. Estas três dependências encontram-se ligadas e todas beneficiam da paisagem. Os planos segmentados, mais uma vez proporcionam uma sensação de indeterminação interna, pelo menos no que toca a estes três programas. É contudo o movimento em torno da escada que faz com que neste caso a indeterminação seja mais contida, mas o efeito de continuidade pressente-se.

97Casa Franchi _ percurso

De igual modo o jogo de degraus executado na casa

M. de Vasconcellos, Restelo 1961

Cunha Freitas, é aqui executado provocando um movimento em termos de escala, o que acaba por conformar espaços. As diferenças de pé direito não são tão evidentes como na casa de Cascais mas são insinuadas. Talvez seja resultado do tipo de cobertura utilizado, de águas inclinadas, que circunscreve a casa em todo o seu redor, nos dois pisos. Interessante é o desenho da zona da lareira, que embora englobada

na

zona

de

estar,

parece

querer

tornar-se

independente desta (1). O acesso da zona de jantar à cozinha

(2)

é feito por uma

área intermédia com balcões, que poderiam incluir uma zona de costura e engomados (3). Existe ainda um hall de serviço copa

(5),

(4)

que separa a cozinha da

a partir da qual existe uma ligação às escadas que levam

para o piso da garagem. 63

98Casa Franchi _ piso 0 (serviços) Pode-se ler este movimento na planta, mas actualmente este já não existe.

M. de Vasconcellos, Restelo 1961


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

66

No piso superior, existe o mesmo movimento concêntrico, e uma maior compartimentação do espaço, que aqui não leva a uma maior complexidade ao nível da planta, pela presença escada organizadora. O hall neste piso parece ainda mais desafogado, pela imensa luz que emana da clarabóia (1). A partir deste acede-se a uma sala de estar quartos

(3)

e ao quarto principal

(4).

(2),

a três

Este último desenhado para os

pais encontra-se voltado para a paisagem assim como acontece como um dos quartos e com a sala de estar, embora neste a vista seja imensa e enquadrada por uma longa fenestração. Este quarto possui ainda uma zona de vestir, wc e um acesso a uma varanda 99Casa Franchi _ clarabóia

exterior.

M. de Vasconcellos, Restelo 1961

Em relação aos outros quartos todos eles têm acesso a quartos de banho, aparecendo em dois deles o esquema de wc partilhado, como também sucede na casa da Cascais. Na leitura desta obra incluindo o projecto anteriormente citado, é evidente uma base geométrica definida. A partir dessa base o arquitecto procura a exploração dos volumes, realizando um jogo de construções geométricas, que imprimem uma sensação de movimento que como já vimos se sente interiormente mas que se exprime de forma virtuosa no exterior. Este jogo que adquire um aspecto bastante plástico na casa de Cascais, sobretudo pelo profuso jogo de varandas projectadas para o exterior, é de certo modo mais suave na casa 100Casa Franchi _ piso 1

Franchi (5).

M. de Vasconcellos, Restelo 1961

Existe na realidade uma intenção diferente, a de uma marcação de um efeito horizontal, para o qual contribuem os extensos telhados que se projectam para além do plano de fachada e formam espaços de cobertos no exterior. O jogo produzido, pelas varandas, na casa Cunha de Freitas, aqui é realizado pelos telhados, que em avanços e recuos, vão 101Casa Franchi _ telhados

acompanhando o ritmo das paredes. A

maior

transformação

M. de Vasconcellos, Restelo 1961

verifica-se

nos

materiais

escolhidos, muito mais próximos dos tons da natureza, o que me


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

67

faz lembrar um dos princípios de F. L. Wright, que as cores devem seguir os “ tons da terra e das folhas do Outono”64. Como está bem presente na memória descritiva, na casa Franchi “No estudo de alçados procuramos a simplicidade resultante das necessidades inerentes às plantas, acrescida de elementos de protecção solar. Esta sobriedade aliada ao jogo de volumes existentes satisfaz-nos não só do ponto de vista de interesse arquitectónico mas também como adaptação ao meio ambiente”.

65

102Casa Franchi _ telhados M. de Vasconcellos, Restelo 1961

Como se percebe pelas imagens, o revestimento das paredes é feito em tijolo, ocre, contrastando com os telhados em lusalite preta, rematados a branco nos beirais. As caixilharias em madeira pintada a branco, parecem assim querer destacar-se do plano da parede. Esta situação vai ser explorada de modo diferente na casa Álvaro Trigo, como iremos ver mais à frente, conferindo à fachada um aspecto totalmente diferente. No exterior, o revestimento dos tectos é executado em madeira e os pavimentos assim como as floreiras são em calcário. O tijolo é também utilizado em alguns muros, principalmente os que delimitam a propriedade. O que é importante realçar é a harmonia que se sente entre os diversos materiais, meticulosamente escolhidos e colocados em diferentes contrastes, criando espaços que apesar de toda a coerência acabam por ser únicos.

64

Irigoyen, Adriana, 2002, p.85

65

Memória descritiva da Casa Franchi in ANEXOS p.56

103Casa Franchi _ vista M. de Vasconcellos, Restelo 1961


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

68

1962 Casa Fernando Videira

A casa Fernando Videira será dos três casos a mais diferente e aquela que apresenta uma alternativa ao modo de organização interna do espaço. Talvez pela comunicação activa mantida com o cliente durante a elaboração do trabalho, proprietário original da casa, o qual me explicou que houve mesmo uma proposta elaborada que acabou por ser rejeitada, por não satisfazer os pressupostos imaginados. Tratava-se de uma habitação que deveria obedecer às

104Casa Fernando Videira _ vista de cima M. de Vasconcellos, Restelo 1962

exigências de uma família composta por um casal e os seus 5 filhos. Apesar do que poderia vir a ser um programa complexo pelo número de habitantes envolvidos, acaba por não o ser, pelo modo pragmático com que o arquitecto responde às questões de funcionalidade. Aqui as principais condicionantes seriam impostas pelo proprietário, que queria naturalmente usufruir da paisagem e fechar a casa por completo em relação à rua, conquistando assim alguma privacidade. Penso que o arquitecto Maurício viu nesta obra a possibilidade de estudar um novo esquema, tendo como condicionantes as mesmas questões de inclinação, orientação e paisagem, tidas em conta na casa Franchi. O arquitecto elabora um esquema claro. Organiza a casa em três pisos, que se encontram ligados por uma escada a partir da qual se desenvolve o programa (a escada é o eixo vertical de composição). Este elemento, desenhado como se fosse uma

105Casa Fernando Videira _ núcleo M. de Vasconcellos, Restelo 1962

espécie de espiral, integra-se totalmente nos compartimentos, de tal forma, que como refere o proprietário “à excepção do último piso (no qual se localizam os quartos), não existem corredores”. O autor reforça o sentido de encerramento em relação à rua, colocando nesse plano a escada e as zonas de serviço. Sala, quartos, e todo o piso que se encontra relacionado directamente com o exterior, ficam voltados para a paisagem. Aplica igualmente o conceito de continuidade e abertura espacial, que naturalmente é expressivo nas zonas comuns. Os quartos pela necessidade de compartimentação são excluídos

106Casa Fernando Videira _ piso 1 estudo M. de Vasconcellos, Restelo 1962


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

69

deste conceito, embora, como poderemos ver mais à frente todos eles terão uma relação de abertura com o exterior. Voltando ao piso das zonas comuns, após subirmos a escada, que apresenta um esquema de iluminação mais tarde adoptada e desenvolvida na casa Domingos França, deparamo107Casa Fernando Videira _ entradas de luz

nos com a sala, à qual se acede por uma porta.

M. de Vasconcellos, Restelo 1962

Aqui encontra-se apenas um ponto fixo, a zona da lareira, que aparece repetidamente nos esquemas de Maurício, bem marcada mas sempre numa posição de independência em relação ao resto da sala (1). O restante espaço caracteriza-se por uma enorme flexibilidade, embora se adivinhe pela ligação de uma parte da sala à cozinha (2), a localização da zona de jantar (3). Neste piso é também particular, a localização da área de trabalho (4) que sem acesso directo à sala, encontra-se em diálogo com a zona da lareira, como se pode verificar pela imagem.

108Casa Fernando Videira _ piso 0 M. de Vasconcellos, Restelo 1962

O jogo volumétrico que o arquitecto Maurício costuma desenhar, é nesta moradia desenvolvido com mais expressão no alçado tardoz, pelo avanço e recuo dos diferentes volumes, que arrancam

alinhados

com

os

quartos,

e

pelas

varandas

balançadas, que acompanham o mesmo movimento. No alçado frontal é perceptível o deslocamento do volume correspondente à zona das escadas e o recuo do plano onde se encontra a sala. Este jogo volumétrico é também estudado ao nível dos pisos, concretamente ao nível da entrada. A partir do hall da entrada, por meio da escada, temos acesso ao piso inferior que tem contacto directo com o jardim e subimos simultaneamente para o piso da sala. Ou seja, existe aqui, embora pouco expressivo um movimento de meios pisos, que introduz ainda mais dinâmica ao momento de distribuição vertical (fig. 109).

109Casa Fernando Videira _ alçado tardoz M. de Vasconcellos, Restelo 1962

É também interessante realçar que os movimentos sinuosos que nas casas anteriores caracterizavam o acesso à entrada, aqui foram simplificados. Mantêm-se as floreiras mas após o portão somos directamente conduzidos a uma espécie de claustro que faz a recepção do sujeito no exterior antes da entrada para o interior.

110Casa Fernando Videira _ alçado M. de Vasconcellos, Restelo 1962


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

70

É um elemento novo nos exemplos vistos até agora, que surge como elemento de mediação entre o exterior (rua) e o exterior da própria casa. A entrada para a casa fica deste modo resguardada

e

é

feita,

como

nos

exemplos

anteriores,

lateralmente. Os materiais utilizados constituem também neste caso uma excepção. É abandonado o revestimento a tijolo e utilizado o reboco. Penso que esta opção surge da tentativa de minimizar o efeito cúbico da casa, que seria certamente mais visível e tornaria bastante pesado o aspecto exterior da casa. Esta moradia constitui uma ligeira ruptura no que Maurício vinha procurando para a afirmação de uma linguagem. Contudo, os princípios que vem desenvolvendo encontram-se de uma ou outra forma presentes, em certos espaços, em determinadas relações e em muitos pormenores como pudemos ver, na leitura de continuidade e abertura dos espaços, na definição de um ponto principal a partir do qual se gere a composição, na própria relação que os espaços estabelecem com o exterior, e principalmente no sentido

profundamente

individualizado

que

esta

moradia

apresenta. A cada homem uma casa que se identifique com ele e com o sítio.

111Casa Fernando Videira _ claustro M. de Vasconcellos, Restelo 1962


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

71

1964 Casa Álvaro Trigo

“A forma genérica dos dois edifícios” referindo-se à casa Álvaro Trigo e ao restaurante Carolina do Aires, “define-se por uma massa piramidal simétrica e estável (…) Embora se procure uma interpretação do edifício com a natureza, nos antípodos da relação clássica em que o edifício é colocado num “podium”, distinto e sobranceiro, ele vai afirmarse estável e centralizado, reafirmando por um lado a sua identidade “clássica”, enquanto objecto completo, mas reivindicando por outro lado uma relação diversa “ moderna” com o sítio”.

112Restaurante Carolina do Aires _ vista M. de Vasconcellos, Costa da Caparica 1964

66

A obra que será agora estudada e a citação escrita por Maria Manuela Godinho permitem, além da introdução de novas questões, a antevisão de uma linguagem que se adivinha já madura, sólida, consequente de um trajecto pontuado por várias experiências. Fala-se em interpretação do edifício com a natureza “podium” e identidade clássica e finalmente em relação diversa “ moderna” com o sítio. E de facto, aquando da visita à moradia 113Casa Álvaro Trigo _ vista

pressente-se estas características. Trata-se de um objecto que se afirma, mas que procura nos mínimos pormenores a relação com a natureza, com o exterior. Possui uma autoridade formal fortíssima, mas exprime extrema segurança na integração da escala humana. É uma obra fascinante e talvez por isso, seja uma das “peças” de arquitectura mais conhecidas do arquitecto Maurício. Um programa tão complexo, resolvido num lote tão pequeno e não consegui questionar qualquer opção tomada pelo autor. Em todo o percurso que fiz, não encontrei um único elemento de desarmonia. A composição é perfeita. O jogo volumétrico criado proporciona a organização de espaços irrepetíveis. A geometria sente-se no caminhar, para não falar da visão. É uma arquitectura que explora todos os sentidos.

66

PINTO, Jorge Farelo, 1996, p.93

M. de Vasconcellos, Restelo 1964


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

72

Esta interpretação talvez exacerbada deriva do facto de a visita ter sido tão esperada, mas só percorrendo esta obra nos apercebemos de todas estas sensações. A casa tem por condicionantes as mesmas mencionadas nas obras anteriores, mas a esta acresce-se uma importante, a extensão do programa em relação à área reduzida do terreno. É este facto que leva a que a casa se desenvolva em quatro pisos, que incluem desde a sala (zona de estar, lareira, jantar), cozinha, copa, quatro quartos quase todos equipados com zonas de vestir, incluindo também um estúdio, uma biblioteca,

114Casa Álvaro Trigo _ implantação M. de Vasconcellos, Restelo 1964

uma sala de trabalho e até um claustro, só referindo o piso da entrada e o piso dos quartos. O resultado aparente é o de que a casa “engole” o terreno, e seria verdade, se não existisse um extraordinário jogo geométrico, que permite a criação de espaços em que a meação entre interior e exterior é quase nula. Como exemplifica o artigo escrito na revista Arquitectura nº109 a casa “ não está implantada no jardim, como é habitual; os dois termos formam uma única peça, o verde responde à invasão dos materiais da casa subindo até ao telhado.” Chamo aqui a 115Casa Álvaro Trigo _ piso0

atenção para as floreiras, peças que aparecem sistematicamente

M. de Vasconcellos, Restelo 1964

integradas nas casas desenhadas pelo arquitecto e que de facto, nesta casa cumprem a função de levar o verde à cobertura.

116Casa Álvaro Trigo _ alçado M. de Vasconcellos, Restelo 1964

É importante referir o cuidado com a escala pretendida para a moradia, uma vez que organizando-se em tantos pisos poderia desenquadrar-se da envolvente próxima. Tendo em conta a preocupação do autor com as questões de implantação, foram estudadas duas soluções. A primeira tem a ver com o 117Casa Álvaro Trigo _ espaços verdes M. de Vasconcellos, Restelo 1964


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

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aproveitamento do desnível do terreno, através do qual foi possível quase enterrar o nível da garagem. A segunda tem a ver com o estudo aprofundado das escalas dos diferentes pisos que irá naturalmente reflectir-se nos compartimentos interiores. Posto isto, a altura total da casa não vai além do necessário para se poder usufruir da paisagem e não interferir com a escala das moradias vizinhas.

118Casa Álvaro Trigo _ alçado M. de Vasconcellos, Restelo 1964

119Casa Álvaro Trigo _ piso1 M. de Vasconcellos, Restelo 1964

Ao nível da organização interna, Maurício recorre ao sistema que já se demarca no seu trabalho: a construção de um núcleo a partir do qual se geram os compartimentos. Através das plantas observamos a atribuição dessa função de elemento gerador, à escada, desenhada com bastante expressão, mas que contrariamente ao que acontece na casa Franchi, não apresenta um momento de entrada de luz para o núcleo tão directa. Até agora todos os elementos que adquirem a posição de centro de desenvolvimento são diferentes. Ao nível do piso da entrada mantém-se o mesmo sentido de indeterminação espacial, para o qual contribui o recurso aos planos

referidos

noutros

momentos.

Neste

caso

a

indeterminação e o sentido de abertura é ainda maior. Pretende120Casa Álvaro Trigo _ vista

se um contacto quase constante com o exterior em todas as

M. de Vasconcellos, Restelo 1964

orientações (cf.nota9). Para isso Maurício recorre a janelas de canto,

Nota 9: (REIS, Cândido José Brito. 2005, p.48)

das quais sai em destaque o pilar que faz o suporte do vão, que nasce da interrupção do plano. Penso que esta casa seja talvez o exemplo de maior abertura para o exterior, o caso mais claro de anulação do limite. Este sentido de continuidade com o exterior é também procurado no piso dos quartos, pela profusão de janelas e rasgos de luz que

“ (…) também aqui, a transparência do lugar é implícita na arquitectura, imprimindo uma relação interior exterior, com todo um percurso de desníveis e transposição visual, voltando a moradia para si e para o ambiente natural que esta cria com os seus espaços interiores, libertando-se da encosta, mantendo a importância no volume construtivo”


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

74

o alçado apresenta. Numa primeira análise da planta parece quase ser possível sair para a cobertura. Do que me foi possível observar na visita rápida que me permitiram fazer à zona social, verifica-se o mesmo jogo de rebaixamento de tecto e aumento de cota, tão característico nos trabalhos já mencionados.

121Casa Álvaro Trigo _ claustro M. de Vasconcellos, Restelo 1964

Este jogo com as escalas, aqui é exímio. Este é um daqueles exemplos que citei atrás, em que tão depressa esticamos o braço e tocamos no tecto e de um momento para o outro sentimos o mesmo plano bem longe. Um elemento particular, que aparece na planta do piso da entrada, que não poderia deixar de referir, é a presença do claustro, voltado a norte, que ao contrário do que sucede na casa Fernando Videira, na qual este compartimento serve como

122Casa Álvaro Trigo _ vista M. de Vasconcellos, Restelo 1964

elemento de preparação para a entrada e passagem para o jardim, aqui transforma-se e assume realmente a função de claustro, uma espécie de jardim interno. Penso que pela orientação e pela ligação que estabelece com a biblioteca, serviria como espaço de contemplação podendo igualmente funcionar como alargamento do hall da entrada. Por falar em entrada, ao contrário do que acontece nos outros exemplos já abordados, onde a entrada está geralmente localizada lateralmente, escondida, onde se acede através de um movimento sinuoso, aqui a entrada é directa mas continua disfarçada. Esta será naturalmente uma questão decorrente da organização programática. Esses movimentos característicos que levam à entrada e que aparecem nos outros casos de estudo, são aqui desenhados com o objectivo de criar um percurso contínuo pelo terreno sobrante. No que concerne ao nível formal recorro às palavras de M. Manuela Godinho quando descreve Álvaro Trigo como sendo “uma massa piramidal simétrica e estável”. Acho interessante a ideia de

massa, porque ao olharmos para a habitação identificamos realmente essa característica e é curioso que somando os jogos volumétricos existentes, a marcação das coberturas, os vãos das 123Casa Álvaro Trigo _ vista M. de Vasconcellos, Restelo 1964


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

75

janelas, as varandas, elementos que por si só marcam diferenças, não conseguimos distingui-los. Esta é uma característica fundamental no processo de construção formal e plástico desta obra, porque apesar de tantos elementos, eles aparecem completamente integrados. Isto devese fundamentalmente ao tipo de materiais que foram escolhidos para a realização desta obra. Por exemplo, a estrutura é de betão e este é revestido a tijolo. Nos sítios em que o betão é deixado à vista, refiro-me concretamente aos beirais, que acompanham o contorno dos telhados revestidos a telha, são pintados de ocre. As caixilharias, tanto exteriores como interiores, assim como em certos remates e revestimentos de paredes, são em madeira de mutene. Os tectos exteriores são também da mesma

124Casa Álvaro Trigo _ vista M. de Vasconcellos, Restelo 1964

tonalidade das caixilharias. No que diz respeito aos pavimentos exteriores estes são ora em tijolo ora em tijoleira. Toda esta monotonia cromática faz com que a casa tenha um aspecto mais pesado e daí a ideia de estabilidade e rigidez, a ideia de massa.

125Casa Álvaro Trigo _ vista M. de Vasconcellos, Restelo 1964


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

76

A INFLUÊNCIA DO INQUÉRITO


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

77

A INFLUÊNCIA DO INQUÉRITO

Antes de avançar com o estudo da casa Domingos França, é necessário explicar o contexto no qual ela é projectada. Como iremos ver, nesta moradia, serão introduzidos novos parâmetros, novas referências, frutos de um questionamento que operou não só no trabalho de Maurício de Vasconcellos, mas que marcou a arquitectura de autor desta época. Como refere Pedro Vieira de Almeida, precisamente a meio da década de 50 e prolongando-se até á década de 60, é elaborado um inquérito à arquitectura regional portuguesa, que irá ser publicado em 1961 com o nome de, Arquitectura Popular em Portugal. Internacionalmente, o momento era de reflexão, o movimento Moderno atravessava um período de crise, como reflectiram claramente os últimos CIAM. Começaram então a abrir-se novos caminhos que abandonavam a expressão “máquina de habitar” e que passariam a valorizar os termos “ Homem, Natureza e Tradicional”. Despertam por esta altura vários “ismos” dos quais destaco o Brutalismo, que será uma influência marcante na última obra em análise deste trabalho. A publicação do Inquérito em Portugal, assinala a oportunidade

de

retomar

o

espírito

de

adaptação,

tão

característico da nossa arquitectura, que por várias vezes se desenvolveu de modo diferente ao que se passava na Europa, por motivos que não têm relação só com a força da tradição, mas com a capacidade técnica, construtiva e criativa, assimiladoras e simultaneamente tradicionalistas “os modelos importados depressa são recriados com uma originalidade e força tal, que a sua adopção dá à 67

arquitectura portuguesa um lugar muito particular” .

Como Ana Tostões refere, esta obra fundamental, reclamada desde finais de 40 constituirá “pedra - de - toque no 68

desenvolvimento da futura produção e “teoria” arquitectónica nacional” ,

fixando “ in extremis, a memória de um território e de um construir” 69 nota 10).

67

TOSTÕES, Ana, 1997, p.50

68

Ibidem

69

TOSTÕES, Ana [et al], 2003, p.146

(cf.

Nota 10: (TOSTÕES, Ana [et al], 2003, p.141) “Publicado em 1961, constitui “um notável trabalho de pesquisa e integração cultural […] pela fixação de conjuntos situados no tempo e mesmo no não tempo popular”, mais do que um inventário de formas e técnicas construtivas, propõe uma aproximação ao lugar, às formas de povoamento e às formas de vida traduzidas pela apropriação do espaço. Contribuirá de forma determinante para pôr termo ao mito da “casa portuguesa”, bem como para a reflexão de uma linguagem arquitectónica de acento culturalista, repensada entre a fidelidade ao movimento moderno e o compromisso da realidade e da acção do tempo histórico.”


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

78

Será portanto recebido com enorme aceitação por parte dos arquitectos portugueses e interpretado de várias formas de norte a sul do país. Destaca-se, por exemplo, na Escola do Porto, a obra de Carlos Ramos (director e professor) e em especial de Fernando Távora, ao qual farei inevitavelmente referência a seguir, pelo projecto da casa de Ofir experiência

de

extrema

importância

(1957-58),

no

como modelo e

que

concerne

à

reconciliação da tradição com a modernidade, e em Lisboa a obra de Nuno Teotónio Pereira e de Francisco Conceição Silva, com o Bloco Habitacional das Águas Livres (1963),

(1953-55),

e o Hotel do Mar

respectivamente. A casa de Ofir, apresenta-se integrada neste estudo por se

tratar de um modelo caracterizado por um poder de síntese e harmonia entre tradição e modernidade. Como refere Ana Tostões “Fernando Távora, sem recusar a modernidade ou as contribuições de vanguarda, buscava a autenticidade na continuidade de uma tradição, equacionando o desejado compromisso da história com a vanguarda.”

70

Constitui uma referência para a casa Domingos França, não pelo aspecto formal ou pelo modo como se organiza o espaço interior, mas pela forma como o arquitecto Távora desenha a relação da construção com a paisagem e como combina as novas

126Casa de Ofir _ vista Fernando Távora, Ofir 1957/58

com as tradicionais tecnologias e materiais, num resultado, que em todos os sentidos apela à harmonia. Esta obra, pelo contexto temporal, histórico e físico em que se enquadra e pelo modo como sintetiza todas as interrogações levantadas pelos arquitectos, face ao movimento moderno e à

127Casa de Ofir _ corte Fernando Távora, Ofir 1957/58

publicação do inquérito é “saudada como uma obra que individualiza a arquitectura portuguesa, não seguidora das soluções da arquitectura internacional, antes ensaiando uma linguagem própria”.

71

128Casa de Ofir _ vista Fernando Távora, Ofir 1957/58

70

TOSTÕES, Ana [et al], 2003, p.139

71

TOSTÕES, Ana, 1997, p.68


AS CASAS DESENHADAS POR MAURร CIO DE VASCONCELLOS

79

1964 _ Casa Domingos Franรงa


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

80

1964_ Casa Domingos França “Nas fotografias pode ver-se repetição das linhas e dos ângulos da paisagem nos movimentos dos telhados e muros.”

72

A casa Domingos França foi a primeira obra que visitei do conjunto das nove casas aqui em estudo. Aliás tendo em conta o modo como as obras em estudo estão organizadas, das mais antigas para as mais recentes, posso referir que as visitas de estudo aconteceram precisamente no sentido oposto. Quando visitei a casa Domingos França senti naturalmente a vontade de ligação à paisagem, mais do que isso um exercício de mimetização de planos e volumes, que em movimentos delicados, reflectiam a envolvente. Observei também a utilização de materiais e técnicas tradicionais, regionais, com um sentido de maior integração, do que já tinha visto em alguns dos seus 129Casa Domingos França _ vista

projectos.

M. de Vasconcellos, Venda do Pinheiro 1964

Tendo já conhecimento de algumas obras do autor, nomeadamente a Casa Rangel Lima e a casa Cunha Freitas, foi com espanto que “recebi” a arquitectura da obra em questão. Onde se enquadrava no percurso de Maurício? E porquê? Ao olhar para a casa sentia-me deslocada. Não podia esquecer que no mesmo ano tinha sido projectada a casa Álvaro Trigo e, no entanto, parecia que estava a ver a casa de Ofir, já aqui mencionada, ou a casa de Chá da Boa Nova

1958,

de Álvaro

Siza. Rapidamente atribuí as culpas ao Inquérito. A publicação do livro “A arquitectura Popular em Portugal” 1961, teve uma enorme repercussão no meio da arquitectura, como pudemos ver anteriormente e embora não possua nenhum artigo escrito por Maurício no qual se possa depreender algum juízo de valor em relação a este, posso afirmar com certeza a influência desta publicação, na elaboração do projecto da casa em estudo, que se realiza três anos depois, ano de 1964, na localidade da Charneca do Milharado (Venda do Pinheiro).

72

MOREIRA, Júlio. 4 obras de Maurício de Vasconcelos : as palavras e as coisas em

arquitectura in revista Arquitectura nº109. 4ª série, Maio/Junho de 1969, pp.116

130Casa de Chá da Boa Nova _ vista Álvaro Siza, Leça 1958


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

81

Vejamos, a área onde se encontra o terreno, localiza-se na zona 4 do Inquérito, a qual abrange as províncias da Estremadura, Ribatejo e parte da beira litoral. O excerto que se segue caracteriza esta zona. “ (…) A arquitectura da Estremadura e Ribatejo surge-nos com características estéticas que evidenciam, marcadamente, a influência meridional e já mediterrânea, como seja o grande contraponto da grande superfície branca com o negro incisivo das pequenas aberturas, o gosto pelo jogo dos volumes simbólicos sob a luz, a penetrante síntese estética, apurada sobriedade que conduz a uma superação plástica

131Casa em Sarilhos Pequenos_ vista Ribatejo

73

eivada da mais genuína monumentalidade” .

Este excerto poderia perfeitamente ser uma descrição da casa Domingos França. Nela aparece um contínuo jogo de movimento de volumes e planos, unidos por uma superfície branca donde se destacam as aberturas, em vários casos, rasgos verticais pronunciados, ora rectangulares ora quadrangulares, de variadas dimensões, e os planos correspondentes à inclinação da cobertura que introduz um novo jogo de movimentos e cor, marcado pela utilização da telha de canudo. Com o mesmo sentido de integração na envolvente, factor sempre explorado nas suas obras, o arquitecto procura a adaptação da casa ao terreno (pode-se dizer que a forma tem origem no meio ambiente) o que irá permitir, como verificámos nas obras já estudadas, a possibilidade de um contínuo equilíbrio

132Casa Domingos França M. de Vasconcellos, Venda do Pinheiro 1964

entre interior e exterior. É importante referir que a proximidade estabelecida com o cliente, o Sr. Domingos França, colaborador do arquitecto Maurício, terá então possibilitado ao autor, uma maior liberdade e proporcionado uma experiência arquitectónica, que à primeira vista, sendo muito diferente do que vimos até agora, acaba por não o ser, como poderemos ver ao longo da análise. Tudo vai ser estudado ao mínimo pormenor (cf. nota 11). Quanto às condicionantes impostas, estas terão a ver com questões programáticas e orçamentais.

73

Arquitectura Popular em Portugal, 1980, p.441

Nota11: (REIS, 2005,p.49)

Cândido

José

Brito.

“Não importava a pessoa ou a posição social que esta pudesse ter, importava um programa que tinha de ser resolvido com a mesma exigência do que qualquer outro”


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

82

Uma das grandes diferenças em relação às obras

Nota 12: (Arquitectura Popular em Portugal, 1980, p.3469

apresentadas anteriormente é a pretensão de um programa

(por se situar no limite da zona da ribatejana, aproxima-se das características desta zona)

simples, que se deveria desenvolver num único piso. Parece haver uma correspondência entre esta pretensão e o que aparece descrito como característico das habitações no Ribatejo, como se pode observar na nota ao lado (cf. nota12).

“No Ribatejo, as habitações, construídas de tijolo, tufo ou adobe, desenvolvem-se sempre num único piso, segundo um esquema muito simples_ divisões em sucessão e comunicando entre si _, implicando a característica planta dentro de um rectângulo alongado”.

A planta será portanto longitudinal, desenhada, não à maneira racionalista como as suas primeiras obras foram desenhadas, mas partindo de um jogo geométrico de figuras, que se ligam e intersectam, tal como Frank Lloyd Wright realiza em várias das suas obras, das quais destaco no domínio do habitar a casa Boomer, em Phoenix, Arizona

(1953),

ou a célebre Igreja

133Casa Boomer _ vista Frank Lloyd Wright, Arizona 1953

Unitária de Madison, no Wisconsin (1949). Ao olharmos para a planta não conseguimos extrair a riqueza

do

espaço

interior.

Não

sentimos

igualmente

a

repercussão deste jogo no desenvolvimento formal da obra. Acabamos talvez por nos perder no jogo estabelecido. A

aparente

simplicidade

que

a

obra

apresenta

exteriormente, é afinal uma falsa percepção. Só a visita ao interior

134Casa Domingos França _ vista M. de Vasconcellos, Venda do Pinheiro 1964

nos permite constatar isso. Tudo fica claro. Cada volume que irrompe, cada mudança de plano, cada abertura, tem uma correspondência interna, e é fascinante como tudo se liga em plena harmonia. A intenção do autor é clara, a partir do hall da entrada divide-se o programa em duas partes: do lado esquerdo as zonas sociais e do lado direito as zonas privadas. Existe também um acesso ao piso inferior a partir deste ponto onde se encontra o programa ligado à actividade rural. A passagem para estas duas zonas é feita através de diferenças de cota ao nível do chão e da cobertura, ou seja a partir do hall da entrada desce-se para aceder à sala e sobe-se para chegar aos quartos. Note-se que através do corredor dos quartos

(1)

acede-se à zona de trabalho

(2)

135Casa Domingos França _ vista M. de Vasconcellos, Venda do Pinheiro 1964

anexa à cozinha.

Contudo os quartos soltam-se deste espaço pela colocação de três degraus, que os colocam no ponto mais alto da habitação. No que respeita à parte íntima da casa foram desenhados quatro quartos

(3 e 4),

voltados a poente, divididos por armários em

136Casa Domingos França _ piso 0 M. de Vasconcellos, Venda do Pinheiro 1964


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

83

forma de S. Desses quatro compartimentos, apenas um é diferente, nomeadamente a suite

(4),

que remata o topo da planta

com uma geometria diferente. Todos os quartos têm ligação ao exterior, ao abrirem-se sobre o alpendre (5), pontuado por pilares, desenhado pelo avanço da cobertura, constituindo assim um espaço abrigado aos ventos 137Casa Domingos França _ vista

provenientes do norte.

M. de Vasconcellos, Venda do Pinheiro 1964

Quanto à parte social, verifica-se uma alteração na composição, mas trata-se, contudo, de um espaço indefinido, desenhado da mesma forma das obras anteriores. Neste projecto o “papel” de núcleo é interpretado pela zona da lareira

(1),

espaço com maior altura da composição, pontuada

superiormente por duas frestas que permitem a entrada de luz.

138Casa Domingos França _ piso 0

Vão sendo introduzidos em algumas divisões este novo

M. de Vasconcellos, Venda do Pinheiro 1964

argumento, a luz, que confere aos espaços uma nova leitura, acentuando

determinados

compartimentos

e

desvanecendo

outros. Não posso deixar de referir as quatro pequenas aberturas especialmente colocadas no hall da entrada

(2),

conferindo a este

espaço, ao longo do dia, diferentes caracterizações. A actual proprietária da casa refere que ao inicio da manhã não precisa de acender nenhuma luz artificial. A claridade entra pelas frestas e é imediatamente filtrada pelo vidro em tom amarelo, proporcionando uma espécie de luz artificial a este compartimento. O mesmo acontece na lareira, que reciprocamente ilumina todos os espaços

139Casa Domingos França _ luz M. de Vasconcellos, Venda do Pinheiro 1964

adjacentes. Mas voltando à questão do núcleo. É a partir deste que se vão

desenvolvendo,

em

movimento

circular,

os

restantes

compartimentos. Após o hall da entrada, desce-se para a zona de estar

(3)

que se encontra relacionada com a zona de jantar

(4),

embora esta última esteja já numa cota superior. A zona de jantar por sua vez liga-se à cozinha

(5)

aparece denominado grelhador

e a um espaço que no projecto

(6),

correspondendo a um espaço

exterior coberto, que aparece na continuação do alpendre, embora noutra cota. Aqui à semelhança do que acontece na casa Cunha Freitas

estamos

novamente

perante

um

espaço

exterior,

desenhado na lógica de um espaço interior, alternativo no domínio

140Casa Domingos França _ vista M. de Vasconcellos, Venda do Pinheiro 1964


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

84

do habitar e expressivo na vontade de uma relação intensa entre interior e exterior. Esta característica da obra do arquitecto Maurício, refirome naturalmente à interligação pretendida entre interior e exterior, exibe-se, neste projecto, de uma forma mais equilibrada, talvez resultado do Inquérito ou talvez vontade de experienciar o desenho de vãos, que não os longos e horizontais, repetidos nos

141Casa Domingos França _ vista M. de Vasconcellos, Venda do Pinheiro 1964

projectos anteriores. O que sobressai nesta obra é a sensação de movimento provocada quer no exterior quer no interior. Por toda a casa existe um contínuo zig zag no sentido vertical, reforçado internamente pela própria estrutura dos tectos, em vigas de madeira, que se repetem constantemente, seguindo o movimento da cobertura provocando uma noção de ritmo interminável. E em cada mudança de movimento, um pormenor, o modo como remata a viga mestra, o desenho da caixilharia em madeira, adaptada às diagonais da geometria da planta, as subtis entradas de luz, a diferença de pavimentos, a marcar a transição de níveis ou de compartimentos… Por último, não poderia deixar de referir, a importância dos materiais escolhidos, que de vários modos procuram também a ligação ao exterior, à região

(cf. nota 13).

Uma construção do tipo

Nota 13: (MOREIRA, Júlio. 4 obras de Maurício de Vasconcelos: as palavras e as coisas em arquitectura. Arquitectura nº109. 4ª série, Maio/Junho de 1969, pp.110) “A predominância do volume (casa de Domingos França) ligar-se-á a uma influência marcada do meio exterior correspondendo a uma integração no ambiente que terá por sua vez expressão nos materiais escolhidos, na nitidez e simplicidade do seu emprego; sem que porém se exclua uma certa complexidade e riqueza do espaço necessários para que a função complexa em si da vida familiar se possa realizar plenamente e sem se perder de vista o limite económico de viabilidade”.

rural, com paredes caiadas em branco, a cobertura em telha de canudo e a caixilharia em madeira de pinho. A simplicidade empregue nos materiais exteriores é transportada para o interior. Novamente a cobertura em madeira, os pavimentos quer interiores quer exteriores em tijoleira ocre, as paredes caiadas e a aplicação do azulejo na cozinha e nos quartos de banho. Esta obra em conjunto com a casa da Dr.ª Helena Freitas, (1969)

que irei apresentar a seguir, demonstram a maturidade já

atingida pelo autor e sobretudo a versatilidade com que se adapta às diferentes circunstâncias que lhe são impostas. O próximo caso é a verdadeira confirmação do que foi dito agora.

142Casa Domingos França _ vista M. de Vasconcellos, Venda do Pinheiro 1964


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

85

UM CASO PARADIGMÁTICO


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

86

UM CASO PARADIGMÁTICO

Resolvi atribuir a este último estudo o título de “caso paradigmático”, procurando com isto estabelecer uma provocação, uma vez que este, por vários motivos, não constitui uma norma ou se quisermos um padrão, em comparação com as obras já analisadas. Considero-a uma obra diferente por dois aspectos particulares. O primeiro tem a ver com o facto de se tratar de uma casa realizada com o intuito de servir uma pessoa com a mobilidade condicionada. Por si só, as questões de programa inerentes à circunstância citada seriam logo à partida suficientes para a provocação realizada. No entanto, como poderemos ver a seguir, a moradia esconde facilmente o problema inerente ao programa e a obra transforma-se numa notável peça de arquitectura, extremamente rica no que toca à espacialidade que exibe. O segundo aspecto tem a ver com a leitura de continuidade da obra realizada, desde 1950 até este momento. Num percurso onde constatamos influências racionalistas, wrightianas e até mesmo regionalistas, foi com espanto que aceitei esta obra, brutalista na mais plena expressão. Embora, na casa Conceição Correia tenha já sido feita uma aproximação à fase pós-estruturalista de Le Corbusier, pelo sistema construtivo e materiais utilizados, a leitura e consequente “absorção” da obra foi mais natural, pelo contexto na qual se integrava. A casa Dr.ª Helena Freitas foi talvez a que mais me surpreendeu, precisamente pelo aparente deslocamento em relação a uma linguagem que ao longo do trabalho fui identificando como sendo própria do arquitecto Maurício. Achei deste modo, que seria importante a sua integração neste trabalho, por demonstrar precisamente a capacidade de versatilidade deste autor. Como

havia

sido

já referido

no capítulo

anterior,

questionado o Movimento Moderno, abriu-se o caminho para a exploração de novas ideias, novos conceitos, que foram

143Casa Helena Freitas _ vista M. de Vasconcellos, Cruz Quebrada 1969


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

87

materializados em várias correntes. Aquela que para este estudo interessa focar é o Brutalismo. Baseado em princípios de autenticidade e de verdade dos materiais e dos sistemas construtivos, esta corrente como refere Sérgio Fernandez “aglutina inicialmente um grupo representativo de profissionais ingleses e vem a informar, mais tarde e a nível mundial, muitas das notáveis realizações arquitectónicas do fim dos anos 74

cinquenta e dos anos sessenta” .

O próprio Le Corbusier, projecta em 1954, aquelas que virão a ser o ícone desta corrente, “mais pela qualidade expressiva 75

da imagem o que pelos atributos da sua proposta espacial” , as “maison 144”Maison Jaoul “ _ vista

Jaoul”.

Le Corbusier, França 1954

Chega

então

a

Portugal

uma

nova

expressão

arquitectónica, considerada rude e inacabada mas que irá “alimentar” o pensamento de muitos arquitectos deste período. Destaco por exemplo, o projecto de um conjunto de duas casas de férias, que o arquitecto Sérgio Fernandez projecta para Caminha

(1971),

onde juntamente com influências de carácter

regional se percebe a introdução de uma estética brutalista, ao

145Casas em Caminha _ vista Sérgio Fernandez, Caminha 1971

serem utilizados materiais na sua verdadeira expressão. Como podemos ver

pela imagem,

são conjugadas

as paredes

resistentes de granito e caixilharias em madeira com o betão descofrado,

proporcionando

o

referido

aspecto

de

inacabamento característico da arquitectura brutalista. Contudo, será na Pasteleira

(1963),

obra conjunta do mesmo arquitecto com

Pedro Ramalho, que melhor se identifica a influência brutalista pela utilização do tijolo e do betão aparente nas paredes. Saliento projectada

por

igualmente, Álvaro

Siza

a

moradia em

1967,

Manuel na

Magalhães

Avenida

dos

Combatentes, Porto, onde a aproximação a uma linguagem brutalista é concretizada não só pelos materiais, neste caso a

146Edifício da Pasteleira _ vista Sérgio Fernandez e Pedro Ramalho, Porto 1963

opção do betão à vista aplicado de modo generalizado, com extrema clareza, mas pela própria volumetria da obra, seca, dura.

74

FERNANDEZ, Sérgio, 1988, p.97

75

Idem, 1988, p.95

147Casa Manuel Magalhães _ vista Álvaro Siza, Porto 1967


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

88

A casa que a seguir vou estudar ensaia os princípios citados desta corrente, como poderemos ver não só no exterior como no interior.

148Casa DrªHelena Freitas _ vista M. de Vasconcellos, Cruz Quebrada 1969


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

89

1969 _ Casa Dr.ª Maria Helena Freitas


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

90

1969 _ Casa Dr.ª Maria Helena Freitas

A Dr.ª Helena Freitas, cunhada do arquitecto Maurício na altura em que a casa foi projectada, conforme me explicou, pediu ao próprio para que projectasse uma casa onde pudesse viver com sua mãe, uma senhora com dificuldades de mobilidade. Trata-se novamente de um projecto onde o arquitecto teve uma certa liberdade para trabalhar e explorar novas situações, novos materiais, uma nova imagem. E foi isso que fez. É importante referir, que este projecto de 1969 para a Cruz Quebrada, é elaborado já no G.P.A, gabinete montado com Luís Alçada Baptista, mas a sua autoria é inteiramente de Maurício, como referiu a Dr.ª Helena Freitas. Foram feitas algumas exigências que posteriormente indicarei, no que diz respeito ao programa, e proposto simultaneamente que a casa fosse “muito simples, dentro de um determinado orçamento e sem grandes encargos no que diz respeito à sua manutenção”. Existiam porém outras condicionantes, que determinaram a solução proposta: o acentuado declive do terreno que se desenvolvia de norte para sul e a paisagem magnífica da foz do Tejo, a sul. Estas condicionantes acabaram por ser os pontos de

149Casa Drª M. Helena Freitas _ corte M. de Vasconcellos, Cruz Quebrada 1969

partida, juntamente com as questões relacionadas com a mobilidade para o desenvolvimento da proposta. O programa encontra-se organizado por três pisos, sendo o último piso uma espécie de mezanine e o piso 0 a zona da entrada. O piso intermédio, seria realizado todo de nível e é considerado o piso principal por ser a partir deste que se tem acesso a todo o programa, ao exterior e a uma rampa circular, que desce até ao piso da entrada. Assim sendo a partir da entrada, de nível com a rua, acedia-se directamente a um hall de recepção ladeado por uma escada que permitia o acesso ao piso principal. De referir que este acesso era comum para pessoas e veículos, existindo um percurso para o carro que o conduzia até à rampa mencionada.

150Casa Drª M. Helena Freitas _ piso 0 M. de Vasconcellos, Cruz Quebrada 1969


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

91

No piso principal como havia sido já exposto organiza-se todo o programa: sala de estar lavandaria

(4),

(1),

zona de jantar

(2),

um pequeno quarto para a empregada

quarto principal da mãe da Dr.ª. Helena Freitas integrado, um wc de serviço

(7)

cozinha (5)

(6),

(3),

e wc, o com wc

e uma escada de dois lanços, de

modestas dimensões que conduzia à mezanine. Este último piso, é quase uma “habitação independente”, apesar da comunicação que estabelece em toda a extensão com

151Casa DrªM. Helena Freitas _ piso principal

a sala, localizada no piso inferior. Pretendia-se com isto alguma

M. de Vasconcellos, Cruz Quebrada 1969

autonomia em relação às duas pessoas que habitariam a casa. Aqui localizam-se dois quartos, um wc, uma zona de estar, uma zona de leitura e um espaço de trabalho. Como se pode observar pelos cortes e pelas plantas, este será o esquema mais flexível desenhado por Maurício de Vasconcellos, e o projecto com uma espacialidade interna completamente diferente do que vimos até agora, contudo, não 152Casa Drª M.Helena Freitas _ mezanine

menos fascinante do que as propostas anteriores.

M. de Vasconcellos, Cruz Quebrada 1969

Mantém-se, no entanto, um registo que identifica a linha de pensamento do arquitecto. O modo como se encontra desenhada a sala, indeterminada, com o espaço da lareira quase a assumir a função de núcleo da habitação, a introdução do movimento, neste caso gerado pelas diferenças registadas nos pés direitos das diversas zonas, a ligação com o exterior pela enorme abertura que acompanha todo o desenvolvimento da sala de estar e de jantar, com o enquadramento magnífico da foz do Tejo e por fim o modo

153Casa Drª M. Helena Freitas _ núcleo M. de Vasconcellos, Cruz Quebrada 1969

como todos os pormenores foram desenhados de acordo com o cliente, especifico, individualizado, demonstrando igualmente aqui, aquilo que faz com que o seu trabalho na minha opinião seja tão especial, uma casa diferente para uma pessoa diferente. Este

projecto

apresenta,

momentos

particularmente

interessantes e várias inovações, como passo a descrever. A primeira é sem dúvida a introdução da mezanine que liga todo o piso principal ao último piso, permitindo sempre uma comunicação, sem grande dificuldade entre os diferentes níveis. Nesta procura de comunicação, foi também ligado verticalmente o quarto principal do piso intermédio, ao quarto que seria ocupado pela Dr.ª Helena Freitas.

154Casa Drª M. Helena Freitas _ mezanine M. de Vasconcellos, Cruz Quebrada 1969


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

92

Outro pormenor interessante é a duplicação da lareira nos dois pisos, permitindo o aquecimento das duas zonas em níveis distintos, mais uma vez proporcionando a autonomia dos dois espaços. Mas a maior inovação regista-se na escolha dos materiais e no modo como foram aplicados. Apostando na simplicidade pretendida pelo cliente, o arquitecto Maurício produz um projecto completamente baseado numa linguagem brutalista. O sistema construtivo é claramente evidenciado e os materiais são utilizados sem nenhum efeito estético, exibindo a sua verdadeira expressão. Isto acontece tanto no interior como no exterior. E importante referir que neste projecto tudo foi desenhado

155Casa Drª M. Helena Freitas _ pormenor M. de Vasconcellos, Cruz Quebrada 1969

até à exaustão, incluindo o mobiliário fixo. Também aqui foi dada liberdade total ao arquitecto tendo sido apenas imposto pela cliente que as madeiras fossem pintadas de azul. Este será portanto,

o

único

material

que

não

apresenta

as

suas

características reais. Concluindo esta parte, a imagem interna é a da conjugação das paredes brancas, com as vigas e os pilares em betão e as caixilharias e o mobiliário em madeira pintada. No exterior mantém-se a liberdade na composição dos alçados conferida ao arquitecto e a exigência de simplicidade por parte da cliente. Paredes brancas, apenas interrompidas pelas vigas e pelos pilares estruturais em betão e a cobertura revestida em fibrocimento, que se prolonga até os alçados laterais rematando os topos das paredes.

156Casa Drª M. Helena Freitas _ alçado lateral M. de Vasconcellos, Cruz Quebrada 1969

A aparência exterior do alçado principal é a de um bloco de cimento, pontuado pela ondulação das chapas de fibrocimento, rasgado por uma extensa abertura em vidro direccionada para o mar. Deixo também um breve apontamento no que toca ao tema da luz. Todo o espaço adjacente a sala é iluminada pela extensa janela horizontal. Contudo a inclinação da cobertura, não permite a absorção de luz na mezanine. Para isso, no momento de inflexão da cobertura da sala, com a da mezanine foram desenhados alguns rasgos, quase à imagem de clarabóias, que 157Casa Drª M. Helena Freitas _ vista M. de Vasconcellos, Cruz Quebrada 1969


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93

permitiam a entrada de luz em alguns dos compartimento do piso superior. Na escada que dá acesso ao último piso foi desenhado um vão contínuo, junto ao limite da cobertura, que se prolonga até a zona de leitura, ou seja, no alçado tardoz, destaca-se apenas este vão e as clarabóias que iluminam toda a zona de serviços do piso principal (cozinha, lavandaria e quarto empregada e wc de 158Casa Drª M. Helena Freitas _ corte

serviço).

M. de Vasconcellos, Cruz Quebrada 1969

Por fim, gostaria de mencionar que apesar de toda a complicação que poderia gerar uma solução para um problema tão especial, foi-me sempre referido que nunca se sentiram dificuldades e que o projecto permitiu uma vivência ajustada às necessidades, quer da mãe da Dr.ª Helena Freitas para a qual a casa foi desenhada, quer para a própria Dr.ª. Esta moradia é igualmente uma prova da capacidade de versatilidade, a que Maurício sempre respondeu com qualidade, pelo menos no que concerne às obras aqui estudadas o que revela bastante a sua personalidade inquietante e inconformista, mas também uma vontade interminável de procura e experiência de novas situações, de novos problemas.

159Casa Drª M. Helena Freitas _ vista M. de Vasconcellos, Cruz Quebrada 1969


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94

CONCLUSÃO


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CONCLUSÃO

No final desta viagem penso que a análise realizada expõe de forma clara, a singularidade das peças desenhadas pelo arquitecto Maurício e naturalmente a surpresa e o entusiasmo com os quais levei a cabo a difícil tarefa de investigação sobre um autor que procurou o anonimato mas que muito contribuiu para o desenvolvimento de uma arquitectura plena em diversidade e distinção. A persistente procura levada a cabo por Maurício, denunciadora de um espírito insaciado, inconformista, é um factor crucial para a caracterização da sua obra, que pese embora se demarque pela pluralidade, assenta num único objectivo, a produção de uma arquitectura fundada sobre um sentido profundamente humano, como foi várias vezes referido nas obras estudadas. Será esta humanização, que fará com que as obras produzidas se tornem tão especiais e surpreendentes e por isso tão diferentes. Para cada homem uma casa que se identifique com ele e com o sítio. Vejamos por exemplo a primeira fase da arquitectura desenvolvida por Maurício. Relembro o primeiro projecto de habitação analisado, a casa João Penteado

(1951),

onde se denota

a preocupação por parte do arquitecto em criar uma arquitectura que proporcione o ambiente ideal para o homem. Foram por isso estudadas as principais condicionantes, neste caso especifico o clima, e proposta uma solução que procura a ligação com o exterior e o efeito de continuidade dos espaços. Como pudemos verificar, foi igualmente relevante o desenho dos alçados, projectados para conferir o máximo efeito de sombra possível, conseguido pela introdução do brise-soleil e pelo avanço do piso superior em relação ao piso inferior. Esta preocupação com as condições térmicas e a luz reflecte-se nos dois projectos que se seguem, casa Rangel Lima (1951/52)

e Casa Conceição Correia

(1955),

nesta ultima sendo

mesmo explorado de modo claro o efeito de suspensão. Estes três projectos integrados na fase de influência racionalista,

explorando

os

princípios

de

continuidade

e


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

96

flexibilidade dos espaços apresentam consideráveis diferenças no que respeita à organização espacial. Na casa Rangel Lima, a introdução da lareira, elemento fixo na composição espacial da sala, auxilia a configuração dos diferentes espaços, nomeadamente a zona de jantar e a zona de estar, funcionando como uma espécie de “âncora”. Já a casa Conceição Correia destaca-se pela composição das diferentes áreas (sociais, privadas, e serviços) num único piso, elevado do solo. Aqui a escada e o hall de recepção são os elementos que ajudam na organização dos diferentes espaços. Destaca-se igualmente pela inovação introduzida ao nível dos materiais que proporcionam uma nova imagem, que como foi dito denota uma aproximação a uma estética de cariz brutalista. Esta obra, como pudemos constatar, marca o fim da fase racionalista e o inicio de uma nova fase assente na procura de um novo léxico mais ligado ao mundo orgânico. A casa Cunha Freitas

(1958)

introduz essa abertura à

organicidade que se concretiza pela exploração de uma nova concepção do espaço que parte como foi visto dos efeitos de indeterminação e de distensão e que se desenvolve aberto, contínuo e dinâmico. Com vista à concretização destes efeitos é desenhado um núcleo, um ponto fixo a partir do qual se projectam para o exterior os diferentes compartimentos. Neste caso é importante recordar a importância dos planos que funcionando como elementos estruturais auxiliam simultaneamente na delimitação dos espaços e criação de percursos. A relação interior/exterior, tema explorado nas obras citadas anteriormente vai sendo cada vez mais perseguido pelo arquitecto, como pudemos verificar é conseguido de diferentes formas. Neste caso destaco as varandas que são desenhadas como prolongamentos dos espaços interiores e que permeiam a relação com o exterior. E importante relembrar a difícil circunstancia que é a acentuada inclinação do terreno e o modo como a casa se implanta, através da exploração de percursos e de um magnífico jogo de pisos que ora contactam com o exterior de modo directo, ora de modo indirecto por intermédio das varandas.


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

97

Nesta obra constatamos o contacto com alguns dos princípios enunciados por Frank Lloyd Wright e por isso uma nova linguagem que foi aperfeiçoada os três projectos que se seguem, a referida “trilogia do Restelo”. Alinhadas sob uma influência comum (refiro-me ao período wrightiano), as três casas do Restelo adquirem no entanto diversas expressões. Mantém-se o princípio de integração no terreno, a vontade de abertura para o exterior, a organização dos diferentes compartimentos em torno do núcleo, o movimento em termos de cotas e o ritmo dos alçados, conforme o que foi referido na casa Cunha Freitas. Contudo, o arquitecto diferencia-as, sobretudo no que concerne ao desenho do pormenor, ao estudo da escala e dos materiais. Na casa Franchi

(1961),

salienta-se por exemplo o efeito de

horizontalidade criado e a preocupação com a escala dos diferentes espaços. Existe igualmente uma mudança no tipo dos materiais escolhidos e no modo como se conjugam. Já na casa Fernando Videira (1962), é necessário mencionar o movimento introduzido ao nível da organização interna dos pisos nos quais é explorado pela primeira vez a organização em meios pisos. É também característico o ritmo que o alçado tardoz adquire, provocado pelo escalonado avanço dos compartimentos que procuram a íntima relação com a paisagem. A casa Álvaro Trigo

(1964)

destaca-se como foi referido pela

sua fortíssima autoridade formal, fruto de um programa complexo, mas resolvida com extrema segurança no que respeita à integração da escala humana. É também uma obra onde todos os sentidos são explorados e conjugados, principalmente a visão pela intensa geometria presente assim como pelas cores utilizadas, o verde e o ocre que fazem com que a casa pareça nascida da terra. Por conseguinte, assiste-se nesta obra a uma maturação dos vários temas que vinham a ser explorados pelo arquitecto, decorrente naturalmente das várias experiências realizadas nas obras anteriores. Como se pode verificar as casas adquirem diversas expressões, contudo, de caso para caso começa-se a notar a


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

98

presença de uma linguagem já muito própria, identificadora do arquitecto. Comparemos por exemplo o caso da moradia Álvaro Trigo com a casa Domingos França, ambas datadas de 1964. No mesmo ano o arquitecto Maurício produz duas obras que em tudo parecem divergir. A linguagem explorada, o programa, o sítio, a vontade do cliente, mesmo assim, persistem os temas que identificam a arquitectura produzida por este autor. O estudo da escala e dos materiais, que apesar de se concretizarem diferentes nos dois projectos, são constantemente pontos de partida relevantes para o arquitecto, o jogo de volumes e da geometria, o já exposto desenho do núcleo a partir do qual se constrói o programa, a relevância conferida ao espaço d lareira como elemento fixo na composição da sala e por a indeterminação espacial conjugada com uma profusa abertura para o exterior. E em cada pormenor, da maior à menor escala, conseguese identificar a preocupação com a criação de um ambiente à imagem do habitante. O caso da moradia da Dr.ª Maria Helena Freitas é um exemplo notável desta preocupação como se pode constatar. Desenhada a partir de uma condicionante programática distinguese pela radicalidade do projecto proposto. Num único piso coloca todo o programa exigido ao qual acrescenta uma mezanine que funciona quase como uma habitação independente. O espaço interno ganha assim uma intensa comunicação vertical e uma ambiência completamente diferente do que já vinha a ser explorado nas outras obras. Poderia eventualmente aqui já existir a influência de uma nova fase no trabalho de Maurício, uma vez que a moradia já foi projectada no início da formação do GPA, período que não foi estudado nesta prova, no qual, já em colaboração com outros arquitectos, explora um novo caminho, uma arquitectura de “gesto único”, como foi várias vezes catalogada pelo arquitecto Cândido Reis. É abordada uma nova linguagem, contudo mantêm-se as características que denunciam o método de projectar do arquitecto Maurício.


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

99

Como constatamos ao longo do trabalho, ressalta a constante procura por parte do arquitecto de uma linguagem própria, identificadora, que apesar do espaço temporal tido em consideração, de 1950 a 1970 e a pluralidade de linguagens exploradas, cedo alcançou maturidade. A linha comum a todo o seu trabalho e talvez a ideia que ganha mais força ao longo do seu percurso, tem por base a humanização da arquitectura, a criação de espaços próprios para o homem, com os quais ele se identifica. Por fim, como síntese de todo o trabalho desenvolvido proponho a consulta da ficha a seguir exposta, onde se encontram representados os principais temas explorados por Maurício e a relação destes temas ao longo das nove obras analisadas.


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FICHA DE APOIO


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REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA


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AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

109

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

110

INDICE DE ILUSTRAÇÕES (131) Arquitectura Popular em Portugal.

2ª ed. Lisboa : Associação

Arquitectos Portugueses, 1980

(86,87)

Casa

em

S.

João

do

Estoril.

Arquitectura

64-66

.Janeiro/Dezembro de 1959

(41,42)Casa Rocha Gonçalves. Arquitectura Portuguesa Cerâmica e Edificação nº3/4. Abril de 1953

(43,44,45,47,57,58)

CORREIA,

Graça

-

Ruy

D'Athouguia :

modernidade em aberto ; pref. Eduardo Souto de Moura.

a

Casal de

Cambra : Caleidoscópio, 2008

(5,9,66,72,77,88) Espólio Mário Novais

(26,29,35,50,51,55,69,102,116,118,149,158)

Espólio

Maurício

de

Vasconcellos

(126,127,128) Fernando Távora . Editado por Luiz Trigueiros, com artigos de Alexandre Alves Costa, Álvaro Siza, Bernando Ferräo e Eduardo Souto Moura e com Grafismos de Ana Maria Chora. Lisboa : Blau, [cop.1993] (10,18, 19,36, 93) FERRAZ, Marcelo Carvalho [et al] – Vilanova Artigas: série Arquitectos Brasileiros. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi : Fundação Vilanova Artigas, 1997 (8,34) Moradia Rangel de Lima. Arquitectura Portuguesa Cerâmica e Edificação nº3/4. Abril de 1953, pp.39-44

(145) From Bauhaus to our house . Jornal dos Arquitectos nº 203, Novembro/Dezembro 2001

(133) GODINHO, Januário, Frank Lloyd Wright, Arquitectura nº67, Abril 1960

(13) GOODWIN, Philip L. - Brazil builds : architecture new and old : 1652-1942 ; phot. by G. E. Kidder Smith. 3rd. ed. rev. New York : The Museum of Modern Art


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

111

(49,68,70,71,82,85,91) LOBO, Vasco. A obra do arquitecto Mauricio de Vasconcellos. Arquitectura nº75. Junho de 1962

(4,114,122,124,130,1135,138) MOREIRA, Júlio. 4 obras de Maurício de Vasconcelos : as palavras e as coisas em arquitectura. Arquitectura nº109. 4ª série, Maio/Junho de 1969 (2,16,113) PINTO, Jorge Farelo - Percursos de carreira / coord. Jorge Farelo Pinto; org. Conselho Directivo Regional do Sul da Associação dos Arquitectos Portugueses. Lisboa: A.A.P., 1996

(12) ODAM : Organizaçäo dos Arquitectos Modernos : Porto : 19471952 / compilado por Cassiano Barbosa ; desenhos de Joäo Abel ; fotografia de Fernandes Amorim. Porto : Asa, 1972

(37,38) Pequena habitação em A-Ver-O-Mar, P. de Varzim: arquitectos Oliveira Martins e Delfim Amorim. Arquitectura nº 47. 2ª Série, Junho 1953

(90) PEREIRA, Nuno Teotónio. "Dossier" Restelo (1971-1973) : plano de pormenor, justificação : Projecto urbano e edificação (E.P.U.L. 1973) : Projecto para a área central, justificação : Resposta a reportagem crítica em jornal diário : Posfácio por ocasião da publicação em revista do projecto para o Restelo. Arquitectura nº130. Maio de 1974

(24,25,27,144) REIS, Cândido José Brito - Maurício de Vasconcelos_ A obra entre 1950-1970: Um percurso na carreira. Lisboa : s.n., 2005. (Dissertação para a obtenção do Grau de Mestrado em Teoria da Arquitectura)

(63) RILEY, Terence - Mies in Berlin. New York : The Museum of Modern Art, 2002

(60) SANTANA, Frederico. Casa em Caxias: arq. João Andresen, eng. J.M. Simões, cerâmica de Hein Semke. Arquitectura nº 60. Outubro de 1957

(89) SILVA, Carlos Nunes. - Planeamento Municipal e a organização do espaço

em

Lisboa:

Geográficos, 1987

1926-1974. - Lisboa:

Centro

de

Estudos


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

(39,40) SILVA,

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112

uma ideia de

arquitectura ; docente acompanhante Prof. Rui Ramos. - Porto : Faup, 2007. - 159 p. - Ano lectivo 2006/2007

(15) TAVEIRA, Tomás. Hotel da Balaia : Praia Maria Luísa, Algarve. Arquitectura nº108. Março/Abril de 1969

(11,14, 67) TOSTÕES, Ana [et al] - Arquitectura moderna portuguesa : 1920-1970 / coord. Ana Tostões.

- Lisboa :

Instituto Português do

Património Arquitectónico, 2003

(92) ZEVI,

Bruno. - Frank Lloyd Wrigth; trad. Mariuccia Galfetti,

Fernando Pereira Cavadas. 2ª ed. Barcelona: Gustavo Gili, 1985

(17) http://www.correiogourmand.com.br/images/cg_on_11_480y.jpg

(62) http://www.urbandesign.it/immagini/Mies.jpg

(104) http://maps.google.com

(28,144) http://ima.dada.net/image/3222258.jpg


AS CASAS DESENHADAS POR MAURÍCIO DE VASCONCELLOS

113


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