Parq issue 20

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1 Desfile da Construtónica na Manobras de Maio com Rui Pregal da Cunha, um dos mentores do grupo, 1987 2 Pedro Casqueira a desfilar para a Companhia dos Lobos com coordenado de Eduarda Abbondanza, 1987

Filipe Faísca Tirando o CITEX, no Porto e o CITEM, em Lisboa, não existiam outras escolas vocacionadas especificamente para o ensino do design de moda. Filipe Faísca estudava na António Arroio e costumava passar na loja de Mariana Cachulo depois das aulas. Como o próprio afirma: “Quem participava nas manobras não eram só criadores ou alunos de moda. Eram artistas plásticos, bailarinos, fotógrafos, músicos... Era um momento de festa de Verão, quase como o das festas da cidade. Formava-se ali uma energia muito forte e importante. Foi nesta altura que se começou a perceber que havia um mercado para a moda em Portugal”. Filipe Faísca participou nas duas primeiras edições e em 1994, num desfile com impacto mediático, marcado por um strip tease protagonizado pelo próprio, dando provas de agent provocateur. Para Faísca “Era um grito. Éramos movidos por um ideal e cada um gritava à sua maneira”.

Companhia dos Lobos José António Tenente vinha do curso de Arquitectura e apresentou seu trabalho pela primeira vez ao público nas Manobras de Maio, em 1986. “Eu, a Eduarda Abbondanza e o Mário Matos Ribeiro criámos a Companhia dos Lobos e cada um desenvolveu quatro coordenados, que foram apresentados num desfile único, mas criados de modo totalmente independente. O ambiente era muito efervescente, experimental, amador, divertido… Tudo o que se pode imaginar de algo que está prestes a começar. A criação de moda não tinha grande história nem tradição no nosso país. Lembro-me por exemplo, da Lena Aires, do Pedro Lata, da Zica Gaivão, de projectos como Pérolas a Porcos (de Inês Simões e Vítor Neto) e da Construtónica”.

Eduarda Abbondanza Professora universitária e reponsável pela Moda Lisboa, Eduarda Abbondanza recorda esses tempos como “Uma espécie de Woodstock na área da moda em Portugal. As Manobras de Maio foram um meeting point iniciático que representou um ensaio, uma das expressões de liberdade mais sofisticada depois do 25 de Abril. Foram importantíssimas na consciencialização de um movimento geracional. Hoje, se tal viesse a acontecer, nunca seria igual. Era uma plataforma livre, sem regras. As pesssoas increviam-se, faziam as roupas, arranjavam os manequins, encenavam os desfiles, tratavam dos cabelos, da maquilhagem. Não existiam manequins profissionais nem agências. Os meus modelos eram a Maria de Medeiros, o Pedro Casqueiro, o Pedro Felgueiras, o Ricardo Vasconcelos, a Fernanda Fragateiro... Tinhamos ideias, roupas, conceitos e muita vontade de mostrar o nosso trabalho. As pessoas encontravam-se nos mesmos sítios e havia uma vontade de fazer coisas e de multiplicar as participações em vários projectos. Os primeiros desfiles eram muito performativos e havia uma mistura enorme de gente e de projectos. Dez anos depois, muita coisa já havia mudado a nível da profissionalização da moda em Portugal. E se as Manobras de Maio não tivessem existido, provavelmente, a Moda Lisboa não teria surgido logo em 1991, mas sim muito mais tarde”.

048 – Central Parq | moda

Construtónica

Dino Alves

Em 1988, a Praça de Touros do Campo Pequeno acolheu a terceira edição das manobras. Nuno Rebelo compôs Sinfonia Falsificada: sagração do Mês de Maio, a banda sonora do evento. Esse mesmo ano é marcado pelo grande incêndio no Chiado, pelo aparecimento das três primeiras revistas femininas em Portugal –a Marie Claire, a Elle e a Máxima– e do jornal O Independente.

“Era um evento de moda alternativo, despretensioso e muito autêntico, onde os criadores apresentavam as suas ideias de uma forma descomprometida. Recordo-me de outros criadores que participaram como a Joana Vasconcelos, a Alexandra Moura e o Mário Oliveira.” As palavras são de Dino Alves que apresentou pela primeira vez as suas criações ao público no Largo do Século durante as Manobras de Maio de 1994. “Participei em três edições. Não tinha qualquer experiência, o que fiz na altura foi muito por instinto mas correu sempre muito bem. A primeira apresentação fez com que reparassem no meu trabalho e levou-me até onde estou hoje. Lembro-me perfeitamente de ver a Ana Salazar sentada nas primeiras filas do Teatro da Trindade, onde aconteceram as Manobras de Inverno e, dois ou três dias depois, me ter contactado para fazer a direcção artística de um dos seus desfiles. Na edição seguinte a Associação Moda Lisboa convidou-me para apresentar o meu próprio desfile. As manobras representavam um espaço de criação, de experimentação e de festa que cruzava várias áreas artísticas. Nenhum outro evento de moda ocupou ou substituiu o espaço que as manobras deixaram vazio”.

Rui Pregal da Cunha (vocalista dos Heróis do Mar) era, com o fotógrafo João Silveira Ramos, responsável pela secção de moda do famoso Caderno 3 do jornal e formava a dupla criativa com Helena Assédio (actualmente directora de moda da Máxima) sob o nome Construtónica. A primeira colecção foi feita para a Bienal de Jovens Artistas Mediterrânicos de Barcelona, de 1986. Acabado de chegar de uma digressão por Macau, Rui não chega a tempo de participar na Bienal mas traz “200 quilos de excesso de bagagem”. A maior parte são tecidos. “Apresentámos algumas peças no Teatro Belém Clube, no Noites Longas (antigo B.leza) e nas Manobras de Maio de 1986 e 1987. A Construtónica durou dois anos e meio. Era uma espécie de alta-costura de combate, com um pé na moda e outro na arte. Tudo era concebido como um espectáculo para um palco e não como um desfile de moda para uma passerelle. Num ano de manobras no Campo Pequeno, entrevistou um dos seus heróis de sempre para O Independente: Ricardo Chibanga, o primeiro toureiro moçambicano e um símbolo do toureio português.


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