Relatos e Retratos: Quando as Tribos se Encontram

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RELATOS E RETRATOS QUANDO AS TRIBOS SE ENCONTRAM

PARCEIROS VOLUNTÁRIOS DE CANOAS


2016 Parceiros Voluntários de Canoas Todos os direitos de edição reservados para a Parceiros Voluntários de Canoas Rua Ipiranga, 95 – Centro CEP.: 92010290 - Canoas/RS Tel. 51 3472 2293 / 51 984459741 www.parceirosvoluntarioscanoas.org.br

1ª Edição 1ª Impressão: 20 exemplares

Equipe participante dos direitos do projeto: Demétrio Alves Leite Jeane Kich Maria Inês Pacheco Victória Freire

Coordenação Editorial: Jeane Kich Editoração: Victória Freire Revisão: Maria Inês Pacheco e Victória Freire Projeto Gráfico e Capa: Victória Freire Fotografia: Acervo da Parceiros Voluntários, Demétrio Alves Leite, Victória Freire

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Relatos e Retratos: quando as tribos se encontram. / Parceiros Voluntários de Canoas. Canoas/RS, 2016

1. Desenvolvimento Sustentável. 2. Índios no Brasil. 3. Tribo Kaingang. 4. Tribos em Cena. 5. Cidadania


ÍNDICE Apresentação – p. 4 Capítulo I – Os índios do Sul – p. 6 Origem – p. 7 A fronteira da exclusão: o índio como obstáculo – p. 8 Lideranças Históricas – p. 12 Capítulo II – Tribo Kaingang – p. 15 Organização social e política – p. 15 Família – p. 15 Cosmologia e mitologia – p. 17 Marca clânica – p. 17 Ritual e xamanismo – p. 19 Arte e cultura material – p. 20 Língua – p. 26 Alimentação – p. 27 População – p. 33 Capítulo III – Terra Indígena POR FI GÁ – p. 34 Localização e estrutura – p. 34 Escola Comunidade Indígena Por Fi Gá – p. 36 Lideranças Locais – p. 39 Capítulo IV – Quando as TRIBOS se encontram: experiência do projeto Tribos em Cena na Tribo POR FI GÁ – p. 41 Contato inicial – p. 41 Comunidade Kaingang adere ao Projeto Tribos em Cena – p. 41 Participação no Lançamento do Projeto – p. 42 Oficina de Cinema na Comunidade Por Fi Gá – p. 43 Documentário "O Canto da Tovaca" – p. 46 Depoimento do Educador Oficineiro sobre a Oficina de Cinema e criação do Documentário – p. 46 Visita das Tribos em Cena na Comunidade Por Fi Gá – p. 52 Ação Conjunta das Tribos em Cena nas Escolas em prol da Tribo Por Fi Gá – p. 56 Parceria entre Tribo Por Fi Gá e Tribos em Cena – p. 60 Ações finais: oficinas ambientais – p. 61 Avaliação da Tribo Kaingang sobre a participação no Projeto Tribos em Cena – p. 63 2


Considerações finais – p. 65 Vocabulário – p. 65 Bibliografia – p. 66 Anexo I – p. 67 Anexo II – p. 70

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Apresentação Este livro, escrito por Demétrio Alves Leite, Jeane Kich, Maria Inês Pacheco e Victória Freire, traduz um pouco da vivência e das reflexões do projeto Tribos em Cena: Desenvolvimento Sustentável com Atitude e as suas inserções junto à tribo Kaingang Por Fi Gá, localizada no Bairro Feitoria em São Leopoldo. O encontro das duas “tribos” ocorreu quando a Parceiros Voluntários de Canoas convidou diferentes atores sociais para refletirem e proporem um projeto para minimizar os problemas socioambientais de Canoas e Esteio. Na ocasião, professores e alunos apontavam a necessidade uma conscientização maior dos alunos em sala de aula no sentido de entenderem e visualizarem a essência dos problemas sociais e ambientais, para posteriormente, mobilizarem, de forma coletiva, familiares, amigos e vizinhos, para que adotem posturas de desenvolvimento socioambientais continuadas como etilos de vida para que todos possam ter um planeta saudável, com uma comunidade saudável, garantido qualidade na vida de todos, assegurando a existência digna desta e das futuras gerações. Nessa perspectiva, surgiu o projeto TRIBOS EM CENA, como uma alternativa de ir além dos muros escolares, abrindo seus horizontes e permitindo que os alunos vivenciem os problemas socioambientais no seu cerne e se mobilizem para a ação concreta enfrentando, de acordo com seus potenciais, limites e grau de mobilização para a resolução, os reais problemas sociais e ambientais de Canoas e Esteio. Por sugestão do Projeto Lerarte e da Escola Municipal Nancy Pansera, optouse por trabalhar com a Tribo Kaingang, uma vez que ambas já realizaram atividades conjuntas e com resultados muito positivos. Deste modo, os alunos participantes do projeto teriam a oportunidade de resgatar a sua história, confrontar crenças e conhecimentos, passando a respeitar os ideais do primeiro povo que habitou o Brasil e que luta para se manter vivo, que cultiva a terra e dela tira seu alimento, utiliza da água, mas cuida de suas nascentes, pois sabe que dela depende a sua sobrevivência. Assim, o projeto Tribos em Cena foi submetido à Seleção Pública Comunidades, programa Petrobras Socioambiental, e aprovado. Atualmente está sendo desenvolvido com dez escolas de Canoas e cinco de Esteio, buscando que os alunos e professores vivenciem, relatem e atuem junto aos problemas socioambientais em suas cidades. Para iniciar a parceria com a Tribo Kaingang, a equipe do projeto buscou entender o que é uma tribo indígena urbana, passando a conviver na aldeia e identificando sua cultura, crenças, artesanatos. No processo de aproximação da comunidade, percebeu-se o quanto os índios são discriminados pela comunidade local, necessitando lutar constantemente por espaços e reconhecimento. Também foi realizada uma retrospectiva histórica, com o intuito de identificar as origens dos índios do sul do Brasil, sua chegada em São Leopoldo e trajetória até os tempos atuais. Essa pesquisa, realizada pelo historiador Demétrio Alves Leite, encontra-se no Capítulo I do presente livro.

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Posteriormente, com o apoio do mesmo historiador, buscamos apresentar especificamente o histórico dos Kaingang: sua organização social e política, família, mitos, arte, língua, alimentação e população que estão descritos no Capítulo II. Em posse desses conhecimentos, foram iniciadas as vivências junto à tribo Por Fi Gá em São Leopoldo, ficando a coleta de dados registrada no documentário “O Canto da Tovaca” que pode ser assistido através do link https://vimeo.com/162026341 e com grande parte dele relatado no Capitulo III deste livro. Por fim, o Capítulo IV apresenta o encontro das duas tribos, ou seja, relatos de atividades realizadas na tribo Kaingang através do projeto, como a oficina de cinema e a criação do documentário, visita dos alunos das escolas do projeto à aldeia para conhecerem a realidade indígena, sua cultura, artesanato, danças e alimentação. A partir dessa visita, os alunos levantaram demandas e realizaram uma ação conjunta, bem como mantiveram contatos com a tribo que participou de eventos nas escolas. Enfim, toda a vivência do projeto se encontra aqui resumida. Foi, portanto, uma via de mão dupla entre os dois públicos do projeto. Os alunos das escolas tiveram a oportunidade de conhecer e ressignificar posturas e valores levando em consideração a importância dada ao povo indígena. Os Kaingang, por sua vez, tiveram sua tradição, costumes e, principalmente, a sua história reconhecida através dos alunos e dos materiais que serão produzidos no Projeto. Nesse sentido, o projeto busca a transversalidade, pois visa à compreensão de que não existe espaço nem tempos culturais privilegiados que permitam julgar e hierarquizar como mais corretos. Os participantes aprendem não somente através de dados históricos, mas mergulham em suas raízes, na história vivida. Esse contato propiciou a percepção de potencialidades mútuas, da diversidade linguística, da diversidade cultural através do conhecimento de lendas e histórias, passando a entender que todos são elementos da natureza, não havendo cultura melhor ou pior, mas que o bem estar de todos é necessário para a melhoria da comunidade, da sociedade, do meio ambiente, assegurando a existência da vida no planeta. Jeane Kich Coordenadora Executiva da Parceiros Voluntários de Canoas

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Capítulo I - Os índios do Sul O litoral sul do Brasil, a partir do século XVI, passou a ser visitado pelos navegadores europeus. A costa abrigava diversas aldeias indígenas tupi-guarani, com considerável contingente demográfico.

Os habitantes das aldeias deram condições de sobrevivência aos exploradores da Europa. As expedições de reconhecimento se sucederam e logo portugueses e espanhóis iniciaram as primeiras povoações permanentes. O processo irreversível estava implantado na conquista e domínio local da terra, pelos europeus. Os obstáculos encontrados na dominação foram vencidos pela escravidão ou aniquilamento físico do indígena. Em 1537, a bula do Papa Paulo III tentou dar ao índio a condição de homem de verdade. Durante os séculos XVII e XVIII os jesuítas tentaram a criação de um Estado Indígena, milhares de índios foram “aldeados” em missões e as utopias que se desenvolviam nos centros de pensamento europeus foram parcialmente concretizadas em verdadeiras cidades-estados implantadas pelos religiosos.

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Origem Gê ou Jê – Botocudo, Bugre, Coroado e Kaingang, antigos Guayaná, prováveis moradores das casas subterrâneas do Planalto com extensão aos demais estados da Região Sul: São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, no Brasil. São encontrados Kaingang também em Misiones, Argentina. Eram índios coletores, especialmente de pinhões, caçadores, pescadores e pequenos horticultores.

Embora a grande maioria dos índios reduzidos nos séculos XVI e XVII na Província do Guairá fosse da etnia guarani, sabe-se que alguns grupos ancestrais dos atuais Kaingang foram reduzidos em Conceição dos Gualachos, às margens do rio Piquiri, e em Encarnación, às margens do Tibagi. Após terem fugido dos ataques dos bandeirantes paulistas, os jesuítas fundaram novas reduções na Província do Tape, entre 1632 e 1636 (atual Estado do Rio Grande do Sul). Baseando-se em alguns registros históricos, é possível que os Kaingang tenham sido influenciados pela redução jesuítica da Santa Tereza, na região de Passo Fundo. Como foram poucos os que aceitaram viver sob o comando dos jesuítas, os Kaingang viveram livres nas regiões de campos e florestas do sul até o século XIX, quando foram conquistados. No período após a destruição das reduções jesuíticas, verifica-se a expansão e presença dos Kaingang nas terras de planalto do Sul do país, em áreas de florestas subtropicais e de araucária, desde o Estado de São Paulo aos estados da região sul, quando as expedições de reconhecimento e início das primeiras investidas contra os territórios indígenas provocaram violentas reações por parte dos habitantes Kaingang e Xokleng.

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No século XVII foram registradas suas presenças no curso superior do rio Uruguai e no século XVIII ocupavam as extensas florestas do alto Uruguai, numa área que vai do rio Piratiní (extremo Oeste) até a bacia do rio Caí, a leste. Constituíam territórios Kaingang o Oeste de São Paulo, terras do segundo e terceiro planaltos do Paraná e Santa Catarina e toda a faixa acima das bacias dos rios Piratiní, Jacuí e Caí no Rio Grande do Sul.

A fronteira da exclusão: o índio como obstáculo Não é novidade que, desde a chegada dos europeus, os povos indígenas passaram a ser percebidos como invasores, necessitando muitas vezes se utilizar de força bruta para defender suas terras. O ano de 1829 é destacado, pois nele foi registrada a primeira ocorrência com vítimas fatais nas denominadas “correrias” praticadas pelos caingangues às áreas de colonização. Trata-se do ataque à picada Dois Irmãos, na colônia de São Leopoldo, onde foram mortas três pessoas pelos indígenas (BECKER, 1975, p.61). Os assaltos passaram a ser frequentes desde então, levando pânico aos colonos, que viam suas roças e suas vidas ameaçadas pelos índios. Na segunda metade do século XVIII, as expedições exploradoras localizaram vários territórios pertencentes aos vários grupos indígenas – Kaingang, Guarani, Xokleng, Xetá -, provocando as primeiras tentativas de ocupação não-indígena nas 8


terras do interior das províncias do Sul. As reações dos índios foram violentas, marcadas por ataques de ambas as partes, apesar da estratégia dos brancos em angariar a confiança dos índios levando-lhes presentes. Todas as expedições tiveram de abandonar os Campos Gerais e só 40 anos mais tarde retornaram, tendo maior sucesso no século XIX. No século XIX, durante a conquista dos territórios Kaingang, havia dezenas de unidades político-territorial cada qual chefiada por um cacique principal (põ´í-bang) e vários caciques subordinados (rekakê; pô´í) dos grupos locais que formavam a unidade sociopolítica. Mais precisamente, os territórios Kaingang no Rio Grande do Sul tinham como limite a noroeste o rio Piratiní, a nordeste o rio Pelotas, ao sul as bacias do Caí, Taquarí e Jacuí. Assim como aconteceu nas bacias do atual Estado do Paraná, vários desses caciques se tornaram aliados dos brancos e contribuíram para a conquista dos grupos resistentes. Ficaram famosos na história regional os Põ´i que, em diferentes momentos, colaboraram no processo de conquista: no Paraná e Santa Catarina – Condá, Virí e Doble; no Rio Grande do Sul – Condá, Nonoai, Fongue, Nicafe, Braga e Doble.

Museu do Índio

A expansão geográfica dos Kaingang está relacionada com as pressões que as expedições de conquista foram promovendo. Alguns caciques foram se “aldeando” e se tornando aliados dos brancos, obrigando os grupos recalcitrantes a se retirarem para lugares mais distantes da rota expansionista, que lá permaneciam até serem novamente

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localizados e pressionados a se aldearem, liberando parte dos seus territórios para os fazendeiros e colonos nacionais e estrangeiros. Para a reconstituição da história Kaingang no Rio Grande do Sul temos subsídios na pesquisa de Becker (1975) e de Simonian (1981; 1994 a-b-c) e, em Santa Catarina, a contribuição de D´Angelis (1984; 1994).

Museu do Índio

A Estrada da Mata foi o eixo inicial da ocupação dos territórios indígenas do Sul, intensificada com o comércio de rebanhos muares e bovinos trazidos do Rio Grande do Sul para Sorocaba e passando pelos Campos Gerais no Paraná. O Caminho das Tropas é que vai consubstanciar uma frente de ocupação e exploração nacional nas terras indígenas, com a implantação de sesmarias a partir dos Campos Gerais no Paraná, não apenas em direção ao Sul, mas também a oeste e norte. A expansão paulista é a ponta de lança para a conquista das terras indígenas do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. As estradas e os caminhos na sua totalidade atravessavam dezenas de territórios Kaingang. Os índios atacavam os tropeiros, trabalhadores e colonos que iam se estabelecendo nas paradas e locais de descanso e aos poucos foram se transformando em vilas, como Castro, Ponta Grossa, Lapa e Palmeira no Paraná; Lajes, Curitibanos, Campos Novos e São Joaquim em Santa Catarina; Vacaria e Cruz Alta no Rio Grande do Sul.

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Museu do Índio

Duas nações de indígenas têm hoje sua pátria no Rio Grande do Sul: remanescentes dos Guarani, que são os Mbyá-Guaraní e os Kaingang. O nome Kaingang foi introduzido em 1882 por Telêmaco Augusto Enéas Morosini (Morocinos) Borba, para designar índios não guaranis dos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. “Coroado” foi a denominação anterior a mesma tribo, nome proveniente da tonsura que deixava a cabeça calva no meio, com uma coroa de cabelos, que os índios usavam. Telêmaco Borba nasceu em 15 de setembro de 1840, em Borda do Campo, Curitiba, Paraná. Aceitando uma vida perigosa e arriscada, decidiu complementar a tarefa missionária dos padres capuchinhos, e aos 23 anos de idade é nomeado para dirigir o Aldeamento Indígena de São Pedro de Alcântara, inicio de suas atividades de sertanista. Telêmaco não se limitou à vida sertaneja, sua ocupação durante a vida foi político, sertanista, escritor, etnógrafo, geólogo, paleontólogo, historiador e indianista. Já velho e possuidor de rara autocrítica, dono de vasto conhecimento adquirido através de estudos e pesquisas, prefeito vitalício de Tigabi, determina, por testamento, a doação das coleções de seu museu particular ao acervo do Museu Paranaense. Morreu aos setenta e oito anos, vítima de gripe espanhola, em Tibagi, Paraná. Muitas homenagens foram feitas ao coronel Telêmaco Augusto Enéias Morosini Borba no Congresso Legislativo Paranaense e pelo Museu Paranaense. Apesar do seu vasto currículo, de uma vida dedicada à causa indígena, Telêmaco é um personagem caluniado. Atribui-se a ele a matança de índios, entre outras impropriedades. Tal afirmação é grosseira, não só pela inverdade, mas também pela pobreza cultural de livres pensadores ou de alienados do conhecimento histórico. Este é um homem que cedeu nome a uma cidade paranaense – TELÊMACO BORBA. 11


Atualmente os Kaingang estão entre as quatro populações ameríndias mais populosas do Brasil com aproximadamente 28 mil indivíduos. A maior parte está concentrada em terras indígenas situadas entre as bacias dos rios Tietê (norte), Paranapanema, Iguaçu, Uruguai, Jacuí e tributários do sistema Guaíba-Patos (sul), Paraná (oeste) e Oceano Atlântico (leste). (FREITAS, 2008; RICARDO, 2001/2005). No Rio Grande do Sul há 14 Terras Indígenas Kaingang: Cacique Doble, Ligeiro, Ventarra, Carreteiro, Votouro, Monte Caseiros, Serrinha, Nonoai, Rio da Várzea, Iraí, Guarita, Inhocorá, Rio dos Índios, Borboleta.

1950 – Museu do Índio - Caingangues aldeados

Lideranças Históricas

1920 - Museu do Índio - Cacique Concun aos 80 anos de idade e Moreira, o ajudante

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Cacique Braga O cacique principal Põ´i-bang Braga comandava um conjunto de 23 subgrupos e dominava um extenso território que compreendia o Mato Castelhano, o Campo do Meio, e os campos de Vacaria e do Passo Fundo, a sudeste dessas matas e entre as cabeceiras dos rios Turvo e do Prata, tributários do rio das Antas. Com a dissidência do grupo do cacique subordinado Doble, passam a guerrear entre si. A conquista dos caciques Nonoai, Kondá e Nicofé representou, para Braga, mais perseguidores. Antes de 1850, estava alojado entre os rios das Antas e Caí, e, possivelmente para fugir das perseguições, deslocou-se para as serras entre os rios Turvo e Prata, onde o engenheiro Mabilde o convenceu a aldear-se no Campo do Meio.

Cacique Kundá Vitorino Condá – O grupo de Kondá que trabalhava para os brancos ajudou na conquista de Kampo-rê (SC) e de Nonoai (RS). Depois do rompimento com Virí, seu subordinado, foi viver nos campos do Chopim. Mais tarde, tornou-se líder dos Kaingang de Nonoai e fez aliança com o governo do Rio Grande do Sul, fixando-se nos campos de Goio-en. Na condição de funcionário do governo (recebia soldo do governo), auxiliou na abertura de uma estrada ligando Kampo-rê (Campo-erê) a Kreie-bang-rê (Palmas) e, junto com o engenheiro Hegrévillè, na abertura da estrada ligando Palmas a Corrientes, Norte da Argentina.

Cacique Fongue Em 1848, o cacique Fongue se fixou com seu grupo no aldeamento de Guarita. A presença de Fongue está registrada em relatórios de 1880 nos aldeamentos de Pinheiro Ralo e Inhacorá e também como um dos caciques subordinados ao cacique principal, Nonoai. Fongue foi um importante líder deste território e teve uma vida longa, a qual se estendeu até 1886, quando, segundo Hemeterio Silveira (1909, p.332), falecera em Campo Novo com a idade avançada. O padre Parés, diretor de aldeamentos do governo da província, descreve como: “este um hombre como de 70 anos, de alta estatura y agradables facciones: estaba sentado en su cama, que es un cañizo de tacuaras, con las piernas cruzadas, desnudo y sin outro abrigo que una como esclavina de lienzo que Le cubría hasta La mitad de lãs espaldas” (PÉREZ, 1901, p.4770). Ao lado de Fongue, na mesma região, aparece o registro do grupo do cacique Votouro; a peste, nas regiões de Vacaria e Lagoa Vermelha, viviam os grupos chefiados por Doble e Nicafé (Nicaji; Nicafim).

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Cacique Doble Depois da ruptura com o cacique principal, Braga, apresentou-se aos brancos para se aldear, tornando-se um dos principais auxiliares da força “militar” dos brancos para a submissão dos grupos arredios que atacavam os colonos e tropeiros. Doble aparece em muitos lugares, com Braga, antes do contato e, depois, a serviço dos brancos: na região do Mato Castelhano, até 2848; nos fundos dos Campos de Nonoai e Guarita, em1849; em Vacaria em 1851. No aldeamento Santa Izabel conseguiu submeter os Kaaguá, próximo à colônia Monte Caseros

Cacique Nicofi (grafado tb. Nicaji, Nicofé, Nicafim) Informações iniciais a respeito de Nicafim são fornecidas por Mabilde (1983, p.162-163): ele “vivia com suas tribos de coroados à margem direita do rio Pelotas, entre esse e o rio Canoas. Os três caciques – Nonoai, Cundá e Nicofé – viviam sem hostilizar-se”. Nicafim, que viveu até aproximadamente meados de janeiro de 1856, desempenhou papel de grande importância em seu grupo. Após migrar para os campos de Nonoai e Erechim, foi muito temido pelos não-índios, bem como pelas parcialidades Caingangues inimigas.

Cacique Nicué – João Grande

Cacique Nonoay e seu grupo foram contatados pelo padre Parés, que se havia estabelecido sob a proteção do governo. Em 1848 padres jesuítas foram chamados pelo governo da Província do Rio Grande do Sul para promover a catequese dos Kaingang de Guarita e Nonoai. Os aldeamentos fundados entre 1848 e 1850 no Norte e Noroeste do Rio Grande do Sul, conforme análise de Becker, tinham como objetivo concentrar os Kaingang dos caciques Nonoai, Fongue e Braga a fim de distribuir suas terras para os colonos alemães. Apesar de todas as guerras dos Kaingang para expulsar os brancos, os caciques foram vencidos um a um e aceitaram fixar-se nos aldeamentos definidos pelo governo, sob pena de serem exterminados, como de fato alguns o foram. Simultaneamente ao aldeamento, os territórios foram sendo ocupados pelas fazendas e a colonização nacional foi se consolidando nas décadas seguintes.

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Capítulo II – Tribo Kaingang Organização social e política A organização social do Kaingang no Rio Grande do Sul parece ter seus fundamentos na mitologia. Apresenta o grupo dividido em duas metades exógamas de linha paterna e subdivididas cada uma em dois subgrupos ou minorias. Essa crença orienta toda a vida do grupo através de normas ou tabus. Desde os primeiros anos de vida o Kaingang é colocado dentro da minoria a que deverá pertencer. A base social Kaingang se divide em duas metades: Kamé – ligado ao Oeste, ao sol, ao quente, seco e forte; e Kajrukrê (ou Kanhrukrê), ligado ao leste, à lua, ao frio, úmido e fraco. O mito conta que ambos criaram da cinza e barro os animais. Kamê fez as criaturas para combater: os pumas, serpentes, etc., e Kajrukrè fez os animais úteis, como as abelhas.

Família O índio Kaingang tem grande respeito pelas suas mulheres e, como no passado, a organização social de base é a família patrilinear, em geral monogâmica. A criança ao nascer, além de receber em português um nome, terá outro em kaingang, e este pode ser de um animal ou vegetal. Acredita-se que, de acordo com o nome recebido, a criança terá o comportamento parecido ao daquele ser. As atribuições do cacique e do vice-cacique envolvem tanto a representação da coletividade junto às autoridades do mundo dos brancos, quando as decisões sobre diversos aspectos da dinâmica interna. Para os Kaingang, de uma maneira geral, a autoridade política de seus caciques está diretamente relacionada à capacidade do cacique de bem representar sua coletividade. Para tanto, eles esperam que a autoridade de seus caciques ultrapasse os limites da Terra Indígena – é importante que a autoridade indígena seja também uma autoridade no “mundo dos brancos”. Perfil geral: ser honesto, ativo, enérgico e resoluto.

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Cosmologia e mitologia

Kairu Kamé Assimetria Sogro-Genro Complementaridade Avô-Neto

Marca clânica Os Kajrukrê e Kamê, cujas almas tinham ido morar no centro da serra, começaram a abrir caminho pelo interior dela. Depois de muito trabalho, chegaram a sair por dois caminhos: um aberto por Kajrukrê, onde brotou um lindo arroio todo plano e sem pedras; por isso têm os pés pequeninos. O outro, aberto por Kamê, levava por um terreno pedregoso onde machucou os pés, que incharam durante a marcha; por isso conservam os pés grandes até hoje. Pelo caminho que abriram não brotou água e, pela sede, tiveram de pedi-la a Kajrukrê, que deixou que eles bebessem o quanto precisassem. Os dois irmãos, Kamê e Kajrukrê, depois de deixarem a montanha, criaram o jaguar das cinzas e do carvão: depois a anta ou tapir, apenas das cinzas. O tapir, que possuía orelhas pequenas, ouviu que ele devia comer ervas e ramos, quando os seus Criadores tinham lhe dito para sobreviver de carne. Kajrukrê também fez o grande 17


tamanduá, o qual ele não teve tempo para terminar, daí sua boca sem dentes e sua língua que é somente uma pequena vareta posta às pressas por Kajrukrê em sua boca. Kajrukrê fez os animais úteis, entre eles as abelhas; Kamê as criaturas odiosas (os pumas, as serpentes, as vespas, etc.). Os irmãos resolveram matar os jaguares. Eles os fizeram ficar em cima de um tronco de árvore jogado dentro de um rio. Kamê empurrou o tronco e o fez flutuar na correnteza do rio. Alguns jaguares chegaram às margens e Kamê, assustado com o seu rugido, não ousou empurrá-lo novamente dentro da água. Foi devido à falta de coragem que os jaguares ainda existem. O povo de Kajrukrê e o de Kamê casaram-se entre si. Como os homens eram mais numerosos que as mulheres, eles uniram-se também com os Kaingang. A partir deste tempo, os Kajrukrê, os Kamê e os Kaingang passaram a se considerar parenteamigos.

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Ritual e xamanismo O centro da vida ritual entre os Kaingang é ocupado pelo ritual do culto aos mortos. Efetivamente, entre estes índios as etapas do ciclo de vida ou são objeto de rituais circunscritos ao ambiente doméstico (caso da nominação) ou não apresentam qualquer forma de ritualização (caso dos casamentos). O culto aos mortos, ao contrário, destaca-se não apenas pela importância atribuída pelos Kaingang, mas também por seu caráter comunitário e intercomunitário. As primeiras referências ao ritual do Kil-ikoi devemos a Curt Nimuendajú (1913) e a Herbert Baldus (1937), porém os registros sobre as beberagens que acompanhavam os funerais, nos quais era consumida a bebida Aquiqui remontam às primeiras décadas do século XIX. O mito sobre a origem dos Kaingang conta que eles nasceram da terra. Desse mito, podemos concluir que eles são filhos e filhas da terra, mostrando sua íntima relação com a natureza. Os Kaingang contam que sua origem foi assim: 19


“Em tempos idos houve uma grande inundação que cobriu toda a terra onde viviam os nossos antepassados. Só o cume de uma montanha ficou fora da água. Os Kaingang, Kajrukrê e Kamê nadavam na direção dela, cada um levando na boca um tição luminoso entre os dentes. Os Kajrukrê e os Kamê cansaram, afundaram nas águas: indo morar no centro da serra. Os Kaingang e alguns Kuruton alcançaram, com muito esforço, o cume da serra, onde ficaram, uns no chão e outros nos galhos das árvores, por falta de lugar. Ali ficaram uns dias, sem que as águas baixassem e sem comer. Já esperavam morrer quando ouviram o canto das saracuras, que traziam cestos com terra e jogavam na água, que começou a baixar devagar. Os Kaingang gritaram para que as saracuras se apressassem, diminuindo o canto e convidando os patos para ajudar. Em pouco tempo, chegaram com a terra ao cume, formando uma espécie de açude, por onde saíram os Kaingang que estavam no chão. Os que estavam seguros nos galhos das árvores se transformaram em macacos e os Kuruton em bugios. As saracuras tinham começado o seu trabalho do lado onde sai o sol; por isso, nossos rios e águas correm para o poente. Depois que as águas secaram, os Kaingang se estabeleceram perto da serra.”.

O sistema cosmológico comum é reconhecido e não houve impedimento com a dispersão de indígenas Kaingang pelos campos e matas de seu território tradicional. Ainda hoje, somando ao registro mitológico comum existente nos grupos Kaingang, os mesmos compartilham crenças e práticas originárias de suas experiências rituais. São expressões inegáveis de valor o profundo respeito aos mortos e o apego às terras onde estão enterrados seus umbigos – Qualidade relevante da cosmologia destes indígenas. As referências dos mitos Kaingang coletados por Borba (1882), Nimuendajú (1913) e Schaden (1956) não foram suficientes e poucos estudos e análise foram dedicados com exclusividade aos relatos feitos. Telêmaco Borba publicou em 1882, o primeiro registro da mitologia do povo Kaingang: o mito da origem do povo Kaingang e o mito da origem do milho. Kuiê, Xamã, Pajé: chefe espiritual, sacerdote, profetas, médico feiticeiro. Adivinhador e encantador. Na pajelança, o Kuiê consulta seu “espírito companheiro”, e este lhe indica o remédio adequado ao doente ou, quando é o caso, ajuda o kaiê a encontrar a alma que se despegou do corpo do doente.

Arte e cultura material A riqueza das artes e da cultura material Kaingang são os relatos de viajantes e pesquisadores do passado descritos e anotações em relatórios de suas excursões em territórios ocupados pelos indígenas. Os índios fabricavam armas de guerra e de caça, 20


tecidos de fibras de urtiga brava, talas de caraguatá, cestos de taquara de vários tamanhos e formas para fins diversos, enfeites e adornos e utensílios de cerâmica e porongos (cabaças).

1 – Armas As principais armas de guerra constituíam-se em arcos (uy), flechas (dou) e lanças (urugurú). As pontas das flechas eram de ossos de macaco bugio (gôg) e mico (kajér), mais tarde, passaram a ser de ferro obtido dos brancos. Os arcos eram feitos de pau de arco (Tabebuia Chysantha). Antes da aquisição do ferro os Kaingang “forjavam o bastão do arco em forma de curva, friccionando-o com pedra arenosa e com lâminas de pedras, e o alisavam com as ásperas folhas de umbaúba, aquecendo-o depois contra o fogo e untado com gordura”. (Métraux, 1949). Ainda segundo Métraux, as clavas dos Kaingang no Paraná eram bastões curtos e cilíndricos, recapeados com trançado. Os índios decoravam as clavas com gravações a fogo e cada adulto masculino possuía um estojo de cestaria. Atualmente, os Kaingang fabricam arcos e flechas apenas como enfeites como souvenir à venda no mercado.

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2 – Instrumentos musicais

Entre os instrumentos musicais dos Kaingang, Borba (1908) cita os seguintes: buzinas de chifre de boi ou taquara (oaquire), flauta de taquara (coqué), maracás (xii; xik-xi), apitos de taquara e outros instrumentos de taquara fina encabada em uma cabaça furada nas extremidades (õtõrêrê). Encontramos quase todos esses instrumentos na TI – Terra Indígena Chapecó-SC, durante as cerimônias do kikikoi (ritual dos mortos). Nas festas profanas atuais encontramos músicos Kaingang que aprenderam a tocar violão, acordeão e até guitarra elétrica.

3 – Festas Os caingangues sempre apreciaram muito as festas. Elas têm o poder de congregar pessoas e, portanto, articulam a vida social. Antigamente, as principais celebrações eram a festa do kiki e a festa do emi. A Festa da Kuiã (ou queima de ervas) ocorre de duas a quatro vezes por ano em agradecimento às curas atendidas, nesta festa somente comparecem os convidados pela kuiã.

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4 – Grafismo

Pesquisas recentes sobre grafismo Kaingang realizados pelo antropólogo Sérgio Baptista dos Santos (2001, NIT-UFRGS) vêm revelando aspectos etnográficos importantes, aqui apresentados de forma sintética. Os grafismos aparecem em grande variedade de suporte como trançados, tecidos, armas, utensílios de cabaça, cerâmica, troncos de pinheiros e nos corpos dos Kaingang. Os trançados revelam formas e grafismos relacionados à cosmologia dualista dos Kaingang, evidenciando a organização simbólica dos mundos sociais, natural e sobrenatural em metade kamé e kairu. Téi ou ror são os nomes das marcas (ra) ou grafismos (kang gãr) que identificam, respectivamente, as metades kamé e kairu. 23


5 - Artesanato

Em grande parte das terras indĂ­genas, o artesanato (cestos de taquara, balaios de cipĂł, colares com sementes, filtro dos sonhos, arcos e flechas de madeira) ĂŠ sempre uma 24


fonte de renda dos moradores. As peças produzidas são vendidas em centros urbanos ou nas cidades litorâneas durante os meses de verão. Além de ser uma atividade econômica, o artesanato proporciona momentos importantes de convívio social, pois articula, em suas tarefas, a unidade familiar.

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Língua Os linguistas identificam dois troncos no caso das línguas indígenas: o MacroJê e o Tupi. Cada um deles reúne cerca de meia dúzia de famílias, mas abrangem menos da metade das línguas indígenas no país. A língua kaingang é uma das línguas com maior número de falantes entre as línguas indígenas do Brasil. O povo Kaingang está espalhado em dezenas de áreas indígenas ao longo dos três estados do Sul do Brasil e interior de São Paulo, totalizando mais de 25 mil pessoas. Conservaram o seu idioma nativo ao lado de um português mal falado, cultuam a memória dos seus antepassados.

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Alimentação No passado os Kaingang tinham quatro fontes importantes de alimento: Coleta – Os pinhões eram importantíssimos na dieta Kaingang, mas também o palmito, muitas frutas do mato (guabiroba, guamirim, jabuticaba, pitanga, ariticum, etc.). As verduras do mato são diversas: o “fuá”, que chamamos de “maria preta” ou “erva moura” (fuva); o “kumi”, que é a folha da mandioca brava, preparada com três fervuras para perder o veneno, e depois frita em gordura; o broto de abóbora (conhecida pelos brasileiros por cambuquira); o”ndâr”, que é broto de bromélia; e outras. As muitas qualidades de mel de abelhas “indígenas” (abelhas da América, não européias, e que são abelhas sem ferrão). É importante registrar que do pinhão também se fazia farinha. Além disso, como os pinhões também alimentavam os animais, o período de queda dos pinhões (entre abril e julho) lhes dava também muita caça gorda. Os Kaingang conservavam os pinhões na água (era o chamado “pinhão õkór”) recorrendo a eles quando já não havia pinhões nos pinheiros. Isto prolongava o período de fartura dos pinhões.

O pinhão podia ser cozido (eles faziam panelas de barro) ou assado, sapecado sob as grimpas secas de pinheiro. E com o pinhão, o milho e também com o mel, costumavam fabricar cervejas (bebidas fermentadas). Coletavam também a erva-mate, que precisava passar por um preparo para o uso como chimarrão. O hábito do chimarrão é multissecular entre os Kaingang. Muita gente costuma associar o chimarrão com os Guaranis, porque os espanhóis tomaram conhecimento dele através desses índios, mas o chimarrão é uma invenção dos Kaingang, que são muito anterior aos Guaranis na região Sul do Brasil.

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Os Kaingang consomem muita coisa que vem de fora, e muitos produtos industrializados. A base da alimentação da maioria ainda é o feijão, acompanhado de arroz. Pessoas mais antigas ou em comunidades mais tradicionais costumam comer feijão com canjica de milho. A maioria das famílias Kaingang compra carne, embora muitos tenham porcos e galinhas de criação, e muitos já consomem carne de gado, coisa que há cerca de 50 ou 60 anos era pouco comum. O chimarrão é um hábito que se mantém e hoje cria a necessidade de comprarem a erva mate. O consumo de macarrão e bolachas atualmente é muito grande. São as mudanças em seus hábitos alimentares que tornam a obesidade, a hipertensão e a diabetes, problemas de saúde comuns entre os Kaingang. Caça – Usavam muitos tipos de armadilhas, mas também caçavam com arco e flecha. As principais carnes de caça eram as antas, os porcos do mato e queixadas, os veados, as capivaras, as pacas, as cotias, tatus e vários pássaros. Não comiam carne de macaco (como alguns outros povos indígenas fazem). Pesca – Em certo período do verão, com os peixes já grandes (fora de época de desovas), eles iam para a proximidade de um grande rio (antigamente as aldeias não eram construídas à beira de rios grandes) e lá pescavam e defumavam peixes para levar para a aldeia. Usavam a técnica do Pari, uma armadilha de colocar nas corredeiras, feitas de taquaras.

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Agricultura – Antes da chegada dos brancos, os Kaingang tradicionalmente plantavam milhos (algumas variedades), feijão (um tipo de feijão fava) e morangas.

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Dos alimentos mencionados, acrescentavam os que faziam o “~em~i”, que é um bolo de milho assado sob as cinzas de chão. Havia duas variedades desse bolo de milho, uma feita com milho verde, e outra feita com milho duro colocado na água por alguns dias.

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Com o milho faziam uma farinha chamada “pixé” na escrita “pisé”, ótima para comer com o “kum~i”. Entre as variedades de milho, eles conheciam já a pipoca.

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População Estima-se uma população Kaingang de 25.875 pessoas vivendo em 32 TI Terras Indígenas (Fumasa, 2003). Localização de aldeias:

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Capítulo III – Terra indígena Por Fi Gá A Terra Indígena “Por Fi Gá” tem a origem e significado: “Por Fi” é o nome dado a um pássaro que comunica os guerreiros Kaingang sobre as feras da Mata. O “Gá” quer dizer território. O local atual da aldeia era o território desse pássaro tão importante para os Kaingang. A grande maioria das famílias migrou, há cerca de 15 anos, de diferentes regiões do Estado. De modo especial, do planalto, onde há a maior concentração populacional do povo Kaingang. A terra é a grande mãe. Ela que dá a vida, dela vêm os Kaingang. A terra deve ser tratada com todo o respeito, sem agrotóxicos e com o uso de técnicas de preservação do solo, mantendo as árvores nativas e conservando as fontes sem poluição. No território indígena, a terra é de uso coletivo, sem cercas nem divisórias nos terrenos de suas casas individuais. O pátio é o espaço coletivo e da convivência de seus ocupantes. O território da aldeia é um espaço coletivo.

Localização e estrutura Endereço: Estrada do Quilombo – Feitoria, São Leopoldo/RS.

Google Maps – Junho/2015

Suas casas estão construídas em um pequeno espaço de 2,5 hectares doados, após muita luta, pelo governo municipal. Hoje a reserva possui a documentação oficializando a área de proteção emitida pelo Ministério da Justiça – Fundação Nacional do Índio.

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Os Kaingang enxergam o seu território como uma grande terra de todo o povo. O ir e vir em seu território sempre foi uma constante prática e não há cobranças, tampouco percebem, até onde vai a área pertencentes de um ou de outro grupo de famílias indígenas. O objetivo dos deslocamentos de sua origem foi vender artesanato na região metropolitana de Porto Alegre. A ocupação da área destinada às famílias Kaingang, inicialmente com a presença de 12 e, atualmente conta com cerca de 42 famílias na aldeia, com média de 5 integrantes em cada família. Assim, ao todo, na aldeia, hoje vivem 210 pessoas, mas constantemente novas famílias migram para o local. Essa realidade de migração é identificada também pelo senso IBGE 2010[i] que aponta que 36,2% da população indígena no Brasil reside atualmente em áreas urbanas. 35


A discriminação dos índios que migram para a cidade é muito evidenciada pelos Caciques da Tribo: “quando chegamos aqui, o Prefeito chegou pra mim e disse – índio, teu lugar é no mato e eu disse, e teu lugar é na Itália de onde não deveria ter saído”. Existe, portanto a hegemonia de uma cultura sobre a outra que julga e hierarquiza, delimitando os lugares dos merecedores ou não da ocupação de determinados espaços. Contudo, para o índio, essa lógica é inversa, conforme destaca o Vice-Cacique Josiel de Oliveira, “a cidade do homem branco avançou nas Tribos, por isso, nós, hoje, andamos nas periferias e somos chamados de maconheiros e ladrões.” A fonte de renda da Tribo é o artesanato, dentre eles, a confecção de balaios, cestas e filtro dos sonhos, vendidos nas feiras, nas ruas e nas calçadas das cidades. Contudo, marginalizados, praticamente não existe infraestrutura para o desenvolvimento das atividades. Ficam jogados nas calçadas, onde são vistos como indigentes. Após muita resistência, o grupo conseguiu, em Canoas, um espaço mais digno para a comercialização de seus produtos que também é sazonal. Atualmente, todas as famílias são cadastradas no Programa federal Bolsa Família e são acompanhadas por uma Agente de Saúde da própria Tribo, capacitada para tal. Contudo, conforme os Caciques, as famílias são beneficiadas pelo PAA – Funai (Programa Alimentar) somente a cada três meses. Em visita à Tribo, ficou evidenciado que há ali um grupo étnico marginalizado, de povo historicamente excluído, roubado em suas terras desde 1.500. Povo este que cedeu conhecimentos e terras que muitos de nós usamos para viver sem pagarmos nenhum direito e que mantém, desde suas origens, toda a cultura, costumes, tradições religiosas, hábitos alimentares, idioma e um modo de ser vinculado a terra e à natureza. Os problemas e desentendimentos entre eles são julgados pelos próprios líderes e as punições ocorrem na própria cadeia da Tribo. A água para consumo é retirada da nascente e, por isto, preservada. Possuem religião própria, a pajelança. Entretando, os caciques permitem que outras religiões tenham um espaço de pregação na Tribo, na medida em que o pregador seja um índio.

Escola Comunidade Indígena Por Fi Gá A tribo preserva sua língua através da escola local, Escola Comunidade Indígena Por Fi Gá, na qual as crianças e adolescentes são alfabetizados em português e kaingang. A língua kaingang é uma das línguas da família Jê, integrante do tronco Macro-Jê. Segundo o Professor José Ninsu Salles, da Tribo Kaingang Por Fi Gá, Caa significa mato e Ingang, morador, ou seja morador no mato.

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Professor Josme Fortes com alunos e o historiador Demétrio Leite

Nessa escola permanecem até completarem o quinto ano. Posteriormente, seguem os estudos em escolas do município. Um dos grandes problemas neste período é a evasão escolar, uma vez que, conforme os próprios adolescentes relatam, são vistos com preconceito nas escolas que passam a frequentar. Os indígenas que conseguiram ultrapassar essas barreiras chegaram a cursos técnicos e faculdade, como é o caso de uma Auxiliar de Enfermagem, Assistente Social e o Professor Josme Fortes que atualmente cursa pedagogia. Abaixo algumas imagens do documentário O Canto da Tovaca, com expressões em kaingang com traduções para o português:

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Segundo o Cacique Antônio Santos, a comunidade incentiva o estudo, ainda que a maioria dos índios atuem na venda do artesanato, pois através dos estudos conseguem se qualificar para trabalhar para a própria comunidade.

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Lideranças Locais Abaixo, as lideranças da Tribo Kaingang Por Fi Gá:

Antônio dos Santos, cacique a partir de maio/2016.

Nêtañ (Mata verde) - José Vergueiro, cacique até abril de 2016, ocasião em que foi gravado o Documentário O Canto da Tovaca e coletados os depoimentos. 39


Kokai (Alecrim) - Alcides Antonio Pereira

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Capítulo IV – Quando as TRIBOS se encontram: experiência do projeto Tribos em Cena na Tribo Por Fi Gá

Contato Inicial A Tribo Kaingang Por Fi Gá possui sua aldeia em São Leopoldo onde sobrevive de artesanatos e mantém a cultura passada oralmente. O Cacique aceitou participar do Projeto e, com muita satisfação, quis compartilhar sua cultura com os alunos da rede pública, através da realização de oficinas de artesanato, contação de histórias e lendas de seu povo, conhecimentos sobre meio ambiente, de doenças e formas alternativas de curas que eles utilizam, bem como formas de acampamento, meios de viverem coletivamente, ressaltando o respeito mútuo e regras comuns. Sendo aceito o registro desta vivência, verificou-se a importância da elaboração de um documentário e de um livro resgatando a história da Tribo, desde seu passado até a forma como vivem nos tempos atuais, como enfrentam as drogas, vícios, problemas juvenis e, sobretudo, sua relação com o meio ambiente. O sentimento do vice-cacique Josiel de Oliveira registrado neste livro, sobre a cidade do homem branco ter avançado nas Tribos, veio ao encontro do curta PAJERAMA utilizado no início do Projeto Tribos em Cena, provocando a reflexão acerca da realidade sociocultural e ambiental que envolve a sociedade não indígena e as comunidades indígenas. Esta aceitação da Tribo Por Fi Gá de participação, encontros e apoio oportunizou aos demais integrantes do Projeto a realização de uma leitura crítica interdisciplinar sobre nossa realidade histórica.

Comunidade Kaingang adere ao Projeto Tribos em Cena O cacique da Tribo Kaingang, José Vergueiro, recebeu a faixa do projeto "Tribos em Cena: Desenvolvimento Sustentável com Atitude", que foi colocada na parede da escola da comunidade indígena. Os primeiros passos são dados para início do planejamento conjunto.

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Participação no Lançamento do Projeto

A CICS/Parceiros Voluntários de Canoas apresentou no dia 29 de abril de 2015, no Auditório do Prédio 11 da ULBRA – Universidade Luterana do Brasil, o projeto “Tribos em Cena” contemplado na Seleção Pública Comunidades do programa Petrobras Socioambiental. Desenvolvido com dez escolas de Canoas e cinco de Esteio, tem a participação da Tribo Kaingang de São Leopoldo e buscou oferecer às crianças e adolescentes a vivência em espaços naturais, incentivando a pesquisa sobre os problemas socioambientais de suas cidades. Na ocasião foram assinados os termos de cooperação e cada escola integrante do projeto foi presenteada com os símbolos natural (uma muda de árvore nativa de araçá entregue pela Diretoria de Responsabilidade Social da CICS) e social (o filtro dos sonhos entregue pelo Cacique Por Fi Gá). A Tribo Kaingang realizou exposição de seus objetos culturais e apresentação artística no evento. Destaca-se aqui a simbologia do Filtro dos Sonhos como representação social do Projeto Tribos em Cena. Este artigo bastante presente no artesanato indígena é um amuleto feito com aro de cipó ou galho de salseiro, decorado com fios e penas coloridas, dando o formato de uma teia. Com vários significados e lendas envolvidas, trazemos o da representação do círculo da vida, espaço infinito de possibilidades, e a teia resultante da arte, o filtro de proteção das forças ruins, e forma da criação e manutenção da harmonia, um sonho de todos e grande necessidade social dos nossos tempos. Pelo projeto, pendurados nas escolas, reunindo sonhos, mantém-se a lembrança do compromisso conjunto em busca da harmonia socioambiental.

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Exposição de filtros dos sonhos na Tribo Kaingang

Oficina de Cinema na Comunidade Por Fi Gá

No período entre 27/04/2015 e 04/12/2015, 12 crianças e adolescentes indígenas entre 10 e 18 anos participaram com o educador e ator Erberti Sória de 35 encontros de oficinas nas tardes das segundas-feiras, das 15 às 17 horas, no turno inverso aos estudos escolares, que resultou na construção de um documentário sobre a tribo do ponto de vista dos adolescentes. Os encontros aconteceram no espaço comunitário da Reserva e na escola local onde as crianças são iniciadas na escrita de sua língua No primeiro encontro foi apresentada a proposta e realizada a inscrição dos interessados. Ao longo das oficinas, trabalharam-se atividades como: construção de confiança no grupo, a importância da liberdade artística, conhecimento dos materiais cenográficos, de desinibição, de consciência corporal e expressão, dicção e oratória, improviso e jogos cênicos, técnicas de fotografia, etc.

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A partir do exercício e vivência da manipulação do material audiovisual, onde os adolescentes registravam os encontros, surgem as necessidades e possibilidades para o desenvolvimento do tema do documentário. Em determinados momentos, o grupo saía pela reserva a filmar e fotografar o espaço e as cenas que achavam interessantes, para que, nas aulas seguintes assistissem ao produzido e o avaliassem. A partir daí teve início a criação do roteiro e estrutura do filme, que contou com a participação do professor da Reserva, separando o grupo por áreas de interesses.

Percebeu-se no grupo uma grande timidez, porém as produções aconteciam a seu ritmo. O educador sentiu dificuldade de compreensão da sua linguagem, colocando que o diálogo não era uma ferramenta eficaz para a abordagem, e preocupou-se em utilizar exemplos de cena no sentido de não restringir a formulação e a criatividade dos adolescentes.

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Surgiu o interesse de desmistificar a figura do índio tal como ela é ensinada nas escolas, indo ao encontro da proposta do Projeto Tribos em Cena, com a aproximação dos “fog” (não índios) da sua realidade. Neste sentido foi oferecido um encontro deste grupo com o grupo de alunos que estavam realizando a Oficina de Cinema na cidade de Esteio, deixando-os muito satisfeitos com a vivência. O educador utilizou uma variedade de técnicas e atividades práticas e lúdicas para movimentar a produção e o conhecimento.

Integração com alunos da Oficina de Cinema em Esteio

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Documentário: "O Canto da Tovaca" “O Canto da Tovaca” é resultado de um ano de trabalho, convivência e troca de conhecimentos entre a Oficina de Cinema e a Comunidade Reserva Indígena Por Fi Gá, de São Leopoldo. No ano de 2015, a Oficina de Cinema, juntamente com a instituição Parceiros Voluntários de Canoas, realizou um trabalho de descentralização do audiovisual, levando o Cinema à reserva indígena Kaingang Por Fi Gá, em São Leopoldo. O projeto em questão é resultado do edital Petrobras Socioambiental 2015/2016, onde o projeto Tribos em Cena Desenvolvimento Sustentável com Atitude foi aprovado e financiado. O lançamento ocorreu na Semana do Índio em abril de 2016, durante a visita das Tribos em Cena na comunidade indígena em São Leopoldo, que recebeu o material para auxiliar na divulgação de sua cultura.

O Documentário de 26 minutos nos dá a oportunidade de abrir nossos horizontes e enxergar além do que os livros de história nos contam. Pode ser assistido pela internet, acessando o link https://vimeo.com/162026341.

Depoimento do Educador Oficineiro sobre a Oficina de Cinema e a criação do Documentário Meu primeiro contato com a tribo Kaingang foi em 2014, quando fomos apresentar a proposta de trabalho do projeto Tribos em Cena, e em especial da Oficina de Cinema que aconteceria durante o primeiro ano do projeto, com adolescentes da reserva. Antes disso, eu como muitos outros, e talvez a maioria dos gaúchos e brasileiros, era um completo ignorante no assunto, não que hoje eu seja um expert, mas até aquela altura, minha visão era completamente limitada por aquilo que nos ensinam nas escolas, um folclore, sem fundamento e completamente genérico do que realmente é

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a cultura indígena, essa, claro, é a minha visão dos fatos, e por ela assumo as responsabilidades que me couberem pelos comentários que virei a fazer neste relato. Naquela conversa, já tivemos muitos esclarecimentos, de pequenas coisas, porém, que são vistas por um ponto de vista tão diferente, que passam a ser completamente novas, que possibilitam uma completa reflexão acerca de temas pra nós corriqueiros e tradicionais. Não vou me ater a isto, pois a experiência que tive não se restringe a esse único encontro, foram muitas as diferenças que, ao longo do processo da Oficina de Cinema, foram brotando em meus olhos, e me levando cada vez mais distante daquela visão que a escola tinha me ofertado. Entrando então no processo da Oficina de Cinema em si, combinamos um encontro, onde o cacique traria todos os jovens da aldeia, entre 15 e 18 anos, esse era o nosso público alvo naquele momento, para que nós fizéssemos uma abordagem, explicando a nossa proposta para aquele ano de trabalho e para que pudéssemos inscrever até 15 daqueles jovens. Num primeiro momento, eles se mostraram muito tímidos, aliás, no primeiro e em todos os outros momentos que vieram depois. Mas enfim, para que esse relato não fique tão solto, preciso voltar um pouco no tempo, explicar o que uma Oficina de Cinema poderia oferecer para aqueles jovens indígenas Kaingang. Tínhamos em mente, duas propostas, a serem realizadas ao longo do processo, a ideia inicial era produzirmos um documentário, não do meu ponto de vista, ou do ponto de vista do cacique, mas sim do ponto de vista dos jovens, índios. Afinal, as prováveis dificuldades que eles enfrentam estão no nosso imaginário. Digo que estão em nosso imaginário porque obviamente não podemos sentir o que eles sentem cotidianamente, mas podemos imaginar. E não é que eu imaginei tudo errado? Bom, depois entro neste mérito. A segunda proposta era que eles fizessem um roteiro ficcional e produzíssemos juntamente, já que a Oficina de Cinema sempre possibilita que todos os participantes passem por todas as etapas da confecção do filme, sem obrigação de fazer aquilo que não se quer, mas que todos tenham a vivência da escrita, da atuação, da direção e assim por diante. Neste processo, para nós da Oficina de Cinema e do Coletivo OdC, sempre prezamos pela construção de um grupo confiante entre si, já que, para formar um ambiente criativo, antes de mais nada é necessário expor-se, dar-se, opinar sem medo de errar, pois o erro faz parte da construção. Essa é uma das primeiras palavras que abolimos ao decorrer da construção de grupo, "certo e errado" não existem na arte, falamos sempre em adequado ou inadequado, pois artisticamente podemos e devemos nos expressar da forma mais livre possível, para que, o que há de mais profundo em nós toque aquilo que há de mais profundo no público. A Oficina de Cinema conta com uma equipe multidisciplinar que inclui uma parte técnica, orientada por Thieli Macedo Viana, tecnóloga em produção audiovisual pela PUC/RS; Rosane W. Lucena, psicóloga cofundadora da Oficina de Cinema formada pela Unisinos e orientadora pedagógica do projeto; Erberti Sória, Cineasta, Roteirista, Diretor e Ator, entre outros. 47


Iniciamos a Oficina com cerca de 17 alunos, todos índios Kaingang da reserva. Nos primeiros dias, já notamos algumas dificuldades que encontraríamos. É absolutamente frustrante se sentir estrangeiro tão perto de casa, em um espaço de quatro hectares aproximadamente, no meio de uma cidade urbana, a pouquíssimos quilômetros do centro de São Leopoldo. Tínhamos a primeira barreira, a da língua, pois eles não falam o português com a mesma fluidez de raciocínio que a língua mãe, o kaingang, então todas as piadas que eles faziam durante os encontros, ficávamos completamente sem entender, nos olhávamos e perguntávamos pra eles do que estavam rindo, sendo que na maioria das vezes não adiantava nada a nossa tentativa de entrosamento. Apesar da frustração, isso nos instigava ainda mais a tentar nos aproximar. Percebemos, então, que as crianças, em sua grande maioria, falava única e exclusivamente o kaingang, o que imediatamente justificava o porquê eles não faziam questão de falar português, a língua natural deles não é a mesma que a nossa e isso muda tudo. Ao longo das semanas, mesmo não tendo chegado até nós nenhuma reclamação, ou queixa, percebemos que estávamos perdendo público. Claro, isso é normal em qualquer turma, alguns saem, outros querem entrar, mas os motivos é que preocupavam mais. Muitos dos jovens não iam aos encontros, não por não estarem gostando, mas sim porque tinham que trabalhar, tinham outros compromissos, algumas vezes até dentro da aldeia mesmo, por várias vezes vimos alunos que estavam lá, mas não iam participar das aulas, o que nos leva à primeira questão mais profunda no meu ponto de vista. Pensemos por um momento: porque vamos à escola? Por que fazemos cursos? Por que buscamos uma profissão? Essa questão parece simples, até idiota talvez, mas a resposta é bastante complexa. Quando se põe em outro contexto ideológico de vida, afinal, cansamos de ouvir quando jovens: Você tem que estudar para ser alguém. Hum, opa, então eu sou ninguém agora? Como assim? Os índios, e o pouco convívio que tive com eles neste ano, me mostraram que nós, brancos, ou não índios, estudamos para ir pra faculdade, vamos para faculdade para ter um bom emprego, queremos um bom emprego para termos dinheiro, e com dinheiro, vamos comprar coisas. Pois muito bem, descobri que não existe tradução para o kaingang da palavra "ambição", isso fica claro no documentário que produzimos, na fala do cacique, quando ele se refere à terra como a MÃE de todos. "(...) E se a terra é a mãe de todos, não podemos vender nossa mãe". Nas palavras do Cacique José Vergueiro, isso traduz um pouco da dificuldade que a maioria dos índios adolescentes enfrenta em ir para a escola depois do 5° ano, já que a escola dentro da reserva só vai até essa série. Não há motivação cabível para um índio que não tem interesse em acumulo de riqueza continuar estudando, enfrentando todos os olhares atravessados e estranhezas que por eles sobre cai. Portanto, o conhecimento que a eles interessa, é único e exclusivamente aquele referente às suas necessidades básicas. Ainda sobre esta reflexão, já percebi muitas vezes nas pessoas que passam pelos centros das cidades onde os índios estão expondo o seu artesanato para venda, certo olhar de pena, como se ali os índios estivessem abandonados, à margem de uma subsistência imposta por condições desfavoráveis, claro que, a situação dos índios no Brasil, em particular os Kaingang que convivemos, está longe de ser a ideal, porém, a 48


opção pelo artesanato, é de fato uma opção. Os índios se orgulham do que fazem, e fazem com muito esmero, existe, em todo o processo, um ritual que reconecta os índios com suas origens, seu costumes, e sabendo então, que para eles o acúmulo de riqueza nada mais é que uma invenção nossa (dos brancos), a venda do artesanato não é apenas uma necessidade por falta de opção, é uma escolha que para eles é o suficiente para a subsistência, uma atividade que envolve toda a família e principalmente, mulheres e crianças. Em um dos discursos do Cacique na época, lembro-me dele ter dito que nós jamais seriamos roubados por indígenas nas ruas, porque eles aprendem o artesanato desde sedo, o que gera renda e é o suficiente para eles viverem, fui então atrás da confirmação dessa informação nos órgãos de competência da segurança pública do estado do Rio Grande do Sul, infelizmente, não existe esse dado preciso, já que eles não descriminam raça como indicador de violência, somente cor da pele consta no sistema, mas pela conversa que tive com alguns entes próximos que trabalham na área, de fato, me confirmaram que o número de índios no sistema penitenciário estadual é mínimo, quase inexistente. Durante as minhas inúmeras tentativas, quase todas frustradas, de falar kaingang, nos divertimos muito. Fomos além do que esperávamos na relação com os alunos. Depois de um inicio difícil, de inúmeras dificuldades, de mudanças de horários, de público, enfim, conseguimos dar fluidez no andar da Oficina. Passamos então a ministrar aulas de interpretação, de criação de roteiro, noções básicas de direção de cena, direção de arte, e assim por diante, mas o tempo foi escasseando, e ainda não tínhamos nenhum produto audiovisual desenvolvido. Foi quando decidimos, juntamente com a coordenação do projeto, interferir mais profundamente no processo, e propomos alguns temas para o documentário. Dividimos em equipes, onde cada equipe ficava responsável por um tema, o que foi sem dúvida uma ótima opção, pois alguns desses temas tornaram-se esclarecedores até mesmo para os alunos. Creio ser de relevância, também, lembrarmos que os índios Kaingang são uns dos poucos que permitem a entrada de brancos na reserva, as tribos Charrua, por exemplo, não permitem. Vale comentarmos que os índios eram coletores e caçadores, nunca foram agricultores, segundo a fala do cacique, porém, nos tempos atuais, não existe a possibilidade deles viverem do que coletam e muito menos do que caçam. Posto isso, pensemos em como adaptar-se aos dias de hoje, manter a cultura, a língua, suas raízes? Esse é o grande desafio dessa e de todas as outras aldeias indígenas, que vivem à margem de uma sociedade que as ignora, que não valoriza e sequer conhece suas ideologias, seu modo de vida, e pior, repudia como se eles fossem menores, menos "evoluídos", quando no fundo, pode ser absolutamente o oposto. Como é ser um jovem indígena hoje? Essa era e é uma das grandes questões que queríamos trabalhar, no entanto, não foi fácil, tirar alguma conclusão dos alunos, como não é fácil tirar esse tipo de reflexão de nenhum aluno adolescente de uma "escola convencional". Quais os seus propósitos? Quais os seus ideais de vida? Com muitos dos 49


jovens, tivemos algumas respostas bastante "comuns". Quero ser jogador de futebol. Quero ser médico. Quero ser professor. Mas todos com enfoque em trabalhar na comunidade, ou para a comunidade, nunca deixando de lado suas origens. No meio de um turbilhão de informações, de músicas, redes sociais, a resistência indígena passa por desafios cada vez maiores. Ao passo que a ignorância se alastra na sociedade e nas políticas públicas, eles tentam se equilibrar nessa corda bamba de resgate, resistência e adaptação ao meio, um desafio e tanto, mesmo para as culturas mais conservadoras como a alemã ou a italiana, que resistem em algumas cidades do nosso estado, mas essas culturas são celebradas com orgulho, mesmo para quem tem só uma reminiscência de sua origem. Já o índio celebra uma vez por ano o ato de resistência de quem foi invadido, colonizado, explorado, catequizado, violentado, dizimado, e ainda sim, não tem seus direitos mais básicos garantidos, nem pelo estado, e nem pelos cidadãos que para eles olham com desprezo. Ao longo da produção do documentário, fomos entrevistando pessoas indicadas pelos alunos, fizemos a comida típica, falamos sobre o casamento e o namoro durante a adolescência, eles explicaram o processo da colheita e preparação da matéria prima para a confecção do artesanato, e para cada um desses e de outros temas abordados, fomos percebendo as dificuldades de se manter a cultura viva, sem excluir-se do mundo moderno. Um dos alimentos preferidos dos índios, por exemplo, é uma erva que segundo eles é tão nutritiva quanto a carne, porém, devido à falta de conhecimento dos não índios, fica cada vez mais difícil achar o kumi, ou mandioqueira brava como chamamos, na natureza, assim como o bambu adequado para o feitio das peças artesanais. Detalhe que esta erva que mencionei é venenosa, seu preparo deve ser cuidadoso com no mínimo três fervuras para tirar qualquer perigo de intoxicação, mas posso dizer com tranquilidade que, além de muito gostosa, não me senti correndo nenhum risco ao comê-la, até porque fiquei sabendo que ela era venenosa depois, em casa, durante uma pesquisa para lembrar como escrevia corretamente em kaingang. Muitas coisas me chamaram a atenção e destaco, entre elas, as várias vezes que chegamos para os nossos encontros e eles estavam almoçando às dez horas da manhã. Primeiramente me pus surpreso, mas claro, que não perguntei nada, isso seria no mínimo deselegante. Depois, durante uma conversa informal entre uma gravação e outra com o ex Cacique Darci (sim, existe ex Cacique, não sei muito sobre esse assunto então não vou me atrever a falar sobre isso), ele disse que índio come quando tem fome, dorme quando tem sono e bebe quando tem sede, e pronto, achei isso tão fantástico e tão distante do que vivemos hoje. Muitas vezes comemos porque só temos aquele horário para comer, dormimos porque temos hora pra acordar, não bebemos pra não ter que ir ao banheiro no meio do trabalho, enfim, uma visão simples e oposta a nossa rotina tão frenética, que mostra uma relação mais humana consigo, um respeito singelo pela percepção de si e nada mais. Ainda durante as gravações tivemos inúmeras revelações, mas talvez o segundo destaque seja pela maneira como as crianças são criadas dentro da reserva, de uma maneira livre, quase sempre de pés no chão, jogando bola, taco, sujando-se de 50


terra, mas desde quando terra virou sujeira? Lembre que no relato do cacique a terra é a mãe, e se a terra é mãe, mal ela não faz, pelo contrário, faz bem, abraça, acolhe, diverte, e por isso, muitas vezes nossos olhos toscos, quando passam pelos índios na rua, ousamos julgar que eles estão sujos, sujos de terra? Não, para eles a terra não é sujeira, terra é vida. De qualquer maneira, me sinto na obrigação de desfazer pelo menos um dos folclores mais genéricos que aprendemos no colégio: Não, os índios Kaingang não andam nus. Eu sei que é decepcionante para alguns, meu filho de nove anos, na época, ficou chocado de ver os índios, com casas, TVs, celulares, carros, e roupas, sim, roupas, afinal, a aldeia com a qual tivemos este convívio não existiu desde sempre. Pelo contrário, foi conquistada com muita luta, que está registrada no livro Por Fi Gá HISTÓRIA DA TOVACA*. Esta reserva foi fundada em 2007, portanto, a retomada dos índios aos seus lugares de origem passa antes pelo fato de que eles foram expulsos, por motivos diversos, ficaram por muitos anos dispersos pelo estado do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná principalmente, e agora, há poucos anos, iniciam um reagrupamento para resgate, fortalecimento e repovoamento. Portanto, estamos falando de índios urbanos, não sei se essa nomenclatura existe, mas se não existe precisamos pensar a respeito, não há possibilidade de o índio voltar a viver como vivia e não há motivo razoável para que eles abandonem as suas raízes culturais. Então, de que maneira, adequar-se? Vejo a reserva indígena urbana hoje como um grande gueto, onde poucos querem refletir sobre, alguns querem falar a respeito, ninguém quer ver, mesmo sendo inevitável e temos, aí, mais um de tantos exemplos de desperdício do que há de mais valioso no mundo, o conhecimento empírico de tantas gerações, o material humano/cultural que se funde e se perde, em uma "idade média moderna" da ignorância. É importante lembrar, que estes relatos são recortes de impressões que tive/tivemos, e claro, estão totalmente abertos a discussões e debates. Não são pontos de vistas definitivos ou conclusivos, e sim, um pouco do que sentimos/entendemos desse pouco convívio que nos foi permitido pelo Projeto Tribos em Cena, a quem agradecemos imensamente, em especial na pessoa de Jeane Kich, coordenadora da ONG Parceiros Voluntários Canoas, que acreditou na possibilidade da Oficina de Cinema como parte do desenvolvimento do sujeito contemporâneo dentro de um projeto socioambiental e nos acolheu dando total respaldo para o desenvolvimento das atividades por nós propostas. Dou fim a este relato, mas espero não dar fim a este assunto, que tanto me instiga e acrescenta e espero ter feito o mesmo com você, caro leitor. Erberti Sória Cineasta, Roteirista, Diretor e Ator Coletivo OdC

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Visita das Escolas do Projeto Visando qualificar o potencial de intervenção dos 450 alunos de escolas dos Municípios de Canoas e Esteio e dos índios da Tribo Kaingang, de acordo com as suas realidades e habilidades, no que tange a participação nas atividades oferecidas no Projeto, foi organizado um encontro de representantes dos jovens Tribeiros do Projeto na comunidade da Tribo Indígena em São Leopoldo. A Comunidade Kaingang Por Fi Gá abriu a sua reserva indígena no dia 14 de abril de 2016, na Semana do Índio, especialmente para os participantes do projeto “Tribos em Cena: Desenvolvimento Sustentável com Atitude”.

Compareceram em torno de 200 alunos, nos turnos da manhã e da tarde, para conhecer o dia a dia da reserva. Foi um momento de integração e conhecimento da cultura in loco. O evento contou com diversas atividades para os jovens e professores, que foram acolhidos pelo Cacique José Vergueiro e comunidade, com fala sobre sua história, canto do Hino Nacional Brasileiro em Kaingang e apresentações diversas.

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Exposição e comercialização de artigos

Demonstração dos objetos de arte indígena

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Canto indígena à natureza

Letra do canto

Dança

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Reunindo arte, luta, espiritualidade e história

Os estudantes realizaram registros de todas as formas, anotando, fotografando, filmando, providenciando o roteiro de sua apresentação, pois, no seguimento do Projeto, estava prevista a realização de um relatório a ser providenciado em cada Escola pelas Tribos em Cena.

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Conforme programação, nesta data, aconteceu o lançamento e a apresentação do documentário O Canto da Tovaca realizado na Oficina de Cinema com as crianças e adolescentes indígenas.

A Tribo Kaingang recebeu 100 cópias do documentário produzido pelo projeto Tribos em Cena para utilizar na divulgação da sua cultura, contribuindo para conscientizando sobre a importância histórica e cultural da Comunidade Por Fi Gá.

Ação Conjunta das Tribos em Cena nas Escolas em prol da Tribo Por Fi Gá Após a visita, em abril/2016, dos representantes das escolas na Tribo Kaingang Por Fi Gá, cada grupo organizou relatório e a apresentação desta vivência nas suas

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escolas exercitando a função de multiplicadores. Em muitas delas tal ação corroborou com o trabalho interdisciplinar que já estava sendo realizado pelo mês do índio.

Exposição de cartaz na escola

Os alunos tribeiros nas 15 escolas realizaram um planejamento de ação conjunta em prol dos índios visitados, permitindo, assim, a construção de propostas para auxiliar na qualidade de vida da comunidade Kaingang. Foi estimulada, neste momento, a capacitação dos jovens como protagonistas a partir de situação de vida real, ativos na proposição de ações concretas e solidárias conforme fora observado na saída de campo. No seguimento foi realizado um encontro entre representantes das 15 Tribos em Cena e professores responsáveis com a Coordenação do Projeto, para apresentação de suas propostas e realização de um planejamento comum, dentro do que estava pensado com suas comunidades escolares.

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Ficou definido que seria providenciada, durante um mês, em cada escola, a arrecadação de alimentos para serem entregues na Tribo Por Fi Gá, em data a ser combinada com o Cacique.

Arrecadação solidária

Em 08 de junho de 2016, representantes de cada escola do Projeto retornaram à comunidade Kaingang em São Leopoldo e apresentaram a ação realizada em conjunto, entregando os alimentos arrecadados, oportunizando um debate sobre as observações dos alunos sobre o dia da visita ocorrida em abril. Colocaram-se à disposição para contribuir, em vista da sustentabilidade, fundamental e inadiável, com o que fosse necessário. Neste sentido, alunos e professores comentam quanto aos cuidados com a nascente local, sobre as providências necessárias para a conquista de espaços onde a Tribo tenha garantida a exposição e venda de seus artesanatos, disponibilizando os eventos nas escolas para tal, onde pretendem dar continuidade à ação solidária de arrecadação de agasalhos e cobertores em função do frio do inverno.

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Na ocasião, havia assumido o novo cacique Antonio dos Santos, que recebeu com alegria o relato e as propostas, e discursou sobre o esgotamento das riquezas naturais e a necessidade de preservarmos a cultura do povo indígena. "Cada idoso que morre é um livro que se fecha", profere. Relatando a dificuldade nas vendas de artesanato, ele ressalta a importância desta contribuição para alimentar as 50 famílias que habitam o território: "Eu agradeço a todos os alunos por nos olharem como irmãos, por terem contribuído da maneira que puderam".

Ficou combinada, na sequência, a forma de organização para a participação de representantes da Tribo nos eventos das escolas.

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Representantes do projeto em nova visita à Tribo Por Fi Gá

Parceria entre Tribo Por Fi Gá e Tribos em Cena A parceria real e de qualidade entre Tribos em Cena e Tribo Kaingang seguiu no restante do tempo do Projeto. As escolas e a Parceiros Voluntários tiveram a presença dos indígenas em seu dia a dia e em seus eventos, se apoiaram mutuamente, concretizando o objetivo de promoção e realização de um encontro justo, inclusivo, solidário, comprometido e transformador.

Providência de acolchoados e cobertores realizada pela Tribo Nancy Pansera e Tribo São Mateus em julho/2016

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Exposição em evento na Escola São Mateus em agosto/2016

Visita da liderança Kaingang Por Fi Gá na sede da Parceiros Voluntários em Canoas em setembro/2016

Ações finais: oficinas ambientais Em 17 de outubro de 2016, a equipe da Parceiros Voluntários realizou mais uma visita à Tribo Por Fi Gá para combinar o encerramento do Projeto, promovendo oficinas de sabão e arte com reciclados. A oficina de sabão foi oferecida aos jovens e familiares e teve por objetivo conscientizar comunidade indígena em geral a não descartar o óleo de cozinha na rede de esgoto - tendo em vista a contaminação da água -, assim como propiciar a eles alternativa de renda extra com a venda do sabão. Através de uma receita simples, alguns dos alunos e suas mães aprenderam a produzir o produto ecológico. Enquanto mexiam o líquido, para chegar ao ponto ideal, as informações e possibilidades eram, também, produzidas.

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A oficina de arte com reciclados foi oferecida às crianças da escola e contou, ainda, com a participação da professora e de algumas mães. Foi realizada, inicialmente, uma roda de conversa sobre o descarte de resíduos, exemplificados pelas tampinhas de pet, para visualização do seu acúmulo na natureza se não houver separação e destinação correta. Após, o material exposto foi utilizado para construção de artigos no sentido da verificação de possibilidades de aproveitamento e valorização para muitas pessoas. Surgiram jogos, bonecos, bandeiras, animais, quadros...

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Avaliação da Tribo Kaingang sobre a participação no Projeto Tribos em Cena “A gente já tinha um trabalho anterior com a Parceiros Voluntários. Na questão de todo o desenvolvimento de cultura, integração de etnias, de línguas, contato, diálogo, trabalho, incentivo das crianças indígenas, resgate das culturas, reforço das tradições. Isso para nós foi muito importante porque a ONG começou a desenvolver o nosso contato às várias secretarias, encaminhar alguns projetos e mostrar a realidade nossa para a população da cidade, do município, do estado. Para mim este é um trabalho fundamental, já posso dizer, para a nossa comunidade indígena e para os nossos jovens. O que eu me preocupo mais é com a nossa juventude. É necessário nós termos essa parceria, nós termos alguns trabalhos que venham a incentivar, venham a puxar a juventude tanto com a questão de oficinas, artesanato, danças, cânticos, culturas... Isso fez muita diferença na nossa comunidade. Inclusive, os nossos jovens se dão muito bem com esse pessoal e querem continuar trabalhando com eles. Eu hoje quero trabalhar em conjunto com a Parceiros Voluntários, não só em época, mas que seja contínuo. No momento que a gente mais necessita a gente está aí, sempre para trabalhar, buscar nas reivindicações, busca de espaços, vendas de artesanatos, preparação de artesanatos, busca de matéria prima, nas matas, nos lugares onde tem. Porque muitas vezes aqui não tem e a gente quer trabalhar essa parceria de coleta. Ervas medicinas, folhas de culinária, comida típica, nosso trabalho, busca de material fora do município e eu tenho certeza de que nós, juntos, vamos começar a desenvolver toda essa dificuldade da comunidade e eu espero que a gente tenha uma boa troca, digamos assim, uma contrapartida entre os indígenas e os parceiros. Como cacique, apoio que a gente venha cada vez mais avançar futuramente, mudar alguns jeitos de viver e buscar mais na questão da reafirmação para que a população não indígena venha nos conhecer melhor, venha ter contato conosco, venha valorizar a nossa cultura, nossos costumes, nossas tradições. Tanto adultos como crianças. Nós temos aqui 330 pessoas na aldeia em São Leopoldo, entre crianças e adultos. 63


Eu gostaria de pedir que nós continuássemos dessa forma para chegar até as pessoas responsáveis por esse tipo de trabalho de diferenças culturais que são as secretarias, municípios, os estados, são os governos da união que nós devemos chegar junto e apresentar para eles qual é a necessidade e a prioridade da comunidade, é o bem estar daqui a cinco anos, daqui a 10 anos, daqui a 20 anos. A cidade nos oferece tanta coisa boa e tanta coisa ruim para a nossa juventude, então nós temos que ter diálogo, conversa, palestras com nossos filhos, crianças, jovens, para que eles venham a entender que não devem colher somente o que a cidade oferece de ruim hoje. Isso ajuda muito para nós segurarmos os nossos filhos num caminho bom, num sonho melhor, num futuro melhor e numa esperança melhor, porque é isso que está na mente das pessoas, das crianças. Queremos mudar, queremos cada dia a dia conquistar a mente dos jovens para que eles venham a ter uma vida saudável, uma vida melhor, e cuidar das suas famílias. Nós, como pais, criamos, e quando ficamos velhos são nossos filhos que nos criam. Então essa troca tem que continuar, tanto pai para filho e filho para pai, um cuidando do outro até nós velhinhos começarmos a partir dessa terra. Eu penso que é muito importante nós registrarmos, mostrar e divulgar, porque muitas vezes hoje só falar não basta. Criar livros, criar DVDs, criar trabalhos e fazer uma divulgação, porque na verdade o povo hoje muito pouco conhece os índios e nós queremos mostrar, queremos criar várias atividades para que as pessoas vejam, que as pessoas leiam, que as pessoas participem junto, mesmo não tendo contato conosco, mas os livros são o primeiro passo de contato com as pessoas que ainda não conhecem a nós. Um encaminhamento que eu tenho dificuldade de fazer, dificuldade de buscar, ou criar, eu procuro a Parceiros Voluntários para nós sentarmos juntos e criarmos o objetivo, projeto, para que a gente venha a justificar. Eu preciso de alguém junto comigo para direcionar todo o nosso encaminhamento, para buscar a melhoria para a nossa comunidade. Muito importante a nossa união para nós desenvolvermos todos os projetos que são necessários para a comunidade indígena. A gente faz muita palestra sobre cuidado com o meio ambiente, cuidar das fontes das águas, porque isso é a nossa vida. É o oxigênio que nos dá vida, as fontes das águas que muitas vezes resolvem as nossas doenças. As nossas folhas, as raízes, para cozinhar, para tomar, fazer chá, as nossas cascas de madeira... A nossa verdadeira farmácia são os nossos remédios da mata. O primeiro passo que a gente usa da nossa farmácia é a folha, a raiz, casca das madeiras, semente que nós ainda usamos e tomamos para a nossa família, para usar na questão de doenças e após a gente também usa a medicina pública, postos de saúde, hospitais e tudo mais, mas isso em último caso.”. Antônio dos Santos Cacique da Tribo Kaingang 64


Considerações Finais Existem várias legislações, decretos, programas e projetos pelo Direito Indigenista. Comunidade indígena e sociedade não indígena devem estar informadas, envolvidos e mantendo alianças em defesa do que é a história deste povo. O Projeto Tribos entra em Cena pra contribuir com este movimento. Colocamos, abaixo, alguns indicativos no intuito de convidar a todos para ampliar a visão e as ações na relação com os povos indígenas.

Vocabulário Aldeia – Agrupamento de casas em pequena povoação indígena. Em língua tupi taba de tawa. Habitat – Lugar ou ambiente em que existe naturalmente um ser vivo ou população, de condições favoráveis para o seu desenvolvimento, sobrevivência e reprodução. Natureza – Todos os seres que constituem o universo. Força ativa que estabeleceu e conserva a ordem natural de tudo quanto existe. Pajé - Tem sua origem na palavra pa´yé da grande família lingüística tupi, denominando a liderança espiritual destes indígenas. É um misto de sacerdote, profeta e médico. Na linguagem regional amazônica significa benzedeiro/a, curandeiro/a. 65


Patrilinear – adj. - Diz-se de um modo filiação que só leva em conta o parentesco paterno. Patrilinhagem – s.f.- Linhagem ou grupo de filiação unilinear na qual todos os membros se consideram descendentes em linha masculina de um ancestral comum, que pode ser real ou fictício. Sociedades Tradicionais – Grupos culturalmente diferenciados que historicamente reproduzem seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base em modos de cooperação social e formas específicas de relação com a natureza, caracterizados tradicionalmente pelo manejo sustentado do ambiente (ex.: indígenas, caiçaras, ribeirinhos, quilombolas, etc.)

Bibliografia BECKER, Itala Irene Basile. O Índio Kaingang do Rio Grande do Sul. São Leopoldo: UNISINOS, 1995. ENCICLOPÉDIA RIO-GRANDENSE – O Rio Grande Antigo. 1º volume, organização Klaus Becker. Porto Alegre: Livraria Sulina Editora, 1968. GOLIN, Tau. Povos Indígenas. Coordenação geral Tau Golin, Nelson Boeira. Passo Fundo: Méritos, 2009. Volume 5 – Coleção História Geral do Rio Grande do Sul. Governo do Estado do Rio Grande do Sul. O índio no Rio Grande do Sul – Perspectivas: Aspectos arqueológicos, históricos, etnográficos e étnicos. Porto Alegre, 1975. JACQUES, João Cezimbra. Assuntos do Rio Grande do Sul. 3ª ed. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1997. RAMIREZ, Hugo (Coord.). Iconografia Poética do Índio do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Comissão Executiva de Homenagem ao Índio, 1974. RICARDO, Beto e Fany. Povos Indígenas no Brasil 2001/2005. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2006. SCHWINGEL, Kassiane e PILGER, Maria Ione. Por Fi Gá Kême – História da Tovaca. São Leopoldo: Oikos, 2014. SANTOS, Silvio Coelho dos. O homem índio sobrevivente do sul: antropologia visual. Florianópolis/ Universidade Federal de Santa Catarina/ Caxias do Sul/ Universidade de Caxias do Sul/ Porto Alegre/ Associação Nacional de Apoio ao Índio, 1978.

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Anexo I - A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil Associação nacional de entidades que representam os povos indígenas do Brasil, nasceu durante o Acampamento Terra Livre de 2005, num momento em que as lideranças indígenas regionais começavam a se tornar notórias nacionalmente, mas se encontravam ainda bastante dispersas e isoladas.[1] Os propósitos declarados na fundação eram: Fortalecer a união dos povos indígenas, a articulação entre as diferentes regiões e organizações indígenas do país; Unificar as lutas dos povos indígenas, a pauta de reivindicações e demandas e a política do movimento indígena; Mobilizar os povos e organizações indígenas do país contra as ameaças e agressões aos direitos indígenas. Blog do movimento: https://mobilizacaonacionalindigena.wordpress.com/ https://pt.wikipedia.org/wiki/Articula%C3%A7%C3%A3o_dos_Povos_Ind%C3%AD genas_do_Brasil - Estatuto do Índio: Lei nº 6001, de 19 de dezembro de 1973 “Estatuto do Índio” é o nome como ficou conhecida a Lei 6.001. Promulgada em 1973, ela dispõe sobre as relações do Estado e da sociedade brasileira com os índios. Em linhas gerais, o Estatuto seguiu um princípio estabelecido pelo velho Código Civil brasileiro de 1916: de que os índios, sendo “relativamente incapazes”, deveriam ser tutelados por um órgão indigenista estatal (de 1910 a 1968, o Serviço de Proteção ao Índio – SPI; atualmente a Fundação Nacional do Índio – FUNAI) até que eles estivessem “integrados à comunhão nacional”, ou seja, à sociedade brasileira. A Constituição de 1988 rompe esta tradição secular ao reconhecer aos índios o direito de manter a sua própria cultura. Há o abandono da perspectiva assimilada, que entendia os índios como categoria social transitória, a serem incorporados à comunhão nacional. A constituição não fala em tutela ou em órgão indigenista, mas mantém a responsabilidade da União de proteger e fazer respeitar os direitos indígenas. Apesar de não tratar de maneira expressa da capacidade civil, a Constituição reconheceu no Artigo 232, a capacidade processual ao dizer que “os índios, suas comunidades e organizações, são partes legítimas para ingressar em juízos, em defesas dos seus direitos e interesses”. Significa que os índios podem, inclusive, entrar em juízo contra o próprio Estado, o seu suposto tutor. O Novo Código Civil (2002) retira os índios da categoria de relativamente incapazes e dispõe que a capacidade dos índios será regulada por legislação especial. Desde a promulgação da Constituição surgiram propostas em tramitação no Congresso para rever a legislação ordinária aos direitos dos índios. - Decreto Nº 26 de 4 de fevereiro de 1991: Dispõe sobre a Educação Indígena no Brasil – “O Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o artigo 84, inciso IV, da Constituição, tendo em vista o disposto da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 e em cumprimento da Convenção nº 107, da Organização Internacional do Trabalho, aprovada pelo Decreto nº 58.825, de 14 de julho de 1966, sobre a proteção da integração das populações indígenas e outras populações tribais e semi-tribais de países independentes,

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DECRETA: Art. 1º - Fica atribuída ao Ministério da Educação a competência para coordenar as ações referentes à Educação Indígena, em todos os níveis e modalidades de ensino, ouvida a FUNAI. Art. 2º - As ações previstas no Art. 1º serão desenvolvidas pelas Secretarias de Educação dos Estados e Municípios em consonância com as Secretarias Nacionais de Educação do Ministério da Educação. Brasília, 04 de fevereiro de 1991; 170º da Independência e 103º da República. Fernando Collor Jarbas Passarinho Carlos Chiarelli” - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96, em seu artigo 32, assegura aos indígenas o uso de sua língua. Os Povos Indígenas têm direito a uma educação escolar específica, diferenciada, intercultural, bilíngue/multilíngue e comunitária, conforme define a legislação nacional que fundamenta a Educação Escolar Indígena. Seguindo o regime de colaboração, posto pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a coordenação nacional das políticas de Educação Escolar Indígena é de competência do Ministério da Educação (MEC), cabendo aos Estados e Municípios a execução para a garantia deste direito dos povos indígenas. - Fundação Nacional do Índio FUNAI é o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro. Criada por meio da Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, vinculada ao Ministério da Justiça, é a coordenadora e principal executora da política indigenista do Governo Federal. Sua missão institucional é proteger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil. Cabe à FUNAI promover estudos de identificação e delimitação, demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, além de monitorar e fiscalizar as terras indígenas. A FUNAI também coordena e implementa as políticas de proteção aos povos isolados e recém-contatados. Site - http://www.funai.gov.br/ - Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) Instalado no dia 27 de abril de 2016, é um órgão colegiado de caráter consultivo, responsável pela elaboração, acompanhamento e implementação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas. Foi criado pelo Decreto n.º 8.593, de 17/12/15 e é composto por 45 membros, sendo 15 representantes do Poder Executivo federal, todos com direito a voto; 28 representantes dos povos e organizações indígenas, sendo 13 com direito a voto; e dois representantes de entidades indigenistas, com direito a voto. Decreto https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/d8593.htm - Conselho Estadual do Povo Indígena (CEPI) Foi criado através do Decreto nº 35.007 de 1993, reestruturado pelo decreto nº 39.660 de 1999. Posteriormente sancionado através da lei nº 12.004, de 2003. É uma 68


organização de caráter deliberativo, normativo, consultivo e fiscalizador das ações e políticas relacionadas aos povos indígenas do estado do Rio Grande do Sul. Cabe ao CEPI definir, orientar e propor diretrizes para a política indigenista estadual, com o objetivo de incentivar a continuidade cultural das comunidades indígenas, garantindo-lhes o direito constitucionalmente assegurado. Lei - http://www.al.rs.gov.br/filerepository/repLegis/arquivos/12.004.pdf - Conselho Indigenista Missionário (CIMI) É um organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que, em sua atuação missionária, conferiu um novo sentido ao trabalho da igreja católica junto aos povos indígenas. Criado em 1972, quando o Estado brasileiro assumia abertamente a integração dos povos indígenas à sociedade majoritária como única perspectiva, o Cimi procurou favorecer a articulação entre aldeias e povos, promovendo as grandes assembléias indígenas, onde se desenharam os primeiros contornos da luta pela garantia do direito à diversidade cultural. Site - http://www.cimi.org.br/site/pt-br/ - Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN) É um órgão da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Foi criado em 1982, com a finalidade de assessorar e coordenar o trabalho da IECLB com os povos indígenas em todo Brasil. Para atender este objetivo, o Comin se faz presente junto a alguns povos e comunidades indígenas, criando parcerias e dando apoio nas áreas da educação, saúde, terra, organização e auto-sustentação. O Comin tem como princípio e compromisso apoiar as prioridades colocadas pelos povos e comunidades indígenas, respeitando seu jeito de ser e sua cultura, trabalhando com eles e não por eles. Os trabalhos do Comin são realizados por um grupo de profissionais nas áreas de pedagogia, teologia, pastoral, direito, enfermagem e medicina, assistência social, agronomia e outras, em sete Campos de Trabalho. Site - http://comin.org.br/ ASSISTÊNCIA SOCIAL - Publicação - “Trabalho Social Com Famílias Indígenas: Proteção Social Básica Para Uma Oferta Culturalmente Adequada” – 1ª edição de 2016 apresenta subsídios teóricos e técnicos para apoiar as equipes de referência do SUAS, em particular, as equipes dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) no desenvolvimento do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), com famílias e comunidades indígenas. Este documento também é destinado a gestores, usuários, conselhos de direitos e todos aqueles interessados em se aprofundar no universo indígena. Reúne indicativos da Legislação e de Organizações relacionadas aos Povos Indígenas. http://conpas.cfp.org.br/wpcontent/uploads/sites/8/2014/11/OrientacoesTecnicas_Trab alhoSocialcomFamiliasIndigenas.pdf SAÚDE - Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas - Aprovada pela Portaria do Ministério da Saúde nº 254, de 31 de janeiro de 2002. Publicação - bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_saude_indigena.pdf Operacionalização - http://www.epsjv.fiocruz.br/upload/d/AAlves.pdf 69


EDUCAÇÃO - Histórico - Em 1993, o MEC criou o Comitê de Educação Indígena, composto por representantes de alguns povos indígenas, e também criou as Diretrizes Para a Política Nacional de Educação Indígena. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) garantiu o direito dos indígenas à educação diferenciada. Em 1998 foi elaborado o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Em 1999 foram criadas as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar, pelo Conselho Nacional de Educação, com capítulo 8 voltado para a Educação Escolar Indígena. Publicação de 2013: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=13448diretrizes-curiculares-nacionais-2013-pdf&Itemid=30192 http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=17212diretrizes-curriculares-nacionais-para-educacao-basica-diversidade-e-inclusao2013&category_slug=marco-2015-pdf&Itemid=30192 Resolução - http://mobile.cnte.org.br:8080/legislacao-externo/rest/lei/86/pdf Publicação - http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/gbeei.pdf

Anexo II - Escolas participantes do projeto: CMEB Trindade CMEB Paulo Freire CMEB Oswaldo Aranha CMEB Eva Karnal Johann Centro de Formação Teresa Verzeri Colégio Marechal Rondon Escola Comunitária São Mateus EMEF Ceará EMEF João Paulo I EEEF João XXIII EMEF Paulo VI EMEF Nancy Pansera EMEF Leonel de Moura Brizola EMEF Barão de Mauá EEEM. Érico Veríssimo

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