Pedagogias das infâncias e docências

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Tânia de Vasconcellos

guardam embutida alguma forma, mesmo que rudimentar, de regra. Ou algo a que podemos chamar de estatuto da brincadeira. Brincar de ser irmãs é um modo de explicitar aquilo que se entende por “ser irmãs”. O fato de as meninas serem irmãs não implica, necessariamente, uma forma particular de conduta. Mas ao brincarem de irmãs, elas evocam aquilo que acreditam que deva ser o universo das irmãs. Problematizam a questão. Colocam-na em discussão. Pensam sobre o papel social das irmãs. É o mesmo caso do “brincar de tomar chá”. A brincadeira de tomar chá nada tem a ver com o lanche da tarde – usual, ordinário, comum. A brincadeira remete a pensar em si a partir de uma outra possibilidade de si mesmo. A exercerse nessa outra condição. Não é um “faz de conta que” está mais próximo de um “e se”. Nos dois casos – as batatas e a louça inglesa –, os brinquedos surgem por dentro das brincadeiras. Ou seja, eles se colocam na provocação de um uso brincante do objeto cotidiano. Porque não são, a rigor, brinquedos, não ativam padrões esperados de conduta lúdica. Ao contrário, desafiam. A brincadeira só pode se instaurar porque uma atitude brincante a impõe. A atitude frente à atividade, e não tão somente a atividade, define a condição brincante. Isso porque é possível estar envolvido burocraticamente em uma atividade repetindo uma conduta

clichê. Mas a instauração da brincadeira exige a integralidade da presença. Na brincadeira, mais que tudo, é preciso estar por inteiro.

Brincar e realidade: infância e filosofia Em 2008, Jorge Larrosa nos brindou com um texto intrigante em um seminário sobre Infância e Filosofia. Nele, o autor interroga o próprio estatuto do real. Ele nos fala de desejo de realidade e, a rigor, só podemos desejar aquilo de que carecemos. Sentimos falta do que não temos. Na opinião de Larrosa, então, estamos em busca de um real que se dissipou. Nas palavras do autor, “o real está difícil”. Chamo o filósofo para a conversa porque quero dar peso a um conceito que para mim é muito caro: a ideia de experiência. Walter Benjamin (2012) tomou a si a discussão da experiência e da sua expropriação. Larrosa retoma o tema. A experiência não é outra coisa senão a nossa relação com o mundo, com os outros e com nós mesmos. Uma relação em algo que nos passa, nos acontece. Então o desejo de realidade está ligado à experiência, no sentido de que o real só acontece se experimentado: o real é o que nos passa, nos acontece na experiência. Portanto, a experiência é esse modo de relação com o mundo, com os outros e com nós mesmos em que o que chamamos de realidade adquire a validade, a força, a presença, a intensidade e o brilho aos quais me referi. O desejo de realidade não é muito diferente do desejo de experiência. Mas de uma experiência que não esteja ditada pelas re-

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