Observatório Social #16

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Observatóri

social Pela globalização dos direitos

Março, 2010 • #16

www.observatoriosocial.org.br

Qual o modelo de

China em transição

As mudanças que vêm do Oriente

desenvolvimento que queremos?


Expediente


Observatório social •

Apresentação M

ahatma Gandhi dizia que devemos ser a transformação que queremos ver no mundo. Nada mais apropriado que esta ideia para apresentar a edição número 16, que inaugura o novo projeto gráfico e o novo nome da nossa publicação. A Revista Observatório Social “muda de roupa”, mantendo-se fiel aos princípios que motivaram o seu surgimento em janeiro de 2002. Consolida-se a linha editorial voltada para a investigação jornalística de temas ligados ao mundo do trabalho, aos direitos humanos e ao meio ambiente, bem como às atividades de pesquisa do Instituto Observatório Social. Ao colocar em foco o direito à dignidade das pessoas, temos abordado assuntos escassos na cobertura da imprensa hegemônica: mineração predatória, trabalho escravo e infantil, discriminação de gênero e de raça, acidentes e doenças laborais, exploração da mão-de-obra de imigrantes, desmatamento ilegal da Amazônia... Quando possível, buscamos identificar as cadeias de valor às quais estão vinculadas as violações de direitos. Isso contribui tanto para a ação dos sindicatos de trabalhadores como das autoridades policiais e judiciais, e mesmo das entidades empresariais conscientes. Torna-se mais fácil identificar responsabilidades – que, não raras vezes, chegam a grandes corporações –, prevenir, pleitear a punição de

culpados e a indenização de vítimas. Enfim, humanizar condições de trabalho e de vida. Nesses oito anos, reportagens publicadas pela revista conquistaram importantes prêmios, com repercussões positivas para a construção da cidadania. Houve, decerto, muitos interesses contrariados, com reações que variaram de cartas de protesto a ameaças à integridade física de repórteres. Nada de se estranhar em um país onde a defesa dos direitos humanos ainda é vista como aberração por alguns segmentos retrógrados. O reconhecimento público nos estimula a aperfeiçoar o trabalho e comprova que é possível fazer jornalismo de qualidade nos movimentos sociais. Esta edição traz uma série especial de artigos sobre desenvolvimento, tema fundamental em ano de eleições. Dirigentes sindicais, empresários, cientistas e ambientalistas, entre outros, opinam sobre os rumos que o Brasil precisa tomar para se desenvolver com justiça e sustentabilidade. Também trata de mudança a reportagem sobre a China, país em transição acelerada para se tornar superpotência, com impactos globais na vida dos trabalhadores. A reportagem sobre Diálogo Social e a repercussão da denúncia sobre uma fraude de dimensões amazônicas completam o cardápio. Boa leitura, boas mudanças!

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Expediente OBSERVATÓRI

SOCIAL PELA GLOBALIZAÇÃO DOS DIREITOS

MARÇO, 2010 • #16

www.observatoriosocial.org.br

CHINA EM TRANSIÇÃO

As mudanças que vêm do Oriente

QUAL O MODELO DE

DESENVOLVIMENTO QUE QUEREMOS?

foto capa © tatiana cardeal

Revista Observatório Social Março de 2010 – N° 16 São Paulo – SP – Brasil Tiragem: 10.000 exemplares • Gráfica BANGRAF

EDITOR Marques Casara EDITOR ASSISTENTE Dauro Veras REDAÇÃO André Vendrami, Fernanda Saint’Claire e Paola Bello COLABORAÇÃO Artur Henrique da Silva Santos, Aparecido Donizeti da Silva, Clemente Ganz Lucio, João Paulo Veiga, José Antônio Muniz Lopes, Ladislau Dowbor, Lisa Gunn, Paulo Barreto, Paulo Skaf, Rafael Georges, Rubens Harry Born, Sérgio Leitão, Tasso Rezende de Azevedo Fotografia Sérgio Vignes e Tatiana Cardeal ARTE Lucia Tavares e Papel Social Comunicação Execução

www.papelsocial.com

Revista Observatório Social 2003 • Prêmio Esso de Jornalismo, categoria Informação Científica, Tecnológica e Ecológica. 2006 • Menção Honrosa - Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. 2007 • Menção Honrosa - Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. 2008 • Prêmio Especial de Direitos Humanos da OAB/RS e do Movimento Justiça e Direitos Humanos. 2009 • Finalista no Prêmio Esso de Jornalismo, categoria Informação Científica, Tecnológica e Ecológica.

Instituto Observatório Social DIRETORIA EXECUTIVA CUT Aparecido Donizeti da Silva Vagner Freitas de Moraes João Antônio Felício Valeir Ertle CEDEC Maria Inês Barreto   UNITRABALHO Carlos Roberto Horta   DIEESE João Vicente Silva Cayres

Índice 6

CHINA EM TRANSIÇÃO Conheça mais sobre o país que está em rumo acelerado para se transformar em potência global – e os impactos dessa mudança no mundo do trabalho.

CONSELHO DIRETOR CUT Rosane da Silva Aparecido Donizeti da Silva Denise Motta Dau Quintino Marques Severo Vagner Freitas de Moraes Jacy Afonso de Melo João Antônio Felício Valeir Ertle DIEESE Maria Luzia Feltes João Vicente Silva Cayres UNITRABALHO Francisco José Carvalho Mazzeu Silvia Araújo CEDEC Tullo Vigevani Maria Inês Barreto

R. Caetano Pinto, 575 - 4º andar Brás - 03041-000 - São Paulo - SP Tel: (11) 3105-0884 Fax:(11) 3107-0538 e-mail: observatorio@os.org.br www.observatoriosocial.org.br

Foto da capa e desta página: obras da Cidade dos Jogos Asiáticos de Guangzhou (Cantão), um megacomplexo esportivo com inauguração prevista para outubro de 2010. O evento será realizado de 12 a 27 de novembro.


Observatório social •

DIÁLOGO 14DESENVOLVIMENTO 40 SUSTENTÁVEL SOCIAL Especialistas de diversas áreas opinam sobre qual é o modelo de desenvolvimento justo e ambientalmente correto que o Brasil deve seguir.

47SERGIO NOVAIS

ENTREVISTA: O presidente da ICEM para a América Latina e Caribe fala sobre os reflexos da crise sobre os setores de química, energia e mineração.

© foto tatiana cardeal

46 ENTREVISTA: ANTONIO LAMBERTUCCI

A 9a Conferência Pesquisa e Ação Sindical abordou um tema de importância crescente nas negociações entre trabalhadores e empresas.

48 REPERCUSSÕES

DEVASTAÇÃO S/A: Como as indústrias madeireiras e autoridades reagiram à reportagem do IOS sobre o “esquentamento” de madeira ilegal da Amazônia

Representante da Presidência da República fala sobre a iniciativa para melhorar as práticas trabalhistas no setor sucroenergético.

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NOTAS Parceria nas redes virtuais. Universidade Global do Trabalho. Monitoramento do Pacto do Trabalho Escravo. Nanotecnologia. Encontro Unilever. Trabalho Decente.

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china O crescimento sem precedentes do país asiático ameaça empregos dos trabalhadores latinoamericanos e fragiliza vários setores produtivos, mas pode também abrir oportunidades estratégicas.

China potência em ascensão Por Dauro Veras Fotos Tatiana Cardeal


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Observatório social •

C

omo os trabalhadores latino-americanos devem lidar com o “fenômeno China”? Um seminário realizado em fevereiro no Rio de Janeiro pela Rede Latino-Americana de Pesquisa em Empresas Multinacionais (RedLat)1, da qual faz parte o Instituto Observatório Social (IOS), colocou a questão em debate. Na ocasião, a síntese de uma pesquisa inédita da RedLat foi apresentada aos participantes2. O estudo, que será divulgado em abril, alerta para o risco de desestruturação de cadeias produtivas e recomenda estratégias sindicais de enfrentamento do problema. Também observa que podem surgir impactos positivos em setores como o energético. Nas páginas seguintes, você também encontrará análises de especialistas em economia, diplomacia e história sobre contexto em que o gigante asiático está se transformando em potência global – já é a terceira economia do mundo, rivalizando com o Japão. Abertura econômica, em contraste com um sistema de governo autoritário. Demanda voraz por petróleo, metais e alimentos. Esforço exportador que inunda o mercado com produtos baratos. A geopolítica da “Grande China” e o relacionamento com os Estados Unidos. O poderio militar e a retórica diplomática da ascensão pacífica. Temas que, direta ou indiretamente, têm importância crescente para os trabalhadores brasileiros.


china

O século da Ásia Em abril de 2009, a China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O resultado é histórico, já que os Estados Unidos foram o nosso principal parceiro nas últimas décadas3. Não se trata de fenômeno isolado. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), neste princípio de século 21 o país asiático já se situa entre os cinco primeiros parceiros comerciais de Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Colômbia e México4. Entre 1990 e 2008, o comércio entre China e América Latina saltou de US$ 1,3 bilhão para US$ 73,3 bilhões. Mas as trocas são desiguais. Enquanto os países latino-americanos fornecem produtos primários, a China vende bens industrializados. E não só quinquilharias de camelô: cada vez mais produtos de média e alta tecnologia. Em 2008, o déficit dos países latino-americanos – sem contar o México – com a China foi de US$ 17 bilhões. Se incluído o México, são US$

49 bilhões. Na concorrência pelo mercado mundial, também há sinais de alerta. Em 1983, as vendas latino-americanas foram de quase 6% do total global, e as da China, pouco mais de 1%. Em 2006, a participação da América Latina permanecia estagnada e a chinesa passava de 8% das exportações mundiais. Essa mudança pode ser compreendida, grosso modo, como resultado da adoção de estratégias distintas de desenvolvimento econômico, política industrial, inserção externa e ação estatal. Qualquer tentativa de “explicar” a China é limitada pela complexidade de sua história. Durante pelo menos dois milênios ela foi a mais avançada civilização do mundo, até a metade do século 19, quando perdeu a revolução industrial. Guerras civis e saques de potências estrangeiras a mantiveram no atraso até a década de 1950, quando uma revolução comunista mudou seu rumo. O assunto é vasto, mas vale tentar decifrar o que se passou nas últimas décadas e o que pode ocorrer.

Relação assimétrica A abertura econômica iniciada em 1978 por Deng Xiaoping é considerada o marco da metamorfose radical em curso na China: um país agrário, com recursos naturais escassos, de população pobre e numerosa, está se reinventando como centro da economia do planeta. Essa abertura foi seletiva e acompanhada de uma política de atração de investimentos para reforçar mercado interno. A América Latina seguiu o caminho da ampla privatização e dos tratados de livre comércio. Enquanto a China promoveu uma mudança estrutural na indústria, assimilando setores intensivos em tecnologia, os países latino-americanos apostaram em “maquiladoras” e em exportações de commodities. A China tem grande necessidade de minérios e energia para mover suas indústrias, e voracidade por alimentos para sua população de 1,3 bilhão de habitantes – a maior do planeta, e em rápida expansão de poder aquisitivo. Minério de ferro, soja e petróleo são


Observatório social • Em Guangzhou, chineses comemoram o aniversário dos 60 anos da proclamação da República Popular da China.

os principais produtos brasileiros vendidos ao país asiático. Bem distinto é o perfil de produtos importados pelo Brasil: dispositivos de cristal líquido (LCD), filmadoras e máquinas fotográficas, telefones celulares, rádios e televisores, circuitos impressos e outros eletroeletrônicos. A expansão chinesa não tem se caracterizado por grande volume de investimentos nas economias latino-americanas. No Brasil, eles se concentram nos setores de mineração e eletroeletrônico, e em 2008 representavam apenas 0,08% dos investimentos externos diretos. Na Argentina essa fatia no mesmo ano foi de 1,77%, concentrado nas indústrias automotivas e de energia elétrica. No Equador a participação é maior: 4,65% em 2008, aplicados em comércio, energia elétrica e petróleo.

Quatro categorias O estudo da RedLat classifica a relação econômica dos países latino-americanos com a China em quatro categorias, conforme a semelhança entre os impactos produzidos. A categoria A é a dos exportadores de commodities que têm parque industrial reduzido, como Chile e Peru. Esses países se beneficiam com superávits comerciais puxados por altos preços dos minerais. Os efeitos positivos internos são limitados, por causa da baixa agregação de valor nas cadeias produtivas. Quanto aos efeitos negativos, há risco de substituição de produtores nacionais em alguns segmentos industriais e de redução da margem de lucro, com impactos sobre o mercado de trabalho. A categoria B, na qual se enquadram Brasil e Argentina, é a de economias industriais sem Tratados de Livre Comér-

Lavoura nos arredores de Guilin, na província de Guanxi, na região sudoeste da China.

China e América Latina: crescimento anual do PIB per capita (em %) 10 8 6 4 2 0

1990 - 2002

China

2003 - 2008

América Latina

cio (TLC) e exportadoras de commodities. Em termos macroeconômicos, há risco de deterioração da balança comercial. A entrada de produtos chineses pode abrir “buracos” na estrutura produtiva, especialmente no caso brasileiro. Outro efeito negativo é o direcionamento de novos projetos globais para a China, por causa da maior competitividade e dinamismo de seu mercado. Entretanto, investimentos de empresas brasileiras na China podem trazer resultados favoráveis. Na categoria C estão as economias exportadores de produtos industriais que possuem TLC com os Estados Unidos – México e países da América Central. Tem havido forte deslocamento de atividades de multinacionais, que transferem suas fábricas do México para a China. A importação de têxteis e produtos de vestuário também é bastante prejudicial aos mexicanos. Por fim, a categoria D é dos pequenos exportadores de commodities e com reduzida base industrial, como Equador e Peru. Esses países também sofrem impacto nos setores têxtil e de vestuário. Um possível efeito positivo é a realização de investimentos chineses em infra-estrutura, vinculados aos setores exportadores.

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china

Dano às cadeias produtivas A pesquisa da RedLat sobre a expansão da presença chinesa na América Latina identifica um grande risco de dano às cadeias produtivas de máquinas, eletroeletrônicos, têxteis, vestuário e calçados. Esses impactos negativos podem levar à eliminação e à informalização dos empregos. Tendem a ser agravados num cenário de enfraquecimento da complementaridade entre as economias latino-americanas. Também há risco de precarização sindical, trabalhista e ambiental nos setores onde existem investimentos das empresas chinesas, especialmente nos ramos de mineração e energia. Há tendência de que o Brasil perca cada vez mais espaço para os produtos chineses em seus mercados tradicionais. Entretanto, os riscos não decorrem essencialmente da mão-de-obra barata chinesa, pondera o estudo, mas da ineficácia dos projetos nacionais e regionais para enfrentar a pressão competitiva. Faltam ações integradas

de defesa comercial, política industrial e tecnológica e de reconversão produtiva. Ainda assim, existem vários instrumentos para enfrentar a competição do país asiático: câmbio, juros, políticas industriais e tecnológicas, de defesa comercial e os próprios acordos de integração regional.

Propostas O estudo da RedLat propõe algumas frentes de ação sindical – tanto nacional quanto regionalmente articulada – para o enfrentamento do “fenômeno China”. Boa parte delas demanda o envolvimento de outros atores sociais além das organizações dos trabalhadores. É o caso do questionamento de negociações internacionais que reduzam a margem de manobra para a política industrial dos países, como as Negociações de Acesso a Mercados para Bens Não-Agrícolas (Nama) na Organização Mundial do Comércio (OMC). Também se sugere a pressão sobre os governos nacionais para que abram

suas negociações com a China para além do mundo empresarial; e uma ampla discussão nacional – tripartite – das coordenadas do desenvolvimento, num contexto de crescente dependência da economia chinesa. Outra possível frente de ação sindical é o estímulo a iniciativas que levem à maior complementaridade intra-industrial no Mercosul, na Comunidade Andina e nos vários acordos comerciais assinados entre os países latino-americanos. Informação qualificada e atualizada é um ingrediente importante para dar subsídio às ações. Uma das propostas do estudo é o monitoramente sindical do impacto sobre o emprego nos setores mais afetados pelas importações chinesas. Também se considera vital acompanhar o cumprimento dos direitos sociais e trabalhistas das empresas chinesas com atuação nos países latino-americanos. O estudo recomenda o intercâmbio regional das experiências sindicais frente à expansão chinesa, de preferência em nível setorial.


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Observatório social • Loja de sapatos em Guangzhou (Cantão). O governo brasileiro criou sobretaxa a calçados chineses para proteger a indústria nacional.

Crise é oportunidade O economista Antônio Barros de Castro, assessor especial da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), compara o impacto da ascensão chinesa ao que ocorreu quando os Estados Unidos substituíram a Inglaterra como principal centro capitalista do planeta. Ele apresenta dois dados-síntese: “A economia chinesa, que contribuiu com metade do crescimento da demanda de cobre e alumínio entre 2002 e 2005, foi também responsável, no período, por 29% do crescimento da economia mundial”.5 Ao observar o “fenômeno China”, é importante ter em mente que o resultado das mudanças não está predeterminado. Conforme as escolhas feitas, é possível inclusive tirar proveito do

deslocamento para a Ásia do centro de gravidade do crescimento mundial, observa Barros de Castro: “Concretamente: a Espanha está explorando oportunidades de investimento em infra-estrutura na América Latina – que vêm sendo nitidamente ampliadas por pressões de demanda procedentes, direta ou indiretamente, da China”, afirma o economista.6 Para o economista, caberia ao Brasil definir frentes estratégicas de longo prazo com amplos campos de especialização: “Podemos, como fez a Noruega, ter uma indústria voltada ao petróleo, que junto com o gás, corresponde a 2,5% do PIB [Produto Interno Bruto] industrial, que é 24% do PIB total”, diz. A segunda frente estratégica, para ele, é o etanol: “Já está havendo a exploração da eletricidade como subproduto da

usina e surgem, de empresas nacionais e multinacionais, projetos extraordinariamente interessantes de álcool-química”, prossegue. “A frente etanol tende a arrastar todo um subsistema industrial ligado à bioindústria, que aponta para o futuro em escala mundial”.7

Diplomacia da paz Para compreender melhor a ascensão chinesa, é útil conhecer certos aspectos da história recente do país. A República Popular da China teve sérios conflitos fronteiriços após sua fundação como estado socialista em 1949 – inclusive choques militares com a ex-União Soviética, a Índia e o Vietnã. Esses conflitos foram, em grande parte, herança histórica de expansões imperialistas realizadas por potências européias, e também reflexos da

Porto de Guangzhou, terceiro maior centro urbano da China e um dos seus mais importantes polos industriais e comerciais. A cidade realiza duas vezes por ano uma grande feira de exportação e importação.

Saldo Comercial dos Países Latino-Americanos com a China – 2008 – Em US$ bilhões 5 5

Países A

B

C

D

E

F

G

H

I

J

K A Peru

F Cuba

10

B Chile

G Equador

15

CC osta

H Brasil

20

Rica

I Venezuela

25

D Argentina

J Colômbia

30

E Uruguai

K México

35


china

9 ,0 8 ,0 7 ,0 6 ,0 5 ,0 4 ,0 3 ,0 2 ,0 1 ,0 0 ,0 1983

1993

L a ti n A m e r i c a

“Guerra Fria”. A partir dos anos 80, a China entrou em uma etapa de coexistência pacífica com seus vizinhos. Influíram para isso a desintegração da União Soviética, a queda dos regimes comunistas da Europa Oriental e as mudanças políticas ocorridas com a morte do líder Mao Zedong, em 19768. A exceção a esse panorama de relativa tranquilidde é a questão do status de Taiwan, um dos resquícios da confrontação pós-Segunda Guerra Mundial com os Estados Unidos.9 A estabilidade favoreceu uma crescente influência chinesa sobre seus vizinhos nos campos político, diplomático, econômico e, até certo ponto, cultural. Esses países próximos têm estreita interdependência econômica com a China e com a comunidade internacional. É o caso do Japão, segunda economia do mundo (quase suplantada pela chinesa em 2009); da primeira geração dos chamados “tigres asiáticos” – Coréia do Sul, Hong Kong,10 Cingapura e Taiwan; e da Índia,

2003

2006

C h in a

uma das economias mais dinâmicas da atualidade. Outra razão da influência da China é o fato de ser um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), e de fazer parte do restrito clube de países que têm armas nucleares. Contudo, a China tem feito esforço diplomático ativo para enfatizar a retórica de sua “ascensão pacífica” como potência global. Para isso, vem construindo uma extensa rede de relações bilaterais com países ou blocos de diversas regiões. “As relações sino-estadunidenses entraram em uma etapa de amadurecimento quanto ao pragmatismo”, avalia Eugenio Anguiano Roch, ex-embaixador do México na China. “Apesar de não estarem resolvidas diferenças fundamentais como as relativas a direitos humanos e a venda de tecnologia avançada de uso dual [civil e militar], esse amadurecimento permite a coexistência utilitária e pacífica entre os dois países”.

Desafios A adoção de uma “economia mista” pela China a partir do final dos anos 1970 alavancou possivelmente a maior erradicação de pobreza já registrada na História. Taxas de crescimento continuadas de 8% a 10% ao ano têm contribuído de forma decisiva para isso. Entre 1990 e 2005, a proporção de chineses que viviam com menos de um dólar por dia caiu de 60% para 16%, segundo a ONU (no mesmo período, o índice brasileiro saiu de 15% para 7,8%).11 Tal ritmo de crescimento traz grandes obstáculos de médio e longo prazo. Entre as consequências das reformas chinesas estão as crescentes disparidades geográficas, a desigualdade social, o aumento de exigências e expectativas por parte da população, protestos e grandes danos ecológicos.12 Esses fatores têm o potencial para provocar levantes sociais e instabilidade política que poderiam minar o sucesso econômico chinês, observa Merle Goldman, professora de História da


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Observatório social •

Rio das Pérolas, em Guangzhou. Turistas fazem passeios noturnos de barco para admirar a profusão de cores nas pontes e prédios iluminados.

China 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0

1983

1993

Universidade de Boston (EUA) e especialista em China: “O paradoxo da era pós-Mao é que a economia dinâmica e em expansão enfraqueceu a autoridade do Partido Comunista”, diz. “A contínua atenção dispensada à economia de mercado e a política de portas abertas podem, com o tempo, gerar uma sociedade mais livre e democrática, à medida que a população se tornar mais

América Latina

2003

A RedLat é formada por institutos de pesquisa de sete países: Cilas (México), Cenda (Chile), ENS (Colômbia), Plades (Peru), PIT-CNT (Uruguai), CUT Chile, CUT Colômbia, Instituto Cuesta Duarte (Uruguai), CTA (Argentina), Lasos/CEFS (Argentina), Confederação Sindical das Américas, CUT Brasil e Instituto Observatório Social (Brasil). 2 A Corporação para o Desenvolvimento da Produção e o Meio Ambiente Laboral (IFA), do Equador, participou como convidada da RedLat. O estudo é apoiado pela central sindical holandesa FNV. 3 China se torna principal parceiro comercial do Brasil. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 4 de maio de 2009. http://www.mdic. gov.br 4 ANTUNES, Claudia. China amplia comércio com a AL e compete com o Brasil. Folha de S. Paulo, 4 de outubro de 2009. 5 World Economic Outlook, Fundo Monetário Internacional, setembro de 2006. Dados citados por A. B. Castro no Seminário Interinstitucional Globalização, Governança e desenvolvimento. Da semi-estagnação ao crescimento num mercado sino-cêntrico. 2007. 6 CASTRO, A. B. “No Espelho da China”. In: Luiz Carlos Bresser Pereira. (Org.). Desenvolvimento Hoje : Editor Fundação Getúlio Vargas, 2008. 7 DANTAS, Fernando. Brasil precisa de frentes estratégicas para encarar a China. Entrevista com A. B. Castro. O Estado de São Paulo, 30 de março de 2008. 8 ROCH, Eugenio Anguiano. “China como potencia mundial: presente y futuro”. In CORNEJO, Romer (coord.). China: radiografía de una potencia en ascenso. El Colegio de México, 2008. 9 A República Popular da China, estabelecida no continente, e a República da China, assentada na ilha da Taiwan, rivalizam desde 1949, quando o Partido Comunista proclamou sua vitória sobre o Guomindang como único governo legítimo. Ambas reivindicam a unidade total do país sob regimes bem diferentes. 10 Hong Kong deixou de ser colônia britânica em julho de 1997 e foi reincorporada à China. 11 Brasil e China discutem combate à pobreza. PrimaPagina/PNUD, 19 de agosto de 2009. http:// www.pnud.org.br 12 GOLDMAN, Merle. “A China no início do século 21”. Em China – uma nova história. FAIRBANK, John King, GOLDMAN, M. 3ª. edição, L&PM, 2008. 1

Participação nas Exportações Mundiais China e América Latina (em %)

2006

De cada cinco habitantes do mundo, um é chinês. São 1,3 bilhão de pessoas com poder de compra crescente e novas necessidades de consumo

próspera e começar a exigir maiores direitos”. Goldman ressalva que o desenvolvimento de instituições políticas apropriadas, tais como eleições locais, ainda está em estágio embrionário e poderia facilmente ser suspenso.


análise

Propostas para o

desenvolvimento sustentável Líderes sindicais, cientistas políticos, empresários, ativistas ambientais, pesquisadores e outros especialistas opinam sobre os rumos a tomar para que o Brasil cresça com justiça social.

Q

ual é o modelo ideal de desenvolvimento para o Brasil? A Revista Observatório Social fez essa pergunta a 13 especialistas em diversas áreas de conhecimento: líderes sindicais, economistas, cientistas políticos, ativistas de defesa do consumidor e do meio ambiente, pesquisadores e empresários. Os artigos das próximas páginas apresentam ideias para o país evoluir de maneira sustentável e enfrentar o grave problema da desigualdade. Não são receitas prontas, evidentemente, mas subsídios importantes para um amplo debate nacional, que ganha ainda mais relevância neste ano de eleições. Na pauta, entre outros temas, a consolidação das conquistas socioeconômicas recentes, a disseminação da educação, o enfrentamento da miséria, da concentração de renda e de sérias questões ambientais. “Defendemos uma proposta de reorganização do Estado brasileiro segundo princípios democráticos, assentada na garantia e na ampliação de direitos, especialmente


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Observatório social •

Articulistas

os do trabalho, e na crítica ao predomínio dos princípios mercantis”, diz o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique da Silva Santos. As palavras do presidente do Instituto Observatório Social (IOS), Aparecido Donizeti da Silva, vão no mesmo sentido: “Nossa luta é por um desenvolvimento que priorize a vida, todas as formas de vida, e o espírito de solidariedade”, diz. O diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, assinala que o país está diante de uma oportunidade ímpar: “O Brasil é um caso histórico e poderá ser um líder mundial, capaz de revelar que, no espaço da democracia, é possível fazer profundas transformações sociais assentadas em uma base econômica sustentável, rompendo com as iniquidades”. O enfrentamento da desigualdade é vital para que o Brasil de desenvolva, reitera o economista Ladislau Dowbor: “Democratização econômica, construção da economia sustentável, acesso ao conhecimento, gestão descentralizada e participativa, e racionalização do processo de escolha dos políticos são os eixos essenciais para viabilizar a construção do novo modelo”.

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Artur Henrique da Silva Santos Presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT)

18

Aparecido Donizeti da Silva Presidente do Instituto Observatório Social (IOS)

20

Clemente Ganz Lucio Diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)

22

João Paulo Veiga Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP)

24 26

José Antônio Muniz Lopes Presidente da Eletrobrás

28

Lisa Gunn Coordenadora executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)

30

Paulo Barreto Pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon)

32

Paulo Skaf Presidente da Federação e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/ Ciesp)

34

Rubens Harry Born Coordenador adjunto do Vitae Civilis – Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz

36

Sérgio Leitão e Rafael Georges Diretor e coordenador de Campanhas do Greenpeace no Brasil

38

Tasso Rezende de Azevedo Engenheiro florestal, consultor para florestas e clima

Ladislau Dowbor Professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)


análise

Perspectivas para a sustentabilidade A

Artur Henrique da Silva Santos

*

o longo de anos, o processo de globalização, sob hegemonia do capital financeiro, fez com que os Estados nacionais, dentre eles o Brasil, perdessem, progressivamente, sua capacidade de gerar, controlar e executar uma série de políticas de suporte ao desenvolvimento econômico, de inclusão social com a geração de emprego e renda e valorização do trabalho. Suas consequências mais desastrosas são: desestruturação da nossa economia, fragilização do poder do Estado e desregulamentação do nosso mercado de trabalho. A retomada do papel ativo do Estado para a promoção do crescimento econômico é fundamental e significa reorientação da política econômica, das políticas sociais e da estruturação do mercado de trabalho. Mais recentemente, a crise econômica e financeira internacional, que levou dezenas de países à bancarrota, teve início no centro do capitalismo mundial. Ela possui diversas dimensões: financeira, econômica, social, alimentar, energética, ambiental, política e ideológica. Expressa, também, uma crise do modelo global de produção e consumo de alimentos que coloca em questão a segurança alimentar dos povos e compromete as iniciativas de inclusão social de parcelas significativas das populações carentes. Portanto, coloca-se como necessária uma vigorosa alteração na matriz energética mundial, possibilitando que esta contemple fontes renováveis e não poluentes de energia, que não

venham a agravar a fome e o aquecimento global do planeta. E, também, solucione aspectos equivocados dos modelos de desenvolvimento, altamente poluidores, hoje adotados por uma parcela razoável de países desenvolvidos ou em desenvolvimento e até mesmo mudanças de paradigmas. Essa crise atual permite que questionemos com mais intensidade os pilares da dominação capitalista. Sua superação deve resultar da construção de um modelo alternativo, democrático e popular com horizontes transitórios para a sociedade socialista. É nesse sentido que se localizam os projetos de Estado e de desenvolvimento defendidos por nós, que são antagônicos aos atuais, hegemonizados pelo capital. Por isso, a CUT assumiu a estratégia de disputar os rumos do desenvolvimento nacional. Trata-se de uma disputa de hegemonia com o capital financeiro, os grandes meios de comunicação e os setores neoliberais organizados que dão base política para o bloqueio às mudanças. Disputar um modelo de desenvolvimento que tenha como elemento decisivo a participação popular nas decisões políticas; com sustentabilidade econômica, social e ambiental, distribuição de renda e valorização do trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade. Defendemos uma proposta de reorganização do Estado brasileiro segundo princípios democráticos; assentada na garantia e na ampliação de direitos – especialmente os do trabalho -, na © foto dino santos


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crítica ao predomínio dos princípios mercantis, para reverter a lógica privatista neoliberal de sucateamento e desmonte do Estado, e na constituição de uma esfera pública cada vez mais estruturada por processos de democracia direta e participativa. Isto implica a constituição de um Estado forte, com capacidade de investimentos em políticas públicas voltadas para o atendimento dos interesses e demandas da maioria da população nos campos da educação, da saúde e da proteção social; fomentando a geração de trabalho decente e ampliando o poder de compra por meio do estímulo à produção, junto com a ampliação dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Fortalecer o Estado e ampliar os espaços de participação social nas diversas instâncias decisórias é fundamental para que seja implementado um projeto legítimo de desenvolvimento para o país. Este projeto, portanto, deve continuar destacando a garantia de políticas sociais universais; investimento massivo em reforma agrária; políticas educacionais; políticas de proteção social para estruturação do mercado de trabalho, das relações de trabalho e para a distribuição de renda; a bioenergia, o petróleo e as questões ambientais e a garantia de que os empregos gerados com o crescimento econômico sejam adequados ao Trabalho Decente, com contrapartidas sociais, entre outros. Defendemos a ampliação dos investimentos sociais em infraestrutura urbana e rural (habitação popular, sane-

amento ambiental, mobilidade urbana e transporte público), assim como programas emergenciais focados naqueles que estão à margem do trabalho e submetidos à miséria extrema. Mas esses programas devem ser combinados com instrumentos de inclusão social. Políticas e programas sociais socialmente justos e ambientalmente sustentáveis. Para isso, no âmbito da Jornada pelo Desenvolvimento, realizaremos um Ciclo de Debates sobre temas que correspondem às questões essenciais para a conformação de um projeto de desenvolvimento para o Brasil sob a ótica da classe trabalhadora, a exemplo: política internacional, política agrícola e agrária, sistema financeiro e tributário, política cambial política industrial, democracia e participação popular, comunicação, educação, saúde, energia, saneamento e meio ambiente,

política urbana, mercado de trabalho e regulação, e igualdade de oportunidades; culminando na Plataforma da Classe Trabalhadora para 2010. Reafirmamos a atualidade de um projeto alternativo de sociedade, calcado na centralidade do trabalho, da democracia e da soberania. Por isso, a necessidade de repensar o paradigma energético produtivo, enfrentar o desafio da desigualdade, dinamizar a economia pela inclusão produtiva, capitalizar o potencial do desenvolvimento local, organizar instrumentos de regulação financeira. O Estado, o desenvolvimento e a organização social que defendemos fazem parte do projeto democrático e popular com horizontes transitórios para a sociedade socialista.

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Presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Defendemos uma proposta de reorganização do Estado segundo princípios democráticos; assentada na garantia e na ampliação de direitos – especialmente os do trabalho.


análise

As lições da crise e os anseios por renovação O

Aparecido Donizeti da Silva

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mundo nos últimos duzentos anos passou por modificações rápidas, profundas e radicais. A ascensão do capitalismo e a revolução industrial transformaram e aceleraram o modo de produção. A nascente indústria sugava o sangue, o suor, o sonho e a vida de homens, mulheres e crianças. Todos escravizados à necessidade de produção, de geração de mais valia, de lucro. O mecanismo perverso de acumulação de riqueza nas garras de poucos à custa de muitos desencadeou revoltas, protestos, lutas e produção teórica. Karl Marx certamente foi quem melhor desnudou esse mecanismo de exploração, influenciando a maioria dos movimentos e lutas da classe trabalhadora. Mobilizações, revoltas e revoluções fizeram com que o capitalismo, por necessidade de sobrevivência, realizasse reformas e concessões, de modo a disfarçar sua verdadeira e cruel face. Essas reformas resultaram na criação de direitos e conquistas sociais para os trabalhadores, embora a raiz do sistema ainda se baseie na exploração do trabalho. O capitalismo, por sua dinâmica própria, necessita de expansão e de acumulação. Assim criou uma sociedade voltada para o consumo desenfreado, utilizando-se de meios de comunicação eficientes, com a função de fabricar necessidades artificiais e vender essas necessidades. Para alimentar essa engrenagem, o sistema expandiu radicalmente a

industrialização, os meios de transportes e, por fim, produziu grandes inovações tecnológicas, representadas mais emblematicamente pela internet, com a consequente redução de tempo, de espaço e o rompimento das fronteiras entre os países. Vivemos na era da simultaneidade e da instantaneidade, para atender assim o ritmo cada vez mais célere do sistema. Predador por essência, o capitalismo não poupou o meio ambiente. Primeiramente, na Europa e na América do Norte, depois no resto do mundo, florestas inteiras foram e continuam a ser devastadas. Hoje, enxames de automóveis tomam conta das ruas, chaminés industriais vomitam fumaça. As cidades continuam a inchar, com gente se espremendo, muitas vezes, em habitações precárias, sem saneamento. Enquanto isso, a mecanização predomina nas áreas rurais, substituindo a mãode-obra humana. A terra fica cada vez mais concentrada, produtos químicos são usados para combater as pragas nas plantações, sem avaliar os efeitos na saúde humana, e alterações genéticas são feitas em legumes, frutas etc. A prioridade é a produção em larga escala, a redução de eventuais perdas e a geração de lucros às grandes corporações desse setor. Essa é, portanto, a crônica de uma tragédia anunciada. A recente crise econômica global mostrou o que a maioria já sabia, mas que alguns tentavam – e ainda tentam – esconder: © foto Paolla Bello


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que vivemos hoje uma crise mais profunda, civilizacional. O modelo de desenvolvimento econômico resultante do sistema capitalista caminha para um beco sem saída. Já as alternativas socialistas tradicionais acabaram ruindo na década de 80, sem apresentar caminhos diferentes de desenvolvimento. Isso nos obriga a buscar novos rumos urgentemente. A crise econômica mostrou que o gigantesco império estadunidense não está tão sólido assim. Aprendemos a lição de que tudo o que é sólido desmancha no ar. Há uma nova mentalidade entre as pessoas, um cansaço profundo desse sistema injusto, um anseio por renovação. De minha parte, ainda mantenho uma viva esperança. Governos, sociedade, movimentos sociais e sindicais já colocam em sua pauta a necessidade do “desenvolvimento sustentável”, embora existam diferenças de entendimento em relação a isso. Cabe a nós, militantes sociais, teóricos progressistas, defensores de um mundo justo e humano, fazer a ligação política entre o desenvolvimento social justo e sustentável e uma nova forma de sociedade, que não seja baseada na exploração. Nossa luta é por um desenvolvimento que priorize a vida, todas as formas de vida, e o espírito de solidariedade. Defendemos uma visão mais coletiva da sociedade, ao invés da individualidade exacerbada, do egoísmo, do espírito do salve-se quem puder.

O desenvolvimento econômico sustentável e socialmente justo parte de uma relação solidária com o nosso próximo, com o meio ambiente e com a Terra. Só assim pode-se entender que recursos naturais são limitados, que a natureza não é para ser subjugada e que é preciso respeitar as mais diversas manifestações do ser vivo. Estas reflexões, entretanto, não podem deixar de lado questões candentes e vergonhosas para a humanidade, como os milhões de excluídos, legiões inteiras de seres relegados à fome, à miséria e à falta de perspectiva. Propomos um desenvolvimento que não seja refém da lógica do mercado. Nós nos pautamos por uma perspectiva de desenvolvimento democrático, com a participação na riqueza social e na distribuição e no controle sobre os recursos, entre os quais, os provenientes da natureza. Estamos diante de uma grande questão política e numa encruzilhada da humanidade. Há chance de mudar. O que hoje existe não é o definitivo. Vamos então lutar por essas mudanças!

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Presidente do Instituto Observatório Social.

Nossa luta é por um desenvolvimento que priorize todas as formas de vida e o espírito de solidariedade, ao invés da individualidade exacerbada, do espírito do salve-se quem puder.


análise

A retomada do conceito de desenvolvimento V

Clemente Ganz Lúcio

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ive-se no Brasil um momento muito especial, pois há uma oportunidade real de um ciclo longo de crescimento. De 2004 a 2008, o país experimentou um ciclo inédito que combinou crescimento econômico, baixas taxas de inflação e aumento do investimento na frente do consumo das famílias. Este ciclo virtuoso esteve assentado na demanda interna somada e em uma boa performance no mercado externo. O fortalecimento do mercado interno do país foi promovido pela expansão do emprego, pelo acesso de consumidores assalariados ao crédito consignado, pela política de valorização do salário mínimo e das aposentadorias, pelas políticas sociais e, em especial, por aquelas associadas à transferência de renda. O país mudou a partir dos mais pobres, que ganharam cidadania econômica pelo emprego e pelo acesso à renda. A crise internacional chegou ao Brasil nos últimos meses de 2008, inicialmente com um forte impacto. Mas a reação foi rápida: o Brasil entrou por último na crise e foi o primeiro a sair. Já estamos em pleno ciclo de retomada do crescimento econômico. O saldo da crise é uma oportunidade inédita de colocar as idéias neoliberais no lugar de onde jamais deveriam ter saído. Lentamente vem sendo recuperada a noção de que crescimento econômico e desenvolvimento não são sinônimos. A experiência histórica revela que a sociedade moderna procura criar processos de incremento econômico crescente.

No entanto, existem inúmeros casos em que o aumento da riqueza e da renda agravou as desigualdades econômicas, sociais, culturais e políticas, ou seja, não gerou desenvolvimento. Não cabe, neste breve artigo, recuperar a história teórica e política do conceito de desenvolvimento. Mas é possível assinalar que o crescimento econômico é uma consequência da forma como se desenvolve a relação entre a produção realizada por meio do trabalho e da instituição da propriedade privada. Por sua vez, o desenvolvimento é a intenção política materializada na distribuição da riqueza e da renda, de maneira que a apropriação privada passa a ser relativizada pelo interesse público e mediada pelo Estado. Retomar a noção de desenvolvimento é politizar a produção econômica, colocando o Estado como agente central da relação histórica entre produção e distribuição da riqueza e da renda. Politizar é afirmar que liberdade e igualdade compõem dimensões estruturantes do projeto de uma determinada sociedade. O Brasil tem a oportunidade de recolocar a perspectiva do crescimento econômico, capaz de fortalecer a diversidade das cadeias produtivas que compõem seu vasto parque industrial e que possam ser territorialmente descentralizadas. Há um enorme déficit em termos de infraestrutura para dar suporte a este crescimento – indústria de base, malha de transportes, matriz energética etc. Existem, ainda, déficits tais como: © foto Divulgação


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habitacional, de saneamento, de viabilidade de mobilidade urbana, entre tantos outros. Há no que investir para se construir um novo país do ponto de vista da sua base material. Há um espaço enorme para a consolidação dos direitos sociais no campo da educação, da saúde, da seguridade, da cultura etc. Estamos diante de uma oportunidade ímpar de fazer do enfrentamento dessas mazelas um novo ciclo ou um novo movimento de expansão econômica. Mas é preciso ter claro que se trata de uma tarefa e também de um desafio assegurar que o desenvolvimento esteja plenamente contido nesse novo ciclo de crescimento. A intenção de equidade que propiciará a definição das estratégias distributivas já deve estar embutida no movimento de expansão econômica, de tal maneira que sejam novos o Homem e o ambiente que sairão desse ciclo. O ambiente deverá ser ecologicamente sustentável, de forma que todas as dimensões plenas, preservadas, recuperadas e fortalecidas de vida saudável constituam-se em bem econômico de interesse público inalienável. Todo o investimento que se realizará deverá ter como eixo estruturante a intenção de elevar a qualidade de vida da população que vive e viverá naquele território. O investimento precisará promover a construção do espaço urbano ou rural que capaz de estabelecer um padrão de vida que cresça a partir da distribuição equitativa da renda e da riqueza geradas pelo investimento.

O Homem que emergirá desse ciclo deverá ter novas alternativas culturais geradas pela elevação do nível de escolaridade e da qualidade da educação. Assim ele participa, como indivíduo e como nação, de um país que promove um sistema de seguridade social universal e que anima e incentiva a diversidade como um valor universal. O Brasil é um caso histórico e poderá ser um líder mundial, capaz de revelar que, no espaço da democracia, é possível fazer profundas transformações sociais assentadas em uma base econômica sustentável, rompendo com as desigualdades e iniquidades. A expansão industrial com uma estratégia de agregação crescente de inovação, tecnologia e valor em setores e cadeias produtivas; a ampliação do setor de serviços e comércio na mesma perspectiva, em um mercado de trabalho e de consumo que se fortalece pela ampliação da renda, deverão estar assentadas na base política de um projeto de desenvolvimento. Trata-se de uma tarefa essencialmente política que, caso seja feita de forma adequada e ousada, poderá criar novos paradigmas que mostrarão para o mundo, em especial para os países das Américas, África e leste europeu, as possibilidades da relação entre crescimento, desenvolvimento e democracia.

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Sociólogo, Diretor Técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, do Observatório da Equidade e do Conselho de Administração do CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos.

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O Brasil é um caso histórico e poderá ser um líder mundial, capaz de revelar que, no espaço da democracia, é possível fazer profundas mudanças sociais assentadas em uma base econômica sustentável.


análise

A mudança climática em marcha forçada A

João Paulo Veiga

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o contrário do que sugere o ciclo político internacional onde os governos, através de organizações internacionais, firmam compromissos que depois são implementados por cada país, a fase atual das negociações a respeito da mudança climática aponta o contrário: os países promovem políticas públicas domésticas, as empresas assumem metas voluntárias, a sociedade civil monitora, e só depois que os custos de redução de emissões estiverem devidamente contabilizados, os governos terão condições de se comprometer com metas obrigatórias de longo prazo em um grande acordo internacional multilateral. O perigo é real e imediato. A ONU aponta 300 mil mortes a cada ano por causa da desertificação de terras férteis e da alternância de secas em enchentes. Outros milhares migram anualmente em busca de água e comida. Em breve teremos uma nova categoria no âmbito das Nações Unidas, já batizada de “refugiados climáticos”. O presidente de Quiribati, uma ilha do Pacífico, fez um acordo com a Nova Zelândia para gerenciar a emigração de sua população. As ilhas Maldivas, antes um paraíso de mergulhadores, estão procurando terras para comprar em outros países porque dez anos, 40% do território vão desaparecer. No Brasil, enchentes e secas alternam-se na Amazônia, o mar avança no Recife, e tornados, ciclones e tempestades atingem populações no RS e SC, com milhares de desabrigados. Em todos os

casos, são os pobres, os mais vulneráveis, que sofrerão os efeitos das mudanças climáticas. Diante do maior desafio da humanidade em séculos, e após a mais esperada Conferência multilateral da ONU – a 15ª. Conferência da Convenção Quadro sobre Mudança Climática (realizada entre 07 e 19 de dezembro de 2009 em Copenhague), os resultados foram decepcionantes. Não foi alcançado um acordo internacional com metas obrigatórias de redução de emissões. Há apenas uma ‘Carta de Intenções’ firmada no último dia da Conferência. Além do resultado tímido – e do exagerado otimismo promovido pela média internacional a respeito das negociações –, a COP 15 trouxe avanços que devem ser considerados. Em primeiro lugar, é preciso entender a natureza do desafio. O fenômeno do aquecimento global guarda quatro características que o distinguem de outras negociações internacionais. Ele é, sem dúvida, um problema ambiental global porque atinge a todos indistintamente. Contudo, nas ações e políticas para combatê-lo, ele se torna um problema nacional/local porque são fundamentalmente os países que vão arcar com os custos de adaptação e mitigação. Ademais, é no plano nacional/local que o aquecimento global se transforma em um problema econômico e social de grande magnitude, em razão dos recursos necessários para atender grupos sociais atingidos, e incentivar setores e empresas a ado© foto Paolla Bello


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tar novas tecnologias que promovam a redução dos gases de efeito estufa. A segunda característica é a de que a mudança climática aparece como um problema intangível. Não se trata de visitar uma usina de enriquecimento de urânio para avaliar os seus objetivos supostamente pacíficos, ou negociar a redução de barreiras tarifárias para o comércio internacional. Esses são ativos tangíveis, concretos. Ocorre que o aquecimento global não apresenta problemas imediatos e visíveis no dia a dia. A grande maioria não fará nada de concreto para combatê-lo sem algum tipo de incentivo (renúncia fiscal, financiamento, transferência de tecnologia, etc.). A terceira diz respeito exatamente à relação entre ciência e política. A mudança climática é uma negociação informada pela pesquisa científica, ou seja, os governos e as Nações Unidas tomam decisões a partir dos riscos apontados pelos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental da Mudança Climática) que sistematizam um número muito grande de simulações a respeito do aquecimento global. O último relatório, de 2007, indica um limite tolerável para o aquecimento global de 2 graus celcius. Como há questionamentos a respeito da validade científica do aquecimento global, um elevado grau de incerteza contamina as negociações governamentais, o que atrasa a definição de metas obrigatórias de redução de emissões. Por fim, o aquecimento global diz respeito ao futuro. Isso significa que

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Para a maioria das pessoas, existe um abismo entre preocupações mundanas e o futuro, por mais apocalíptico que ele se apresente em razão de sua ameaça latente.

devemos abrir mão de algo agora – um custo imediato – para dispor de um nível de bem estar igual (ou um pouco inferior) lá na frente. Não é assim que costumamos lidar com os problemas presentes que nos afligem. Para a grande maioria das pessoas, existe um abismo entre preocupações mundanas e o futuro, por mais apocalíptico que ele se apresente em razão de sua ameaça latente. As pesquisas indicam que a maioria concorda que o problema é, de fato, uma grande ameaça, mas muito poucos estão dispostos a mudar algo significativo em suas vidas para combatê-lo, se não houver algum tipo de incentivo. Apesar do fracasso em fechar um

acordo com metas obrigatórias, a COP15 trouxe vários resultados positivos: 1. colocou a mudança climática no topo da agenda política internacional; 2. a mídia, apesar dos exageros, trouxe o debate a respeito da mudança climática para o dia-a-dia do cidadão, com mais discussão e conhecimento; 3. serviu como mais um estímulo ao setor privado para se antecipar às obrigações com projetos de redução voluntária de emissões; 4. promoveu a mobilização de movimentos sociais e ambientais no que se refere à uma agenda comum de luta.

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Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP).


análise

Energia e respeito ao meio ambiente O

José Antonio Muniz Lopes

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Brasil passa por mais um momento crucial na sua história. Depois de quase três décadas, voltamos a ter condições de dar um salto qualitativo na nossa economia, passando, finalmente, da promessa de “país do futuro” para a realidade de país economicamente forte e socialmente justo. No entanto, que caminho tomaremos para atingir esse objetivo que se impõe à nossa geração? Da resposta a essa pergunta, dependerá o país que legaremos a nossos filhos e netos. Nós, da Eletrobrás, temos clara a nossa visão do caminho que tipo de modelo o Brasil deve seguir no Século XXI. Ele alia o desenvolvimento com o respeito ao meio ambiente. Essa é a única forma, a nosso ver, de garantir aos brasileiros um futuro no qual sustentabilidade seja a palavra-chave de um modo de vida, que garanta bemestar, tanto do ponto de vista econômico como do ambiental. De nossa parte, já estamos trabalhando com afinco para construir esse futuro que antevemos. Depois de anos de estudos, terminamos o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) do Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte, documentos básicos para o prosseguimento do caminho rumo ao leilão da usina Belo Monte. Costumo dizer que Belo Monte é a melhor usina em estudo hoje no mundo. Não só pelos aspectos técnicos – a relação entre a capacidade instalada de 11.223 MW para 516 km² de área

alagada –, mas também pelo aspecto ambiental. O projeto, por exemplo, prevê que nenhum centímetro quadrado de área indígena será alagada, e que o futuro lago do reservatório será construído utilizando cerca de 200 km² já invadidos todos os anos nas cheias do rio Xingu. Essas cheias desabrigam milhares de pessoas, que, no restante do ano, vivem em condições subumanas. Esses brasileiros, que hoje vegetam na miséria, morando sobre palafitas, serão reassentados em bairros urbanizados, com casas decentes, saneamento básico, e, claro, energia elétrica. Nesses locais, haverá ainda centros comunitários, onde eles poderão ser capacitados em atividades que lhes gerem emprego e renda, permitindo o resgate sua cidadania. A Eletrobrás, porém, não se contenta com o excelente projeto de Belo Monte. Empresa inovadora por excelência, pensa em maneiras de superá-lo e os nossos engenheiros já imaginaram um novo conceito, que revolucionará a construção e a operação de empreendimentos de geração hidrelétrica: as usinas-plataforma. Este novo tipo de maneira de construir e operar uma usina hidrelétrica inspira-se nas plataformas de extração de petróleo em mar aberto. Da mesma maneira que nestas, as turmas que implantarão o empreendimento não ficarão em vilas erguidas ao lado da obra, mas em cidades já existentes, de onde irão para os canteiros por via aé© foto Jorge Coelho/Eletrobras


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rea, trabalhando em regime de turnos, um sistema que será mantido durante a operação da usina. Com estas providências, os empreendimentos afetarão minimamente o meio ambiente natural e social de onde forem implantadas as usinas. As usinas-plataforma não são uma ficção distante. A Eletrobrás pretende que o primeiro empreendimento a utilizar o conceito seja o Complexo de Tapajós, um conjunto de seis usinas a ser erguido no sudoeste do Pará, com capacidade instalada de 10.600 MW e capaz de gerar mais de 50 milhões de MWh/ano, o suficiente para abastecer 25,7 milhões de residências e o equivalente a 30,5 milhões de barris de petróleo. Pelo nosso planejamento, em fins de 2010, essas usinas já estarão em condições de ir a leilão. Empreendimentos como Belo Monte e as usinas do Complexo do Tapajós definem bem a maneira como a Eletrobrás enxerga o futuro do Brasil – o resultado da união entre o desenvolvimento econômico e o bem-estar social, proporcionado pela tecnologia aplicada em benefício do homem.

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Presidente da Eletrobrás.

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Usinas de Belo Monte e Complexo do Tapajós definem como a Eletrobrás enxerga o futuro do Brasil – o resultado da união entre o desenvolvimento econômico e o bem-estar social.


análise

Combate à desigualdade é fundamental O

Ladislau Dowbor

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ponto crítico central a corrigir para que o Brasil tenha um desenvolvimento ideal é evidentemente a desigualdade. Não podemos mais ter um país com tantas distâncias sociais. Isto é uma vergonha em termos éticos e uma burrice em termos econômicos – sai muito mais barato tirar as pessoas da pobreza que arcar com as consequências – e um contra-senso em termos de resultado final: os pobres não vivem bem porque não têm acesso ao essencial, e os ricos não vivem bem porque vivem cercados de muros, de seguranças, de pânico da criança sequestrada. A quem interessa este Casa-grande e Senzala computadorizado e motorizado que vivemos? O segundo ponto crítico, o ambiental, é tão central quanto o primeiro, mas menos presente no nosso cotidiano. O que acontece com o clima, sabemos no intelecto, mas não sentimos na pele como sentimos o assalto na esquina. Por ser menos imediata, a ameaça não é menor. O futuro é mais distante, mas inexorável. O Brasil, com as suas fantásticas riquezas em solo, água, bosques, terra, costas, peixe, se deu ao luxo de destruir à vontade, porque há muito. Este é um caminho suicida. Em termos de potencial, temos de olhar simplesmente para os recursos subutilizados. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apresenta uma cifra simples: temos 50% da mão-de-obra na informalidade. Dos

100 milhões de brasileiros que compõem a nossa População Economicamente Ativa (PEA), apenas 31 milhões são formalmente empregados, e com 9 milhões no setor público, chegamos a 40 milhões. Dar instrumentos de desenvolvimento para trabalhadores subempregados, desempregados ou improdutivos é uma avenida ampla que temos pela frente. Sobretudo porque responde simultaneamente ao nosso desafio crítico principal, que é a desigualdade, e porque o principal vetor de produtividade hoje é a tecnologia. Não mais a que apenas substitui o emprego, mas a tecnologia que articula o econômico, o social e o ambiental, na linha dos empregos verdes. Dá mais emprego generalizar energia solar e eólica que extrair petróleo. A terra constitui outro imenso potencial. Temos mais de 200 milhões de hectares de terra agricultável, utilizamos menos de um terço. Hoje somos o país com a maior reserva mundial de terras paradas. Isto quando o mundo precisa desesperadamente de alimentos, de fibras, de ração animal, de biocombustíveis. Mas isto não se resolve através de gigantes do agronegócio baseado na monocultura e na química, que produz para a exportação, enriquece poucos e emprega menos ainda. Trata-se da visão moderna de um sistema que integra diversos cultivos, que se apoia fortemente na agricultura familiar, promove a redução de emissões de carbono, promo© foto Divulgação


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ve a transformação dos produtos nos centros urbanos regionais, evitando a armadilha de mais um ciclo agroexportador, processo que sempre retardou o nosso desenvolvimento. O terceiro potencial, talvez o mais importante, é a generalização do acesso ao conhecimento, à educação, aos sistemas online de informação, por meio de um aproveitamento sistemático e generalizado das novas tecnologias. O travamento do acesso à modernidade através da selva de patentes e de copyrights não tem sentido, e tem sido criticado por tantos estudos desde Joseph Stiglitz até o recente World Economic and Social Survey 2009 das Nações Unidas. O cerceamento da liberdade de acesso ao conhecimento é uma imensa bobagem. Nossa visão deve ser menos de contabilizar quantas patentes temos no exterior, e sim quantas pessoas, na base da sociedade, têm acesso adequado ao conhecimento. Em termos de governança, temos antes de tudo de resgatar a racionalidade do desenvolvimento local. Nossos 5.564 municípios são “blocos” com os

quais construiremos o país de amanhã. A economia no seu conjunto não funcionará se não forem bem administradas as unidades básicas, as empresas. Da mesma forma, temos de olhar cada um dos nossos municípios, assegurar que tenha acesso a banda larga, um sistema decente de educação, solo e subsolo racionalmente aproveitados. É um imenso potencial de desenvolvimento pela base, que precisa ser equipado de capacidades de governo correspondentes. Não temos hoje no Brasil sequer uma escola de formação de gestores municipais. Precisamos enfrentar de maneira realista a corrupção, não com proclamações, mas com mudança política. Enquanto os nossos políticos forem eleitos com financiamento dos grandes grupos econômicos, teremos bancada de ruralistas, de banqueiros, de empreiteiras, da mídia e das telecomunicações, das montadoras, mas não teremos bancada do povo. É fundamental uma reforma política que toque no essencial: o financiamento público das campanhas. Não é mais caro, pois os grupos econômicos

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Ter um país com tantas distâncias sociais é não somente uma vergonha em termos éticos, como é uma burrice em termos econômicos e um contra-senso em termos de resultado final. que compram os seus políticos colocam os gastos nos custos operacionais, e os pagamos da mesma forma. Com financiamento público, pelo menos saberemos aonde vai o nosso dinheiro, e teremos representantes públicos. Democratização econômica, construção da economia sustentável, acesso ao conhecimento, gestão descentralizada e participativa, e racionalização do processo de escolha dos políticos são os eixos essenciais para viabilizar a construção do novo modelo.

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Doutor em Ciências Econômicas, professor titular da PUCSP. http://dowbor.org


análise

Precisamos mudar os padrões de produção e consumo É

Lisa Gunn

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interessante considerar o paradoxo que a crise financeira global colocou: para enfrentar a crise, os governos buscam incentivar o consumo, mesmo sendo consenso que foi o consumo de forma irresponsável que levou à crise. Quem dera a crise do modelo de desenvolvimento que as mudanças climáticas tornam explícita causasse a comoção gerada pela crise econômica global que observamos há um ano... O atual modelo de desenvolvimento se baseia em padrões de produção e consumo que são socialmente injustos e ambientalmente insustentáveis. Já sabemos que, apesar de ainda termos grande parte da população mundial na margem do mercado de consumo, já ultrapassamos em mais de 30% a capacidade do planeta regenerar os recursos naturais que consumimos. Não há recursos suficientes para que todos sigam o modelo ocidental de consumo. Além disso, a mudança climática é real, causada pelas atividades humanas, e se tornará irreversível em poucos anos, com graves consequências para a sobrevivência das espécies, entre elas a humana, no planeta. Essa realidade é socialmente injusta de diferentes formas: em primeiro lugar, o consumismo é privilégio de poucos; em segundo lugar, ele está baseado em padrões de produção que geram poucos empregos e que, muitas vezes, se utilizam da exploração de pessoas em situação de pobreza (o trabalho escravo nas áreas rurais do Brasil faz parte de cadeias produtivas,

como por exemplo, a pecuária e a produção de algodão, assim como com o trabalho degradante em áreas urbanas, como é o caso dos bolivianos que trabalham em confecções no centro da cidade de São Paulo); em terceiro lugar, serão as pessoas menos favorecidas que enfrentarão com maior dificuldade os problemas causados pelas mudanças climáticas. As mudanças climáticas em curso nos põem o desafio de revolucionar as formas como consumimos e produzimos. Precisamos enfrentar a crise socioambiental que o atual modelo de desenvolvimento está causando de forma rápida e efetiva se quisermos minimizar os impactos negativos apontados pelos cientistas. Um Brasil mais sustentável significa termos um modelo de desenvolvimento que permita incluir a grande parte da população que ainda está à margem do mercado de consumo. Porém, dentro de padrões de produção que garantam, por um lado, trabalho e renda para um vida digna e, por outro lado, produzam bens e serviços mais “sustentáveis” – que, para serem produzidos, necessitem de menos energia e recursos naturais, sejam mais eficientes, duráveis, reciclados e recicláveis. Para mudar os padrões de consumo, precisamos que mudem os modelos de negócio – uma nova economia desmaterializada, pois de nada adianta termos educação ambiental com a quantidade de publicidade bombardeando que você só é feliz se tiver um carro e © foto Divulgação


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trocar de celular a cada temporada. A crise econômica vai passar em alguns anos, mas a crise socioambiental será o desafio das próximas gerações. O consumidor precisa mudar sua percepção de suficiência e tem o poder da escolha para contribuir para esta mudança, optando por produtos e serviços mais sustentáveis. Mas, considerando a atual oferta desses produtos e serviços, sua ação ainda é limitada. Poucos são os municípios que ofertam a coleta seletiva do lixo e empresas que assumem a sua responsabilidade pelo descarte de produtos no pós-consumo. A qualidade do transporte público ainda está aquém do desejado e algumas das atuais alternativas disponíveis são para aqueles que têm condições de pagar. Não é justo que apenas os mais ricos tenham acesso a comida mais saudável, produtos mais eficientes e carros menos poluentes. É um direito de todos consumir o que tem menor impacto negativo. Precisamos dar mais espaço, visibilidade, recursos, políticas públicas para iniciativas que buscam construir alternativas como a economia solidária, o comércio justo, a agricultura familiar e a agroecologia. Por outro lado, precisamos de políticas públicas que promovam padrões sustentáveis de produção e consumo; de instrumentos econômicos que incentivem e de instrumentos legais que obriguem; de menos discurso e de mais práticas empresariais responsáveis.

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Socióloga (IFCH/Unicamp), mestre em ciência ambiental (Procam/USP), coordenadora executiva do Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. www.idec.org.br

O atual modelo de desenvolvimento se baseia em padrões de produção e consumo socialmente injustos e ambientalmente insustentáveis.

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análise

Em busca dos círculos virtuosos D

Paulo Barreto

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iariamente, ao parar em algumas das principais esquinas de Belém, me envergonho com o que vejo. Crianças, jovens, adultos e idosos lutam pela sobrevivência por meio de atividades ilegais, desnecessárias ou pouco produtivas. Uns imploram para limpar os pára-brisas dos carros, outros vendem amendoins, CDs piratas e bugigangas. O olhar da maioria deles transparece o sofrimento. Eles são batalhadores, mas não conseguiram oportunidades melhores; ou pior, não estão preparados para as melhores oportunidades que estão até sobrando em alguns setores no Brasil. Infelizmente, essa situação é frequente nas principais esquinas de outras grandes cidades, nas favelas e nos campos. Apesar de algumas melhorias na economia nacional nos últimos anos, é óbvio que falhamos gravemente em criar oportunidades para todos. Para tanto, precisaremos promover círculos virtuosos na economia, na sociedade e na política. A população marginalizada precisará de educação pública de qualidade e serviços preventivos e curativos de saúde. Será desafiador prover esses serviços públicos em um mundo que provavelmente estará crescendo menos nos próximos anos. Menor crescimento econômico resultará em menor arrecadação de impostos. Aumentar impostos será cada vez mais difícil, pois a carga tributária já atinge quase 40% do PIB. Será preciso fazer mais com menos – ou seja, o governo precisará aumentar

drasticamente sua eficiência. Essa é uma tarefa difícil, mas não impossível. Outros países já a fizeram, como a Inglaterra e Suíça, e outros estão fazendo, como a França **. Podemos aprender com essas experiências que envolveram, entre outros, esforços coordenados em todos os setores do governo, a valorização dos funcionários públicos, a informatização, o uso de contratos de gestão e metas de eficiência. A crise econômica e as eleições de 2010 criam uma oportunidade única de eleger um líder para deslanchar um programa de eficiência governamental na escala necessária. Se o governo aumentasse a sua produtividade em 10%, o valor disponível para investimentos aumentaria em cerca de R$ 100 bilhões ao ano, considerando uma arrecadação de cerca de um R$ 1 trilhão em 2008; ou seja, o equivalente a nove vezes o programa bolsa família. Paralelamente ao aumento da eficiência, seria necessário reduzir a corrupção, com um forte envolvimento e aumento da eficiência dos órgãos supervisores como Tribunal de Contas da União, os Ministérios Públicos e o Judiciário. Os chefes do executivo também têm grande papel a cumprir. Uma medida simples seria obrigar o preenchimento da maioria dos cargos de confiança com funcionários de carreira. Desapareceria uma das principais moedas de troca da corrupção – os cargos públicos comissionados. Aumentar a transparência da adminis© foto divulgação


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tração pública reduziria as oportunidades de corrupção. Segundo, seria necessário ampliar as reformas que facilitam os investimentos privados. Apesar de melhorias como a adoção do programa Simples para cobrança de impostos, o Brasil continua sendo um dos lugares com maiores barreiras aos investimentos. Eliminar as barreiras restantes atrairia mais recursos privados, que gerariam mais empregos, além de investimentos em infraestrutura necessária para melhorar a vida dos mais pobres, como em saneamento e transportes públicos. Finalmente, a melhoria da qualidade de vida no país deverá ser baseada no uso sustentável dos recursos naturais. É imperativo deixar condições favoráveis de desenvolvimento para as próximas gerações. Isso só será possível se reduzirmos as emissões de gases que estão provocando as mudanças climáticas. Desenvolver poluindo menos implicará também fazer mais com menos. Isso dependerá de investimentos em ciência e tecnologia para o desenvolvimento de formas mais limpas de produção, e de reformas nas leis ambientais e tributárias que facilitem a adoção destas tecnologias. Os desafios para empurrar o país a um desenvolvimento mais inclusivo e sustentável são enormes. Porém, é possível imaginar que podemos vencêlos, considerando que nos últimos 15 anos vencemos outros desafios grandiosos. O início vitorioso do comba-

te à inflação ocorreu justamente em um período de crise aguda – após a renúncia de um presidente para fugir do impeachment e de escândalos sobre o orçamento no Congresso. As crises econômica, ambiental e os escândalos de corrupção podem agora nos inspirar a melhorar novamente.

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Engenheiro Florestal pela Faculdade de Ciências Agrárias do Pará (atual Universidade Rural da Amazônia) e mestre em Ciências Florestais pela Universidade Yale (EUA). É um dos fundadores e pesquisador sênior do Imazon. * Ver descrição de exemplos em François Bouvard, Thomas Dohrmann & Nick Lovegrove. The case for government reform now. McKinsey Quarterly, 2009, Number 3. ** Ver descrição de exemplos em François Bouvard, Thomas Dohrmann & Nick Lovegrove. The case for government reform now. McKinsey Quarterly, 2009, Number 3.

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Será preciso fazer mais com menos – ou seja, o governo precisará aumentar drasticamente sua eficiência. É uma tarefa difícil, mas não impossível, pois outros países já a fizeram.


análise

Viabilizar o desenvolvimento é dever de todos C

Paulo Skaf

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onciliar o crescimento econômico com justiça social e a criação de empregos acima dos índices de expansão demográfica, com os preceitos da sustentabilidade socioambiental, é a síntese do modelo ideal de desenvolvimento no mundo contemporâneo. Para o Brasil, de modo particular, viabilizar tais conquistas implica, necessariamente, solucionar alguns gargalos persistentes. Nesse sentido, é prioritário resgatar o passivo social, democratizar as oportunidades e transformar empregos, empreendedorismo e salários dignos nos principais meios de inclusão de milhões de habitantes nas prerrogativas da cidadania. É premente, ainda, adequar os padrões produtivos à realidade de um planeta em processo de mudança climática e cada vez menos rico em recursos naturais e fósseis. Nesses contextos, não basta a ação do Estado, pois os desafios são imensos. Felizmente, a iniciativa privada tem ajudado a mitigar as consequências, para a economia e a qualidade da vida, dos problemas brasileiros nãoresolvidos ao longo da história. Há relevantes contribuições no exercício da cidadania empresarial, em programas de inclusão, educação, assistência médica, alimentação, cultura, esportes e lazer. São referenciais, nessas áreas, os exemplos da indústria, em especial nos dois grandes pilares do novo modelo de desenvolvimento: o ensino e a produção ecologicamente correta. Na área da educação, que consubstancia o direito humano essencial

para a inclusão de milhões de habitantes nos benefícios da economia e o exercício pleno das prerrogativas do civismo, é emblemático o trabalho realizado pelo Senai-SP e o Sesi-SP. Estas instituições do Sistema Fiesp, precursoras do Terceiro Setor no Brasil, oferecem uma das maiores redes de ensino básico do País, cuja qualidade é um parâmetro cada vez mais reconhecido. No seu esforço crescente para prover educação de qualidade aos filhos dos industriários e à sociedade em geral, o Sesi-SP está instituindo a jornada de período integral em suas escolas, com horários para aulas, estudos em bibliotecas, alimentação saudável, acompanhamento médico e atividades culturais e esportivas. Há, ainda, a possibilidade de o aluno ter formação profissionalizante integrada, por intermédio do SenaiSP. Esta instituição, de sua parte, é uma das mais reconhecidas do mundo na educação profissional, mantendo cursos técnicos, superiores e de ensino continuado. O número de matrículas anuais supera um milhão. São formados recursos humanos para todos os ramos da indústria e com habilidades ecléticas, capazes, portanto, de responder às novas exigências do mercado de trabalho. Também são relevantes os avanços quanto à chamada “produção limpa”; ou seja, os meios, tecnologias e processos que possibilitam a fabricação dos mesmos bens e a prestação dos mesmos serviços com menor © foto divulgação


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É prioritário democratizar as oportunidades e transformar empregos, empreendedorismo e salários dignos nos principais meios de inclusão de milhões de habitantes. consumo de recursos materiais e energéticos e geração mínima ou nula de poluentes. E todos ganham com isso: o meio ambiente, porque há economia de recursos naturais e menor descarga de poluentes; a própria indústria, com mais produtividade, retorno financeiro e o valor agregado da cidadania empresarial; o trabalhador, com mais segurança e salubridade no ambiente profissional; e toda a sociedade. Afinal, reduzir os impactos ambientais da produção melhora a qualidade da vida, economiza água e energia e reduz o uso de matérias-primas tóxicas. Na Fiesp/Ciesp, o tema é recorrente. Exemplos disso são o Prêmio de

Mérito Ambiental e o Prêmio Fiesp de Conservação e Reúso da Água. Ambos têm como finalidade reconhecer e estimular as boas práticas ambientais. Cabe ressaltar que nos dedicamos a estudos, análises e reflexões. Mantemos o Departamento de Meio Ambiente, com técnicos altamente capacitados, que se empenham em assuntos como manejo de resíduos sólidos industriais, uso do solo e da água e poluição. Dentre outras medidas, também criamos o Conselho Superior composto por ambientalistas e personalidades do meio acadêmico, dedicado ao debate da questão ambiental sob a perspectiva da indústria.

A responsabilidade ante as demandas do desenvolvimento sustentável exige imenso esforço por parte dos setores público e privado. Não há alternativa senão vencer os desafios! É inimaginável a sobrevivência digna da presente civilização, inclusive nas nações desenvolvidas, num habitat insalubre e superaquecido, com recursos naturais escassos, produção insuficiente e milhões de habitantes excluídos sumariamente dos benefícios da economia pela precariedade do ensino. Ou seja, todos precisam participar!

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Presidente da Federação e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp).


análise

Retomar fundamentos, cuidar do presente e do futuro M

Rubens Harry Born

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uito já se debateu e se escreveu sobre modelos de desenvolvimento, para o Brasil e para o mundo em geral. O tema reflete, obviamente, disputas políticas em nossa sociedade, ao revelar os interesses de grupos e setores diversos em manter ou ter acesso a benefícios sociais, econômicos, culturais e políticos, entre outros. Revela também as perspectivas e concepções sobre o que deve ser o desenvolvimento de uma sociedade, e quais valores e princípios deveriam orientar a sua consecução. Na retórica, nos papéis e na legislação, encontram-se nas diversas correntes diversos princípios comuns sobre os quais somente a prática (ou ausência de instrumentos para efetivação) pode revelar as diferenças de concepções: igualdade, equidade, democracia, participação, bem-estar e dignidade de vida, justiça social, proteção de minorias e de portadores de necessidades especiais, sustentabilidade e integridade ambiental. O ideário de sociedades sustentáveis tomou visibilidade à época da Rio-92, a Conferencia das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente. Mas o evento pouco adentrou nos sistemas institucionalizados de elaboração e gestão de políticas públicas. Desde a Rio-92, os diversos acordos, legalmente vinculantes como as Convenções de Mudança de Clima e de Biodiversidade, ou de cumprimento voluntário, como a Agenda 21, a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento, deveriam ter sido referência para a adequação de políticas de desenvolvimento. Igualmente com as decisões das demais Conferencias da ONU. A Cúpula do Milênio, em 2000, reuniu, de forma sintética, simplista e ingênua, mas com perspectiva pragmática, alguns dos anseios universais e internacionais nos Objetivos e Metas de Desenvolvimento do Milênio. Esses, como também os documentos globais que lhe serviram de base, estão marcados por diferentes concepções de como obter “desenvolvimento”. As crises econômico-financeira e ambiental-climática são reveladoras das mazelas de concepções “desenvolvimentistas”, inadequadas para superar os problemas de esgotamento dos recursos naturais, concentração de poder e riqueza, êxodos e desigualdades no acesso à educação, saúde, habitação, emprego e trabalho digno, etc. Como alterar visões estabelecidas sobre o “crescimento econômico” como o caminho inexorável para a promoção da dignidade da vida humana? Como conciliar necessidades de investimentos em infraestrutura com o mais baixo impacto ambiental, cultural e social? As políticas de sustentabilidade requerem largos prazos para serem efetivadas, mas isso não impede que gradativamente se busquem as opções alterativas (e não meramente alternativas) do “desenvolvimento” atual. Por exemplo, investimentos na ampliação de sistemas de transporte público, limpo e eficiente, ou na geração de fon© foto divulgação


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Políticas de sustentabilidade precisam adequar nossas habitações e habitats aos desafios de formar habitantes comprometidos com a justiça, a solidariedade, a democracia e a dignidade de vida.

tes de energia solar e eólica deveriam eliminar as políticas de incentivo à compra de veículos particulares ou de concentração da produção e oferta de energia em poucas corporações. Isso requer privilegiar sistemas de produção e comércio local, e um novo olhar sobre a ocupação e uso do território. Políticas de sustentabilidade do desenvolvimento humano necessitam, pois, buscar a adequação de nossas habitações (edificações) e habitats (cidade, campo, áreas naturais) com os desafios de formação de habitantes comprometidos com a sustentabilidade, justiça, solidariedade, democracia e dignidade de vida. Com a formação de capacidades das pessoas para liderar e atuar em prol desses valores. Mudar hábitos de consumo ou sistemas e tecnologias de produção pode significar tanto melhor saúde, qualidade de vida, diminuição de custos, e simultaneamente, promoção da qualidade ambiental, mitigação do aquecimento global e geração de empregos. Visto que mais de 60% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa provêm de mudanças do uso do solo e desmatamento, é imperativo que uma nova concepção de políticas de desenvolvimento contemple metas de redução e prevenção da perda de cobertura florestal. E também mecanismos políticos, legais e financeiros que possibilitem seu cumprimento. Esses mecanismos devem ser pensados não só para região amazônica, como também para os outros biomas, como a Mata

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Atlântica, que garante o fornecimento de água para mais de 120 milhões de brasileiros que vivem na região. A retomada do debate sobre modelos e políticas de desenvolvimento pode e deve valer-se de propostas, compromissos e acordos já celebrados internacional ou nacionalmente. Ou alguém seria capaz de dizer que novos modelos de desenvolvimento não devem atender à Declaração Universal dos Direitos Humanos? Em vez de reinventar a roda, por que não ganhar tempo e retomar propostas já feitas para a transição de políticas e da sociedade para a sustentabilidade? Mas, cuidado, devemos estar atentos se os instrumentos e planos são mesmo alteradores da noção do que seja desenvolvimento. Embora quase esquecida pelos atuais gestores governamentais, a Agenda 21, programa participativo de planejamento e gestão democrática da transição para a sustentabilidade, pode ser instrumento de transformação da práxis da política. Seja por promover uma prática distinta (participativa) dos moldes usuais de se fazer política, bem como para propor a política da prática. Enfim, é fundamental que a sociedade brasileira saiba o que quer, no presente, para contribuir para um Brasil e um mundo sustentável. É indispensável que o debate incorpore um senso de urgência e trate o tema com responsabilidade.

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Coordenador adjunto do Vitae Civilis Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz (www.vitaecivilis.org.br) ; coordenador da campanha tic tac tic tac pela proteção do clima (www.tictactictac.org.br).


análise

Nova equação para um velho problema A

Sergio Leitão

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Rafael Georges

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ntes que as mudanças climáticas fossem percebidas mundialmente como uma das maiores crises a serem superadas em nosso tempo, era comum ouvir de governantes brasileiros que o meio ambiente não fazia parte das prioridades do país. Nenhum governante se preocuparia em marcar sua administração com propostas que dessem conta do desafio de compatibilizar o crescimento econômico com o uso sustentável do meio ambiente. São exemplos a promoção da ocupação do Centro-Oeste (“integrar para não entregar”) e a promoção (e financiamento) de obras impactantes por parte do Estado, como a usina hidrelétrica de Balbina, ao norte do Amazonas. Um reflexo disso se deu em 1972, na I Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, em Estocolmo, Suécia. O Brasil do regime militar se fez presente para afirmar o direito de alcançarmos o mesmo padrão econômico dos países desenvolvidos, mesmo que à custa da destruição da natureza. Acontece que, desde as primeiras previsões palpáveis de quando e quanto o globo vai começar a aquecer por ação do homem, muita coisa mudou na prática. A expansão de energia eólica na China, por exemplo, vem dobrando a cada dois anos, e por lá já se investe pesado na fabricação de carros elétricos (com introdução de 1 milhão de unidades em 2010). Os Estados Unidos começam a dar sinais de mudança: o presidente Barack Obama exigiu que os fabricantes de carros, como con-

trapartida do dinheiro público que receberam para sair da crise econômica mundial de 2008/2009, produzissem automóveis mais eficientes, com menor consumo de combustível por quilômetro rodado. Ainda assim, os governos brasileiros não construíram uma nova postura no trato das questões ambientais: estamos dizendo o mesmo que dizíamos em 1972, apenas de uma forma mais suave, ou seja, cobramos dos países desenvolvidos primeiro, para depois fazermos nossa parte. Em 2009, Lula ofereceu generoso pacote de ajuda para evitar que os efeitos da crise econômica atingissem o país, sem que os seus beneficiários tenham sido obrigados a adotar novos padrões de produção. Esta forma de administrar nos coloca em uma tremenda situação de desvantagem. O potencial eólico do Nordeste, por exemplo, é o equivalente a seis “Itaipus”, e os cerca de 15% da população brasileira que vivem na Amazônia têm na floresta em pé uma fonte de riquezas quase completamente inexplorada. Um olhar inovador, que considere estas oportunidades, é o caminho para o estabelecimento de uma economia verde no Brasil. A importância da floresta amazônica por sua riqueza em biodiversidade é algo imensurável. Contudo, o desmatamento da Amazônia mantém o Brasil na incômoda quarta posição do ranking de maiores emissores de gases estufa do planeta. Mas por que se desmata? No caso brasileiro, basicamente para abrir no© fotos greenpeace


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Um olhar inovador, que considere as oportunidades de fontes alternativas de energia e a riqueza da floresta em pé, é o caminho para o estabelecimento de uma economia verde no Brasil.

vas terras para a agropecuária. A produção de soja e a criação extensiva de gado geram uma destruição que, cada vez mais, terá seu custo ambiental incluso no preço final do produto. Mais importante que atender a uma exigência de mercado, contudo, é entender a urgência das mudanças climáticas. Nossa posição ainda passiva internacionalmente não nos faz contribuir para o fim do aquecimento global. No cenário internacional, nos posicionamos com vaidade, por termos cerca de 45% nossa matriz energética limpa, e por abrigarmos uma das maiores extensões florestais do planeta. Os dados sobre queda no desmatamento também ajudaram a deixar o Brasil “bem na foto”. Lá fora, tudo ok. Aqui dentro, não é bem assim. A ofensiva ruralista visando “desmontar” a legislação ambiental, tendo como coração do debate o código florestal (hoje um dos mais importantes pilares da preservação), é um problema real. Argumenta-se que o conjunto de leis impede a expansão da agricultu-

ra, que hoje é feita à custa das florestas: de 2000 a 2006 saltamos de US$ 20,6 bilhões em exportações para US$ 49,4 bilhões, ou seja, 140%*. O próprio governo federal tem reiterado que existem áreas desmatadas e hoje abandonadas na Amazônia suficientes para permitir que o Brasil dobre a sua produção agrícola, sem que seja necessária a derrubada de uma única outra árvore sequer. A euforia do presidente Lula com a descoberta da reserva petrolífera localizada na chamada “camada pré-sal”, estimada em 80 bilhões de barris, foi tão grande que ele se esqueceu (ou fez questão de não se lembrar) dos impactos ambientais envolvidos. O Brasil emite anualmente 1,5 bilhão de toneladas de gases de efeito estufa, valor que praticamente dobraria com as emissões do pré-sal (estimadas em 1,3 bilhão de toneladas). Ainda que zerássemos o desmatamento na Amazônia, neste cenário o Brasil continuaria no topo do ranking dos emissores mundiais, na-

dando a braçadas na contramão. A questão não é mais saber quanto tempo o petróleo irá durar. O nosso papel e momento pedem que quebremos algumas amarras que insistem em negar algo bem consolidado, a mudança na lógica econômica. A nova equação que temos de formular servirá para resolver o velho problema do desenvolvimento destrutivo. As variáveis, no caso brasileiro, perpassam pela preservação das florestas e a introdução de novas energias renováveis em nossa matriz, sem deixar de lado a preservação dos oceanos, reguladores climáticos naturais em um mundo que tanto necessita regular o clima. Sergio Leitão é advogado especializado em Direito Socioambiental e atualmente exerce a função de diretor de campanhas do Greenpeace no Brasil. Rafael Georges é sociólogo e coordenador de campanhas do Greenpeace no Brasil *Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, edição de 10 de novembro de 2007, página B2.


análise

Um olhar para o Brasil pós PAC O

Tasso Rezende de Azevedo

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Brasil precisa criar o seu modelo próprio de desenvolvimento, voltado para a construção de uma sociedade educada, saudável, segura, ética, feliz e que seja capaz de respeitar as gerações passadas, ao mesmo tempo em que se mantenha compromissada com as gerações futuras. Este modelo sustentável deve se mostrar uma evolução frente ao atual modelo baseado no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), no aumento da produção bens e serviços, na expansão do consumo, na exploração dos recursos naturais, no fluxo de capitais e em outros indicadores que capturam pouco a essência da evolução de uma sociedade sustentável. Desenvolver-se de forma sustentável pode significar inclusive decrescer. Por exemplo, o uso de transporte público ou bicicleta como alternativa de transporte ao carro particular contribui para um ambiente menos poluído e amplia a prática física saudável. No entanto, baseia-se numa cadeia de produção de menor valor agregado e a migração de um modelo para o outro pode significar um decrescimento pelos conceitos tradicionais. O busca do desenvolvimento sustentável neste século XXI está intrinsecamente ligada à idéia de descarbonização da economia global. Esse processo é necessário para que as emissões do planeta sejam reduzidas em pelo menos 80% até 2050, de forma que a temperatura média do planeta não suba mais do que 2°C,

evitando uma séria de impactos negativos de enorme magnitude. É um desafio de fundamental importância para o Brasil, que poderá ser um dos países mais afetados pelas mudanças climáticas globais, em especial as alterações no regime hídrico que colocam em risco a agricultura e a geração de energia elétrica. A orientação para esta nova economia descarbonizada será geradora de grandes oportunidades, desafiará nossos cientistas e deverá estimular uma expansão significativa de nossa capacidade de P&D. A maioria das alternativas energéticas renováveis está baseada em ativos muito abundantes no Brasil, como as energias solar, eólica, de biomassa e hidrelétrica. O Brasil tem uma das maiores áreas de insolação do planeta e um dos maiores potenciais eólicos, tanto em terra quando em mar. Temos a maior capacidade de produção de biomassa de todo o planeta e domínio de tecnologias de biocombustíveis. Outras áreas também deverão ser cobertas. Os combustíveis fósseis – grandes vilões das emissões – são também base da indústria de plásticos, fertilizantes e outros químicos derivados. O Brasil já produz plástico biodegradável feito diretamente da biomassa de cana-de-açúcar. Investimentos bem orientados na área de biotecnologia e nas bio-refinarias podem viabilizar alternativas renováveis para quase a totalidade dos produtos da indústria petroquímica. © foto Paolla Bello


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O caminho para esse novo modelo de desenvolvimento deve ser traçado o quando antes. As decisões tomadas hoje em relação ao planejamento da infraestrutura, educação e tecnologia não podem ser revertidas no curto prazo. Uma nova termoelétrica a carvão mineral, quando contratada, indica o contrato, por décadas, de emissões de gases do efeito estufa. Da mesma forma, o modelo educacional implantado hoje afetará toda uma geração, não há retorno. Nos últimos 20 anos, o Brasil conseguiu avanços importantes na formação como nação, alcançando a estabilidade econômica e a implantando uma efetiva política de inclusão social. Agora é preciso ir além, é hora de colocar a sustentabilidade no centro da pauta de debate do país. O processo eleitoral de 2010 se apresenta como uma excelente oportunidade de fazer esta reflexão.

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Engenherio florestal, consultor para florestas e clima e exdiretor geral do Serviço Florestal Brasileiro.

A orientação para a nova economia descarbonizada será geradora de grandes oportunidades, desafiará nossos cientistas e irá estimular a expansão de nossa capacidade de pesquisa e desenvolvimento.

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Diálogo Social

em debate Por André Vendrami, Fernanda Saint’Claire e Paola Bello

A 9ª Conferência Internacional Pesquisa e Ação Sindical reforçou a importância do diálogo social como elemento da cultura democrática.

O

fortalecimento do diálogo social em empresas e movimentos sindicais foi o tema da 9ª Conferência Internacional Pesquisa e Ação Sindical, realizada entre 22 e 24 de setembro de 2009, em São Paulo. Cem representantes de redes de trabalhadores, escolas sindicais, dirigentes e assessores de centrais participaram do evento. A promoção foi do Instituto Observatório Social, da Fundação Friedrich Ebert (FES) e do CUTMulti – Ação Frente às Multinacionais, projeto da Central Única dos Trabalhadores (CUT), com apoio do Centro de Solidariedade da AFL-CIO, da FNV Mondiaal e da DGB Bildungswerk. Confira o resumo dos principais debates. Para assistir aos vídeos do evento e fazer o download de documentos mencionados e apresentações, acesse www.os.org.br.

Democracia é pré-requisito “A Conferência Pesquisa e Ação tem abordado temas fundamentais para o mundo do trabalho”, afirmou, na abertura do evento, o presidente do Instituto Observatório Social, Aparecido Donizeti. “Esperamos colaborar para a troca de informações e experiências sobre o diálogo social, tema que se mostra cada vez mais necessário”. Também participaram da abertura os

representantes da CUT, Manoel Messias, da FES, Waldeli Meleiro, do IOS, Amarildo Dudu Bolito, e da central holandesa FNV, Patricio Sambonino. Para o secretário de Saúde do Trabalhador da CUT, Manoel Messias, a dificuldade na promoção do diálogo é similar à que ainda existe no cumprimento das leis trabalhistas. “Há muitos locais de trabalho onde a legislação não é cumprida e a fiscalização não


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chega”, disse. “Nesses locais, também temos muita dificuldade em estabelecer diálogo entre empresas, sindicatos e trabalhadores”. O diretor do Instituto Primeiro Plano, Odilon Faccio, apresentou uma série de conceitos e desafios para o diálogo social no Brasil. Segundo Faccio, independentemente do número de atores que envolve, o diálogo social exige planejamento e compromisso. “Essa estratégia possibilita que todos saiam ganhando, mas, para isso, precisa ser bem planejada e ter atores capacitados”, afirmou. Entre as limitações ao diálogo social no Brasil, Faccio apontou como fator grave o baixo padrão democrático, tanto nas empresas quanto no país. Para ele, também são limitadores a falta de negociação, a imposição hierárquica de poder, o acesso desigual às informações e a resistência por parte dos sindicatos. “Alguns sindicatos entendem o diálogo social como um pacto com as empresas”, disse. “É preciso © foto tatiana cardeal

A democracia ainda não alcançou a todos, o que dificulta o diálogo social.

fortalecer a cultura democrática de poder e ver que, quando há diálogo, a relação entre sindicatos e empresa passa para outro patamar”. “Não há sentido em discutir o diálogo social fora da democracia”, reforçou o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Lúcio. Para ele, diálogo exige representantes fortes, que possam gerar mudanças no espaço de trabalho e superação das desigualdades sociais. O grande desafio é a execução de planos e estratégias traçados.

Multinacionais e a crise Diálogo social em tempos de crise foi o tema do segundo painel da Conferência. O diretor de Relações Institucionais da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Mário Sérgio Vasconcelos, falou sobre as políticas de inclusão da Federação junto a deficientes, negros e mulheres. Ele apresentou dados recolhidos por um censo realizado pela entidade, que basearam os projetos de inclusão. Os negros ganham 84% do valor recebido pelos brancos nas instituições bancárias e as mulheres negras têm pouca representação na classe. “As mulheres em geral são menos promovidas, o que pode refletir no pouco aumento salarial”, esclareceu. Para Vasconcelos, as práticas de inclusão não são disseminadas em todos os bancos da mesma forma. A Febraban apresentou seu programa de inclusão de deficientes no mercado de trabalho. “Dentro das cotas reservadas para deficientes, os bancos já ocupam


64% do total, mas não encontram funcionários capacitados”, afirmou. A entidade criou um projeto de capacitação, em parceira com prefeituras e outras entidades, como movimentos de Mulheres, Negros e LGBT. “Não é benevolência, é um programa de oportunidades”, concluiu. O projeto foi criticado pela secretária de Políticas Sociais da Confederação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf)/CUT, Deise Recoaro. Ela afirmou que o grande desafio é efetivar as conquistas durante a campanha salarial: “Para que esse processo dê certo, precisamos que ele seja discutido onde tudo começou, na inclusão da cláusula de Igualdade de Oportunidades na Convenção Coletiva de Trabalho”. Segundo Deise, o programa de Inclusão de Pessoas com Deficiência promovido pela Febraban não tem participação do movimento sindical. O diretor corporativo de Relações Trabalhistas da Vale, Roberto Rui, falou sobre a posição da empresa mineradora diante do diálogo social. “Tem

Em muitos setores a fiscalização não chega. Trabalho precário e ausência de diálogo.

erros em relação a diálogos e negociações que eu cometo desde 1971, e é muito fácil apontar o dedo e botar a culpa”, disse. “Eu vou tentar consertar o meu lado, não posso consertar os erros de vocês”. Para o representante da empresa mineradora, as conversas emperram por conta das barreiras ideológicas, da “demonização” das partes envolvidas, falta de confiança e transparência entre os negociadores, além da insegurança jurídica no país. A representante do United Steel Workers (EUA e Canadá), Carolyn Kazdyn, referiu-se à greve de trabalha-

dores canadenses frente à Vale: “Foi assinado um acordo com o governo canadense de que ninguém seria demitido durante três anos após a compra de uma mina de níquel pela Vale no país. A empresa chegou com imposições, querendo tirar vários direitos dos funcionários no Canadá. Isso não é diálogo social”, rebateu. Ao se referir ao acordo sigiloso assinado entre a Vale e o governo canadense para compra da empresa, a líder sindical cobrou transparência: “Peço formalmente uma cópia desse contrato”. O gerente de Relações Trabalhistas da Alcoa, Marcelo Mattos Lomelino, enfatizou que não se cria credibilidade de uma hora pra outra: “Dialogar apenas na crise não frutifica, é oportunismo”. Para ele, três pontos tornam fundamental o diálogo social entre as entidades: a conscientização de que conversar é preciso; a definição do modelo de relação trabalhista se quer; e a vontade dos envolvidos para começar a dialogar, estabelecendo objetivos e metas e dando continuidade ao processo. © foto tatiana cardeal


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A participação das entidades da sociedade civil é fundamental nas negociações. Antonio Lambertucci – Secretaria Geral da Presidência da República.

As ideias de Lomelino foram convergentes com as do presidente do Sindicato dos Ferroviários de Espírito Santo e coordenador da Rede Sindical Vale Brasil, João Batista Cavaglieri. “O Diálogo Social é o caminho. Ou a gente dialoga ou vamos todos para o buraco”, afirmou.

Setor sucroalcooleiro O secretário-executivo da Secretaria Geral da Presidência da República, Antonio Lambertucci, falou sobre o projeto do governo para os trabalhadores e produtores de cana-de-açúcar. “A participação das entidades da sociedade civil é fundamental nas negociações, portanto o presidente Lula delegou à Secretaria Geral a função de organizar uma mesa de diálogo para buscar entendimentos que melhorassem os patamares das condições de trabalho do

Diálogo social demanda a criação de vínculos de confiança entre as partes e perspectiva de continuidade. © foto Paolla Bello

setor sucroalcooleiro”, explicou. Aperfeiçoar as condições de trabalho no cultivo manual de cana-deaçúcar e criar condições de reinserção dos trabalhadores prejudicados com a mecanização do processo de produção são as duas grandes preocupações nessa discussão, iniciada em julho de 2008. Em 2009, foram incorporados às negociações o Ministério da Educação e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Entre os temas da pauta estão contrato de trabalho, trabalho forçado e trabalho infantil, organização sindical e pelos menos mais 15 outros pontos. Segundo Lambertucci, o item que menos tem avançado nas negociações é a alimentação do trabalhador. “Há desafios normais que a gente vai enfrentar, mas o governo tem expectativas de que podemos fazer dar cer-

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to”, ressalvou. Em seguida, elencou os avanços já conseguidos e acertados entre as partes, como o compromisso dos empregadores em contratar diretamente os trabalhadores para atividades manuais de plantio e corte de canade-açúcar com registro em carteira de trabalho e Previdência Social.

Noruega e Alemanha As diferenças entre as condições de diálogo social entre a Noruega e o Brasil foram apontadas pelo primeiro secretário da Embaixada da Noruega no Brasil, Jan Eriksen. Após uma breve explicação sobre o crescimento econômico norueguês, reforçado basicamente pelas indústrias energéticas, Eriksen falou sobre as negociações e diálogos entre funcionários e patrões, com leis e regras bem acertadas entre as categorias. O primeiro secretário deixou claro que o tempo é importante para que se desenvolva uma forte relação de confiança entre os sindicatos dos trabalhadores e patronais. Ressaltou que a Noruega é um país pequeno, o que facilita esse tipo de relacionamento. Também, por ser rico – graças à produção de petróleo e gás –, quando as questões envolvem dinheiro, o governo ajuda.


Eriksen disse que seu país toma muito cuidado com a questão da greve e tem regras rígidas para que ela não seja feita de modo desnecessário. “Quando não se consegue negociar um novo acordo salarial, por exemplo, a greve é permitida e o governo tem o papel de tentar ajudar nas negociações”, explicou. “Caso não haja um consenso, as duas partes ficam obrigadas a aceitar o que for decido pelo governo, mas isso só acontece em casos extremos”. Ainda na Europa, outro exemplo de diálogo social vem da Alemanha. O representante do Sindicato dos Metalúrgicos da Alemanha (Ig Metall), Dirk Linder, apresentou alguns casos de como as empresas e sindicatos chegaram a acordos. O país usou da redução da jornada de trabalho como um dos principais meios para não demitir em tempos de crise. Linder apresentou dados sobre as negociações com a empresa Siemens: “Garantimos no mínimo 85% do salário e qualificação durante a redução do tempo de trabalho, o que sempre havia sido negado, então é um avanço e tanto”, disse. Com a empresa Osram GmbH Berlin, fabricante de lâmpadas, chegouse ao consenso de dar oportunidade a trabalhadores semi ou não qualificados de sair da empresa por dois anos e conseguir formações adequadas. “E isso com os salários pagos, não totalmente pela Osram, mas com subsídios”, esclareceu.

verno brasileiro quanto às condições do trabalho na cana-de-açúcar: “O diálogo foi restrito, pois várias outras entidades poderiam ter feito parte da construção dessa agenda pública”. Após apresentar os avanços dos Pactos Empresariais Conexões Sustentáveis: São Paulo – Amazônia, Magri mostrou preocupação com os rumos das discussões e dos diálogos sociais pelo país. “Nós temos que conseguir construir um momento, antes das eleições de 2010, para que os atores de todos os setores possam sentar-se e discutir que Brasil nós queremos”, enfatizou. “Está na hora de criar um fórum nacional para esse tipo de diálogo”. O vice-presidente regional para a América Latina e Caribe da Federação Internacional dos Trabalhadores

Conexões Sustentáveis: bom exemplo de diálogo social.

do Ramo Químico (ICEM), Sérgio Novais, complementou: “Temos poucas experiências exitosas no Brasil, África e Ásia. Alguns sindicatos ainda não entendem que os diálogos sociais são mais uma ferramenta de negociação e que a criação dessas redes não tira o poder sindical”.

Indicadores O vice-presidente executivo do Ethos, Paulo Itacarambi, falou sobre os Indicadores Ethos, adotados por diferentes organizações brasileiras. Eles são uma ferramenta de autoavaliação sobre práticas de Responsabilidade Social na gestão empresarial, que auxiliam a gerenciar os impactos decorrentes das operações. “Quando a Responsabilidade Social é adotada, a empresa leva para dentro interesses diferentes”, observou. “Essa adoção exige mudança, já que produz resultados para todas as partes afetadas”. Para ele, há grande avanço na discussão, mas as mudanças profundas ainda são muito pequenas. A opinião foi compartilhada pelo supervisor do Dieese-DF, Clovis Scherer. Ele falou sobre a inclusão do diálogo social no processo de construção da ISO 26000, norma internacional

Pactos empresariais O pactos empresariais também foram citados como bons exemplos de criação de diálogos sociais. “Um diálogo social produtivo precisa ter igualdade de forças dos dois lados da mesa”, disse o assessor de Políticas Públicas do Instituto Ethos e secretário executivo da Iniciativa Conexões Sustentáveis: São Paulo – Amazônia, Caio Magri. Ele criticou a atuação do go© foto tatiana cardeal


Observatório social •

dedicada à Responsabilidade Social. Desde 2002, mais de 80 países participam da construção da ISO 26000. O texto final da norma, a ser aprovado em 2010, inclui questões relativas aos Direitos Humanos e Práticas Trabalhistas, como conquistas e convenções consagradas pelos trabalhadores – presentes nas Declarações dos Direitos Humanos e Convenções da Organização Internacional do Trabalho. Scherer disse que, apesar de poucos países possuírem representantes dos trabalhadores no grupo que constrói a norma, a unidade nas decisões tem favorecido os itens referentes aos trabalhadores. Ele enfatizou que, até a redação final da norma, será preciso lutar por essa unidade internacional. “A China, por exemplo, já se declarou contra as questões trabalhistas conquistadas no documento”, lamentou. Entre os itens da ISO 26000 relativos ao diálogo social e aos direitos dos trabalhadores estão liberdade sindical, direito à negociação coletiva e reprovação ao trabalho infantil e escravo.

Trabalho decente e redes sindicais O oficial do Projeto de Monitoramento e Avaliação do Progresso do Trabalho Decente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, José Ribeiro, apresentou os critérios considerados pela organização no debate sobre Trabalho Decente. A OIT não possui um indicador único que avalie o tema, mas utiliza conjuntos de indicadores relacionados, como oportunidades de emprego, rendimentos adequados, jornada de trabalho, saúde e segurança e igualdades de oportunidade e tratamento. O projeto CUTMulti realizou uma oficina com representantes de redes sindicais para aprofundar o tema da Conferência. Guiados pela pergunta O diálogo social pode ser uma ferramen-

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Quando a Responsabilidade Social é adotada, a empresa leva para dentro interesses diferentes. Essa adoção exige mudança, já que produz resultados para todas as partes afetadas. Paulo Itacarambi, vice-presidente executivo do Instituto Ethos. ta para ampliar a negociação e a ação sindical?, os participantes elaboraram propostas de utilização da ferramenta. Os grupos apontaram a comunicação como um dos principais pontos para impulsionar a proposta do diálogo social. Os sindicalistas decidiram pela criação de um grupo de trabalho permanente para desenvolver o tema e sensibilizar os dirigentes sindicais.

Novas tecnologias Também foi tema de debate o uso de novas tecnologias para potencializar a ação sindical. O professor da Fundação Cásper Libero, Sérgio Amadeu da Silveira, falou sobre o ativismo digital e como os movimentos podem se apropriar da internet. Ele chamou a atenção para as possibilidades de comunicação que as redes oferecem e como essas ferramentas proporcionam muito mais formas de interação que os meios tradicionais como rádio, jornal e TV. De acordo com Silveira, hoje as redes estão entre as principais formas de organização humana. “As grandes empresas já atuam dessa forma e quem não se adequar vai ficar em situação difícil”, disse. Sérgio Amadeu citou uma série de exemplos de como as novas tecnologias podem auxiliar na disseminação de conhecimentos e idéias. Enciclopédias online, blogs, TVs virtuais, redes sociais como orkut e facebook foram algumas das ferramentas mencionadas. Ele lem-

brou que a rede não serve apenas para simplificar processos e fazer reuniões, mas também como um meio para criar novos formatos de comunicação que potencializem as ações dos sindicatos. Ronaldo Baltar, representante do Instituto Observatório Social (IOS) e professor da Universidade de Londrina, também falou sobre a importância da tecnologia da informação como um canal importante de inclusão e participação. Baltar frisou que a internet pode complementar os meios tradicionais como boletins e jornais. Também pode ser útil para intensificar aprendizados, para a criação de campanhas e disseminação de conceitos. “O movimento sindical pode e deve ser um provedor de conhecimentos com a produção de conteúdos por meio desses instrumentos”, enfatizou. Fomentar a criação de grupos de discussão e priorizar a sistematização de informações foram algumas das dicas do professor Baltar para que as redes sindicais consolidem a sua organização. A ferramenta Conexão Sindical, criada e administrada pelo IOS, foi apresentada como uma das possibilidades para a troca de informações e divulgação de acordos, leis, pautas de reivindicação e outras informações relevantes para a ação sindical. O coordenador do projeto CUTMulti, José Drummond, incentivou o uso de novas tecnologias a favor da construção de novas formas de organização da classe trabalhadora.


Entrevistas

Cumprir a legislação é obrigação dos empresários E

m junho de 2009, a Presidência da República lançou o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-deAçúcar, uma iniciativa para valorizar boas práticas trabalhistas no setor sucroenergético brasileiro. O Compromisso reúne um conjunto de 30 práticas empresariais exemplares, que extrapolam as obrigações estabelecidas na lei. No lançamento, 75% das cerca de 400 empresas brasileiras do setor aderiram à iniciativa – três delas, com o nome na “lista suja” do Trabalho Escravo. Presente na 9ª. Conferência Internacional Pesquisa e Ação Sindical, o representante da Secretaria Geral da Presidência da República, Antonio Lambertucci, falou sobre as conquistas e os desafios do setor sucroenergético no Brasil.

Instituto Observatório Social >> Como surgiu a iniciativa de criar o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-açúcar? Antonio Lambertucci >> Surgiu a partir da preocupação do presidente Lula em possibilitar que os benefícios advindos com o crescimento do setor sucroalcooleiro pudessem ser melhor compartilhados por toda a sociedade brasileira, principalmente pelos trabalhadores. O presidente delegou à Secretaria Geral da Presidência da República que coordenasse o diálogo pra se chegar a um acordo de melhorar as condições de trabalho. Levamos um ano nesse processo rico e inovador de negociação de um acordo nacional tripartite. Todas as partes se colocaram à disposição e se comprometeram com a busca, o interesse e a vontade de se aprimorar as condições de trabalho. IOS >> Em que consiste o Compromisso? Lambertucci >> O Compromisso Nacional, de caráter voluntário, visa disseminar as boas práticas e valorizar as empresas que adotarem o aperfeiçoamento das condições do trabalho. Essas empresas serão reconhecidas de alguma maneira, terão seus nomes divulgados. Agora estamos em processo de construção do monitoramento desse cumprimento. O governo entra como mediador, mas também como

parte, porque há políticas públicas a priorizar, como as voltadas para melhorar a reinserção produtiva dos trabalhadores que foram desempregados pela mecanização. Existem possibilidades de alfabetização, direcionamento de políticas para cidadania, especialmente na origem dos trabalhadores migrantes, melhoria e adequação de equipamentos de proteção individual, entre outras. IOS >> De que forma o Compromisso Nacional se coloca frente aos “gatos”, que colaboram com o trabalho degradante e escravo? Lambertucci >> O governo tem uma política pública para melhorar a intermediação da mão-de-obra dos trabalhadores migrantes. Um dos compromissos dos empresários é extinguir a terceirização desse setor e contratar diretamente a partir do sistema público de emprego. Isso, na nossa avaliação, vai contribuir enormemente para diminuir a ação dos “gatos”, que são intermediários ilegais da mão-de-obra desses migrantes. IOS >> Como vai ser feito o monitoramento do Compromisso Nacional? Lambertucci >> Estamos ainda avaliando na condição tripartite, e ainda não concluímos a proposta.

ANTONIO LAMBERTUCCI


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Um dos compromissos dos empresários é extinguir a terceirização do setor sucroenergético e contratar a partir do sistema público de emprego. IOS >> O cenário brasileiro teve alguma mudança a partir da criação desse Compromisso? Lambertucci >> A postura dos empresários em relação às condições de trabalho tem sido muito aberta. Percebemos uma grande disposição em, de fato, investir para que as condições de trabalho melhorem. Umas já estão fazendo isso, outras estão bastante atrasadas, mas há essa disposição, o que já é uma grande mudança. IOS >> De que forma o Compromisso complementa o Pacto pela Erradicação do Trabalho Escravo? Lambertucci >> No nosso ponto de vista, tanto a legislação quanto as ações do Ministério do Trabalho no combate ao trabalho escravo são muito eficientes. A obrigação dos empresários é zelar para que não aconteça nenhum caso de trabalho análogo ao trabalho escravo. Cumprir a legislação é absolutamente obrigação dos empresários, não se questiona. O Compromisso conclama os empresários a melhorar as condições previstas na lei.

© fotos Paolla Bello

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Falta maturidade para o diálogo A crise econômica mundial foi o mote para alguns dos debates realizados durante a 9ª Conferência Internacional Pesquisa e Ação Sindical. O impacto sobre os trabalhadores e os entraves para o diálogo social estão sendo sentidos em vários setores da economia. Em entrevista ao Instituto Observatório Social, o presidente da Federação Internacional dos Sindicatos da Química, Energia e Mineração (ICEM) para a América Latina e Caribe, Sergio Novais, fala sobre o atual cenário do setor frente à crise.

Instituto Observatório Social >> Como a crise econômica tem afetado o setor químico e de mineração na América Latina? Sergio Novais >> Na nossa região, no setor químico, fomos pouco agredidos pela crise. Isso porque esta área está muito ligada à questão rural e da alimentação, que não foi afetada. Na Argentina, houve problemas pontuais que não foram causados diretamente pela crise. Por outro lado, a mineração foi bastante afetada. A mineração depende muito da exportação, que teve uma queda violenta. Isso gerou fechamento de plantas e afetou as cidades inteiras. IOS >> Qual é o atual cenário do setor quanto ao diálogo social? Novais – Poucas empresas praticam o diálogo social. Lamentavelmente, o setor não está maduro a ponto de as empresas sentarem conosco para buscar alternativas e abrir uma negocia-

SERGIO NOVAIS

ção. Normalmente, as multinacionais vêm com argumentos de que as decisões são tomadas na matriz e usam o diálogo mais para comunicar sobre essas decisões. Nós ainda precisamos dar um passo maior, para que as empresas estejam preparadas para não só nos comunicar, como também negociar. IOS >> Quais os principais desafios para melhorar esse cenário? Novais >> O primeiro desafio é convencer as empresas e os trabalhadores sobre a importância do diálogo. Alguns sindicatos ainda não entendem o que é o diálogo social e acabam criando certa rejeição. Ampliar o conhecimento não é fácil, mas estamos caminhando. Atividades como o Pesquisa e Ação Sindical, que convida empresas e sindicatos para entender um pouco melhor o processo, só ajudam para que a gente possa amanhã ter mais diálogo com várias multinacionais, envolvendo o governo, para que fomente isso.


Devastação S/A: Denúncias ambientais feitas na última edição da Revista do Observatório Social geram desdobramentos em diferentes setores.

A

edição 15 da Revista Observatório Social, publicada em junho de 2009, revelou como funcionam redes de negócios implicadas em crimes ambientais e trabalhistas. As informações apuradas permitiram fechar os elos de uma corrente de ilegalidades, que começa no interior da floresta amazônica e termina na casa de consumidores em todos os continentes. Extração ilegal de madeira e irregularidades nos mercados de soja e pecuária estiveram na mira da reportagem. Associações, governo, órgãos de monitoramento e algumas empresas se pronunciaram após a publicação da revista. A seguir, você encontra um resumo dessas manifestações.

O que dizem as empresas envolvidas Todas as empresas listadas na reportagem, tanto exportadoras quanto compradoras da madeira brasileira no exterior, foram novamente procuradas pela equipe de reportagem. Apenas oito das mais de 20 listadas responderam. A exportadora Interwood Brasil, do grupo francês Interwood, declarou que, embora os fornecedores denunciados ainda não tenham sido julgados pelos crimes ambientais, a empresa suspendeu as negociações com eles até que seja encerrado o julgamento. Também afirmou que implantou um programa interno para o monitoramento da origem de toda a madeira comprada e destinada à exportação, e que vem desenvolvendo projetos com comunidades locais a fim de garantir a origem de sua madeira. “Os programas

resultaram em uma queda significativa no volume de madeira comprada, mas decidimos não mais fazer quantidade, e sim, qualidade”, disse o gerente da Interwood Brasil, Carl Borg. A exportadora Lacex Timber também afirmou que interrompeu a compra de madeira das empresas denunciadas, embora alegue que toda a comercialização foi feita com o aval dos órgãos de fiscalização. Cláudio Andrade, sócio-proprietário da empresa, reforçou ainda que passou a exigir documentações adicionais das madeireiras. “Hoje em dia, além da GF3 da Sema [guia expedida pela Secretaria de Meio Ambiente], exigimos também [o mapeamento de] toda a cadeia de custódia de nossos fornecedores.” As exportadoras Vitória Régia e Pampa Exportações foram procuradas, mas não se manifestaram. Entre os compradores de madeira brasileira, as denúncias têm afetado as vendas e o tema ainda se mostra indigesto. A americana Robinson Lumber respondeu à redação com aspereza, acusando a equipe de falta de profissionalismo e inverdade, ignorando as provas apresentadas pela reportagem.Um dos diretores da empresa, Hank Marchal, afirmou que possui sérios compromissos com o meio ambiente e que não está ligado diretamente à compra da madeira retirada ilegalmente da Amazônia, mesmo tendo sido identificado na cadeia comercial. Disse, ainda, que não pode ser acusado de compra de madeira ilegal por ter entre seus fornecedores empresas denunciadas na reportagem.

Quanto mais dados tivermos sobre a questão, mais precisos poderemos ser em encontrar os culpados e fazer as acusações. Bruno Araújo Soares Valente, procurador da República.


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repercussões Finalizou alegando que empresas como a que dirige potencializam, para os brasileiros, os benefícios da venda dos recursos naturais da floresta amazônica nos mercados internacionais. O grupo dinamarquês DLH Nordisk, uma das maiores companhias mundiais de comercialização de madeira, culpa autoridades brasileiras. Erik Albrechtsen, consultor ambiental do grupo DLH, afirmou que a empresa não está envolvida em qualquer esquema de venda ilegal de madeira: “As autoridades brasileiras não estão fazendo esforços para motivar as empresas a investir em uma gestão florestal sustentável”, disse. “Pelo contrário, as autoridades dificultam diretamente a gestão sustentável das florestas, por meio da falta de aprovação de projetos de manejo florestal", afirmou. Questionado sobre as ações tomadas após a revelação do esquema de esquentamento de madeira ilegal, Albrechtsen afirmou que o grupo deixou de comprar madeira de apenas um dos fornecedores denunciados, e que preferiu acreditar na palavra do outro fornecedor. "Mantemos negociação porque temos garantias de que este fornecedor não recebe qualquer madeira proveniente da empresa sub-fornecedora, também referida na reportagem". O grupo Kingfisher afirmou que não faz mais negócios mais com as empresas denunciadas. Declarou que, atualmente, compra apenas de empresas certificadas pelo FSC, e que está trabalhando com a ONG Forest Trust (antiga Tropical Forest Trust), para identificar exportadoras socialmente responsáveis. A Iron Woods disse estar aumentando o escopo de produtos com selo Forest Sterwardship Council (FSC), © foto Sérgio Vignes

mas não respondeu se deixou ou se continua comprando madeira das empresas denunciadas. A Appalachian Flooring alegou que comprou apenas uma vez de algumas das empresas denunciadas, mas que elas já deixaram de ser seus fornecedores. A TW Wood Products disse que continua comprando das denunciadas. Alegou que as exportadoras são autorizadas pelo governo brasileiro.

Associações do setor Associações do setor madeireiro no Pará também se manifestaram após a publicação da reportagem. Em nota enviada à redação, a Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará (Aimex) reforçou os danos causados pela corrupção dos órgãos de monitoramento. “Ocorre que o excesso de burocracia das instituições ambientais do governo estadual, aliado à falta de transparência em suas atividades, tem permitido e, até mesmo, fomentado o crescimento de um mercado ilegal que acaba contaminando todo o setor, o que impossibilita que se tenha absoluta certeza da origem de um produto – se é legal ou ilegal – no Pará”, diz a nota. E completa: “Sem qualquer outro mecanismo oficial para checagem da origem da madeira, esta acaba sendo aceita pelos empresários que, muitas vezes, são vítimas desse esquema entre produtores ilegais e a instituição ambiental, pois confiam na documentação apresentada”. Presente durante o lançamento da revista, o gerente executivo da Associação Nacional dos Produtores de Pisos de Madeira (ANPM), Ariel de Andrade, também enviou nota à redação. Nela, a associação reforça que o prin-

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cipal problema existente na extração de madeira amazônica é a dificuldade na aprovação de planos de manejo florestais sustentáveis, junto aos órgãos ambientais, sendo este dos principais fatores que contribuem para o comércio ilegal de madeiras. Afirma ainda: “Os compradores de madeira utilizam o sistema DOF – Documento de Origem Florestal controlado pelo Ibama ou sistemas similares regionais. Nos sistemas apenas é possível adquirir a madeira se os documentos são liberados pelos órgãos ambientais. Se existem falhas nos sistemas, certamente não é de responsabilidade das empresas compradoras”.

SEMA e Ministério Público Representantes da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Pará e do Ministério Público Federal no estado também comentaram as denúncias publicadas. Em entrevista, o procurador da República Bruno Araújo Soares Valente afirmou que as informações publicadas na reportagem estão auxiliando nas investigações. “Quanto mais dados tivermos sobre a questão, mais precisos poderemos ser em encontrar os culpados e fazer as acusações”, afirmou. Para ele, desde que o escândalo veio à tona, as empresas mais atuantes no estado têm de procurar melhorar o cenário. “Algumas empresas, sobretudo as que trabalham com exportação de madeira, têm mostrado boa vontade e mais interesse em atuar dentro dos princípios da preservação”, disse. “Mas as ações ainda são reduzidas e os resultados, pouco significativos. Da parte do MPF, o que temos são investigações em curso que foram enriquecidas com as informações publicadas pelo Instituto Observatório Social.” Valente reforçou, também, a importância de mudanças no sistema de monitoramento da cadeia produtiva da madeira no estado. “Infelizmente, hoje, o controle ainda não é suficiente para nos dar garantia de que a madei-


Fiscais do Ibama no Pará autuam madeireira que fornecia produtos da derrubada ilegal da floresta para empresa exportadora.

ra vem de origem legal, pois o sistema que fiscaliza a entrada e o fluxo dos créditos florestais é muito falho”, observou. “No entanto, o Ministério Público entende que a exploração sustentável da madeira, além de ajudar a manter o meio ambiente preservado, pode ter uma importância muito grande para a economia do estado”. Para a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), ainda há muito trabalho até que os crimes ambientais no Pará sofram uma redução significativa. O atual secretário do órgão, Aníbal Picanço, assumiu o posto em meio a grande número de denúncias de corrupção no órgão. Até agora, poucos foram os avanços. Em entrevista à Revista do Observatório Social logo após assumir o cargo, o secretário assumiu a dificuldade de identificar e punir as empresas que agem contra a legislação. “Lamentavelmente, existem ainda muitas empresas que aparentam estar legais, com todos os seus registros regulares, no entanto, atuam somente no comércio clandestino de madeiras”, disse. “Enquanto não estabelecermos mecanismos de controle da cadeia de custódia dos produtos florestais, muitos empreendedores de boa fé estarão vulneráveis”. Picanço reforçou a importância da fiscalização também pelas empresas compradoras. “Não queremos eximir de responsabilidade esses empreendedores, que poderiam perfeitamente exercer o mínimo de controle sobre seus fornecedores, principalmente quando a transação envolve grandes valores”, afirmou. “Acima de tudo, enquanto poder público, temos que trabalhar muito para oferecer matéria-prima lícita a essa atividade, que é de extrema importância para toda a região amazônica.”

Santander defende conselheiro que financia desmatamento A Pampa Exportações, cujo presidente compõe conselho de sustentabilidade do Banco Real, controlado pelo Santander, foi apontada pela revista do Observatório Social como exportadora de madeira amazônica obtida ilegalmente e "esquentada" em esquemas de corrupção que envolvem fiscais da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Pará (Sema). Em nota oficial enviada ao Observatório Social em junho de 2009, o Banco Santander defendeu o presidente da empresa:

“O sr. Demorvan Tomedi explicou ao banco que as informações oficiais sobre o fornecedor eram coerentes com os princípios da empresa e não levantavam suspeitas”.

A reportagem apurou que a Pampa Exportações tem entre seus fornecedores empresas sistematicamente multadas pelo Ibama e outras que não têm autorização para funcionar. Também constam na lista dos provedores de madeira empresas que sequer possuem cadastro nos órgãos de fiscalização e regulamentação do estado. A reportagem fotografou lotes de madeira irregular destinados à Pampa Exportações no pátio da Rio Pardo Madeiras, empresa inexistente no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). O Santander não se pronunciou sobre esses episódios, apenas disse que a reportagem é importante para "estimular o debate na sociedade brasileira sobre a necessidade de garantir uma evolução nas práticas de extração de madeira sustentável na Amazônia". O Instituto Observatório Social acredita que debater o problema já não é mais suficiente e que o momento agora é o de realizar ações efetivas para coibir práticas predatórias, como as comprovadas pela reportagem e que envolvem a empresa Pampa Exportações. O IOS entende que, ao apoiar o conselheiro flagrado em práticas predatórias, o Santander avaliza as atividades realizadas pela Pampa Exportações – empresa que, inclusive, já esteve na lista da Secretaria Estadual de Meio Ambiente entre as proibidas de comercializar madeira. © foto Sérgio Vignes


Observatório social •

Quem frauda a lei tem que pagar

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m junho de 2009, a Revista Observatório Social revelou um esquema milionário de esquentamento de madeira retirada ilegalmente da Amazônia. A fraude envolvia de empresas fantasmas a servidores públicos e beneficiava gigantes da exportação de madeira. Alvo de ataques da mídia, a Secretaria de Meio Ambiente do Pará perdeu o secretário Valmir Ortega, que abandonou o posto em meio a denúncias de que servidores da Sema eram cúmplices da fraude. Na época, o superintendente do Ibama no Pará, Aníbal Picanço, pediu exoneração do cargo para assumir a Sema, prometendo eliminar a corrupção. Nesta entrevista, ele comenta os escândalos e fala sobre o que tem mudado no cenário ambiental paraense. Instituto Observatório Sociali >> O Sr. assumiu a Secretaria do Meio Ambiente do Pará em meio a um escândalo nacional, e após deixar a chefia do Ibama, que ajudou a desmascarar este escândalo. Agora, como vê o problema de fraudes e de esquentamento de madeira? Aníbal Picanço >> Estamos alterando rotinas para dar maior transparência às operações. Promovemos a reestruturação do setor de geoprocessamento, adquirimos novos equipamentos que nos dão maior precisão nas análises dos planos de manejo para, com isso, tentar vencer essas fraudes detectadas pelo Ibama. Também estamos adotando mecanismos de controle de senha para utilização interna por nossos servidores, com a utilização de leitura digital e toque, a fim de reprimir a investida de hackers. IOS >> Como o Sr. vê a relação existente entre grandes empresas exportadoras de © foto DAVID ALVES/AG PARÁ

ANÍBAL PICANÇO madeira no Pará e madeireiras que exploram ilegalmente territórios amazônicos? Picanço >>Temos três tipos de empreendedor: o que trabalha na legalidade; o que trabalha buscando a legalidade, mas que, por deficiência das instituições públicas, é lançado à clandestinidade ou a uma legalidade relativa; e o que trabalha à margem da legislação e não quer se legalizar. Este último não mostra a cara e tem que ser submetido à mão forte do Estado. Quando ao segundo, estamos trabalhando em conjunto com o Ministério Público para trazê-lo à legalidade. Lamentavelmente, existem ainda muitas empresas que aparentam estar legais, no entanto, atuam somente no comércio clandestino de madeiras. Enquanto não estabelecermos mecanismos de controle da cadeia de custódia dos produtos florestais, muitos empreendedores de boa fé estarão vulneráveis. IOS >> Na época em que o IOS estava concluindo a reportagem sobre esse esquema, a Sema lançou uma lista de empresas que estavam proibidas de comercializar madeira, entre elas grandes exportadoras. Qual foi a utilidade dessa lista? Ainda há empresas proibidas de exportar madeira? Picanço >> A utilidade foi a de proporcionar transparência ao processo, bloquear as transações das empresas e encaminhar as investigações aos órgãos competentes. Há empresas ainda bloqueadas. A operação Caça Fantasma, iniciada no Ibama ainda quando eu era superintendente do órgão no Pará, identificou inúmeras empresas fantasmas

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que atuavam livremente sem sede própria, manipulando créditos de produtos florestais clandestinamente. O nosso sistema [Sisflora] está interligado ao DOF [Documento de Origem Florestal] e à fiscalização do Ibama. Ele é manipulado também pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, que detêm senhas de auditorias. O Ibama pode bloquear, a qualquer tempo, as atividades suspeitas. Quando detectadas irregularidades, na própria Sema também efetuamos os devidos bloqueios. IOS >> Após a sua chegada à Sema, o que tem sido feito para coibir a comercialização de madeira de origem ilegal? Picanço >> Continuamos fortes com as ações conjuntas de fiscalização com o Ibama. Estamos contribuindo, seja com fornecimento de informações, seja com a logística de retirada do material apreendido. Antigamente, o Ibama deixava o material apreendido em suas operações com o próprio infrator. Quando virava as costas, o material desaparecia. Hoje estamos retirando esses produtos e máquinas, e fazendo o infrator experimentar no bolso o prejuízo imediato. Isso tudo sem prescindir da cobrança de multas administrativas aplicadas pelo Ibama e das ações penais conduzidas pelo Ministério Público. IOS >> O que a Sema está fazendo quanto ao esquema de corrupção de servidores? Picanço >> Assim que tomei posse, no dia primeiro de junho de 2009, disponibilizei todos os 15 computadores do órgão à Polícia Federal para perícia. As investigações estão sendo conduzidas pela Polícia e, no âmbito administrativo, instauramos processos a fim de responsabilizar eventuais servidores. Esperamos que os trabalhos de perícia nos tragam elementos que possam auxiliar não só a responsabilizar eventuais envolvidos, como para melhorar nosso sistema contra eventuais fraudes.

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Secretário de Meio Ambiente do Pará


notas Parceria nas redes virtuais

Diálogo social Brasil-Noruega No dia 22 de outubro, o Instituto Observatório Social foi convidado a participar do I Fórum Bilateral de Diálogo Social Brasil-Noruega. O evento, promovido pela SecretariaGeral da Presidência da República, em Brasília, teve como objetivo promover o diálogo social para avançar na definição de iniciativas tripartites entre os dois países que contribuam para o desenvolvimento sustentável e social. Participaram do evento dirigentes sindicais, representantes de entidades empresariais, sindicais e governamentais dos dois países. Pelo Brasil, estiveram presentes Central Única dos Trabalhadores (CUT), IOS, Confederação Nacional da Indústria (CNI) e SecretariaGeral da Presidência. Pela Noruega, participaram representantes do governo e da embaixada norueguesa, Confederação das Indústrias da Noruega (NHO) e Confederação

Norueguesa de Sindicatos (LO). Durante o evento foram discutidos conceitos e visões e apresentados casos de diálogo social em empresas dos dois países. Também foram identificados os desafios e as dificuldades para disseminação do diálogo social.

“O processo histórico e democrático dos países foi tido como um fator fundamental para a diferenciação dos níveis de diálogo social em cada país”

afirma o coordenador de pesquisa do IOS, Felipe Saboya. “Apesar das diferenças, a troca de experiências foi avaliada como benéfica por ambos os lados”. O Observatório Social apresentou uma proposta de continuidade desse debate, tendo a pesquisa como principal ponto de referência. Os participantes se comprometeram com a manutenção desse grupo de acompanhamento e com o intercâmbio de informações e experiências entre os dois países.

O projeto CUTMulti “Ação Frente às Multinacionais” e o Instituto Observatório Social formaram uma parceria para promover a utilização da ferramenta Conexão Sindical junto aos membros dos comitês de trabalhadores. O objetivo é fomentar junto ao movimento sindical as possibilidades da utilização política das novas tecnologias da informação e da comunicação na formação, comunicação, organização e mobilização de dirigentes sindicais, militantes e trabalhadores. A partir de agora todos os encontros de redes organizados pelo projeto promoverão oficinas do Conexão Sindical para capacitar os participantes das redes no uso da internet, salas de bate-papo, blogs, fóruns de discussão, calendários virtuais,enquetes, etc. Para o coordenador do CUTMulti, José Drummond, a iniciativa vai tentar suprir os problemas de comunicação que muitas redes enfrentam e com isso fortalecer a ação sindical. Criado em 2003, o Conexão Sindical tem 15 mil textos indexados, 1.900 informes e cerca de mil documentos na Biblioteca Virtual. Acesso em www.os.org.br/conex

Nova fase da Universidade Global do Trabalho Nos dias 6 e 7 de julho, representantes do IOS participaram do Seminário Nacional Estratégias Sindicais em uma Economia Globalizada. Realizado em Campinas (SP) pela Universidade Global do Trabalho (GLU), o evento atualizou o programa de disciplinas da Universidade relacionadas a estratégias e ao movimento sindical. Participaram mais de 50 pessoas, entre acadêmicos, ex-alunos da GLU, alunos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), dirigentes sindicais da CUT, pesquisadores e representantes da Unicamp, CUT, Fundação Friedrich Ebert (FES) e IOS.

Entre os principais pontos debatidos destacaramse a solidariedade internacional, o contrato coletivo nacional, a representação local e regional dos sindicatos e práticas inovadoras de organização e de negociação sindical. Incentivo à participação de dirigentes sindicais, financiamento dos alunos e divulgação também foram questões discutidas. Iniciativa do movimento sindical internacional e seus parceiros, o programa oferece mestrado para sindicalistas em quatro países (África do Sul, Alemanha, Brasil e Índia). No Brasil é organizado pela CUT, IOS, Unicamp e FES. © fotos sxc.hu


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Setor químico destaca pesquisas do IOS Uma revista comemorativa aos 10 anos da Rede Basf na América do Sul, lançada em julho, destaca a importância das pesquisas realizadas pelo Observatório Social. Segundo a publicação, o trabalho realizado pelos pesquisadores do IOS apontou uma série de problemas nas plantas brasileiras do Grupo Basf, relacionados principalmente aos direitos fundamentais do trabalho e ao meio ambiente. “A pesquisa apontou problemas de

contaminação ambiental devido a vazamentos; descaso com a política de prevenção e descumprimento da legislação referente a acidentes e doenças do trabalho; chefias autoritárias e diálogo limitado com a comunidade”, ressalta a revista. Segundo o coordenador da Rede de

Trabalhadores/as na Basf América do Sul, Fábio Lins, o trabalho realizado pelo IOS influenciou várias mudanças importantes no setor.

Pacto do Trabalho Escravo Em agosto, o Comitê de Coordenação e Monitoramento do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo realizou, em São Paulo, a reunião de acompanhamento da execução do Pacto. O objetivo foi reunir as entidades signatárias para debater ações a fim de garantir o cumprimento e o acompanhamento das ações previstas no Pacto Nacional. Como membro do Comitê, o Instituto Observatório Social apresentou a Plataforma Virtual de Monitoramento e treinou as entidades presentes para o correto preenchimento do formulário virtual. Representantes de 37 entidades, entre empresas e organizações signatárias do Pacto Nacional, estiveram presentes. Durante todo o evento, foi reforçada a importância da comunicação constante entre o Comitê e as signatárias. “Ano

após ano, percebemos o grande aumento no número de assinaturas do Pacto, mas ele não pode se limitar a assinaturas, é preciso que haja ações e que elas sejam registradas”, afirmou o supervisor institucional do IOS, Amarildo Dudu Bolito. “Por isso, é essencial que as signatárias tenham consciência da responsabilidade que assumem quando assinam o Pacto, e isso

inclui a comunicação com o Comitê, a respostas às convocações e a manutenção de informações atualizadas na Plataforma de Monitoramento”, reforçou. Lançado em 19 de maio de 2005, o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo é uma iniciativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, da ONG Repórter Brasil e do Instituto Observatório Social. Trata-se de um acordo no qual empresas, entidades representativas e organizações da sociedade civil comprometem-se a defender os direitos humanos, eliminar o trabalho escravo nas cadeias produtivas e auxiliar na inclusão no mercado de trabalho das pessoas resgatadas de condições degradantes de trabalho.

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Encontro Unilever Nos dias 1º e 2 de dezembro, o IOS participou do Encontro Sindical Internacional sobre os Direitos Trabalhistas na Unilever. Realizado em Amsterdã, na Holanda, o evento contou com a participação de trabalhadores de 13 países, e teve como objetivo fortalecer as organizações sindicais, nacionais e internacionais, de trabalhadores na empresa. A Unilever é acusada de desrespeito a direitos trabalhistas, como ações ostensivas de reestruturação produtiva e subcontratação de trabalhadores. O encontro foi promovido por meio de uma parceria entre a Central Sindical Holandesa (FNV), a União Internacional dos Trabalhadores da Alimentação (UITA) e a Federação Internacional dos Trabalhadores Químicos, Energia e Mineiros (ICEM). O IOS foi o único representante brasileiro no evento, onde também foi analisada a relação existente entre trabalhadores e empresa em cada país representado. Segundo a representante do IOS no evento, a pesquisadora Lilian Arruda, a partir do encontro serão realizados levantamentos importantes sobre a empresa em diferentes países, a começar por Holanda, Brasil, Indonésia e África do Sul.

Pesquisa no 10° CONCUT O IOS realizou uma pesquisa com todos os delegados participantes do 10° Congresso Nacional da CUT (CONCUT), que aconteceu entre 3 e 7 de agosto em São Paulo (SP). Entre os temas pesquisados estiveram Trabalho Decente, Meio Ambiente, Responsabilidade Social e HIV/AIDS no local de trabalho. O evento contou com a presença de cerca de 2.500 delegados de todo o Brasil. Oitenta por cento dos participantes responderam as questões propostas. Os resultados serão publicados no site do IOS em 2010, e também farão parte de publicação especial da CUT.


notas Nanotecnologia em debate OIS esteve representado no VI Seminário Internacional de Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente e no VI Seminanosoma. Os eventos aconteceram entre 20 e 22 de outubro, em Manaus, com apoio na organização da Fundação Djalma Batista. Leila Zidan, pesquisadora do IOS, foi debatedora da mesa Nanotecnologia, Riscos e Impactos Ambientais. Foram discutidos diferentes aspectos da nanotecnologia, que é a investigação e manipulação controlada da matéria em escala nanométrica. Entre os temas de debate, regulação, economia e políticas públicas em nanotecnologia, riscos e impactos ambientais. As apresentações foram feitas por pesquisadores de diferentes áreas. Os debates são de grande importância para os trabalhadores. Atualmente, há preocupação dos profissionais da área de saúde no trabalho quanto à utilização de produtos e processos desenvolvidos em nano escala, principalmente pela falta de referenciais sobre riscos à saúde do trabalhador. “Ainda não há um marco

regulatório que monitore a utilização da nanotecnologia no Brasil”, afirma. “Por enquanto, trabalhamos com os danos prováveis à saúde”. Representantes dos ramos metalúrgico, plásticos e de processamento de dados acompanharam o evento.

Trabalho Decente em foco Entre 17 e 19 de novembro, o IOS participou de um ciclo internacional de debates sobre Trabalho Decente. Realizados em Bruxelas, na Bélgica, os seminários tiveram como tema Trabalho Decente e Multinacionais, e Impactos das Relações Comerciais Europeias no Trabalho Decente. Os eventos foram promovidos pelas entidades Solidar, War on Want e European Coalition for Corporate Justice (ECCJ), membros da Rede Global. Entre os objetivos estavam a troca de experiências sobre o monitoramento de empresas a fim de melhorar as condições de trabalho nos países do Hemisfério Sul, analisar os efeitos das negociações comerciais da União Européia com outros países e debater como garantir o desenvolvimento sustentável nos acordos comerciais que o bloco europeu vem negociando. Participaram cerca de 70 pessoas, entre membros do Parlamento Europeu, representantes sindicais de multinacionais, membros de ONGs e da Comissão Européia.

Contribuição do IOS

>> O IOS, como membro da Rede Global, apresentou sua experiência de 12 anos de pesquisa em multinacionais, destacando a sua metodologia, os resultados obtidos e os casos de algumas empresas. Na discussão sobre a União Européia, o IOS sintetizou o debate sobre as negociações na Organização Mundial do Comércio, no âmbito da rodada de Doha, destacando a posição do governo brasileiro e os possíveis impactos de um acordo nos moldes atuais para os trabalhadores.

Experiências

>> As organizações presentes reforçaram a necessidade de mudança na estratégia comercial da União Européia, a fim de incluir o conceito de trabalho decente como um de seus objetivos principais. Organizações como o Sindicato da Zona Franca de Comércio, do Sri Lanka, o Grupo de Monitoramento Independente, de El Salvador, e o Monitor de Investimento Estrangeiro Direto (FDI), da Índia, ilustraram as péssimas condições de trabalho existentes em seus países devido ao comportamento irresponsável das empresas multinacionais. Na Europa, a demanda das organizações de defesa dos direitos dos trabalhadores é que haja avanço no marco regulatório para empresas atuantes na região.

Encontro sobre multinacionais na Colômbia Nos dias 5 e 6 de novembro, representantes do IOS participaram do VI Encontro Nacional de Sindicatos de Trabalhadores de Empresas Multinacionais, realizado na Colômbia pela Escuela Nacional Sindical (ENS). O evento reuniu dirigentes sindicais, representantes de empresas, pesquisadores e especialistas. Na Colômbia, a abertura econômica e a

desnacionalização da indústria têm impactado fortemente os trabalhadores locais e dos países próximos. Entre os focos do encontro esteve a criação de redes sindicais no país, para compartilhar informações e coordenar ações frente às multinacionais instaladas. As multinacionais de capital latinoamericano, que, nos últimos anos, têm crescido e se espalhado pelo mundo,

também foram tema de debate, com destaque para as empresas brasileiras e mexicanas. “O comportamento dessas empresas não tem se mostrado adequado, apesar da resistência dos sindicatos, que sempre lutaram contra as violações trabalhistas das multinacionais europeias, japonesas ou norteamericanas”, afirmou o coordenador de pesquisas do IOS, Felipe Saboya.


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