7 minute read

Introdução

INTRODUÇÃO

Este texto sumariza um intenso trabalho de dois anos de pesquisa que se modificou durante o tempo. Encerrou-se, no Brasil e no México, com um projeto de desenvolvimento de protótipos ampliadores de percepção envolvendo cerca de cento e vinte participantes que, por quatro meses, investigaram coletivamente possibilidades diversas, de medicinais a artísticas, para esses protótipos.

Advertisement

Inicio com essa pesquisa a vontade de trabalhar com o que venho chamando de “acoplamento”, promovendo situações em que o corpo é o ponto central de uma pesquisa que busca torná-lo mais potente através da utilização de aparatos não naturais a este corpo.

Buscar o que seriam esses acoplamentos levou à descoberta de um caminho em que as bordas entre categorias e especialidades se tornam difusas, em prol de gerar conhecimento e inovação tecnológica, propondo uma metodologia de educação, transformando-a em local de troca e de investigação paralela entre nossas garagens pessoais e os laboratórios acadêmicos. O exercício constante de sair do lugar de conforto, ao explorar campos inexplorados, gera um movimento vital e renovado, aprofunda a pesquisa, ao considerar outros aspectos. É uma forma de pesquisar e criar, escolhida como uma espécie de metodologia por este trabalho.

Neste texto, são representadas vivências nos campos artísticos, esportivos, espirituais e teóricos, que me fazem compreender o corpo que nos abriga como um lugar potente, mas também como algo em que se pode acrescentar acoplamentos em alguns momentos, possibilitando a este corpo outras potências não naturais, como voar, transformarse em outros, como durante a performance de “Monomito”, ou mesmo criar uma sinestesia artificial, expandindo os limites do tempo e espaço reais.

É por meio da investiga..o e reflexão sensível que encontro um lugar para promover uma pequena revolução local, mas é pela compreensão de meu

próprio corpo que encontro as perguntas que me levam a buscar esse lugar novo, onde os diálogos são mais fluidos, menos hierárquicos e menos travados em insistentes bordas traçadas no decorrer de uma longa história acadêmica, social e econômica.

Vejo nossos corpos como o meio - medium - por onde passam fluxos de acontecimentos e informações que são então processadas e retornadas ao mundo. É pelo ponto de vista deste corpo em transformação contínua que aqui serão compreendidas as tecnologias que nos atravessam no cotidiano e que alteram nossa cognição e posição perante o mundo, seja este o real, o virtual, ou a dimensão que se pretenda estar.

Essa compreensão de corpo veio da pratica de saltar da base, saltar de paraquedas a partir de lugares fixos, onde pratico estar no momento presente. Esta prática tem alterado minha percepção de mundo de forma muito profunda, desde a compreensão de processos biológicos, até a alteração de perspectiva do ponto de vista horizontal, para uma perspectiva vertical de compreensão de tempo-espaço. Ainda não é possível saltar de um penhasco e sobreviver sem acionar um paraqueadas que freie esta queda e me faça pousar tranquilamente. O paraquedas não é necessário para o funcionamento de meu corpo, mas é vital ser utilizado como acoplamento, para que possa vivenciar esses momentos. Foi assim que essa prática me fez compreender que, por meio de acoplamentos como paraquedas e roupas especiais que favorecem deslocamento horizontal do voo, meu corpo se torna mais potente.

Assim como o uso da internet para apresentar um projeto de arte telemática como adAMachine Experimento #1 possibilita relações cênicas e comunicação entre performers e público que rompe com a limitação espaço temporal presencial, a internet não é necessária para que nossos corpos funcionem, mas possibilita formas expandidas de comunicação.

Vivenciar esses processos me levou a uma consciência mais crítica sobre corpos e tecnologias. Por meio de oficinas e participação em medialabs e

hacklabs, dentro dos quais os projetos adaMachine #1, La Grand Pelea e Máquina de Suspensão foram criados, entrei em contato com a eletrônica e a programação criativa, o que me trouxe curiosidade e senso de empoderamento.

A busca por acoplamentos que tornassem o corpo mais potente e a vontade de compartilhar esse empoderamento social levou à criação do projeto Híbrida, um intercâmbio entre Brasil e México, no qual eu e Jaime Lobato proporcionamos a construção de um laboratório de prototipagem temporário, que levou à criação de dispositivos multifuncionais replicáveis.

O Híbrida se tornou uma plataforma de intercâmbio e conexões, uma proposta de educação baseada no compartilhamento de conhecimento e no trabalho coletivo, uma forma de incentivar a inovação tecnológica high-low tech ou, melhor dizendo, de possibilidade de criação de dispositivos inovadores com materiais disponíveis no mercado com intrínseca reflexão artística. Com isso, esta dissertação vai expor estes três pontos: artístico, através de performances realizadas nos últimos anos; sensorial, através de um olhar sensível sobre a prática do salto de base; e de produção cultural, através do projeto Híbrida. Estes pontos, combinados, trazem uma proposta de acoplamentos corporais como uma teoria potente para o campo do que aqui limito a chamar de arte, mas que envolve uma postura de ser no mundo.

Buscando respostas para as inquietações que motivam essa pesquisa, encontro no “entre”, nas “bordas” dos conceitos estudados, um indicativo que ajuda a compreender onde nossos pés pisam na contemporaneidade.

Esta pesquisa começa com uma imagem: a suspensão do momento de um salto para o vazio. E é a partir desta imagem que saem seus desmembramentos: a perpetuação desta suspensão; a possibilidade de retornar a este momento; acoplamentos que permitem pisar para fora das berlindas; o corpo como intermediário de percepções; o questionamento da necessidade

da presença física; upgrade do corpo versus sua mortalidade; a identidade e suas fronteiras. São essas as inquietações trazidas no primeiro capítulo.

O segundo capítulo é dedicado a reflexões sobre performances multimídia desenvolvidas entre 2011 e 2013. Trata-se de três trabalhos que subdividem o capítulo: adaMachine #1, uma performance telemática que questiona formas de presença contemporâneas entre tecnologias e afetos; La Grand Pelea, performance com wearables, ou eletrônicos vestíveis, com sensores biofísicos; e Monomito, um objeto performático vestível onde me “visto” de outros.

Encerro com o terceiro capítulo descrevendo o processo do Projeto Híbrida, onde retomo as discussões iniciadas nos capítulos anteriores apontando algumas respostas para a relação entre corpo, tecnologias e acoplamentos, considerando suas implicações sociais. São essas implicações1 que para alguns se transformaram em devaneios sobre um futuro inevitável e iminente, em que o corpo como conhecemos, considerado obsoleto, já não mais existe. Dentro deste pensamento, parece haver uma fuga deste que nos abriga e é lugar tanto do prazer quanto da dor. Parece pairar uma angústia, um certo pavor de sua finitude. Esta é uma ideia de Paula Sibilia, em sua pesquisa que investiga o que chama de o homem pós-orgânico. Mais adiante, mostraremos a relação deste e outros conceitos da autora que influenciam esta pesquisa.

1 Caso o leitor queira se aproximar desta vertente, recomendo o livro de Paula Sibilia, O Homem Pos-Orgânico, na bibliografia deste trabalho. Neste livro, o leitor curioso ser. apresentado a um panorama bem grande sobre o tema. De certa forma, a cultura cyberpunk também sempre evoca um corpo híbrido, que não deu conta de ser apenas carbono e orgânico. Katheryne Hales, em seu livro How We Became Posthuman, também parte desta bibliografia, também traça um panorama deste ser pós humano baseada na literatura e na leitura cibernética. Artigos mais específicos e técnicos podem ser encontrados no campo dos estudos sobre próteses e da bioengenharia. No campo das artes, o principal expoente é o artista Sterlac, que traz em todas as suas obras uma crítica ao que chama de corpo humano obsoleto. Comentaremos melhor o trabalho de Sterlac nos capítulos que seguem.

Se olharmos através das estruturas de poder baseadas na ideia de biopoder de Michel Focault e pensarmos sobre o corpo que se desmancha, para onde se direcionam as novas estruturas de poder sob as quais nos colocamos? Desmaterializar este corpo e tornar-se responsável por seu caminho não seria, por outro lado, tomar o controle desta jurisdição?

Aposto aqui no “caminho do meio”, um campo comum, em que nossos corpos continuam a ser respeitados em sua materialidade, sentidos em sua efemeridade, mas eles podem também ser ampliados através de acoplamentos eletrônicos e, por que não, biológicos, expandindo nossa presença em um mundo não mais apenas físico, nem somente virtual. O que chamo de “caminho do meio” é considerar de forma não hierárquica as inteligência da racionalidade (cérebro) e do corpo (pele, músculos, órgãos, sentidos) e suas relações com o que os cercam, como uma teia, em que seus pontos de entrecruzamento são igualmente importantes para toda sua construção. Retorno ao corpo medium e o percebo neste emaranhado, quando Christine Greiner afirma que “a taxa de permanência das idéias encontra seu lastro no continuum entre natureza e cultura. Prova, a todo instante que não é resultado de atividades de outra natureza, senão da própria carne”. (2005, p.104).