Revista Digital - 5 anos da Tempos Crônicos

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a André Paim Andrea Ferreira Andressa Ib rlini Celuta Vieira Christina Miranda Elba elipe Aguiar Fernanda Bankowski Fernand a Georgia Tavares Glauber Ribeiro Helô Me Fonseca João Henrique Jonga Frank José W ugusto Marcelo Camacho Nathalia Siqueir Percival Caropreso Rachel Lívio Renata M Sanção Maia Silvia Argenta Sílvia Torres T zarini Agatha Sampaio Américo Paim And apina Anuska Bautista Bianca Venturi Bru ba Vieira Eliana MB Emanuella Feix Fábio nda Sobral Fernando Azevedo Fernando Co lo Jamila Carvalho Jaqueline Ariane Jealva Walter Pires Lívia Guimarães Luciana Leal ira Neyde Rostyn Noemia Kazanova Paulinh enata Martins Roberto M. Socorro Robertso via Torres Tanguy Baghdadi Teresa Feijó V rico Paim André Lima André Paim Andrea sta Bianca Venturi Bruna Zerlini Celuta Vi Emanuella Feix Fábio Kalvan Felipe Aguiar rnando Azevedo Fernando Correa Georgia T ho Jaqueline Ariane Jealva Fonseca João He arães Luciana Leal Luis Augusto Marcelo C azanova Paulinho Caldas Percival Caropre corro Robertson Guimarães Sanção Maia S resa Feijó Vera Zerlini Vivi Lazarini Agath Paim Andrea Ferreira Andressa Ibiapina TemposMiranda Crônicos uta Vieira Christina Elba Vieira E cinco anos uiar Fernanda Bankowski Fernanda Sobra ia Tavares Glauber Ribeiro Helô Mello Jam João Henrique Jonga Frank José Walter Pi o Marcelo Camacho Nathalia Siqueira Neyd Percival Caropreso Rachel Lívio Renata M


Projeto gráfico, capa e ilustrações: Camila Simas Editoração: Camila Simas Editores: Jealva Ávila, Américo Paim e Roberto M. Socorro Revisão: Michele Paiva Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. @temposcronicos temposcronicos@gmail.com

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Tempos Crônicos cinco anos


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Dedicatória.


Agatha Sampaio Américo Paim André Lima André Paim Andrea Ferreira Andressa Ib Anuska Bautista Bianca Venturi Bruna Zerlini Celuta Vieira Christina Miranda Elba Eliana MB Emanuella Feix Fábio Kalvan Felipe Aguiar Fernanda Bankowski Fernand Sobral Fernando Azevedo Fernando Correa Georgia Tavares Glauber Ribeiro Helô Me Jamila Carvalho Jaqueline Ariane Jealva Fonseca João Henrique Jonga Frank José W Pires Lívia Guimarães Luciana Leal Luis Augusto Marcelo Camacho Nathalia Siqueir Rostyn Noemia Kazanova Paulinho Caldas Percival Caropreso Rachel Lívio Renata M Roberto M. Socorro Robertson Guimarães Sanção Maia Silvia Argenta Sílvia Torres T Baghdadi Teresa Feijó Vera Zerlini Vivi Lazarini Agatha Sampaio Américo Paim And André Paim Andrea Ferreira Andressa Ibiapina Anuska Bautista Bianca Venturi Bru Zerlini Celuta Vieira Christina Miranda Elba Vieira Eliana MB Emanuella Feix Fábio Tempos CrônicosFernando está em festa! Felipe Aguiar Fernanda Bankowski FernandaASobral Azevedo Fernando Co Georgia Tavares Glauber Ribeiro Helô Mello Jamila Carvalho Jaqueline Ariane Jealva Em junho de 2021, completamos cinco anos de existência. Não é pouca coisa. Fonseca João Henrique Jonga Frank José Walter Pires Lívia Guimarães Luciana Desde sua criação, ideia de dois amigos apaixonados por literatura e cheios de Leal Augusto Marcelo Camacho Nathalia Siqueira Neyde Rostyn Noemia Kazanova Paulinh vontade de compartilhar o sentimento com o mundo. Muito foi realizado, com a dedicação de bastante gente. Caldas Percival Caropreso Rachel Lívio Renata Martins Roberto M. Socorro Robertso Guimarães Sanção Maia Silvia Argenta Sílvia Está Torres Tanguy Baghdadi Teresa Feijó V escrito lá na página que “o propósito da Tempos Crônicos é incentivar os Zerlini Vivi Lazarini Agatha Sampaio Américo Paim Lima André Andrea amigos, e amigosAndré de amigos, e amigos de amigos de amigos, ePaim quem mais chegar a É certoVenturi que isso aconteceu, motivo de grande satisfação para todos nós. Vi Ferreira Andressa Ibiapina Anuska Bautista escrever”. Bianca Bruna Zerlini Celuta Alcançaremos milFeix textos emFábio 2022 e já fomos contemplados Felipe com escritos deAguiar cento Christina Miranda Elba Vieira Eliana MB Emanuella Kalvan e vinte e cinco autores! Continuamos querendo mais e mais! Fernanda Bankowski Fernanda Sobral Fernando Azevedo Fernando Correa Georgia T Glauber Ribeiro Helô Mello Jamila Carvalho Jaqueline Ariane Jealva Fonseca João He Para celebrarmos, preparamos essa revista digital, com textos de cinquenta e um deLuciana nossos autores, escritos ao longo dos cinco anos. A diversidade, marca dos Jonga Frank José Walter Pires Lívia Guimarães Leal Luis Augusto Marcelo C nossos conteúdos no período, foi o Caldas foco da seleção dos escritos e está muito bem Nathalia Siqueira Neyde Rostyn Noemia Kazanova Paulinho Percival Caropre representada. Os textos foram agrupados em cinco sensações, e recomendamos Rachel Lívio Renata Martins Roberto M. Socorro Robertson Guimarães Sanção Maia S que experimentem todas elas! Argenta Sílvia Torres Tanguy Baghdadi Teresa Feijó Vera Zerlini Vivi Lazarini Agath Agradecemos a todos queFerreira caminharam conosco até este ponto, a Michele Paiva, Sampaio Américo Paim André Lima André Paim Andrea Andressa Ibiapina revisão dos textos, e a Camila Simas,Miranda pelo design e composição da revista. Bautista Bianca Venturi Bruna Zerlini Celutapela Vieira Christina Elba Vieira E MB Emanuella Feix Fábio Kalvan Felipe Aguiar Fernanda Sobra Não Fernanda perca mais tempo: vire Bankowski logo essa página! Fernando Azevedo Fernando Correa Georgia Tavares Glauber Ribeiro Helô Mello Jam Jealva Ávila, Américo Paim e Roberto M. Socorro (editores) Carvalho Jaqueline Ariane Jealva Fonseca João Henrique Jonga Frank José Walter Pi Lívia Guimarães Luciana Leal Luis Augusto Marcelo Camacho Nathalia Siqueira Neyd Rostyn Noemia Kazanova Paulinho Caldas Percival Caropreso Rachel Lívio Renata M

Apresentação.


Agatha Sampaio Américo Paim André Lima André Paim Andrea Ferreira Andressa Ib Anuska Bautista Bianca Venturi Bruna Zerlini Celuta Vieira Christina Miranda Elba Eliana MB Emanuella Feix Fábio Kalvan Felipe Aguiar Fernanda Bankowski Fernand Sobral Fernando Azevedo Fernando Correa Georgia Tavares Glauber Ribeiro Helô Me Jamila Carvalho Jaqueline Ariane Jealva Fonseca João Henrique Jonga Frank José W Pires Lívia Guimarães Luciana Leal Luis Augusto Marcelo Camacho Nathalia Siqueir Rostyn Noemia Kazanova Paulinho Caldas Percival Caropreso Rachel Lívio Renata M Roberto M. Socorro Robertson Guimarães Sanção Maia Silvia Argenta Sílvia Torres T Baghdadi Teresa Feijó Vera Zerlini Vivi Lazarini Agatha Sampaio Américo Paim And André Paim Andrea Ferreira Andressa Ibiapina Anuska Bautista Bianca Venturi Bru Zerlini Celuta Vieira Christina Miranda Elba Vieira Eliana MB Emanuella Feix Fábio Felipe Aguiar Fernanda Bankowski Fernanda Sobral Fernando Azevedo Fernando Co Georgia Tavares Glauber Ribeiro Helô Mello Jamila Carvalho Jaqueline Ariane Jealva Fonseca João Henrique Jonga Frank José Walter Pires Lívia Guimarães Luciana Leal Para divertir.8 Augusto Marcelo Camacho Nathalia Siqueira Neyde Rostyn Noemia Kazanova Paulinh Caldas Percival Caropreso Rachel Lívio Renata Martins Roberto M. Socorro Robertso assustar.34 Guimarães Sanção Maia Silvia Argenta Sílvia Para Torres Tanguy Baghdadi Teresa Feijó V Zerlini Vivi Lazarini Agatha Sampaio Américo Paim André Lima André Paim Andrea emocionar.46 Ferreira Andressa Ibiapina Anuska Bautista Para Bianca Venturi Bruna Zerlini Celuta Vi Christina Miranda Elba Vieira Eliana MB Emanuella Feix Fábio Kalvan Felipe Aguiar Para Azevedo pensar.70Fernando Correa Georgia T Fernanda Bankowski Fernanda Sobral Fernando Glauber Ribeiro Helô Mello Jamila Carvalho Jaqueline Ariane Jealva Fonseca João He Para flutuar.94 Jonga Frank José Walter Pires Lívia Guimarães Luciana Leal Luis Augusto Marcelo C Nathalia Siqueira Neyde Rostyn Noemia Kazanova Paulinho Caldas Percival Caropre Rachel Lívio Renata Martins Roberto M. Socorro Robertson Guimarães Sanção Maia S Minibio.112 Argenta Sílvia Torres Tanguy Baghdadi Teresa Feijó Vera Zerlini Vivi Lazarini Agath Sampaio Américo Paim André Lima André Paim Andrea Ferreira Andressa Ibiapina Bautista Bianca Venturi Bruna Zerlini Celuta Vieira Christina Miranda Elba Vieira E MB Emanuella Feix Fábio Kalvan Felipe Aguiar Fernanda Bankowski Fernanda Sobra Fernando Azevedo Fernando Correa Georgia Tavares Glauber Ribeiro Helô Mello Jam Carvalho Jaqueline Ariane Jealva Fonseca João Henrique Jonga Frank José Walter Pi Lívia Guimarães Luciana Leal Luis Augusto Marcelo Camacho Nathalia Siqueira Neyd Rostyn Noemia Kazanova Paulinho Caldas Percival Caropreso Rachel Lívio Renata M

Índice.


4 Rodas ou Play Girl? 10 Percival Caropreso A cantada no busão 13 Neyde Rostyn Ah, esqueci... 15 Fernanda Bankowski As viagens de Fátima 16 Emanuella Feix Da maior importância 19 Bruno Vicentini “E aí, beleza?” 21 Geo Tavares Ela é carioca 23 Christina Miranda Mudança de rota 25 Noemia Kazanova O pitu foi ao alfaiate... 27 Andrea Ferreira O trono 29 Fernanda Lopes Sobral Gorges Soprei num prato de farinha... e aí? 31 Jealva Ávila Taca pedra na Geni 32 Agatha Sampaio

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Tempos Crônicos - cinco anos

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4 Rodas ou Play Girl? — por Percival Caropreso Se ainda hoje é assim, imagine como era criar e produzir a campanha de lançamento de um novo carro naqueles tempos: um segredo de Estado. Ainda mais porque havia praticamente apenas um carro no mercado, olímpico e soberano, imune a todos os concorrentes que se aventuravam, chegavam e desapareciam com a mesma rapidez. Aconteceu em 1973. A imprensa comentava que a General Motors estava para lançar o primeiro carro que ameaçaria de fato a liderança histórica do até então imbatível Fusca: o Chevrolet Chevette! Todos os brasileiros tínhamos andado de Fusca desde que nascemos, tínhamos aprendido a dirigir num Fusca, financiamos o primeiro Fusca com suor, trocamos esse primeiro Fusca por um novo Fusca, com lágrimas. Um amigo meu, o João, tinha o desapego de deixar a gente dirigir o Armstrong, o Fusca dele, talvez mais amigo do João do que eu mesmo. Eu era um desses milhões de brasileiros amantes do Fusca que nem tinha acabado de pagar as 10 primeiras prestações. Fui contratado pela McCann para ser o redator da campanha do Chevette. I mean, o redator em língua portuguesa, porque o Grupo de Trabalho tinha uma S.W.A.T. de redatores, diretores de criação e de arte, produtores de TV americanos, todos de Detroit. O jogo era pesado, big league. A Volkswagen, a imprensa automotiva e o Brasil todo queriam descobrir como seria aquele novo carro, o Chevette da GM, detalhes da sua campanha de lançamento. Com minha prévia concordância, fui abduzido, de olhos vendados, pelo Atendimento da McCann e pelo Marketing da GM. Isso acontece sempre com o pessoal da Criação, mas naquela vez eu fui literalmente sequestrado para um cativeiro ignorado. Passei alguns dias num hotel, cujos nome e endereço eu nunca soube, acho que em alguma cidade do interior de São Paulo. Não vi a luz do dia, não conversei com ninguém estranho. Um pequeno grupo recluso da McCann foi exposto a apresentações de pesquisas, dados de mercado, palestras da Engenharia, comparações técnicas entre o Chevette e o Fusca. Pudemos conhecer o Chevette numa sala hermética, blindada, sem janelas, nem uma fresta nas paredes. Olhamos, tocamos, -10-

entramos, ligamos o motor, sentimos o cheiro e o astral, o caráter e a personalidade do carro. Nem pensar em dirigir, sair com o Chevette para dar uma voltinha, testar. Em alguns dias, criamos o conceito e as linhas gerais da campanha de comunicação ali mesmo, naquele hotel. Sigilosamente, assinando um compromisso de confidencialidade ou morte. Lá fora, a mídia fazendo barulho e a imprensa automobilística especulando, as colunas publicitárias jogando verde para não colher nada, e a minha namorada Fabiana querendo saber com quem eu estava saindo já que eu tinha sumido, a Volkswagen, as revistas 4 Rodas e Auto Esporte tentando espionar de tudo que era jeito. Meses depois, foi armado o mesmo esquema para se produzir a campanha de lançamento, as fotos, as filmagens. Fui sequestrado de novo, porém acho que para outro hotel. Antes de o sol nascer, nos levantamos. Uma discreta caravana rumou para uma serra. Descobri que estava em São José dos Campos e íamos filmar o Chevette na Estrada Velha de Campos do Jordão (atual Rodovia do Tamoios). Há 34 anos esses caminhos eram bem diferentes: tranquilos, a natureza intacta, nenhuma alma à vista, pouco tráfego. Tínhamos dois Chevettes, cada um no seu caminhão-baú hermético, que mais pareciam carros-fortes, escoltados por seguranças em motocicletas. E mais um caminhão-baú vazio, o que não fazia o menor sentido para mim. Tudo funcionava como um relógio. Armava-se equipe e equipamento, a Polícia Rodoviária bloqueava o trecho da estrada, um helicóptero protegia a área. Tudo pronto para rodar. Luz, câmara, ação! Lá de cima da colina, um dos Chevettes saía do seu caminhão-baú e descia a estrada magnificamente, como convém a comerciais de carro. Rodava pouco mais

de um quilômetro e entrava direto em outro caminhão-baú, que já estava com a rampa pronta para escondê-lo de câmeras curiosas. Corta! Aí eu entendi a função do terceiro caminhão-baú que vinha na caravana vazio: engolir o Chevette da filmagem antes que algum curioso conseguisse fotografá-lo. Tomada 1, tomada 2, tomada 3. Até que aconteceu o inevitável, para o qual todo o planejamento de segurança não estava preparado. Um Chevette já estava fora do caminhão-baú, prestes a descer a colina, quando reparamos reflexos no meio de uma mata ao longe: a lente telescópica, talvez de um fotógrafo da imprensa automobilística. Era impossível o Chevette voltar ao caminhão-baú sem manobrar, tomar distância e atingir velocidade para subir a rampa. O fotógrafo faria as fotos e revelaria o segredo. O esquema de segurança tinha furado, ficamos todos, inclusive os agentes de segurança supertreinados, sem reação. Menos um assistente humilde, um peso-pesado da produção. Ele se colocou entre o Chevette e a lente do fotógrafo, arriou as calças e começou a se masturbar, fazendo gestos pornográficos para a câmera. Todo o resto da equipe se juntou a ele fazendo o mesmo. Fotos que jamais poderiam ser publicadas naqueles tempos. A equipe correu com uma lona e cobriu o Chevette. O sigilo estava preservado. O Severino não era perito em segurança, não fez parte do planejamento do esquema secreto, não era americano nem treinado para situações de risco. Mas, digamos, era mais equipado do que todos nós. A propósito, o nome da produtora e do diretor dos filmes era Zé Pinto. 

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A cantada no busão – por Neyde Rostyn Ele era o típico adolescente. Dezessete anos, trabalhava desde os 14 e, naquele ano, era office boy. Na década de 1990, muitos garotos iniciavam sua vida profissional nesse ofício. Eram tantas aventuras: passavam debaixo da roleta para guardar o dinheiro do táxi ou da passagem de ônibus, faziam amizade com as atendentes dos bancos e, às vezes, conseguiam furar a fila e, entre um serviço e outro, ainda arranjavam encontros com as minas das redondezas. Ele não era bonito, era verdade... mas tinha uma lábia! Era xavequeiro demais, tinha bom papo, e com isso as conquistava. E se não conquistasse, não tinha problema. O importante era que tinha amigos, que se divertia, fazia farra. Ele entrou no busão como de costume. Era a hora de ir embora. O trajeto era longo, mas ele pegava o ônibus no ponto final, então ia sentado. Dormia por quase todo o trajeto. Naquele tempo, não havia faixa exclusiva de ônibus nem rodízio, e, por isso, o trajeto da estação da Luz até a Penha levava mais de uma hora. Naquele dia, porém, quando ele entrou no ônibus, havia uma mina bonita que já estava sentada. O momento perfeito para uma investida. Mas tinha que ser criativo, afinal, queria impressionar. Ele se sentou ao lado dela e teve a brilhante ideia de escrever um bilhete num pedaço pequeno de papel que tinha utilizado para marcar o endereço de uma entrega. Assim, iniciou-se um diálogo escrito: — Oi, tudo bem? —, ele pergunta. — Sim! E com você? —, ela responde. — Tudo bem. Você está voltando para casa? — Sim. — E como você se chama? — Vanessa. E você? — Jairo. — Onde você mora, Vanessa? — Moro em São Miguel, e você? — Moro na Penha. Vanessa, o papel está acabando, o que vamos fazer. — Não sei... Nesse momento, ele a olhou abrindo os braços como quem diz: “E agora?”. Ela também o fez. Ele disse: -12-

— Você não vai responder nada? Ela, espantada, respondeu: — Meu, você é louco? Eu pensei que você era mudo! Ele riu e iniciou-se uma conversa, com ele jogando todo o seu charme, chamando-a de guria (essa era para impressionar) e, lá pelas tantas, com o busão parado, ele decidiu pedir o telefone dela. Naquele instante, ela pediu licença, virou-se e, como estava sentada na janela, vomitou. Que situação constrangedora! Ela lhe informou que havia comido uma marmita e que não havia lhe caído bem. Ele riu sem graça, mas com vontade e, quando ela perguntou o motivo, ele respondeu: — Meu, eu tava aqui te xavecando e acontece isso? E eu acabei de pedir seu telefone! — Desculpa... você ainda quer? — Tá, dá aí, vai... Depois do ocorrido, eles seguiram viagem sem conversas. Ele não via a hora de descer do busão. Assim que desceu, rasgou o papel com o telefone da garota e seguiu para casa. Não era seu dia de sorte... 

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Ah, esqueci... — por Fernanda Bankowski Eu esqueço. Sempre esqueci. Não lembro muita coisa da minha infância. Não me lembro de coisas que falei, coisas que fiz, mas outras pessoas lembram. Isso me irrita! Às vezes, me sinto desacreditada em muitas situações pelo fato de não lembrar. Às vezes, passo por maluca por já ter falado alguma coisa antes ou mostrado para alguém algo já visto também. Sempre foi assim. Vai ver que nunca fui uma aluna nota dez por falta de memória, porque, na minha época, o que valia era a decoreba e não a autonomia e o real entendimento daquilo que é ensinado e aprendido. Tinha (tenho) uma dificuldade enorme em conectar as ideias. Mas já foi pior... Desde os meus quarenta, já falava em sala de aula: — Senta na lousa e apaga a cadeira! — Hã? —, todas as crianças me corrigiam e caíamos na gargalhada. Passei a me policiar, acalmei a ansiedade, e os pensamentos passaram a fluir melhor... Todos diziam que estava estressada, que era assim mesmo... Fiz uma ressonância, e nada foi constatado. Ainda bem! No entanto, isso me incomoda muito. Levo na esportiva e passei a dar risada disso. Uso a agenda e lembretes do meu celular como recurso da modernidade, para não me sentir um peixe fora d’água e para não perder os encontros ou esquecer o que tenho que fazer diariamente. Li ou ouvi, não lembro, que o divórcio acontece porque as pessoas não se esquecem... será? Dias desses, vi um filme chamado Memórias secretas, com o ótimo ator, já idoso, Christopher Plummer, do diretor Atom Egoyan. Conta a história de um senhor que mora em um asilo e que deixa o lugar em busca de um antigo guarda nazista. Seu objetivo é, mesmo após tantas décadas, puni-lo pelo assassinato de sua família durante a Segunda Guerra Mundial. O que impressiona é a perda da sua memória recente e que ele sempre tem que voltar a ler uma carta para saber o motivo dessas suas viagens. -14-

Tenho medo, sim, de ficar assim, acho que ninguém está sujeito a escapar desse mal do nosso século. Estamos vivendo mais, temos mais recursos para tal, mas ainda não estamos preparados para dar o suporte que esses idosos precisam... E tudo isso é muito triste! Não devíamos acabar assim... esquecendo até das pessoas que amamos. A Dory, a peixinha da espécie cirurgião-patela, do filme Procurando Nemo, também sofre desse mal contagiando a todos com seu jeito de ser e mostrou a realidade a que estamos expostos. Para não acabar como a Dory, tento ler muito, fazer exercícios (nem sempre...), me alimentar melhor e tomar uma taça de vinho por dia, seguindo a dieta mediterrânea... Mas... acho que esquecer faz bem por um lado, sim!! Esquecer aquilo que não me fez sorrir, aquilo que não deu certo, aquilo que me fez ficar triste. Esquecer do que me machucou, das falhas, dos erros, do que deixei de fazer... Esquecer da raiva, da fofoca, do menosprezo, da solidão. E tentar lembrar da sinceridade, da honestidade, da diversão. Lembrar que a vida é curta, lembrar de aproveitá-la ao máximo, lembrar de amar as pessoas que amo. Ah, que mais? Esqueci... 

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As viagens de Fátima — por Emanuella Feix Foi às seis da tarde de uma segunda-feira chuvosa que, dirigindo-me à estação de metrô e praguejando a vida por ter esquecido a sombrinha em casa, na esquina da Pompeu Loureiro com a Bolívar, conheci Fátima. Estávamos ambas paradas na rua, à espera do sinal vermelho, quando, entre um resmungo e outro, escutei: — Ném! Vem pra cá. Sob um guarda-chuva de motivos orientais, uma figura miúda, sorridente e de olhinhos apertados, arqueava as sobrancelhas e indicava a si mesma com a cabeça: — Vem, ném, tá chovendo muito. Desconfiada, olhei para trás. Já dialoguei energicamente com um segurança de um museu, respondendo-lhe que não havia motivos para ele insistir em perguntar onde estava meu crachá, pois eu não tinha crachá, moço, não tenho crachá, mas, gente, que crachá é esse, será que me deram um crachá na entrada e eu perdi?, quando na verdade ele se dirigia a outro segurança atrás de mim. Mas, não, não era esse o caso. Ali, em Copacabana, especificamente, eu era o ném. Assenti e corri para debaixo do guarda-chuva de motivos orientais. No trajeto entre o sinal e a estação, nos apresentamos e soube que Fátima trabalhava em uma casa ali perto. Ela me contou também que sua patroa era mística, e aproveitei para pedir algumas dicas para trazer energias boas para o ambiente. Sal grosso, será? Fátima foi assertiva: banho de anil. É mais poderoso. Fátima me disse também que não trabalhava todos os dias, pois cuidava da mãe e tinha a pensão do ex-marido, que dava conta das despesas do dia a dia. Trabalhava mesmo era para ter mais independência, pois não existe nada mais valioso do que ter o próprio dinheiro para comprar o que quiser. O metrô chegou. Entramos. Conseguimos um lugar privilegiado: um espaço para segurar na barra. Era a energia de Fátima, só podia ser. Na estação seguinte, Fátima me contou que estava separada há dois anos, mas que tinha muita consideração pelo marido. Não pensa em voltar?, perguntei, mas Fátima sorriu, jogou a cabeça para trás e disse que não, que o marido era uma pessoa ótima, mas não sabia foder direito. Estação Cardeal Arcoverde. -16-

O problema é que, depois do divórcio, Fátima conheceu o que era a vida de verdade. Ela me contou que primeiro foi o porteiro, um negão, que a levou pra um lugarzinho ótimo ali perto mesmo, e eles fizeram várias coisas incríveis que ela não fazia com o marido. Estação Botafogo. Depois de um pouco mais de intimidade, o porteiro levou mais um amigo, que era um gordinho peludo que mais parecia um ursinho de pelúcia, e ela adorava aquela coisa toda, o negão e o ursinho de pelúcia. Estação Flamengo. Fátima não era exatamente amiga do ursinho de pelúcia, de modo que se sentiu mais à vontade para falar com o porteiro, o negão, para ele levar uma amiga, que ela queria ter outras experiências. O porteiro levou uma moça que também trabalhava ali por perto, tudo naquele lugarzinho ótimo. Estação Largo do Machado. Fátima foi me contando tudo, absolutamente tudo das experiências com o porteiro negão, o ursinho de pelúcia e a amiga do porteiro, e os detalhes iam aumentando à proporção da lotação do General Osório-Uruguai. Estação Catete. Neste momento já havia um pequeno e atento círculo à nossa volta – ou teria sido imaginação minha? Fátima contava suas peripécias com muita naturalidade e muito vigor, quando respirou fundo e falou que, afinal de contas, já estava ficando um pouco entediada com aquela monotonia toda. Estação Glória. Ela começou a observar outras pessoas, como o segurança da estação de Pilares, que era bem bonitinho, até que um dia ela desceu para falar com ele e, a partir de então, passou sempre a descer lá. Estação Cinelândia. Tinha também o Novinho do ZapZap. Fátima mostrou as fotos do Novinho — um moreno musculoso com óculos furta-cor que na foto do perfil fazia a mão de hang loose – e leu, não sem dramatizar, as inspiradas conversas entre os dois pelo aplicativo. Estação Carioca. Fátima refletiu que estava monopolizando demais a conversa e pediu que eu contasse um pouco sobre minhas experiências, no que eu só consegui responder que minha vida era um pouco mais calma, assim, só um pouco mesmo, mas que eu era tímida para contar, e ela, que nada, boba, conta o que você mais gosta de fazer, e eu disse, isso, e ela, isso o quê, e eu, ah, tudo isso, né, e as pessoas olhando, e meu deus do céu, essa Central que não chega nunca, até que eu finalmente falei, en-

tão me dá uns conselhos para apimentar a relação, e Fátima começou a dar muitos palpites. Estação Uruguaiana. Fátima continuou dando vários palpites. Estação Presidente Vargas. Fátima acelerou tentando finalizar os palpites. Estação Central. Fátima desceu pra fazer a baldeação na Supervia – era dia de descer em Pilares. Eu desci para fazer integração com a Linha 2. Fátima disse que na próxima segunda a gente se encontrava para continuar o papo no metrô, que ainda tinha várias dicas para dar. E assim voltei para casa, rindo sozinha das aventuras da Fátima. A chuva havia apertado, e ainda havia um percurso longo para caminhar, mas agora pouco importava: a vida não merecia ser praguejada. 

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Da maior importância por Bruno Vicentini Thiago, meu grande amigo, tem meu número de telefone tatuado no braço esquerdo. Apenas isso, meu número de telefone, sem qualquer outra explicação. As pessoas ficam muito curiosas, algumas quase se indignam, todas querem saber qual é o sentido daquilo. As pessoas, em geral, consideram que tatuagens são coisas sérias, da maior importância. Thiago explica: tatuou no braço o número de telefone do seu advogado. Se algum dia, por acaso ou por bebida, ele se meter em alguma confusão das grandes, bastará apontar para o número em seu braço e solicitar o telefonema que a lei lhe garante (isso, pelo menos, se ele estiver num filme ruim americano – Thiago e eu somos um pouco dramáticos). Só tem um probleminha: eu não sou advogado. A verdade é que a minha família, assim como a maioria dos meus amigos, não saberia dizer em que o meu trabalho consiste. Lembro de outro amigo que costumava dizer, gaiato: “o Bruninho trabalha não sei onde, fazendo não sei o quê e ganha não sei quanto.” Nem mesmo a minha mãe sabe explicar o que eu faço da vida. Ela aprendeu a repetir, de maneira robótica: Técnico Judiciário. Juizados Especiais. Pequenas Causas.

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Eu não me incomodo. Acho até graça. Além do mais, sejamos justos: eu também não tenho a mínima ideia do que fazem para viver muitas das pessoas que posso considerar próximas – acaba de me ocorrer que talvez meu sogro seja o dono do Jogo do Bicho. Mas é impossível que todas elas tenham profissões como as que as crianças querem ter quando são crianças: astronauta, médico, bombeiro, veterinário. Profissões de fé, de bravura e brilho. Antes de crescer ninguém quer virar um burocrata, um auxiliar de escritório, um analista de dados, um bibliotecário, um almoxarife. Mas aqui estamos nós. Acontece que, para a minha família, eu vou ser para sempre advogado, ainda que não o seja. Para o Thiago também. De quando em quando, o meu telefone toca de madrugada e é alguma garota, incrédula, querendo confirmar a veracidade daquela história. Bom, você tá falando comigo, não tá? Esse imbecil tatuou mesmo o meu número, mas eu não sou advogado, o Thiago é biruta, meu bem, foge enquanto é tempo. Os dois dão risada do outro lado da linha, bêbados, e a garota então faz a pergunta, uma pergunta que eu já ouvi muitas vezes: Mas e se um dia você mudar de número? Eu digo que estou pensando mesmo em mudar, de propósito, só para que ele possa atualizar a tatuagem, riscar o número antigo e escrever o novo embaixo. Vai ficar até mais divertida, não vai? Os dois riem mais ainda. Vocês são malucos, ela diz. Maluco, eu? Eu não fiz nada, digo. Preciso desligar. Amanhã vou entrar cedo na repartição.

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“E aí, beleza?” — por Geo Tavares Outro dia um amigo me marcou num desses desafios do Facebook. O assunto era “O que você hoje falaria para você com quinze anos?”. Não respondi na ocasião, mas, por uma dessas coisas que a gente não sabe explicar, isso ficou na minha cabeça por alguns dias. Um exercício gostoso até de apontar conquistas, mudanças de opinião e comportamento, escolha de caminhos. Nossa... um turbilhão de lembranças, algumas até mesmo já esquecidas e que reapareceram. Acho que seria mais ou menos assim: “E aí, beleza?” (seguido por um tapa na testa) Não xinga, sua avó já falou que é feio! Tá bom, confesso que não seguimos tooodos os ensinamentos dela, mas ó, prestenção quando ela diz que existem amigos e existem colegas. Não vai tardar para você, quer dizer, a gente, que seja, descobrir uma outra categoria: a de filhos da puta (é, pois é... continuamos com a boca suja... rs). Desses, mantenha uma distância segura, e, como tudo na vida serve para alguma coisa, eles servem para a gente saber como não quer ser. Ouça ela no que disser respeito a ser independente, vai ser fundamental. Cara, sei que perdemos uma pessoa muito importante. Se te consola, esse tio vai deixar o que há de mais precioso entre humanos: laços de afeto. Não precisa se preocupar, sua tia, sua prima e seu primo vão permanecer em sua vida. Serão fundamentais quando estivermos na universidade, e você e sua prima ainda vão se divertir muito, e ter muita coisa para não contar... hahahaha. Sim, sim, a gente passou para uma universidade! Calma, já chego lá! Para de falar junto comigo! Ahhhh, agora, no futuro de onde falo, vão inventar um troço chamado Facebook, e por ele vai ser possível reencontrar vários amigos, outros você nem vai precisar reencontrar porque simplesmente nunca sairão da sua vida. Viu, sem crise, ok? Ahhh, tenho uma notícia triste: Não vamos ver Renato Russo nos palcos. Cara, sério! Mas, você não vai acreditar: vinte anos depois vamos ver Bonfá e Dado tocando juntos, e quando começarem os primeiros acordes, nossas idades estarão sincronizadas na sua, pena que meus joelhos me lembrarão no dia seguinte que não foi beeeeemmm assim... uahahaha Então, a universidade... Continue estudando, lendo Machado de Assis, tá liberado rir da palavra transeunte (rimos dela até -20-

hoje, tem sonoridade engraçada mesmo... hihihi) e não deixe de procurar todas as outras “estranhas” no dicionário. Não vai ser fácil conseguir a vaga, não vai ser fácil permanecer na faculdade, nunca vai ser fácil continuar os estudos... mas, lembra daquele outro cara lá da aula de português, o Fernando Pessoa? Então, “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. E a faculdade vai fazer você ver o mundo tão mais amplo, com tantas perspectivas, nossa... vai ser maravilhoso! Amigos? Claro. Namoros? Sim. Festas? Também. Correr contra o tempo? Nos tornaremos especialistas... hahahahahaha Poderia te dizer taaanta coisa, olhando para sua cara de fuinha, mas... melhor você descobrir sozinha mesmo, um dos encantamentos da vida é o desenrolar dela... com conquistas, frustrações, choros, risos... E também porque daqui, de onde olho agora, posso rir da sua cara em várias situações. Ahhhh, ia me esquecendo: tô gargalhando neste exato momento, porque para quem nunca ia se casar, estamos há dez anos, dez meses e um dia dividindo o teto e a vida com uma outra pessoa. Tá, casar, casar, não casamos, preferimos o companheirismo, ou para usar o termo de uma crônica linda que li outro dia, “liberdade compartilhada”. Mas isso já é história para outro dia... rs No mais: garra, coragem e divirta-se porque “No fim das contas, ninguém sai vivo daqui, então vamos com calma...” 

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Tempos Crônicos - cinco anos

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Ela é carioca — por Christina Miranda Muita gente tem certeza de que sou baiana legítima, “nascida e criada na terra de São Salvador”, palavras de um editor, muito amigo — até porque só amigo de verdade acredita nas nossas boas qualidades. Mas não gosto de tirar vantagem e consertei na última hora, minutos antes de ir ao ar na voz de um famoso apresentador no jornal para todo o país. Na verdade, sou carioca. A confusão é comum, eu mesma, às vezes, tenho dúvidas se não nasci em Salvador… Como bem disse João Ubaldo Ribeiro, o baiano mais carioca que tive o prazer de conhecer, no seu livro delicioso Noites Lebloninas: “O carioca sempre valorizou o baiano e também costuma tratar o baiano com bastante respeito, porque tem certeza de que todo baiano é macumbeiro e de que praga de baiano pega mais que catapora, não sendo carioca besta, para querer viver debaixo de praga o resto da existência. E tanto o carioca quanto o baiano têm por ideal não fazer nada, residir na praia, viver de bermuda e havaiana e jogar conversa fora por entre cervejas e risadarias, sem deixar de dar grande valor ao intercâmbio sexual e aos fenômenos artísticos, poéticos e filosóficos, são povos irmãos.” Sempre me senti muito à vontade na Bahia. Meu pai, esse, sim, baiano da gema, foi o responsável pela minha dupla cidadania. Depois de anos trabalhando no Rio, onde meu irmão e eu nascemos, ele decidiu fazer o caminho de volta para a terra natal. Cresci em Salvador, voltei para o Rio adolescente, minha filha nasceu em Botafogo, mas acabei refazendo os passos do meu pai, como é costume em todas as famílias. Querendo ou não, a gente copia muito — vai saber quem manda nessas coisas —, e voltei para a Bahia. E como sina de família é coisa séria, não se deve fazer pouco caso, não é que minha filha foi morar na Cidade Maravilhosa? Já havia muito tempo não passava uns dias em solo carioca. Mas nessas horas basta uma voltinha para a memória retornar. Só foram necessários uma caminhada no calçadão, um mergulho no mar, dois mates e um biscoito Globo para a carioquice falar alto. Andei pelo Leblon, com aquele olhar confiante e a certeza de me chamar Helena. Quando cheguei na Livraria Argumento, vaguei como uma legítima personagem da novela das nove. Já sob o efeito de algum encantamento, comecei a ouvir vozes. Tom Jobim, Vinícius e o diretor: “Corta!” Era -22-

tarde demais. Já não sabia mais quem eu era. O personagem já tinha grudado e se adaptado esplendidamente. Aproveitei. Andei oito quilômetros na orla, sem sentir uma pontada na lombar, o que só pode ter sido a boa forma de Helena. Tomei um chope na esquina, comi sanduíche vegetariano, tracei outro biscoito Globo, porque nunca é demais. Desfilei em Copacabana, pedi outro chope no Pavão Azul, vi o por do sol do Arpoador, só não aplaudi porque Helena é meio acanhada. Dei uma passadinha no Centro, olhei o Amanhã, pedi café na Colombo. A carioquice baixou de vez. Já tava até esticando os ésses, era uma fesssssssssssta! Aí chegou o dia de deixar Helena e o Rio. Arrancar uma personagem tão querida, cheia de bossa, carregada de ginga, não foi fácil, assim que olhei pela janelinha do avião. Tom sentou do meu lado, tenho certeza, não sou de inventar essas coisas, vi e ouvi: “Cristo Redentor, braço abertos sobre a Guanabara…” No entanto, como sou baiana também, duas horas e pouco depois, já tinha era Caymmi como meu companheiro de viagem: “Ai, ai que saudade eu tenho da Bahia…” 

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Mudança de rota — por Noemia Kazanova A transgressão sempre lhe acenou, e ela nunca resistiu por muito tempo ao seu convite. Do seu jeito manso, ia colorindo o mundo com tintas próprias. Às vezes o mundo reclamava e, em outras, colocava a moça no colo. Assim, a filha teve os contos de fadas alterados e mais tarde descobriu que o lobo não morava no Central Park nem usava dentadura, mas adorou a revolta do milho que não queria virar pipoca. Um dia, na realização de um trabalho, ela pôde, finalmente, colocar as princesas em outros lugares depois de tanto viverem a mesma coisa... ufa! Piratas, tesouros, batalhas em alto-mar, basta! Capitão Gancho mudou a rota. Fez um dread, vestiu um Armani, alugou uma sala em um centro comercial e se transformou em ombudsman dos contos de fadas. Estava nervoso, em breve receberia uma comissão feminina vinda do Reino Encantado. As senhoras chegaram e despejaram suas queixas! A Bela Adormecida foi a primeira a se colocar (acordou!) e observou que, com tanto apart-hotel no mundo, ela continuava naque-

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la torre entediante, sem redes sociais, frigobar nem elevador! Rapunzel com suas tranças grisalhas queria um up no visual... tesoura, luzes e progressiva, por favor! Uma senhora branquinha, enrolada em uma canga, exigia um filtro solar mate (tendência), o tempo estava passando, e ela não queria mais ser branca como a neve, talvez pudesse ser uma coroa de Copacabana. E aí, vinda de Curitiba (hein?), uma aparição vermelha atingiu o centro da sala e ouviu-se o tom rouco de sua voz: — Companheiros, o mundo encaretou, o socialismo entrou em crise, e eu continuo de chapeuzinho vermelho, que tal um pretinho básico? Finalmente, Cinderela se manifestou com uma proposta interessante: — Soube que, no mundo atual, pós-globalização, existe carência de príncipes encantados (gosta de sapos!), pois bem, proponho a exportação dos príncipes para a vida real, mas são sedentários, caem do cavalo e não tomam banho. Em troca, morangos, uma bebida que não seja hidromel e que se transformem em uma caminhonete com cabine dupla, ah, prateada. Chega de abóbora e carruagem! Enlouquecido, Gancho achou a solução: — Todas para o SPA com muito botox na bagagem! P.S.: segundo dona Chapeuzinho Vermelho, o lobo e a vovó estão frequentando o baile charme! 

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O pitu foi ao alfaiate... baseado em uma história real, acontecida na minha adorada Taboquinhas — por Andrea Ferreira Cresci ouvindo a família e os amigos, lá no interior, contar as estórias de Mané, esposo de Crô. Estórias não, histórias! Alguns questionaram a veracidade dos fatos, mas eu acreditei neles piamente. Aos céticos, recomendarei pureza de coração para entender e crer no que vou contar. Catástrofes poderiam ter sido evitadas, poderíamos ter evoluído na comunicação com outros animais... Quem sabe onde estaríamos hoje se ele tivesse sido levado a sério. Crô levou. E eu também. Mané era alfaiate, mas, qualquer dia da semana, quando a vontade de comer pitu batia, ele descia até a beira do rio, no finalzinho da tarde, armava os munzuás (engradado de varas para pesca de lagosta e pitu que em outras bandas do Brasil é manzuá) e voltava para casa. A mudança da maré durante a noite se encarregava de guiar os enormes e saborosos pitus para a armadilha. Na manhã seguinte, bastava puxar o munzuá e levar a pescaria para Crô cozinhar. Mané, às vezes, também pescava de rede com os amigos, mas apenas peixe, porque pitu só se pega de munzuá. Naquela manhã de domingo, mais quente que de costume, deu-se o fato esquisito. O rio havia transbordado durante a noite. A tromba d’água caiu a quilômetros dali. A água desceu, silenciosa e arrasadora, lavando quintais e arrastando tudo que encontrou pela frente, inclusive os munzuás deitados no fundo do rio. Menos os de Mané. Os dele estavam pendurados na lateral da casa, secando, aguardando por mais um dia de pesca. Os pescadores, amadores e profissionais, se perguntavam como ele havia conseguido salvar os munzuás. Resolveram todos, como quem não quer nada, fazer uma visitinha para esclarecer o fato. O cheiro de pitu cozido vinha do fundo da casa, do fogão a lenha. Os pescadores se acocoraram na sala de costura, maior -26-

zum-zum-zum, ao redor de Mané, que cosia mais uma calça. “O pitu me avisou!”, ele explicou. Todos os olhos na sala esbugalhados e gargalhada geral. Era mais uma das histórias de Mané. Com certeza, o pitu, que cozinhava e exalava aquele cheiro delicioso, havia sido pescado no dia anterior. Ele esperou silêncio e continuou: “Acordei à noite ouvindo um toque-toque na porta, abri e não havia ninguém. Voltei para a cama intrigado. Minutos depois, toque-toque. De novo abri a porta e não havia ninguém. Me retei! Fiquei imaginando quem era o moleque que havia resolvido perder a noite de sono para me perturbar o juízo. Toque, toque. Fui para a porta com fogo nas ventas, abri e ninguém, mas ouvi um ‘psiu’, bem baixinho, vindo dos meus pés. Quando olhei para baixo, lá estava o maior pitu que já havia visto na vida, três vezes maior que o maior que vocês possam imaginar. Ele me olhou e falou: “Mané, tira os munzuás. Tira os munzuás, Mané.” Não pensei duas vezes, corri para o rio, mergulhei de pijama e catei os munzuás.” E olhou na direção da cadeira, onde o pijama, única testemunha daquele feito, estava pendurado, todo molhado, bainha barrenta, barro do rio. Se o povo acreditou, não se importou, tampouco ofereceu do seu farto almoço. Do pitu, não teve mais notícias, mas lhe tinha toda gratidão. Mané era assim, não pisava fora de casa para se vangloriar dos feitos, mas, para quem quisesse ouvir a verdade, ele estava sempre disposto a contar. Por isso que sempre acreditei nas histórias de Mané. E Crô também. Depois, num outro encontro, conto mais uma do Mané para vocês! Talvez a da caçada do coelho, talvez a do jumento saltador... 

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O trono — por Fernanda Lopes Sobral Gorges Enfim, férias! E, como sempre, bate aquela ansiedade gostosa de como será a viagem. Alegria e disposição, temos de sobra... Nestas férias escolhemos Fortaleza, cidade que Jorge e eu já havíamos conhecido no passado, mas em viagens separadas. Agora era o momento de curtirmos juntos! Acordamos, nos arrumamos e tomamos café. Mala fechada e casa em ordem. Tudo pronto para a viagem. Acionamos o Uber para nos pegar em casa. Nesse meio tempo, conferia as documentações. O motorista avisa que chegou no bloco. Ótimo! No stress! Mas ainda sem consegui relaxar... No carro, Jorge diz que estava um pouco indisposto, mas que não era nada demais. Beleza! No aeroporto, despachamos as bagagens e fomos direto para o embarque. Até aí tudo correndo bem! Chega a hora de entrar no avião e, como de costume, sento na poltrona da janela, adoro, e Jorge na poltrona do meio. Algum tempo depois, chega o passageiro para se sentar na poltrona do corredor. Um homem grande e espaçoso. Aliás, diria que um homem beeeem grande. Na mesma hora, Jorge se vira para mim e diz: “Fernanda, estou aflito só de imaginar a dificuldade que terei para ultrapassar esse gigante para ir ao banheiro caso eu passe mal.” O desespero e o psicológico ficaram completamente abalados com a situação. Olhei para Jorge, e ele estava mais branco que o normal. Fiquei preocupada e voltei a dizer: “Se não estiver legal para viajar, é melhor decidir logo. São quase 2 horas de voo. Por mim não tem problema algum...” Tempo vai passando. Passageiros todos sentados em suas poltronas. Aeromoça fazendo a verificação dos encostos e bagageiros. Tensa, volto a perguntar: “E aí, tudo ok para viajarmos?” Não precisou nem responder, estava na cara dele que não estava nada bem. Levantei correndo e fui até a aeromoça: “Meu marido não está se sentido bem, precisamos sair do avião.” Com uma cara não muito simpática disse: “Vocês têm que sair agora antes que a porta do avião feche.” Aff, saí correndo no corredor para chamar Jorge. Graças a Deus deu tempo! Quando chegamos no embarque, já tinha um paramédico esperando para fazer os primeiros socorros. Tirar pressão, batimento cardíaco e algumas perguntinhas corriqueiras. Tudo OK! Compramos uma garrafinha de água e dei um remédio de enjoo para Jorge. Ele já disse logo: “Se eu não estiver aqui sen-28-

tado é porque estou no banheiro.” Ok! Lá fui eu resolver a devolução da mala. Voltando, vi que Jorge não estava lá sentado. Logo imaginei: deve estar no banheiro “chamando o Raul”. Até aí tudo bem! O tempo foi passando, e nada de Jorge sair do banheiro. Já preocupada, me aproximei de um homem bem forte e disse: “Meu marido está passando mal! E já tem um tempo que ele está no banheiro.” Na mesma hora, ele foi procurá-lo. Nesse meio tempo, quem aparece? Jorge! “Ué, pedi ajuda a um homem para saber se você estava bem.” Jorge estava no banheiro de deficiente e por isso não se encontrou com o homem. Ele volta ao banheiro e se depara com a cena do cara forte, acompanhado de outro mais forte ainda, os dois batendo na porta quase já derrubando e gritando “Jorge, Jorge você está bem?” “Respondeee!” Quando Jorge aparece e diz: “Estou bem, estava no banheiro de deficientes por ser maior.” E o homem diz: “Pô, cara, já estava derrubando a porta... só via os pezinhos balançando de um lado para outro e nada de responder. Pensei logo, o cara está morrendo...” Na verdade, a pessoa no reservado estava com um fone de ouvidos e por isso balançava os pés acompanhando o ritmo da música. Imagine a cena! Missão dada, missão cumprida! Imagine se os caras derrubam a porta e encontram um pobre coitado sentado no “trono”? Rimos muuuito com a situação. Ah, acabamos não remarcando a viagem para Fortaleza, pois eu que fiquei mal depois. A tal da virose! Mas isso é uma outra história... 

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Soprei num prato de farinha... e aí?

e encarei. Mal sabia que o pior ainda ia começar... o peeling de fato, para nós, bons baianos, o despelamento. E aí, não tem maquiagem... você fica com o rosto empanado, parecendo que soprou num prato cheio de farinha. Muito semelhante ao sujinho do queijo ralado depois que comemos o pão delicia, só que em todo o rosto. Depois de alguns dias colocando maquiagem e ouvindo “Que sol foi esse? Você está toda despelando... esqueceu o protetor?,” você descobre que a pele ficou lindinha, realmente uma “bundinha de bebê”, mas que a carne já está toda mole! socorro!!! preciso de um bisturi!!!

— por Jealva Ávila Depois de almoçar, uma pessoa me avisou: — Sua cara está cheia de farinha... — Farinha? Mas eu não comi farinha... O que está acontecendo? Vocês sabem o que é isso? Isso é peeling ... Uma das coisas que nós, mulheres, fazemos para tentar enganar o tempo e as marquinhas da idade. Num belo dia, nos olhamos no espelho e sentimos falta do brilho da juventude. Não é saudosismo nem poesia de farmácia, são os hormônios que já não funcionam como deveriam, somados aos anos de sol que tomamos quando a moda era ser bronzeada e não existia protetor solar. Esse pensamento fica na nossa cabeça até que vemos, em carne e osso (revista não vale... tem Photoshop) alguém da nossa idade, com pele linda... novinha em folha... automaticamente vem o desejo: eu também quero! E tudo começou com um: eu também quero! Corri para o dermatologista e, no dia seguinte, já havia gastado uma “baba” de dinheiro com cremes e sabonetes sonhando com a pele de “bundinha de bebê”. Duas noites após o uso do potente ácido, instalou-se meu desespero... eu estava toda roxa. Roxa mesmo, parecendo uma beterraba. A filha de minha vizinha (4 anos) entrou correndo lá em casa, tomou um susto, e disse: — Tia, você vai voltar??? Buááááááá... Queimei meu rosto, e agora? Às 6h da manhã eu já estava na porta da clínica esperando o médico chegar para me dizer: — Mas eu não te falei que ficava assim? Está tudo normal. Só volte aqui depois que despelar todo o rosto para vermos se será necessário outro ciclo. Ufa... o problema agora era ir trabalhar com a cara roxa... e lá vamos nós... Cobri o rosto com um quilo de maquiagem -30-

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Taca pedra na Geni — por Agatha Sampaio Quando nasci, meus pais eram ainda bem jovens, e acredito que isso tenha sido determinante para a dinâmica da nossa relação. Nos primeiros anos, nós nos mudávamos muito, em função da instabilidade profissional do meu pai, das desavenças de casal, das interferências familiares, entre outras questões que apareciam na vida daqueles dois jovens brincando de boneca. Eu tinha cinco ou seis anos quando finalmente assentamos. Lembro dos domingos em casa, quando minha mãe colocava música no volume mais alto enquanto preparava o almoço e arrumava a bagunça da semana. Os escolhidos eram Fundo de Quintal, Almir Guineto, Agepê, Alcione, intercalados com Djavan, Maria Bethânia e Milton Nascimento. Às vezes, tocava Ella Fitzgerald, Duke Ellington, Sarah Vaughan e algumas outras lendas do jazz. Nessa idade eu tinha horror a tudo o que minha mãe ouvia, provavelmente influenciada pelo volume em que a música tocava. Eu havia acabado de conhecer Legião Urbana, e o primeiro vinil que comprei — muito motivada pelos palavrões de “Faroeste Caboclo” —, foi Que país é este. Aos 7 anos, já sabia todas as letras de cor e, junto com meus amiguinhos, fazia coro nas farras do condomínio. Não me lembro de muitos fatos daquele tempo, mas o suficiente para dizer que eu tive uma infância feliz. Minha mãe diz que eu liderava uma gangue onde morávamos. Segundo ela, eram cerca de 20 crianças, todas ligadas ao meu comando. Onde eu ia, havia um séquito atrás de diversão. E disso eu entendia. Nos momentos em que eu não estava na piscina (meu avô me apelidou de “peixa”), eu jogava bola, brincava de pique-esconde, de casinha, de médico, pera-uva-maçã-e-salada-mista e várias outras invenções que improvisávamos na hora. Mas eu também sabia me virar sem a matilha. Sempre guardei meu silêncio e os hiatos da vida social. Privacidade era um conceito já compreendido e desejado desde pequena. Sempre soube a importância de estar só. Sou filha única e gostava de ficar sozinha brincando de Playmobil, Lego, lendo gibis — eu tinha uma coleção e me orgulhava disso —, ou simplesmente olhando para o teto sem pensar em nada — hábito que cultivo até hoje. -32-

Meus pais se separaram muitas vezes no período em que estiveram casados. Na época, apelidei a dupla de “casal ioiô” em função das idas e vindas do relacionamento bastante conturbado, muito em função da juventude de ambos. Foi assim até meus 13 anos, quando eles romperam de vez. A dinâmica com minha mãe se aproximava mais do que é compreendido como uma relação entre pais e filhos: era constante, havia cobranças sobre o rendimento na escola, adequação comportamental etc. Já com meu pai, eram poucos os sinais de que aquele cara era responsável por mim, que havia ali um vínculo realmente paternal — salvo o fato de o espermatozoide dele ter fecundado o óvulo da minha mãe. Talvez seja porque ele, como muitos, se acomodou no papel de “quando puder, eu ajudo”, imputando à mulher a responsabilidade de educar e manter o filho. Durante os dez anos seguintes, eu revezava entre a casa da minha mãe e da minha avó materna, até eu resolver me aventurar pelo mundo e ir morar sozinha. Nesse tempo dividido entre infância e adolescência, meu pai e eu nos víamos basicamente aos fins de semana. Ele me levava para andar de kart, para a casa dos seus pais e vez ou outra viajávamos com meus tios e primos. Era a época áurea do funk carioca. A cultura funkeira estava sendo alavancada pelas participações dos MCs nos programas de tevê e nas rádios, levando os playboizinhos e patricinhas do Leblon a ter contato com o som e, de alguma forma, a se identificar com aquilo. Eu me dividia entre os dois mundos, pois minha família paterna morava em Vaz Lobo — bairro do subúrbio carioca do universo de Nelson Rodrigues —, e eu morava em Copacabana, para onde migrou a família materna ainda durante minha infância. Quando o funk carioca explodiu no Brasil, eu estava às portas da adolescência. Por anos eu vivi na fronteira da cidade partida. Lembro que, nesse período, as matinês das boates da Zona Sul só tocavam a voz dos morros, e os bem-nascidos dançavam e cantavam as músicas como se fossem crias da favela. Era oficial, entre vaias e pedradas, o funk invadiu os salões da alta sociedade e passou a fazer parte do imaginário popular da burguesia. Eu tinha uns 17 ou 18 anos quando, numa das viagens que fazia com meu pai, fomos até Miguel Pereira — município no interior do estado do Rio de Janeiro. Naquela época, parte da família paterna morava lá, e era temporada de festas na região. Em uma dessas festas, soubemos que estava rolando um baile funk num local bem próximo. Com algumas cervejas a mais nas ideias, partimos entusiasmados para o baile. Ao chegar, observamos brevemente o ambiente como se quiséssemos entender o que acontecia ali e qual era a dinâmica da coisa, mas, poucas músicas depois, já nos sentíamos pertencentes àquele lugar e parte sagrada daquele ritual. No meio da pista, meu pai, meus

primos e eu dançávamos como se tivéssemos também nascido e crescido na favela. Sabíamos todas as letras e inventávamos nossas próprias coreografias descoordenadas. Ao final do baile, meu pai e eu caminhávamos bêbados pelas ruas vazias da cidade enquanto ríamos de qualquer coisa e falávamos sobre como somos pessoas queridas por todos. Tomei fôlego e, entre um soluço e outro, falei como se fosse o óbvio ululante: “Todo mundo gosta da gente né, pai?” Ele não perdeu tempo e, num arroubo de modéstia, respondeu: “E como é que alguém não vai gostar da gente, filha? A gente é foda.” Há muitas histórias sobre aquela noite. A maioria delas eu não lembro, outras as pessoas fazem questão de me lembrar. Soube que mijei fora do local apropriado, tomei um tombo no meio da pista enquanto arriscava uns passos de dança e dei em cima de pessoa comprometida. Longe de ter sido uma noite vitoriosa, com conquistas e pontos altos, aquela foi uma noite comum, com mais erros do que acertos. Mas sempre que a lembrança vem, ela chega com carinho. Em tempos em que a discussão sobre o que é Arte está em voga, dessa vez pautada por forte viés conservador e superficial, é importante lembrar que não são os cânones — tampouco os desavisados-especialistas-fast-food — que definem o que é ou não Arte, mas, sim, o potencial agregador, a capacidade de mobilização e de identidade dos grupos. Arte não é feita para decorar a sua sala, mas para escarrar na tua cara. Essa definição é minha, você não vai encontrar nos livros do Gombrich nem nas prateleiras afins, mas pareceu pertinente para contrapor os caga-regras de plantão que seguem desejando pautar o Belo amparados pela cafonice de seus parlatórios.  Ressuscita, Tempos Crônicos! Liberta, DJ! 1 - Rap da Felicidade – MC Cidinho e Doca 2 - Rap do Silva – Bob Rum 3 - Rap do Festival – Danda e Tafarel 4 - Estrada da Posse – MC Cidinho e Doca 5 - Rap do Salgueiro – Claudinho e Buchecha 6 - Rap da Morena – MC William e Duda 7 - Rap da Rocinha – MC Galo 8 - Rap do Solitário – MC Marcinho 9 - Rap da União – MC Danda e Tafarel 10 - Rap do Borel – MC William e Duda 11 - Rap do Pirão – MC D’Eddy

Você ouve essa playlist aqui: -33-


Eclipse no Bloco Bicharada 36 Silvia Argenta Era uma vez... 39 Glauber Ribeiro O invasor 41 Luis Augusto Óleo sobre pele 43 Roberto Miranda Socorro Uma praia do passado 44 Fábio Kalvan

Para assustar.


Tempos Crônicos - cinco anos

Para assustar

Eclipse no Bloco Bicharada – por Silvia Argenta O ar sai do pulmão lentamente. O cigarro serve como muleta para suportar a confusão mental de quem precisa estar preparado para o que está por vir. Os prognósticos de saúde de sua amiga internada não são dos melhores. Sentado numa mureta na frente da emergência do hospital, não tem reação alguma quando uma ambulância aparece no final da rua com a sirene alta. A expressão do seu rosto não se altera mesmo com toda a movimentação dos socorristas que levam, em segundos, um novo paciente para dentro, envoltos por um monte de aparelhos por cima da maca. Lili e Tatá se conheceram quando tinham dez anos. No colégio, sentavam-se lado a lado e não paravam de conversar. Por diversas vezes, a professora precisava mudá-los de lugar para que a aula pudesse continuar sem os burburinhos. Apesar disso, tiravam boas notas e passavam de ano fácil. Moravam perto e, de manhã, iam juntos a pé para a escola. De tarde, sempre inventavam alguma atividade para continuarem um na companhia do outro. — Meu loiro, queria tanto passar mais tempo com você... —, disse ela fazendo cafuné. — Sei que sou irresistível — respondeu ele com um sorriso debochado — este ano podíamos aprender... violino! — Pra virar a cara e meter a vara? Topo! O grude era tanto que assim foi até o terceirão, quando chegou a hora de decidirem o que estudar na faculdade. Fizeram o vestibular e passaram no mesmo curso. Seriam veterinários porque tinham um amor incondicional por animais. Recolheram muitos cachorros abandonados que encontravam no caminho da escola. Levavam os bichinhos para a casa de um deles, onde davam banho e comida. Depois, encontravam alguma família disposta a adotar ou eventualmente eles mesmos ficavam e dividiam os cuidados. Dividiam também o gosto por homens. Não eram namorados, mas só se relacionavam com rapazes que aceitassem ficar com os dois. Certa vez, ela se apaixonou pelo Fernando, o garoto mais exótico do segundo ano. Sempre se vestia com roupas

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pretas e tinha a franja muito bem ajeitada para o mesmo lado, além de cozinhar e recitar poesias. Quando ela descobriu que ele só gostava de meninas, a paixão acabou porque Tatá ficaria de fora do relacionamento. As aulas da faculdade começariam em março. Por isso, eles queriam aproveitar como podiam o último verão da adolescência. O momento alto era curtir o carnaval de rua pela primeira vez sem os pais, no calor escaldante de uma tarde de sábado de fevereiro. Só que não era um dia de carnaval qualquer. Era o sábado de carnaval com eclipse solar total! Os astrólogos dizem que o fenômeno tem o poder de impulsionar o início de novos ciclos, o que, convenhamos, era tudo que eles esperavam. E o dia chegou! Devidamente paramentados, encontraram alguns amigos na praça e começaram a concentração. Como o Bloco Bicharada estava marcado para sair ao meio-dia, dava tempo de fazer um esquenta. Miudinha, Lili estava toda toda como pavoa misteriosa. Saia curta dourada, top azul e uma tiara com seis penas que misturavam azul, amarelo e verde, contrastando com seus cabelos pretos e lisos. E, claro, o item obrigatório do carnaval nos últimos tempos: a indispensável pochete prateada. Tatá chamava bem mais atenção que Lili. Com mais de um metro e noventa, era difícil distinguir se as orelhas que usava no topo da cabeça eram de coelho ou de gato. Os bigodinhos pintados nas bochechas não ajudavam a identificar que bicho era. O que dava para ver era muito, mas muito glitter biodegradável de todas as cores imagináveis mais a saia de tule rosa choque que valorizava as coxas malhadas. Quando o bloco saiu, as ruas já estavam completamente tomadas. Para não se perderem, os dois ficaram de mãos dadas. O tempo passou, e eles se deram conta de que precisavam desentrelaçar as mãos para que as ficadas rendessem mais. E deu certo. A desinibição por já estarem bem alegres por causa da bebida também ajudou. Ficaram nessa toada por alguns quarteirões. Mas mesmo para jovens, a mistura de bebida, tumulto e sol na moleira leva ao cansaço. Ela decidiu que precisava comer para retomar a energia. Saíram do fluxo do bloquinho e acessaram uma das ruas transversais. Lili entrou numa das lanchonetes mais famosas da cidade, e Tatá ficou na rua esperando por ela, enquanto aproveitava a festa. — Keko, manda aí um pastel de carne com ovo e uma Pureza. — Doze pila, princesa. — Cadê a chave do banheiro? — No carnaval não deixo, não. Mesmo apertada, preferiu esperar para comer. Se sentou no único banco alto vago e apoiou os braços na bancada, bem na frente do cara que fritava as guloseimas, mas seus olhos só

miravam os azulejos brancos e vermelhos da parede. Demorou para comer. A cada mordida, precisava respirar fundo e se concentrar para não perder o equilíbrio e cair do banco. Reabastecida, ela saiu e logo foi abordada por um desconhecido. — Ô, tu comeu no Keko? — Sim. — Tu sabe que ele é bolsominion? — Não acredito! Ela nem se importou com a grande movimentação de pessoas na rua. Virou para o lado, se ajoelhou e começou a vomitar. Do lado da porta da pastelaria, o chão ficou tomado por uma gosma de refugo. Não tinha nem como definir que cor era aquilo. Só dava para identificar alguns pedaços de ovo. O Keko capricha no recheio. — Que que deu? — perguntou um qualquer vestido com um collant dourado que provavelmente era de sua bisavó. — Comeu no Keko — respondeu outro desconhecido. — Não... ela tomou um litro de catuaba no bico — disse Tatá rindo, sem nem perceber que o dia tinha começado a escurecer. Lili ainda ficou um tempo prostrada sem saber se tinha algo mais para liberar. Depois que terminou, se levantou e tomou seu rumo sozinha. Tatá saiu correndo atrás dela. Por causa da multidão, impôs seu corpo para abrir caminho e conseguiu puxá-la pelo braço. Sem olhar para trás, ela se desvencilhou e começou a saltar e cantar. Vou dar a volta no mundo, eu vou Vou ver o mundo giraaaaaaar Ele pensou em gritar o nome dela, mas a música estava muito alta, e os dois se perderam. Separados, cada um seguiu seu caminho na muvuca. O eclipse solar estava quase no auge, quando, já sem forças para pular o carnaval, Olívia aceitou a carona de um rapaz com cara de gringo que tinha acabado de conhecer. Trôpega, mal conseguiu passar o endereço de sua casa e precisou de ajuda para entrar no carro. A poucos metros do destino, um cachorro atravessou a rua inesperadamente, o rapaz perdeu a direção e o veículo capotou oito vezes. Na escuridão atípica das seis horas daquela tarde, a fumaça do cigarro ajudava a dissipar o espírito de Otávio. 

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Era uma vez... – por Glauber Ribeiro O vestido vermelho e curto grudado ao corpo como uma segunda pele valoriza os seios, as grossas coxas e a bunda empinada. Vai para a frente daquele espelho de Branca de Neve, enorme, redondo e com moldura de madeira boa, olha-se de corpo inteiro e sorri. Os homens ficam malucos com ela. Os que sabem e os que ignoram. Mesmo assim, quando descobrem — geralmente ela mesma conta — após o estranhamento, jogam-se em sua carne com fome e fogo. “Espelho, espelho meu... Nem precisa: sou gostosa!” A gargalhada ecoa no quarto. Checa a maquiagem: sombra, delineadores, batom, tudo perfeito! Seu agente sempre diz que há dois tipos de putas: as discretas e as que ofuscam ao redor. “Você é assim, Bela. Cega a todos!” Agente. O nome certo mesmo é cafetão. Pelo menos com ele não há problemas: os que encomendam seus serviços sabem quem ela é. Mais uma olhada no espelho. Mais batom e gloss... Eles gostam assim, femme fatale, voluptuosa. “Mas eles odeiam atraso.” Olha o relógio do celular e percebe que há tempo de sobra para o cliente. Confere o tempo pela janela. Sem uma nuvem, embora uma brisa refresque o ambiente. A lua está linda: cheia, brilhante, algo misteriosa. Ou trágica. Sua avó, no outro canto do quarto, sempre associou essa lua à tragédia. “Sua mãe morreu numa lua assim. Assassinaram seu avô nessa lua...” O arrepio é trocado por um sorriso de desdém. Não há lua ruim para quem se prostitui. Qualquer hora do dia pode sê-lo. Felizmente, ela é safa, sabe se virar muito bem. Sai do quarto e vai para o da avó dar o beijo costumeiro. A velha agora apenas vegeta. Mas foi pai, mãe, guia... Ativa, fazia doces e bolos para vender e sustentá-las. Serviu grandes bufês, festas de famílias quatrocentonas do Rio. Famílias de Copa, São Conrado e Ipanema foram clientes dos finos doces e bolos criativos. A velha sempre separava uma quentinha com as iguarias para o neto João. Ao longo do tempo, vovó foi percebendo traços delicados do netinho, algo feminino..., mas que importância havia naquilo? Eram só os dois, não eram? Por que brigar com uma criatura tão doce, de meiguice ímpar? Foi aí que João foi virando Maria... E Maria, para segurar a onda da avó com Alzheimer, virou Bela. Bela que seduz os homens, -38-

a que satisfaz por todos os lados como num passe de mágica. A fada ou o fauno de acordo com a vontade do freguês... Chega perto da avó. Acaricia os cabelos, lhe diz pequenos carinhos, brinca com a verruga na ponta do queixo da velha. — A lua... a lua! Os cães, João! Os cães atacam na lua cheia! Solta-se do braço da avó num impulso. A enfermeira que estava na sala vem ao seu socorro. Coisas da doença. Delírios. Não se assuste com isso. Está na hora do trampo. Ela desce as escadas — prédio velho do BNH não tem elevador — enquanto chama o motoboy que a leva aos lugares marcados. — Aí, viado, está matando hoje! — Vamos, boy. O cara de hoje é chato. Não quero atrasar. — Pra onde, princesa? — Perto da Floresta da Tijuca. — Longinho, hein? — Vou pagar legal. O cara é chato, mas paga muito bem! — Sobe aí no cavalo branco, princesa. Vambora! Não era princesa, mas ele, de fato, era Príncipe. Filho de pai traficante, ele foi seu companheiro ao longo da infância e adolescência. Protegia João, transava com Maria... E como tantos outros, Príncipe casou-se e escondeu seus desejos. Jamais feliz para sempre. O nome veio da mãe, bêbada, louca e megalômana. A tez morena e os olhos azuis evidentes desde o dia do nascimento fizeram com que ela preconizasse um destino grandioso para o filho. Príncipe Machado. Real e cortante. Ao longo do caminho, Bela sente a noite no corpo. O vento gostoso, a lua banhando sua pele como se fosse uma bênção, inofensivas gotas de chuva (tempo enganador!) fazendo o contorno de suas curvas. Gruda-se a Príncipe como forma de proteção. Sem observar seu rosto, sabe que ele gosta. Há quanto tempo ouviu dele “Eu te amo”? Muito tempo atrás. Não sabe se foi o baseado que puxavam, o tesão ou se era realmente amor. Só sabe que gostou de ouvir. Contudo, covarde, ele jamais enfrentaria família, esposa e amigos para assumir uma trans e prostituta. Jamais final feliz. Afastou-se dele. Não podia se dar ao luxo de sonhar. Sempre fez isso com o que lhe assustava: foi assim com a avó paterna que surgiu do nada (mas desapareceu do mesmo jeito), com o desejo de estudar, com o sonho de tornar-se psicóloga. Por que não faria isso com homem? Tornaram-se amantes, mas mantinham — como fizeram sempre — segredo sobre a relação. Esposa alguma aceitaria ser traída com um homem. Por mais mulher que Bela fosse, para aquela gente pequena e mesquinha, seria sempre homem. Ou viado. Por isso, só o sexo era viável. Sua paixão foi trancada no alto da torre, a sete chaves, proibida de sair. -39-


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— Caraca, Bela. Lugar esquisito! Ela tenta ironizar, mas um arrepio deixa claro que também se amedrontou. Ermo e escuro, coberto por árvores velhas que pareciam assobiar de forma lúgubre com o vento, o local era digno de um filme de terror. Ou de um conto dos Grimm. Diz a ele que está tudo bem, que o agente sabe onde ela está e conhece bem o cara. É miliciano e chama-se Lobo. Primeiro nome não foi identificado. Raramente é. Príncipe insiste em ficar. — Vai embora, cara! Os clientes não gostam de ver a gente acompanhada. Camba daqui! Bela vê Príncipe sumir numa curva, entre as árvores ameaçadoras. Agora eram apenas ela, a lua, o vento e as gotas de chuva que começavam a aumentar. Ela pensa que já havia visto sol e chuva — o tal casamento de viúva — mas lua cheia... Será que aquilo é um presságio? Afinal vovó nunca gostara de lua cheia... Olha ao redor pensando em algo que a distraia enquanto o Lobo não vem. Pega o celular. Qualquer coisa, liga para a Fada Madrinha, agência da qual faz parte. Felipe, o cafetão de luxo, afirma que ninguém vai pensar que um lugar com esse nome é um puteiro. Faz sentido. Seus olhos não desgrudam da lua... Passa por sua cabeça que o satélite natural, contraposto ao seu vestido vermelho, o fariam parecer um borrão de sangue... Presságio de morte. — Nossa, pequena, está muito gostosa! Gela de susto. A voz rouca, quase um sussurro, rompe o silêncio, mas acentua a apreensão da jovem. Sorri palidamente. Sente os braços do homem roçarem os seus, apertarem seus seios, irem descendo, descendo, até que, juntos, trazem o corpo de Bela para perto dele. “Não gosto de você” é a vontade que tem de gritar. Mas não pode. Lobo é agressivo. O último programa a deixou com marcas de dentadas, arranhões e cigarro. Mas a grana é boa. A avó precisa. Ele esfrega-se mais. Coloca-a contra uma árvore. Os lábios a sugam, as mãos a prescrutam. Mordidas: orelha, seios, barriga. Ela pergunta pelo carro. Quando irão para o hotel? Foi combinado o hotel, não foi? Ele diz que o mato o excita. — Daqui a pouco vamos mais para o fundo... Tem um atalho que leva a uma clareira..., mas ainda quero aproveitar a luz da lua... Lua cheia me enche de tesão. As mãos são firmes com os dentes agudos a lhe morder. Nojo e medo é o que ela sente. Ele parece excitar-se com o cheiro de terror que dela emana. Encosta a boca em seu ouvido, mãos presas no decote do vestido vermelho: — O que foi, putinha? Vai me dizer que não gosta? Eu pago, você faz, seu viado de merda! Ela tenta empurrá-lo, mas não consegue. Toma um tapa na cara, leva uma nova dentada, tem o vestido rasgado na parte -40-

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de cima. O medo a ajuda a reunir forças e a fazer o que qualquer mulher faria: mirar com a ponta do salto em seu saco. Ele uiva de dor, ela corre de medo para dentro do bosque com a chuva já se transformando em transtorno. Nem dinheiro, nem a avó, nem nada neste mundo a farão ser vítima daquele predador insano. Bela embrenha-se entre as árvores, os saltos afundando na lama que se forma. Não sabe se o que escorre de seu rosto são lágrimas ou chuva. Nada consegue ver à sua frente. Tropeça, perde um pé do sapato. Com o outro na mão, continua a correr. Adentra-se na mata, maldizendo a burrice: “Por que você não foi para campo aberto, sua imbecil?” Esbarra em folhagens, desvia de galhos, agacha-se para não ser pega por morcegos e... — Peguei você, sua vagabunda! Não tem tempo para gritar: é jogada no chão. Ele cai sobre ela. — Depois de me deliciar, vou te matar! Mulher nenhuma me despreza, quanto mais puta, quanto mais viado! O vestido é rasgado novamente, o corpo virado de bruços. Ele arfa como um cão, o corpo forte sobre o de Bela, a cara da menina enterrada na lama. E, magicamente, tudo para. A agressão, o corpo dele, talvez o tempo. Timidamente ela vai se esgueirando, tirando seu corpo aos poucos de perto do dele. Sente um líquido espesso e quente a tomar-lhe o vestido. Deve ser transparente, pois não percebe a cor... Coloca a mão sobre a parte rasgada e percebe a coloração que ela ganha: o vermelho do vestido em suas mãos... Sangue... Empurra o corpo de Lobo com força para longe do seu. Ele está morto. Quando está prestes a gritar, uma mão lhe tapa a boca. Príncipe. Tem uma faca nas mãos com o tom rubro de seu vestido. Agacha-se e começa a lhe calçar os saltos. Achara um dos pés na mata quase afundando na lama. — Esse desgraçado! Eu fiquei preocupado com você. Ele ia te matar... Não podia deixar, Bela. Sou um merda. Príncipe de merda, mas amo você e... Príncipe salvou sua vida. Colocou o sapatinho em seus pés... Ela agradece com um beijo quente e forte. Se amam ali mesmo entre as árvores, o corpo do Lobo morto estendido, a chuva aumentando. Ele matou um miliciano; ela é sua cúmplice. Estariam marcados, jurados de morte em breve. Sua avó estaria desamparada até que “a inevitável das gentes” a buscasse. Mas nada havia de importante agora. A mulher do vestido vermelho fora salva do Lobo por Príncipe. Aquele amor visceral e urgente sob a chuva e a lua cheia que parecia brilhar como em histórias fantásticas seriam o prêmio de ambos. E Bela sabia que, apesar de momentâneo, aquele seria seu último final feliz. 

O invasor — por Luis Augusto Sem pedir licença, entrou, sentou-se, relaxou, acomodou-se. Em pouco tempo, era como o dono da casa a lidar com a empregada, o chofer e a própria esposa do outro. Quando o tal outro voltou, a pé, do trabalho, soube que o chofer fora demitido, a mulher havia trocado a fechadura, e a empregada não lhe deixava entrar. Nervoso, pôs abaixo a porta, dando de cara com o sujeito enfiado em seu roupão mais caro, sentado em sua poltrona preferida. “E não é que até o roupão elegante lhe caía melhor que em si próprio?” Pensou o homem, já totalmente apaixonado. 

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Óleo sobre pele – por Roberto Miranda Socorro Não, não há nada de errado contigo, está perfeita. Sempre esteve. Agora está mais. Eu te pedi para usar franja, mas você quase surtou. Detestava quando eu queria te ver maquiada. Reclamava que só me preocupava com tua aparência. Reclamava da falta de conversa na volta para casa. Reclamava da minha rotina na poltrona a te olhar. Reclamava que eu não falava nada do meu dia, que eu não perguntava nada do teu dia. Reclamava. Por que isso aconteceu? Olhos de ametista, cabelos fios de ouro, corpo iluminado. O lugar de pouso dos meus olhos. No início, encabulada, dizia que tua íris era só azul. Só azul... Gostava dos meus elogios, aparecia um brilho de rubor. Pescoço dobrado, tentando esconder o rosto, risos discretos. Brincava que meus plantões no hospital me acostumaram a ver gente pálida. Não sei bem quando nasceu o incômodo. Passou a usar camisolão, prendia o cabelo, se escondia atrás dos óculos. Se en-

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tocava com teus livros, procurava um cômodo fora do alcance da minha vista. Dizia que eu não era o mesmo, que só queria te olhar. Falou que meus elogios soavam a música brega, que insistia nos palpites em tuas roupas, não te deixava ir à praia, que você não queria usar lentes de contato. Não me deixava passar óleo no seu corpo, o óleo que puxava todo o teu aroma. Comprei um vestido de presente, lindo, de marinheira, mas você odiou. Disse que não se vestiria de boneca. Que bastavam aqueles bichos horrorosos imóveis em casa. Mas você é uma boneca. A minha boneca. Só minha. Por que meu toque mudou? Por que acabaram os abraços apertados, os beijos? Por que só te alisava de leve? Eu não te queria mais? Queria mais que tudo, queria do meu jeito. Nada de abraços. Nenhum distúrbio em sua pele seria possível, seria aceitável. Tinha de se manter intacta. Você cansou e bradou que ia embora. Minha cabeça bateu como um sino. “Vai ficar aí estático? Não vai fazer nada? Não pode se modificar por mim? Eu mudei, por que não você?” As palavras eram badalos repicando de um lado ao outro dentro do crânio. Eu posso me transformar, você nunca. Não quero. Ainda bem que você não foi. Está linda de franja. O vestido, impecável. Teus olhos agora são de ametista, teu cabelo tem fios de ouro, brilha a luz no teu corpo. Abro a tampa do frasco e respiro teu cheiro. Passo óleo em tua pele. 

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Uma praia do passado — por Fábio Kalvan Eduardo passou a toalhinha pelo rosto suado e foi em busca de água. Esses segundos de êxtase, antes do próximo exercício, eram sempre prejudicados pelo bebedouro, que nunca fornecia água na medida desejada. Teve que aguardar porque havia como que um corpo sem cabeça curvado sobre o aparelho. Quando a cabeça enfim surgiu, tomou um susto. — Marcelo? — Edu? Caramba, que surpresa. E aí, tudo bem? — Tudo em ordem. Pô, quanto tempo?! — Sei lá, uns 20 anos, acho. Todos conhecemos a situação. Alegria e constrangimento. Fomos muito próximos daquela pessoa, discos, ideias, livros, valores, bebedeiras e segredos compartilhados durante longo tempo, mas e agora? Como ligar essa pessoa de pé diante de nós com aquela com quem tivemos tantas experiências em comum? Eduardo e Marcelo se conheceram adolescentes no antigo segundo grau, por volta de 1990, e a amizade pegou forte, dessas que acontecem poucas vezes, até que a vida adulta trouxe trajetórias distintas, e o contato foi rareando. — O que está fazendo aqui? —, perguntou Eduardo. — Resolvi criar vergonha na cara e cuidar um pouco do corpo, estou precisando — respondeu Marcelo enquanto passava a mão sobre uma barriga saliente. — Comecei semana passada, quero ver se desta vez não desisto. Mas você está bem, pelo visto —, devolveu apertando o bíceps do amigo. — Cara, a gente tem que se cuidar. Tem que ter disciplina, ainda mais a esta altura do campeonato. Antes que seja tarde —, Eduardo foi categórico, satisfeito com a observação sobre o estado de seu corpo de 46 anos. Foram se atualizando mutuamente enquanto cada um seguia sua ficha de exercícios: casamentos e descasamentos, filhos, atividades profissionais, essas coisas. Para alívio mútuo, os assuntos se esgotaram ao fim do treino, na altura dos abdominais, quando prometeram um café ou um chope: “A gente vai se falando.” Sabemos que não haverá encontro algum. Ao menos, o desfecho da conversa serviu para que seguissem seus caminhos com

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a sensação de que assim honravam anos de amizade. Eduardo seguiu para o vestiário, dali iria direto para o trabalho. “Que legal encontrar o Marcelo. Ele está acabadinho mesmo, precisa se cuidar”, pensou enquanto vestia sua camisa polo importada. Marcelo, pelo contrário, saiu suado e cansado pelas ruas do Bosque, já que morava perto e preferia tomar banho em casa, que também era seu escritório de advocacia. Levava consigo uma sensação agridoce, satisfeito por ver o amigo bem ao mesmo tempo em que pressentia ressurgirem episódios indigestos. Encontraram-se dias depois, também na academia, mas sem o estranhamento da vez anterior. — Firme no treino? —, perguntou Eduardo. — Mais do que gostaria e menos do que deveria. Estou com o corpo todo dolorido. — Já já passa — incentivou Eduardo. — E depois vira rotina, tanto que a gente sente falta do exercício. Começa a cuidar mais da alimentação, maneira na bebida, dorme melhor. Eu mesmo só como carne branca, dieta com nutricionista, pedalo no fim de semana. A disposição para trabalhar é outra. — Eu descuidei, tenho que reconhecer. Muito preocupado com estudos, com o escritório, deu nisso —, disse Marcelo num mea-culpa e arrematou: — “O muito estudar é enfado da carne.” Curioso é que, sem que percebessem, reproduziam os papéis de antigamente: um mais afeito às atividades físicas, mais assertivo e laborioso, outro mais cerebral, chegado às palavras, às ideias e aos ideais. Talvez por isso tenham combinado tanto, talvez por isso foram se distanciando. De novo, a conversa ia sendo cadenciada conforme os exercícios e as pausas para descanso. — E aí, Edu, voltou à Fortaleza? — perguntou Marcelo. — Voltei, sim, cara. Eu amo o Nordeste. — Mas estou falando da praia. A família de Eduardo, classe média confortável, tivera uma casa na Praia da Fortaleza, entre Caraguatatuba e Ubatuba. Para lá, os dois amigos iam com frequência, em quase todo feriado prolongado ou férias. Muitos banhos de mar, algumas trilhas e caminhadas, várias festas. Marcelo sentiu que a menção à praia do passado nublou por instantes o semblante de Eduardo, mas não teve certeza. Certeza ele tinha de que sua lembrança do assunto não fora fortuita, jeito de preencher silêncio (silêncio tanto quanto possível em sala de musculação), mas, sim, o retorno a uma ferida passada, porém jamais cicatrizada e que voltou a latejar a partir daquele reencontro. — Nunca mais voltei. Dizem que mudou, muito mais gente, mas continua bonita. E você? Eduardo perguntou retomando o movimento na cadeira extensora.

— Também não voltei. Mas ela me vem à mente de vez em quando. — Também, cada história louca lá —, Eduardo disse rindo e cedendo o lugar ao amigo no aparelho. — Louca até demais. Nunca mais viu a... a… Tânia? — perguntou um hesitante Marcelo. — Tânia? Que Tânia? — Que Tânia? Como não lembra? Aquela caiçara com quem você ficava de vez em quando. — Sim, verdade. Não, nunca mais a vi. Bonita ela, não é? Mas era só um caso —, disse Eduardo. Após um silêncio, reconheceu saber aonde o amigo desejava chegar dizendo: “Não vá me dizer que você ainda pensa nisso.” Estivéssemos ali e veríamos que a exumação daquele nome estremeceu a segurança do exitoso comerciante do ramo de alimentação. Veríamos também o incômodo quase tátil que se instalou entre os dois a partir daquele momento. — Não aconteceu nada de errado — disse um Eduardo de novo assertivo, olhos nos olhos do amigo, rosto de súbito vermelho, talvez por conta do esforço exigido pelo leg press, não sabemos. — Será mesmo, Edu? Aí é que está, eu não tenho essa certeza. Não me recordo de quase nada daquela noite. E o pouco que lembro o tempo embaralhou. — Claro, nós dois travados. E a Tânia também, é bom lembrar. — Então! Isso é o que complica as coisas. — Marcelo, estávamos bêbados, éramos jovens e queríamos aproveitar a vida. Ponto. — Mas será que a Tânia queria mesmo? Você lembra de ter perguntado a ela? — Pelo amor de Deus, a Tânia era uma safada, gostava de uma suruba. — Não importa, Edu. A questão é: ela consentiu? Fico pensando se a gente não fez uma coisa errada, se não foi, na verdade, um… — Claro que quis, claro que quis. Não quisesse, não teria ido à festa com a gente, não teria bebido, muito menos teria se metido num quarto. Fez uma pausa para finalizar: — Um conselho? Faça como eu, desencane. Marcelo odiou aquele cinismo, mas invejou a segurança. Pensou que o amigo nadava num mar de certezas enquanto ele soçobrava em dúvidas. Mas era uma percepção errônea, já que a veemência de Eduardo se prestava menos a convencer Marcelo que a si próprio. Eduardo alegou pressa e se despediu. Marcelo ainda ficou por ali, apoiado em um elíptico enquanto tentava fixar flashes daquela madrugada de verão de 1994. Marcelo nunca mais viu Eduardo na academia.  -45-


A hora de dormir 48 Jaqueline Ariane A mulher nua 51 Luciana Leal Adeus, Madalena! 53 Sanção Maia Amoreira 55 Helô Mello Deco foi embora 56 André Lima Duas lágrimas 59 Paulinho Caldas Ela de volta 61 Lívia Guimarães Éramos jovens 63 Elba Vieira O amor nos tempos do outrora 65 Jamila Carvalho Pitanga medicinal 67 Felipe Aguiar Viva Suassuna 69 eliana mb

Para emocionar.


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A hora de dormir – por Jaqueline Ariane Era só mais um sábado em minha vida, sem grandes expectativas. O plano era cumprir parte do nosso checklist, meu e de Monalisa (amiga que fiz no primeiro dia de intercâmbio em Vancouver) e conhecer a cidade de Victoria, em British Columbia, famosa por seu jardim florido, pela tranquilidade, pela arquitetura antiga e romântica. A viagem era longa, pegaríamos um ônibus, depois um navio, para então chegar a Victoria. Tínhamos um acordo, fugir dos brasileiros que insistiam em aparecer em nosso caminho. A regra era clara: se vir brasileiro, corre! Mas a vida é um grande teste de paciência e não demorou para encontrarmos um casal de brasileiros nada convencional – Tereza e Anderson. Na fila do ônibus, assim que a dupla suspeitou que éramos brasileiras, puxaram assunto. Monalisa não estava de bom humor, mesmo com um copo de café do Starbucks nas mãos (insistiu em comprar no meio do caminho até o ônibus). Só quem a conhece sabe a cara de desgosto que ela faz, e nesse dia não foi diferente. Tereza, jovem senhora com quase 60 anos, sorriu e falou conosco. Não lembro exatamente o que ela disse, só me recordo de Monalisa franzindo a testa e respondendo uma dúzia de palavras sem nenhum entusiasmo. Não que eu seja a pessoa mais simpática do mundo, porque não sou mesmo. Anderson era um jovem sergipano falador. Contador de histórias e expansivo. Estava sendo simpático e extremamente sorridente. Talvez isso tenha me irritado, tímida que sou. Eita, mas que casal esquisito! Para minha surpresa, eles se sentaram quase ao nosso lado no ônibus. Lancei um olhar para Monalisa, como quem quer dizer: É hoje... Chegamos ao navio; ali teríamos mais uma hora de viagem até chegar ao destino final. Minha alegria começou quando nossa guia da excursão disse que teríamos tempo para tomar um delicioso café da manhã, com direito a waffles com morangos. Foi na praça de alimentação do navio que vi, quase sem querer, Anderson me lançar uma piscadinha com o olho. Coloquei minha bandeja na mesa e, enérgica, falei para Monalisa: Você não acredita, mas o cara piscou para mim. Rimos. Rimos muito. -48-

Finalmente chegamos à cidade de Victoria. Tereza e Anderson estavam superanimados e demonstraram interesse em nos fazer companhia. Nos fizemos de desentendidas, nos afastamos e não perdemos a oportunidade de fazer suposições sobre a vida do casal. Será que eles são namorados? Não, não pode ser! Esse cara é chatão, e essa senhora é estranha. Ela parece estar bêbada. Coisa mais feia que aprendemos a fazer durante a vida: julgar os outros. O passeio chegou ao fim, algumas horas a mais, e estaríamos em casa. No navio da volta, paramos na lanchonete para comer alguma coisa. Não demorou muito para o casal tomar a liberdade, vir ao nosso encontro e começar a papear. Dessa vez, já mais bem humoradas, não os ignoramos. A conversa ficou agradável. Foi aí que aprendi que nunca devemos julgar um livro pela capa. Quando abrimos espaço para conhecer verdadeiramente as pessoas que aparecem em nosso caminho, descobrimos que elas podem nos ensinar muitas coisas. Não acredito que esperei até o final do dia para dividir o meu passeio com pessoas tão incríveis, e principalmente com o Anderson. Confesso que nessa hora eu já estava de olho nele. Por um momento, não vi as horas passarem, enquanto nós quatro entramos em um papo nostálgico sobre como uma decisão na vida pode mudar tudo. Tudo depende das escolhas que fazemos. Nessa história não foi diferente. Se Anderson e Tereza não tivessem insistido em nós, eu não teria conhecido a pessoa responsável por manter meu coraçãozinho batendo forte. Agradeci o trânsito que pegamos no caminho de volta, só assim pude reparar mais no Anderson. Passei a achá-lo tão bonitinho, com um topete a la Johnny Bravo e o sorriso mais branquinho que tinha visto nos últimos dias (depois de tantos sorrisos amarelos que cruzaram meu caminho). Pensei comigo: foi aquela piscadinha que me tonteou. Suas ideias eram tão parecidas com as minhas... Faça o que você tem vontade de fazer e seja feliz, foi o que ele me disse. Imediatamente virei para Monalisa e cochichando disse: Ele é fofo! Monalisa fez questão de dizer que no dia seguinte era seu aniversário, e perguntou se eles não queriam fazer alguma coisa conosco para comemorar. Convite aceito e encontro marcado. Anderson foi o primeiro a se animar. Eu não sabia, mas ele faria de tudo para me ver novamente. Sentados em um tronco de árvore, na praia English Bay, com o pôr do sol mais lindo que já vi na vida, Anderson e eu começamos a flertar de verdade. Não tinha como dar errado. Depois da praia, fomos a um restaurante e pedimos um belo vinho rosé (ideia de Monalisa). O clima estava perfeito, e a comida era boa, pessoas especiais, e todos felizes (até a hora que a

garçonete sumiu sem nos devolver alguns dólares de troco). Anderson do meu lado, ombro no ombro. Chegou devagarinho... opa, mão na perna e já era... o primeiro beijo! No meu ombro. Ganhei um beijo no ombro, na maior demonstração de afeto e respeito que se poderia ter. Os dias seguintes só melhoraram. As duplas viraram um bom “quarteto”. Fizemos várias coisas juntos. Fomos ao parque de diversões, tomamos special tea com os pés na jacuzzi. Andamos de bicicleta no Stanley Park. A essa altura, Anderson e eu viramos “os Momos”, e Monalisa e Tereza planejavam o nosso futuro. A tristeza me batia quando eu lembrava que o tempo estava passando e eu só teria mais alguns dias em Vancouver. O coração estava apertando. Tereza dizia que era possível manter um relacionamento a distância, sendo eu do Paraná, e ele de Sergipe. O que tem que ser será, ela me dizia. Nosso abraço foi ergonômico, com as alturas feitas pra se encaixarem um no outro, sim, observamos isso. Dentro desse abraço eu só pensava “como será quando eu for embora?”. Queria que o tempo parasse. Egoísmo meu?! Logo eu, a “Coração de Gelo”, a “Cheia de Desilusões Amorosas na Bagagem”, poderia me apaixonar por um sergipano no Canadá em uma semana? Cheguei a dizer que um sergipano jamais deveria piscar para uma paranaense. Agora, estou eu, no Paraná, com o coração em Vancouver e com o sotaque nordestino. Troquei o “R” pela risada frouxa. Para encurtar a distância e a saudade do Momo, escuto a nossa playlist “Hora de Dormir” todas as noites. Revejo nosso álbum de fotos, e às vezes escrevo mensagens que nunca tenho coragem de enviar: “Talvez eu estivesse sonhando com coisas maiores antes de conhecer você. Que crime eu cometi! Mas quando se trata de você, não existe crime. Só coisas boas.” 

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Tempos Crônicos - cinco anos

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A mulher nua – por Luciana Leal Há um vendaval em mim, mas, pela primeira vez, não há a dilacerante dor do ressentimento. É estranha a sensação de querer, mas aceitar o distanciamento. Não penso mais na ceifadora que me podava os sentimentos e não peno com as chagas, que já não são as companheiras de um entediado coração vazio. Julguei que as cicatrizes de dolorosas histórias passadas haviam blindado minha alma e, surpresa, percebi que foi apenas o gesto delicado de tua mão que mediu o golpe, para que a fenda aberta não ferisse tão profundamente. Agradeço o salutar amor que, em vez de alimentar a sensação de abandono, avivou minha centelha de vida, acendeu a mulher vibrante de quem já não me recordava. Entretanto, distancio, por ora, meus passos dos teus. Não pelo mesquinho sentimento de negar minha amizade a quem me sonegou amor, mas apenas para que meus pés possam ca-

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minhar livres das amarras que, involuntariamente, tu me ajudaste a romper. Transpus o muro que encerrava a solidão e já não quero o caminho percorrido em direção à fortaleza de angústias. Anseio apenas seguir adiante, trilhar o caminho de paz com as asas que esse amor me fez redescobrir. Afasto, momentaneamente, meu caminho do teu, para que a visão de meus passos claudicantes não seja as pedras de culpa e piedade em teu caminho. Nossas trilhas se tornarão distintas, mas em estradas paralelas, para que, em um eventual momento de tristeza, eu possa ver, mesmo de longe, por onde segues, ainda que teus pés te levem em outra direção. Ainda desejo teu afeto, teu afago... Meus pensamentos sondam o sabor que tem a tua boca e qual a sensação de estar entre teus braços... E por vezes sinto a excitação que o contato com a tua pele provocaria... Chego a ver meus dedos brincando em teus pelos acariciando teu cabelo... E já não sei mais em qual momento se fundiram a imaginação e o desejo. E como é frustrante a sensação que me resta ao despertar, reprimo os pensamentos que servem de combustível a esse amor que arde em mim e ao qual agora renuncio. Mas guardarei para sempre em mim a doce expressão de teu olhar, mar de calmaria e mansidão, onde afoguei a minha fria sensação de vazio e matei o tédio da solidão. 

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Adeus, Madalena! – por Sanção Maia * Dedicado a nada mais, nada menos que “Waldemar dos Santos, com W: seu criado”. Ou, para os mais íntimos, meu avô. Há muito não o via e esperava que já tivesse falecido. Quem não sentia falta do sorriso fácil e da malandragem diária? Enquanto meditava, numa caminhada pela praia, no final da tarde, olhei para o mar, para o horizonte; barcos navegavam devagar, e crianças brincavam com as ondas; casais apaixonados se abraçavam e se acariciavam naquela baixa luz do sol. Nada fora do comum. Mas, de repente, parei. Apertei bem os olhos para poder observar uma cena. Tudo estranhamente encoberto. Talvez fosse a falta dos óculos de grau ou a sujeira das lentes dos óculos escuros. No final, nada, apenas impressão. E, para minha surpresa, percebi alguém sentado um pouco distante de mim. O costumeiro sorriso estava de volta. A velha sunga desbotada, o gereré ao lado do corpo, o chapéu de palha, o copo de cerveja na mão; sua barba por fazer, seu bigode e sua cabeça calva, os pelos brancos por todo o corpo. Seu olhar parecia de consentimento, certeza de algo. Tentei me mover, mas não

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conseguia. Olhos fixos naquele homem inerte, que me olhava e sorria. Uma inesperada sensação de perda e saudade se instalou em mim. Cedi, abaixei a cabeça e.... lágrimas. Cada gota que caía escrevia histórias quase esquecidas; cada gota mostrava os momentos de diversão e ensinamento; na areia, um desenho. Em mim, dor, desânimo, tristeza. Criei coragem, levantei a cabeça. Não o vi. Agonia. O desespero tomou conta. Procurava aquela figura mítica, quase um deus, e ele não estava mais à minha frente. Meu corpo se moveu para a direita, para esquerda. Sumiu! Cadê? Onde foi? Novamente parei, apertei os olhos e lá estava, longe, dentro da sua casa, sua pátria, dentro do vasto mar do Atlântico, o homem que dominou siris, cantou com Riachão, viajou a Bahia de carona, conquistou quase tantas mulheres que perdeu a conta e que um dia chamei de avô, me dava adeus. Não falávamos nada. Silêncio. Nossos olhos se encontravam uma última vez. Sentei-me e enxuguei meu rosto. Já não havia mais nada ali; ele se foi. Nenhum gereré na água, nenhuma dança risível na minha frente. Um rapaz com isopor passou e o chamei: — Me dá a mais gelada que você tiver —, peguei a latinha, limpei a tampa, abri e tomei um gole; levantei, acendi um cigarro e voltei a meditar. A cada passo na areia, a cada gole da cerveja, cantei a canção. Aquela canção. Aquela que marcou a minha vida e de muitos que o amavam. “Madalena, Madalena, você é meu bem querer. Eu vou falar pra todo mundo, vou falar pra todo mundo que eu só quero é você.” No oceano celeste ele partiu. Aqui, deixou seus gererés, suas histórias e seu maior amor: sua família. 

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Amoreira – por Helô Mello Prefiro plantas às pessoas. Plantas me demandam pouco. Não sei se virei jardineiro por isso ou se me interessei mais pelas plantas depois que virei jardineiro. Quando me chamaram para cuidar do jardim de Dona Anita, eu era jovem. Não tinha experiência. Seu marido, sr. Antônio, ainda era vivo. Foi ele quem me deu a notícia de que minha mãe, sua cozinheira, fora atropelada. Ela nunca voltou do hospital. Foi assim que me acolheram no quartinho dos fundos da casa, onde minha mãe trabalhou por tantos anos, até a interrupção de sua vida. Gabriela, filha do casal, devia ter a minha idade. Quando pequenos, brincávamos no mesmo jardim enquanto minha mãe preparava o almoço de domingo. Me mudei para sua casa na mesma época em que Gabriela foi estudar no exterior. Só voltou anos depois, quando Seu Antônio faleceu. Já estava casada, mas preferiu vir sozinha ao Brasil para se despedir do pai. Não ficou por muito tempo. O suficiente para que nossas brincadeiras de infância ganharem outros contornos. Vidas distantes em um jardim que exploramos juntos. No princípio, eu estava tão enterrado quanto as cabeças de cebola cultivadas na horta. Sentados nas raízes da seringueira, fomos revolvendo o passado, regando, sem pressa, amadurecendo. O Chorão nos acolhia no seu interior, formava um abrigo, e o mundo se escondia.

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A relação foi breve, na mesma época em que a amoreira deu seus frutos, frágeis, que manchavam o chão. Acabou como as frutas que duram só alguns dias. Ela teve que retornar. Mal nos despedimos. Não tínhamos o que dizer. Plantei o vaso que ela deixou na mesa da sala de jantar, soterrei as lembranças junto às raízes da seringueira, já que as fotos, que seu pai tirava de nós quando éramos pequenos, agora mofam nos álbuns esquecidos nalgum canto. Dona Anita começou a envelhecer mais rápido do que as floradas da Jabuticabeira. Sua doença embaçou os passarinhos, e as folhas que varria acompanhavam a textura da sua pele. Ainda assim, colhia flores para enfeitar a mesa e sua toalha de renda branca. Um dia ela voltou. Sem aviso. Chegou no verão em pleno julho e trouxe luz para a casa, agora tão escura, e um filho, Paulo, pelas mãos. Ele devia ter uns seis anos. Nos encontramos de longe, no nosso jardim. Andava sozinho, devagar, catando as pedrinhas que eu gostava de colecionar. Escutei minha mãe sussurrar para eu não guardar lembranças no bolso. Mantenha no jardim o que é do jardim, me dizia ela. Foi como um vulto. Esse recém-chegado me remeteu a sentimentos que já tinha podado. Evitei ver Gabriela e seu filho Paulo. Espiava, escondido, pela janela, enquanto ele brincava na sala com a avó, sempre sentada na cadeira de balanço. Aos domingos, Gabriela o deixava em companhia de Dona Anita com a desculpa de que iria à missa. Um pretexto para deixar algo brotar. Nunca descuidei do vaso, das flores ou da janela. Demando pouco, mas de sementes eu entendo. Gosto de acompanhar seu crescimento. Também fui concebido no jardim. 

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Deco foi embora – por André Lima Sim! Foi embora. Não disse para onde. Se volta? Não sei. Mas o fato é que Deco foi embora. Na véspera dos meus cinquenta anos. Já há alguns anos, Deco vinha se distanciando. Aparecia e sumia, sumia e aparecia! Não tenho certeza, mas imagino que a culpa da sua ida foi toda minha, ainda que involuntária. Sempre fomos muitos unidos. Desde que me conheço por gente. Éramos como irmãos, irmãos gêmeos. Mais... éramos “irmãos gêmeos siameses”. Não nos separávamos. Na nossa infância, o Deco gostava muito de brincar. Brincávamos de tudo: bola, pega-pega, garrafão, botão de mesa, esconde-esconde, bicicleta... o que mais fazíamos juntos era jogar bola. Jogávamos bola na escola, quando chegávamos em casa, o dia todo, e todos os dias. Deco gostava e sonhava em ser goleiro e surfista. Eu sonhava em ser atacante; centroavante. O cara que fazia os gols! Na verdade, eu não tinha habilidade para tal posição. Deco sabia disso e, assim, ele decidiu que eu seria goleiro. E, como goleiro, nós fizemos certo sucesso na escola, nas peladas do nosso bairro e da vida... sempre nos requisitavam para participar dos babas locais, sempre no gol; sempre ficávamos em evidência. A nossa sede de jogar bola era tamanha que, na escola, me colocaram o apelido de Pereba. Sim, Pereba! A quadra de futebol da escola era de cimento batido, e, no recreio, a minha dedicação era tanta que, ao praticar as defesas, impedindo que a bola entrasse no gol, sem os equipamentos apropriados de um goleiro, aos olhares inspiradores do Deco, eu ralava os meus cotovelos e joelhos. Ficavam em carne viva! Daí o apelido de Pereba. Quando decidi parar de jogar bola, já aos quarenta anos, percebi a tristeza no olhar do Deco. Mas meu corpo não aguentava mais tantos machucados. Para nos consolar, disse que seríamos cantores. O Deco fez a mesma cara quando eu disse que seria atacante, aquele cara que fazia os gols! O Deco era o líder na nossa parceria. Sempre animado e sonhador, romântico, muito criativo, descompromissado com a realidade, alegre, irreverente, questionador, e porque não dizer, o mais inteligente. Com o Deco a vida era leve, cheirosa, feliz, sem hipocrisia. Com ele não tinha esse negócio do politicamen-56-

te correto. Ele chegava a brincar dizendo que perdia o amigo, mas não perdia a piada (com o tempo isso começou a nos criar pequenos problemas). O Deco sempre foi muito carinhoso com os avós, principalmente com a avó materna. Ele adorava ficar na casa da nossa vovó Dedê. Quando ela morreu, foi a primeira vez que o Deco sumiu. Passou um período sumido, mas voltou. Nós adorávamos ouvir as histórias contadas por ela. Tinha paz e verdade naquela casa. O Deco sempre foi a minha inspiração. Eu o observava em tudo e, acreditem, eu me sentia o próprio Deco. Uma vez, o Deco chegou em mim e disse que ele viveria eternamente apaixonado pela sua única amante. Que viveria exatamente como na música do Roberto Carlos – “Esse cara sou eu”. Eu disse a ele que havia lido sobre a paixão e o amor. O autor relatava que a paixão é a primeira fase do amor. Durava mais ou menos dois anos. Depois disso, o sintoma da paixão diminuiria, até acabar e, se fosse o caso, restaria apenas o amor companheiro. Com um sorriso enferrujado, o Deco me perguntou se eu acreditava naquilo! Respondi que era ciência. O autor do livro era um cientista que estudava o cérebro humano. Sou um romântico sonhador, disse o Deco, não consigo entender essa realidade! Você deveria fazer o mesmo. O Deco tinha razão; às vezes, a realidade é dura e precisa ser um lutador para encará-la. O Deco era um sonhador romântico. E mesmo assim, ele sabia o que queira da vida. Com o tempo eu fui mudando, o Deco não. Eu Já não conseguia jogar bola na mesma intensidade. Já não participava de todas as brincadeiras, mesmo com a vontade e insistência do Deco. Eu já não tinha a mesma vivacidade de outrora. Ele nunca reclamou da minha mudança. Mas eu comecei a perceber que seus olhos já não brilhavam como antes. Eu olhava para eles e começava a perceber que apenas eu estava mudando. Não para pior, ou melhor, mas mudando. Eu não era mais como antes. Começava a ficar adulto, sério demais, e a responsabilidade da vida adulta começou a pesar na minha alma e depois no meu corpo. O sonho de ser goleiro não aconteceu. Não por causa do Deco, mas porque eu preferi a segunda opção. Eu queria ser um administrador de empresa (empreendedor). Contra a vontade do Deco, tentei concretizar meu sonho. Talvez se eu tivesse seguido o sonho dele, quem sabe, poderia ter sido o goleiro da seleção brasileira de futebol! (rsrs). Eu passei pelo tempo. O Deco não! Ele continuava confiante e crente na vida e na humanidade. Quando se deu a morte do meu pai (herói do Deco), algo mudou ainda mais em mim. O Deco percebeu. Eu não! Eu continuava sem perceber. Foi então que Deco perguntou se eu deixaria de pensar nele! Naquela ocasião

eu não havia entendido aquela pergunta, mas tinha a certeza de que jamais o deixaria. Afinal, éramos como “carne e unha”. Eu não sabia, mas ali começou a nossa despedida! Tivemos uma vida legal juntos. Passamos pela infância, adolescência e boa parte da vida adulta. Se algo errado aconteceu nos nossos sonhos, a culpa foi minha e não do Deco. Hoje acordei cedo, como de costume, fui ao banheiro, olhei no espelho e não vi mais o Deco. Olhei fixamente nos meus olhos, por alguns minutos, como que chamando o Deco. Ele não respondeu. Ele foi embora e, ao que parece, definitivamente. Na véspera de completar meio século de vida! No espelho, eu vi cicatrizes da vida, do tempo por que passei. Mas não vi o Deco. Embora permaneça para sempre na minha lembrança, de agora em diante, o meu tempo aqui será sem o Deco. Espero conseguir. Se isso é bom ou ruim, ainda não sei. Essa é a realidade, goste eu ou não. O Deco foi embora... 

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Duas lágrimas – por Paulinho Caldas No começo dos anos 1980, quando eu tinha 19 e morava numa pequena cidade do sul da Bahia, meu pai morreu. Enquanto minha mãe e eu estávamos fora da cidade em visita a parentes, um inesperado e súbito infarto o matou. Nenhuma chance de dizer “te amo” ou mesmo “adeus”. Ele simplesmente se fora para sempre. Nosso lar passou do local de uma família feliz e animada para uma casa em que duas pessoas atordoadas viviam em luto silencioso. Lutei terrivelmente com a dor e a solidão de minha perda, mas também estava muito preocupado com minha mãe. Temia que, se ela me visse chorando por meu pai, sua dor seria ainda mais forte. E, como o novo “homem” da casa, me sentia responsável por protegê-la de um sofrimento maior. Então inventei um plano que me permitiria chorar sem causar mais dor à minha mãe. Em nossa cidade, as pessoas levavam o lixo de suas casas para grandes tonéis nas vielas que passavam atrás de seus quintais. Ali

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ele era queimado ou recolhido pelos lixeiros uma vez por semana. Todas as noites, após o jantar, eu voluntariamente levava o lixo para fora. Corria pela casa com um saco, recolhendo pedaços de papel ou qualquer outra coisa que pudesse encontrar e depois ia para a viela jogar o lixo no tonel. Então me escondia nas sombras dos arbustos e lá ficava até por para fora todo o meu choro. Depois de estar suficientemente recuperado e ter certeza de que minha mãe não poderia descobrir o que estivera fazendo, voltava para casa e me preparava para dormir. Esse subterfúgio durou algumas semanas. Uma noite, após o jantar, recolhi o lixo e fui para o meu lugar habitual nas moitas. Não demorei muito. Quando voltei para casa, fui procurar minha mãe para saber se ela queria alguma outra coisa. Depois de procurá-la por toda a casa, finalmente a encontrei. Estava no porão escuro, atrás da máquina de lavar, chorando. Ela também escondia sua dor para me proteger. Não sei o que é maior: a dor que você sofre abertamente ou a dor que você suporta sozinho para proteger alguém que você ama. Entretanto o que sei com certeza é que, naquela noite, no porão, nos abraçamos e despejamos todo o sofrimento que nos havia levado a nossos lugares solitários e separados de chorar. E nunca mais sentimos a necessidade de chorar sozinhos. 

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Ela de volta – por Lívia Guimarães Ela sofria por amor, eu pulava amarelinha. Ela voava em seus sonhos, eu colecionava papéis de carta. Nossas vidas corriam em paralelo, sem tangências. Foi assim desde sempre porque havia um descompasso. De repente, ela foi tirada de mim. Fiquei anos sem ela. Ela sem mim. Não trocamos confidências sobre meu primeiro amor, sobre a primeira menstruação, sobre as pequenas alegrias do dia a dia. Nem eu soube de sua vida, digo, da vida que era vivida dentro do seu coração. Eu não a vi grávida, não partilhei da sua maternidade, não soube dos seus medos e conquistas. Por anos. Até que, um dia, ela voltou para mim. Para sempre. Para tudo. Minha irmã tinha nove anos quando eu nasci. Nossa diferença de idade nos mantinha em mundos distantes. Mas não era só isso, havia também personalidades opostas. Traços delicados e perfeitos, olhos verdes desses que convidam a um mergulho profundo, pele morena, cabelos castanhos quase negros. Minha irmã era linda. Linda e tímida. Falava pouco e gostava de meditar. Era uma garota sonhadora. Eu, menos bonita e muito mais falante, era extrovertida e talvez mais atirada para as coisas. Pelo menos era o que todos diziam. Eu tinha orgulho da sua beleza. Achava lindo minha irmã despertar encanto nos outros. Até a criticava por não saber valorizar-se como devia, puro desperdício na minha opinião de criança. Minha irmã casou-se cedo. Aos 18 foi viver em Belém do Pará, em um tempo em que a distância desconectava. Sem internet, havia somente os telefonemas interurbanos, caros e quase sempre dedicados aos meus pais. Essa distância não diminuiu o bem querer. Isso nunca. Mas me fez deixar de pensar em minha irmã como alguém com quem pudesse contar. Acontece que a vida é mágica e, um dia, ela voltou. Seu marido foi transferido para Florianópolis, e eu, já adolescente, passei a frequentar sua casa, em longas férias à beira-mar. Foi uma espécie de recomeço. Um tempo de finalmente conhecer minha irmã. -60-

Longas horas sob o sol, risadas, passeios. Um tempo em que era possível lembrar dos nossos momentos de infância e de falar sobre sonhos. Sim, minha irmã tinha sonhos, e agora eu os conhecia. Um tempo de experimentar suas receitas na cozinha e de vê-la sendo mãe. Tempo de explosão de alegria e abraços nas chegadas. De lágrimas nas despedidas. De cartas que passaram a ser escritas para preencher o tempo entre as férias, para diminuir a saudade. Nessa época eu já entendia mais das coisas da vida, podia conversar de igual para igual e entender sobre as escolhas que aquela jovem mulher fazia. Novas cidades vieram, muitas férias, anos se passaram até que eu me transformasse em mulher adulta, sempre com ela ao meu lado, minha irmã-mãe. O que eu mais gostava entre nós era a capacidade que cada uma tinha de admirar a vida da outra, sem julgamento. Do genuíno interesse que tínhamos pelo que cada uma vivia. Eu, executiva, solteira, viajada. Ela, dona de casa, interiorana, com cinco filhos. Cada uma tinha sua sabedoria e uma aprendia com a outra. Havia uma confiança recíproca, muito linda, que nos dava a certeza de que estaríamos sempre lá, com os braços abertos. Foi minha irmã quem me consolou nas dores de amor, quem me preparou no dia do meu primeiro casamento. Foi nos seus braços que eu chorei ao me separar, quando ela vinha de longe aos finais de semana para me colocar no colo e me fazer dormir mais tranquila. Foi minha irmã quem me incentivou a procurar meu amor e soube desde sempre que eu seria feliz. Minha irmã assistiu nascer em mim uma mãe no dia em que minha filha adotiva chegou. Eu também estive ao seu lado sempre que possível. Vi essa bela mulher amadurecer, criar seus filhos e finalmente passar a cuidar mais de si, o que me encheu de alegria. Vi minha irmã finalmente perceber sua beleza e seus talentos. Vi minha irmã ganhando mais segurança de si. Vi minha irmã-mãe construindo uma rede de afeto ao seu redor, de gente que também a admira e a quer perto de si. Hoje vejo na minha irmã uma linda avó de três netos, que têm o privilégio de mergulhar nos mesmos olhos verdes em que eu tantas vezes me perco. Por que demorei tanto para escrever sobre ela? Porque sempre escrevi mentalmente sobre essa bela mulher. Nem sempre conseguindo colocar no papel o tamanho do meu amor por ela. 

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Éramos jovens – por Elba Vieira Pescávamos peixes e almas. As nossas próprias almas que, vez por outra, afogavam-se naquele mar. Mas nós mesmos as resgatávamos, e elas emergiam fortes, robustas, prontas para novas aventuras. As tempestades não nos intimidavam. Seguíamos para a praia, entre redes e ferramentas de pesca, com expresso e corajoso sentimento da alegria de estarmos todos juntos, preparados para mais uma experiência noturna, desde o “arrastar” da rede no mar até a soltura de praticamente todos os seres marinhos que apanhávamos. Nosso desejo, de fato, era estar ali, realizando algo juntos, nos banhando naquelas águas, naquele mar. Éramos jovens. O tempo era só nosso... O tempo era eterno... O tempo era infinito... Víamos o sentido da vida ali, naquela brecha de tempo, na escuridão da noite, lampião na mão e, arrastando a rede no

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mar... depois da pesca, todos juntos, catávamos peixes, mariscos, conchas, estrelas e cavalinhos do mar... encontrávamos vidas marinhas e as libertávamos... como se libertássemos a nós mesmos. Éramos jovens. Ali, naquela pequena vila de pescadores, vivíamos alegrias da nossa infância e adolescência. Subíamos nas árvores, colhíamos manga e caju, caminhávamos pela praia, sem destino, sem direção. Mas, à noite, maré vazia... era a hora de “arrastar” a rede no mar... talvez a mesma hora de “arrastar” o que não queríamos, o que não desejávamos, permitindo que a maré, nobre e calmamente, resgatasse do nosso interior. Éramos jovens. Vivíamos de vento no rosto. De luz de candeeiro. De bolas de gude. Do sal da maré. Éramos intensos. Rudes. Livres. Sem hora. Sem tempo. Sem nada. Éramos jovens. Absolutos. Distraídos. Felizes. Sejamos jovens. Sejamos eternamente jovens. 

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O amor nos tempos do outrora – por Jamila Carvalho Não precisou mais que uma frase para me arrebatar. Quando Gabriel García Márquez escreveu sobre o cheiro das amêndoas e dos amores contrariados, senti que o mundo revolvia debaixo dos meus pés. Eu tinha 19 anos e curava de uma catapora tardia, encerrada com minha mãe – também tardiamente enferma – na nossa casa em Bacabal. Jesus! Foi insuportável aquilo. O aparelho de DVD havia queimado, e eu não queria nada do que passava na televisão. E nada de a encomenda chegar. Ainda me restavam uns cinco dias de confinamento, quando meu livro finalmente chegou. Era ele: O amor nos tempos do cólera. Eu me deitei na rede do meu quarto e lá fiquei os últimos dias restantes, tremendo mais do que nunca de tanto amor que eu poderia sentir. Eu estava no auge do platonismo de algo que eu já regava há seis anos, na época. O amor simplesmente não ia embora e parecia se avivar mais a cada sonho, a cada menção, a cada tempo. Passei uma adolescência recolhida, doente, sem espaço para a realidade e, talvez, essa tenha sido a explicação pra um mar tão grande de sentimentos que estavam represados. Florentino Ariza, de repente, era eu. Eu sabia, não só pelas imaginações guiadas que Gabo me levava, mas por consciência e vivência, qual era a dimensão do sofrimento do meu estranho herói. Aquele amor contrariado e antigo me fez pensar em todas as vezes que eu havia pensado estar curada para, tempos e tempos depois, entender, numa lufada de ar, que tudo dentro de mim permanecia intacto. Foi o primeiro livro que li do Gabo, que se transformou praticamente numa obsessão para o resto da vida. Enlouqueci. Talvez eu ainda não tenha como medir o impacto daquela leitura no meu coração juvenil. Era preciso mais, sempre mais, senão o mundo ia se acabar em palpitações inclementes. A ponto de sublimar de amor, como só uma adolescente consegue, chorava com os infortúnios de Florentino Ariza, odiava e amava Juvenal Urbino e tinha uma cordial complacência com Fermina Daza. -64-

Tudo era incrível e crível ao mesmo tempo. Ia e vinha pelo rio Magdalena de olhos bem abertos e decorava versos de canções que fizeram morada na minha alma durante todo este tempo. Anos depois, quando cheguei na Colômbia, ver o Magdalena na minha frente fez com que várias dessas recordações submergissem, me levando a uma época que já passou. Talvez tenha sido quando eu, de verdade, entendi o que eu era. Eu era latina, afinal de contas. Como eu poderia me reconhecer tão francamente em um livro escrito do lado oposto do continente? Vivendo no interior do Maranhão, descobria o mundo aos poucos. Nunca sequer alguém havia mencionado a existência do Gabo pra mim e, se não fosse o acaso, talvez demoraria ainda tempos preciosos buscando essa lacuna literária da obra maior, da mais impactante, da que a vida ainda me pedia. Li, em todos os anos subsequentes, sem tirar nem pôr, esse livro por outras dez vezes. E, madura, vi aquele amor sem coração ir embora num sonho, em que eu me despedia do moço que já estava morto, mas continuava a me persuadir a continuar caminhando com ele. Se aceitasse, continuaríamos caminhando por toda a eternidade. Mas a condição era única: eu teria que aceitar morrer também. Acordei chorando e chorei uma semana inteira, sentindo um luto verdadeiro e sincero, mas com o peito aberto e limpo, por ter dito não no sonho e ter dito não na vida. Resolveu-se o amor da mesma forma como o era: de mim para mim. Foi embora. Deu lugar a outro, que só pôde ocupar a vaga porque já não restava nada ali. Ao ler o livro depois dessa experiência metafórica (seria metafísica?), havia algo de diferente. Eu já não era Florentino Ariza. Eu era Leona Cassiani, sua amiga fiel, que lhe entendia profundamente e o acudia nos desvelos de amor, fosse qual amor fosse. Quis mudar o destino da obra. Quis conversar com Florentino. Quis que ele também sonhasse com Fermina Daza dizendo adeus em transe. Mas não. Florentino Ariza, se bem o conheço, inspirado mais uma vez pelo Espírito Santo, diria sim e seguiria morto, mas morto também de alegre, de mãos dadas com sua amada pela eternidade. “– Toda a vida –, disse”.  O amor nos tempos do cólera Autor: Gabriel García Márquez Tradutor: Antonio Callado Editora: Record 42ª edição Rio de Janeiro, 2014

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Pitanga medicinal – por Felipe Aguiar Um dia desses acordei de madrugada diversas vezes. Comecei pensando que eram sonhos – melhor dizendo, pesadelos – e tentei lembrar-me deles para ver se os controlava da próxima vez. Tentava e não conseguia, eram imagens turvas, borrões. Com sua persistência, passei a me concentrar mais e mais para imaginá-los. Entretanto a minha descoberta não foi das melhores, percebi que tudo não passava de um embrulho no estômago que não tinha fim. Preocupei-me com esse estado sintomático e decidi fazer algo a respeito. Lá estava eu, sentado numa sala de espera, ansioso para ser atendido e finalmente curar aquela minha dor constante no estômago que me mantinha acordado há dias. Logo o doutor me chamou para o consultório número 3. Entrei e sentei-me na cadeira mais próxima da porta, já estava esperando aquelas perguntas de praxe de todo médico. Mas algo de diferente estava acontecendo, pois, à medida que o doutor me fazia perguntas, fui percebendo que ele estava insinuando algo. “Não! Eu me recuso a ouvir tantas asneiras quanto às desse médico louco.” Fui embora daquela sala de consulta e me determinei que só descansaria quando achasse alguém que dissesse o que realmente estava ocorrendo comigo e, em seguida, me curasse. Foram noites e mais noites em claro, consultas e mais consultas para sempre ouvir as mesmas acusações descabidas daqueles charlatões. “O que estão ensinando nas universidades de medicina deste país?” – me perguntava. Até que, certo dia, ela foi embora. Exatamente assim, de repente e não mais que de repente. Passaram-se duas longas semanas sem que aquele sentimento me afligisse outra vez, mas como tudo na vida, ele voltou. Todas aquelas suposições ditas pelos médicos estavam a me incomodar. E foi nesse momento que percebi que eles estavam todos certos. Nesse dia não foi só a minha “dor de estômago” que voltou, mas ela também voltou. Aquela garota que me encanta há dois anos, ela acabara de retornar de uma viagem. Isso mesmo, eu não estava sofrendo de nenhuma enfermidade, tudo o que sentia eram borboletas no estômago – coisa que pensei que nunca sentiria. Me vi desestabilizado por esse abalo sísmico. Não é mais possível andar tranquilamente sem o medo de vê-la e desmoronar. Bastava um sorriso largo e um singelo “Olá!” para amolecer todo o meu corpo. Não mais me inco-66-

modava aquele arrepio quando a via, o real incômodo era estar tão perto e não poder conhecê-la melhor. O que doía mesmo era não saber mais o que falar quando o assunto morria durante nossos breves encontros no corredor. Meu único remédio seria enfrentar o medo e tentar, só assim o mar em meu peito poderia se tornar calmaria outra vez. Lá estava eu, parado em frente à sua porta me perguntando pela última vez “Falo ou não falo?”. E então decidi falar. Bati na porta, e ela abriu – com aquele sorriso lindo acompanhado das maçãs do rosto mais rosadas e fofas que já vi – e então me pus em posição de guerra, preparado para ouvir um não. Perguntei-lhe se aceitaria tomar um sorvete comigo e tive a seguinte resposta: “Claro, estava pensando agora mesmo em te convidar. Você por acaso já tomou sorvete de pitanga?” disse aquela radiante menina ao dar-me os braços enquanto andávamos a caminho da felicidade, quer dizer, da sorveteria. 

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Para emocionar

Viva Suassuna – por eliana mb A-ri-a-no Su-as-su-na. Degusto com cuidado a sensação de cunho cérebro-palatável desse nome, como a chupar um limão de sabor forte, mas, contrariando as expectativas, levemente doce. Pausa. Encaro a parede branca do meu quarto, emprestando aos olhos, o colorido das fitas nordestinas. A mente venta. Tento não errar na escolha das letras, honrando o mestre que era do tipo que não desperdiçava palavras, quando fez contrário, ao adjetivarem o músico Chimbinha de “genial”, pois achava que quem o merecia era Beethoven. Justo. Valente cavaleiro, não precisou de ordens nem pediu para nascer. Veio ao mundo em 16 de junho de 1927, fazendo das janelas instrumentos de galope para anunciarem a sua chegada. Escancarou as portas do chamado Palácio da Redenção, sede executiva do governo parahybano, quando, na época, seu pai exercia o cargo de Presidente da Parahyba e, ali mesmo, fez-se nascido. Se lembra ou não lembra, apenas por relatos ficou sabendo, mas quando 3 anos tinha, perdeu seu pai por infortúnios da famigerada política. O fato marcou Ariano menino para o resto da vida, mas o trauma foi amenizado pela força de sua mãe. Corajosa, tinha o nome de santa – Rita de Cassia – e, no coração, a força de um dragão. Ia apagando toda e qualquer fagulha de vingança que surgia no horizonte emocional dos seus nove filhos, dos quais cinco eram cabras-machos, e procurou letrá-los, machos ou não, com firmeza, mantendo-os longe dos vislumbres da governação. O menino cresceu, advogado se tornou, mas essa profissão não lhe agradou; logo tratou de tomar outro rumo na vida e, ao perceber a semente euclidiana que seu pai havia plantado em seu peito brotar, estudou, com todo cuidado, a obra Os sertões, do tal homem da ciência. Seu conteúdo o surpreendeu, mas a luz da razão saiu ofuscada por um outro sertão, por quem Ariano teve, sempre, certa devoção. Qual homem da ciência, portanto, Ariano se tornou, mas ao inverso do broto e do tronco, apenas raízes e flores ofereceu. Vivia aos flertes com a imaginação, cutucando as nuvens do encantado. Não tardou muito, e, na literatura, com as métricas se casou e fiel permaneceu no juramento ao cordel paraíba-pernambucano, cujo som dos cantadores o embalou para gerar sua filha colorida, um dos orgulhos do Brasil, dando-lhe o nome de Movimento Armorial. -68-

Empunhando a espada do povo nordestino, das palavras se valeu e, mesmo sem intenção, entre o cômico, o verdadeiro e o trágico, penso eu, contrariando a sua mãe talvez, vingara-se de certa feita da história da cidade da Parahyba ter se tornado João Pessoa. Ariano, desde cedo ia dizendo que, quanto mais sofrimento via, mais o riso oferecia. Quanto mais tristeza vivenciava, mais cor e sonho pingavam do suor. Assim, com muita imaginação na sofrida realidade, planejou com cuidado e ofertou ao mundo, o seu sertão mítico e alegórico. Ia mostrando a realidade e revelando verdades, tecendo sonhos e oferecendo o riso, e o povo ia rindo da tristeza da própria alegria que chorava. E quanto mais o povo ria, mais erudito se tornava. Seu reinado cresceu e suas obras são numerosas, só para citar algumas, deixo aqui, umas amostras, mas Ariano era mesmo pai orgulhoso e considerava a sua prima obra, O romance d’A pedra do reino e o príncipe do sangue do vai e volta, que faz parte da chamada, trilogia A maravilhosa desaventura de quaderna, O decifrador e a Demanda novelosa do reino do sertão, que, de tanto amor, ficou a pensá-la demais e numa vida toda nunca terminou. Em sua complexa humildade, não sabia ou fingia não saber que ele mesmo era considerado o brasão do seu legado. Lá, adiante um pouquinho, depois de cumprir com bravura a sua sentença, aos 87 anos, encontrou-se com o tal único mal irremediável, sim, porque tudo o que é vivo morre, e a sua onça Caetana o buscou em 23 de julho de 2014, mas a monstra o poupou da sua coral, já que agora também podia picar na França e na Alemanha, graças ao grande escritor Suassuna, que lá para aqueles cantos também a tinha levado ao conhecimento. Sim, Ariano morreu feliz, mas contrariado. Prestaria as suas contas, mas nem por isso se entristeceu. À frente de um único rebanho de condenados, ali marchava ele, liderando o riso e o encantado. A pedra angular de seu reinado foi mesmo o seu povo – a sua alegria e o seu sangue urbano-sertanejo. E aqui sobramos nós, tendo como o único consolo a imortalidade de Suassuna que, no maior encantamento, nos fez tão breve e finita. Estranha e dolorida metalinguagem, em que autor e obras se misturam numa única nuvem de alegorias... Terminei. Mas não queria. A parede. É branca. Pena.  Ariano Suassuna – um perfil biográfico Autoras: Adriana Victor e Juliana Lins Editora Zahar 1a. edição Rio de Janeiro, 2017

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A manilha 72 Marcelo Camacho Amesfério 73 Andressa Ibiapina Desbotada 75 Sílvia Torres É coisa séria 77 Tanguy Baghdadi Essência 79 Renata Martins Let it go 81 Bianca Venturi Livro – remédio de muitas doses 83 Robertson Guimarães O lápis e o papel 84 Anuska Bautista Pelos seus olhos 85 Nathalia Siqueira Permita-me discordar, Dr. Hawking... 87 André Paim “Ser é admirar-me de estar sendo” 89 Jonga Frank Somos instantes 91 Vivi Lazarini Verdade ou consequência? 93 Rosana Rodriguez

Para pensar.


Tempos Crônicos - cinco anos

Para pensar

A manilha

Amesfério

– por Marcelo Camacho Rocha

– por Andressa Ibiapina

A (des)vantagem de estar e ser criado em locais ainda novos, com muitas construções, é poder lidar nas ruas, calçadas, e mesmo nas próprias residências, com diversos materiais de obra, muitos dos quais acabam por se tornar sobras. Essa foi a minha tônica e de muitos que cresceram e viveram em Jacarepaguá, no condomínio em que morávamos na Taquara – alguns dos quais (poucos) por lá permanecem. Numa dessas, logo no início da minha fase adulta, período em que comecei de fato a trabalhar e a estudar à noite, algo passou despercebido por mim, juro que tentei puxar da memória de alguma forma, mas não consegui. Uma dessas manilhas (sobra de obra), devidamente adaptada, em frente à casa em que morávamos, acabou por se tornar um “banco”, com vista para o campo de futebol do condomínio. A essa altura, o campo já contava, inclusive, com iluminação noturna. Não demorou muito e, de forma natural, a manilha se tornou um dos locais de encontro dos colegas mais chegados. Nos reunimos na manilha por diversas vezes para conversar, definir quais eram as “boas”, tornando-se ponto de partida para o futebol e idas a praia, bares e shows, invariavelmente no Circo Voador. Muitos foram os familiares, amigos, colegas, conhecidos que passaram por lá e vivenciaram esses momentos. Até quem tinha ar blasé (e podia ter), com seus livros e walkman inseparáveis, se rendeu a esse clima e se divertiu bastante. E por que me lembrar disso? Na minha reflexão, em virtude da nossa necessidade, por vezes, de puxar o freio de mão e recordar com mais ênfase dos familiares, dessas amizades e momentos, que acabamos por nos distanciar, por conjunturas profissionais e pessoais. Ademais, mesmo que a Prefeitura, anos após, tenha retirado e levado a famosa manilha, testemunha dessas histórias que o tempo não apagou, as amizades e os laços certamente seguem inabalados com todos aqueles que têm essa recordação. 

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No amor, não existe ciência mais exata e cruel do que a geografia. Se você, que mora próximo à Linha do Equador, se apaixona por alguém, pode ter certeza de que o indivíduo mora às margens do trópico de Capricórnio. Mesmo que você descubra o amor na casa ao lado, a distância vai parecer grande demais. O coração não conhece GPS. A ciência do amor é a química da adrenalina, da serotonina. Não tem coordenação nem coordenadas. Para a geografia, tudo é longitude. Para os amantes, é altitude. Quem gosta sobe sem perceber, flutua pelos caminhos mais acidentados e se vê no topo. Por isso o constante frio na barriga. Basta uma palavra do outro, um carinho e pronto. O apaixonado se sente dono da meteorologia/climatologia, capaz de vislumbrar dias inteiros de sol e completa calmaria. Sente que vai às nuvens, se deita na maciez do nimbo. Só não contava com a precipitação. A geografia não cansa de ser má com as pessoas que amam! O amor é um buquê de rosas dos ventos. Sabe os rumos, mas não faz questão de segui-los. Poderia se guiar por experiências anteriores, mas prefere se orientar através do céu e das estrelas. O amor só faz questão do magnetismo da bússola, porque perde o norte. É assim, uma massa de ar que promete furacão se dissipando pela atmosfera. Definitivamente, o amor é meio biruta. No meio disso tudo, a geografia está perdida com mínimas e médias, enquanto o que importa são as máximas. Amar requer certo exagero. É normal odiar as distâncias, se recusar a compreender os mapas. Botar a culpa na terra, nas placas, nas fronteiras. Das linhas imaginárias, queremos paralelos reais. Na mente de quem ama, a escala é diferente; os planos não são cartesianos. 

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Para pensar

Desbotada – por Sílvia Torres Há momentos em que me sinto desbotada. As cores não somem de vez, ainda resistem e persistem, mas são menos vivas, meio opacas. Sinto a luminosidade, seu calor, o ritmo da luz, dos tons, mas fico arredia, na letargia e o pigmento alvejando. São momentos de dúvida, indecisão. Momentos de tristeza ou solidão forçada. Arrependimento, saudade ou nostalgia. Vulnerabilidade. Como se esses momentos sugassem o colorido da vida e me mostrasse a paleta limpa, surrada por tantas pinceladas obtusas, forçadas e grosseiras. Outras pinceladas fugazes ou despretensiosas, inconsequentes ou não. E como ser desbotada numa época em que a cor atrai, chama, clama, distingue e frisa? Disfarço. Dissimulo e me alquimio num colorido ilusionista refletido numa gargalhada, na música alta ou num dançar compulsivo. Tagarelo em tons amarelos, gesticulo em nuanças azuis, escuto na coloração esverdeada e observo em matizes beges, apáticas. Mas são cores aquareláveis, diluídas em água, débeis e ineptas. Não estruturam, apenas encobrem o famigerado desbotado. Empalidecimento cruel... Muitas vezes, apenas lapsos. A coloração derrete e logo ressurge, me colocando em alerta, em sintonia num movimento dégradé, harmonizando o interno e o externo. Mas, quando demorados, são tirânicos. Embranquecem a alma, diluem a mente e agrisalham os sentidos. Como se eu tivesse aberto a caixa de Pandora e distribuído de uma única vez todos os males descoloridos ao meu redor. Tenho a sensação de que muitas pessoas também andam desbotadas e se mascaram para subsistir e procurar o psicodélico. Pretensão ou subterfúgio? Talvez o medo de desbotar sozinha. Então, mentalizo... Preciso e quero “desdesbotar”, quero cromatizar, colorir, pigmentar. Assim, pincelo meus dias com o que me faz bem: escrevo, como pipoca com a minha mãe, me jogo em cima do meu filho, converso com o pé de café da minha varanda, bebo meu vinho, sinto o sol ao caminhar até o sindicato para dar entrada na minha aposentadoria, troco caretas no WhatsApp ou no Telegram (dependendo da logística política do momento), leio livros não didáticos e apoio o pensamento crítico nas escolas. E, como mágica, a vivacidade vai voltando, tomando conta do meu corpo, da minha aura, em tons vigorosos e intensos, e a minha cromoterapia surte efeito imediato. Quer saber? Desbotada é roupa velha! Passei agora a customizar!  -74-

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É coisa séria – por Tanguy Baghdadi Nos idos de 2017 ainda tem gente que torce o nariz para futebol. Me causa espécie a quantidade de pessoas que vê o jogo como um mero esporte, com 22 marmanjos chutando uma bola, sem perceber que o futebol é o mais valioso e perfeito espelho das sociedades humanas. Se o mundo é difícil de ser compreendido, olhar para o esporte bretão é sempre um ótimo atalho. Em tempos de xenofobia, é reconfortante saber que há torcidas antifascistas, como a do Olympique de Marselha – representando uma cidade talhada para a inclusão, pela ampla presença de magrebinos entre seus habitantes. Opõe-se a torcedores de inclinações radicalmente conservadoras, como algumas torcidas ultras de toda a Europa, com destaque para os italianos. Dentre eles, torcedores da Lazio nunca esconderam sua admiração pelo nazifascismo, o que leva a embates violentos com torcedores do Peruggia e do Livorno, clubes com torcidas declaradamente comunistas. Não é social-democracia. É comunismo. O nacionalismo está mais do que bem representado no futebol, com os arroubos ufanistas em tempos de Copa do Mundo. Mas, se o nacionalismo é um fenômeno complexo, e também pode ser encontrado em partes menores de países mundo afora, o futebol também dá o ar da graça: clubes como Barcelona e Athletic Bilbao são marcas fundamentais do nacionalismo catalão e basco, respectivamente. O racismo é tema incontornável: nenhum espaço dá oportunidades tão grandes e frequentes para a construção de discursos racistas – e para a sua demolição. (Feliz aniversário, Vasco da Gama!) Quer religião? Pois pegue o futebol todo. Os clubes se assemelham a deidades, louvadas até pelo mais ferrenho dos ateus. O jogo todo é um ritual que exige dedicação, transe, comprometimento, magia e emoção. É santo o goleiro que faz milagres. É profano o adversário e aquele que erra o passe decisivo. É catimba o que amarra o jogo. Futebol é guerra, com seus artilheiros, matadores, esquema tático e domínio do campo. O futebol ilustra a geopolítica e a globalização. Consegue imaginar outro fenômeno em que uma mão de obra brasileira, -76-

a serviço de um clube espanhol, com uma identidade catalã, é contratada a peso de ouro para atuar em uma empresa francesa, patrocinada por uma empresa chamada Emirates, com dinheiro vindo do Qatar? O futebol consegue. A economia também entra em campo, com clubes multimilionários, vencedores de tudo o que o esporte pode oferecer, com o risco de elitização e perda da alma popular do esporte. É o futebol que ensina a humanidade a vencer e a perder. Da vitória mais divina à mais infernal das derrotas, em sequência, em looping e de forma infinita. Se o futebol não te ensina a lidar com os desafios da vida, nada mais é capaz de ensinar. E ainda tem gente que confunde futebol com esporte. 

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Para pensar

Essência – por Renata Martins Tem dias que sou feita de aço, talvez mais que isso, lapidada em pedra dura! Aguento todos os trancos, levo pancadas e me mantenho dona de mim…. sou forte, sou guerreira, o dono das pedras e das pedreiras mora em mim, não permite que eu me lasque, me faz inteira e sigo assim! Em outros dias, o barro de que sou moldada fala mais alto, me torna flexível... componho e me recomponho a cada minuto, me levanto dos tombos fortalecida, renascida, senhora de mim…. compadeço-me dos injustos, dos ingratos, dos miseráveis… Em dias festivos sou feita de vento, as coisas passam por mim sem me tocar, sinto-me leve e forte, capaz de flutuar e mover qualquer barreira ou fronteira; grito ao mundo as injustiças e me agarro à brisa mansa, deixando que me conduza! E de repente…. em dias como hoje, não sei mais de que sou feita... me percebo frágil, cheia de águas que insistem em vir à tona e não sabem sequer para onde ir... riacho estreito em meio à terra lamacenta, enfeitado de pedrinhas brilhantes, seixos rolados, empurrados pelos ventos coberto de folhas novas com cheiro de alecrim, desabo no mar escuro perdida em mim ou será de mim? 

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Para pensar

Let it go – por Bianca Venturi Algumas coisas não são para a gente. Desde que cheguei ao mundo, ouvi e aprendi que sonhos podem se tornar realidade. Ouvi a infância inteira os provérbios “waltdisneyanos” que nos ensinavam a insistir, persistir, sonhar e realizar sonhos. O próprio documentário sobre Walt Disney é inspirador! Meu Deus, que homem perseverante! E muito irresponsável também. Mas, enfim, os sonhos dele se tornaram reais, ainda que ele não estivesse vivo para vê-los. Cresci ouvindo também uma premissa típica das meninas da minha geração: “Seja quem você quiser.” De onde veio essa? Do comercial da Barbie! Sim, o comercial da Barbie nos anos 1990 e 2000 dizia “Seja quem você quiser”. Cresci buscando realizar sonhos e ser quem eu quisesse. Cresci lutando contra minha realidade e me dedicando inteiramente a efetivar essas duas “filosofias” tão profundas em minha vida. E muitas coisas não funcionaram. Muitas coisas não retornaram, muitos planos não se concretizaram, muitos sonhos se frustraram, e muita coisa que quis ser não fui. Aos poucos, fui percebendo que, na realidade, tem gente que já nasce uns mil metros na frente na largada da corrida da vida. Tem gente que nasce no zero. E tem gente que nasce no menos cem, ou menos mil. Tem gente que trabalha muito e ganha pouco. Tem gente que trabalha pouco e ganha muito. Tem gente que sonha muito e não faz nada. Tem gente que sonha nada e faz muito. Aliás, tem gente que nem sonha. Nem é. Só está ali de enfeite mesmo.

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Nunca fui dessas. Sempre fui de sonhar e ser. Have courage and be kind, dizia a Cinderela. Eu quis. Quis muito. Ter coragem e ser gentil. Não bastou. Não basta ter coragem, precisa ter “Q.I.”. Não basta ser gentil, tem que ter “cacife”. Não fui de família importante. Faltaram o cacife e o Q.I. Que pena! Coragem e gentileza sempre tive de sobra. E vi muita gente covarde e grosseira ter uma vida muito melhor que a minha. Resumo da ópera: tem coisa que a gente precisa deixar ir. Os sonhos, o ser, a coragem, a doçura, às vezes precisam ir. Precisam passear, fugir e viajar, para dar espaço para que a gente siga a vida sem achar (ou continuar achando) que tudo vai cair do céu ou ser um mar de rosas. Tem coisa que dá certo, que bom! E tem coisa que não dá. E tudo bem. Tem coisa que dói, que frustra, que angustia e que sufoca. Tem coisa que não dá liga, que não flui, que não cola. Tem coisa que não tem que dar. Tem que deixar ir. E é nessa coisa de deixar ir que me entrego, que torno leve, que esvazio o peso do meu viver. É nessa hora de deixar estar que me liberto do fardo de carregar o mundo nas costas como se alguma coisa eu pudesse mudar. Posso mudar o que alcanço. E, às vezes, um pouco mais. Mas não posso confiar no meu braço sobre aquilo que não me cabe abraçar. Voo mais leve, deixo estar. E é assim que me vejo e me crio, segundo o que sonho e sou, segundo a coragem e a gentileza, mas segundo a experiência ainda crua da vida, a maturidade – a vivência – que me põe os pés no chão, mas que, às vezes, me põe a voar. 

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Para pensar

Livro – remédio de muitas doses – por Robertson Guimarães Há doenças incuráveis no mundo, daquelas que médico algum consegue transformar em saúde. E há também pessoas que nascem absolutamente saudáveis do ponto de vista clínico, mas com o passar do tempo adoecem, adquirem enfermidades difíceis de ser curadas. Eu sou um desses; nasci com plena saúde, mas com o passar do tempo fui ficando doente, doente, e mais doente ainda. Fui a inúmeros médicos e especialistas, consultei outras fontes de saber no intuito de buscar a cura pra minha enfermidade, mas apenas uma fonte foi capaz não de curar, mas de aliviar os sintomas de minha doença: o livro. Sim, ele mesmo, esse que muita gente carrega por aí nas mãos, nas pastas, nas mochilas, nas bolsas. Esse que se vê entulhado pelas bibliotecas de todo o mundo, pelas livrarias, bancas de jornal e tal... Desde que me dei conta de minha enfermidade, e desde que percebi que não havia cura para ela, desisti dos médicos. Talvez eles um dia venham a morrer sem saber o que poderia ter me curado. Não me importo! Terminei por aceitar minha enfermidade como uma espécie de deficiência minha, aliás, deficiência não, imperfeição. Quem tem defeito é equipamento, ferramenta ou coisa do tipo; gente tem mesmo é imperfeição! Meus sintomas começaram a surgir quando eu ainda era criança, bem criança mesmo. Minha infância foi sofrida, mas rica em brincadeiras criativas, por meio das quais eu botava para fora as insatisfações de minha alma. Parecia que, quando brincava, o tempo parava, a fome passava, tudo melhorava. E melhorava mesmo! Ah! Como era bom brincar, se sujar, se machucar um pouco e voltar a brincar logo depois pelo simples prazer de brincar... Das vezes que apanhei de meus pais (graças a Deus, batia um de cada vez!), poucas me lembro, talvez até pela intensidade da coça. Mas sei que foram muitas, afinal eu não era (era?) fácil... Teve uma delas que foi por causa de uma briga com um amigo de infância. Eu estava por cima, batendo no amigo com -82-

toda a força que uma criança tem, quando, de repente, meu pai chegou, me tirou da briga e me botou para dentro de casa aos tapas e pescoções. Se o amigo não conseguiu me vencer na briga, meu pai sim; ele era bem mais forte! Depois ficamos amigos de novo, eu e meu amigo, nós e meu pai. Veio a época da escola, e com ela, os cadernos, os lápis de cor para desenhar e os de escrever e fazer as lições. Vieram também os livros didáticos com suas figuras malvadas, que mesmo coloridas me forçavam a raciocinar para dar respostas a exercícios que até hoje nem lembro para que serviam! Mas eram livros, e livros eu sempre respeitei. São eles que até hoje aliviam os sintomas de minha incurável doença. De tudo o que eu comia, bebia ou vivia até encontrar o antídoto para o veneno que corre em minhas veias, nada me servia. Foi só quando me deparei com o conteúdo lúdico das histórias em quadrinhos (e depois com aquele conteúdo magicamente colocado nos livros infanto-juvenis) que senti algum alívio. Nossa! Foi cada vez ficando mais suave a dor que perpassava meu corpo, minhas juntas, meu ser... Foi quando eu percebi que não haveria jamais médico algum que pudesse curar minha doença. Danei a ler, e ler muito, até não sofrer mais. Foi mágico! Hoje, já quase velho, sei que nunca vou ter cura para a minha enfermidade, pois o livro, esse mesmo, é um remédio de muitas doses! 

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Para pensar

O lápis e o papel

Pelos seus olhos

– por Anuska Bautista

– por Nathalia Siqueira

Em um reino muito distante, havia um lindo conjunto de lápis de cor que tentava pintar uma obra de arte, mas não acertava o jeito, não encontrava o estímulo e a sintonia necessários para fazer acontecer. Ele tentava, começava, mas faltavam o brilho e a combinação harmônica e amorosa de suas belas cores. Ele era completo, intenso, porém ainda não havia encontrado alguém para conduzir a obra que ele tanto sonhava. Nesse mesmo reino existia um papel cheio de Luz que, apesar de muito machucado pelo tempo, continuava esperando para se transformar em uma bela obra de arte! Cada um vivia em sua plenitude, até que um dia aconteceu esse encontro, do lápis de cor e sua imensidão de possibilidades com o papel brilhante e cheio de esperanças! Foi mágico! O lápis de cor intenso e seguro deslizava no papel fértil de possibilidades! Tudo foi conduzido pela inspiração do Amor que existia dentro de cada um deles. O papel se recompôs, e o lápis passou a desenhar uma nova arte, cheia de cores, brilhos, harmonia, leveza, entrega e crescimento mútuos. O tempo passou, vieram tempestades, dias de sol, e seguem desenhando sua obra de arte, juntos, cúmplices. 

Outro dia, estávamos minha filha e eu matando tempo no balanço. Conforme nos movimentávamos, Luiza, minha filha, via a lua. E cada vez que nossos corpos eram empurrados para frente pelo movimento do balanço, ela a via novamente. E assim, com o interesse peculiar daqueles que estão descobrindo como as coisas funcionam no mundo, narrava entusiasmada sua constatação: “A lua!”, “Outra!”, “Outra!”, “Outra!”... Para ela, o céu tem várias luas, cada vez que ela aparece para ela, é outra lua. É surpreendente como nosso olhar para o novo e nosso espírito investigativo se perdem conforme nos acostumamos com a vida que passa todos os dias da mesma forma. Sem perceber, abandonamos a curiosidade sobre como as coisas funcionam, sobre como a lua foi parar no céu, ou sobre porque o sol é amarelo. Essas coisas pelas quais apenas as crianças parecem se interessar. Entre tantas cobranças e inseguranças que a maternidade nos traz, muitas vezes não nos damos conta de que tudo o que fazemos e apresentamos às nossas crianças acaba se transformando na maneira de eles enxergarem e entenderem o mundo. Sinto que, com o passar do tempo, nosso cérebro passa a agir como páginas da internet que já visitamos anteriormente: tende a carregar informações antigas para poupar tempo do processador de memória. Com isso, muitas vezes perdemos as atualizações e novas informações daquela página. É como se já estivéssemos tão acostumados com as pessoas, com os lugares que visitamos e com nossos sentimentos que não nos esforçamos mais para percebê-los a fundo. Note quanto tempo faz desde a última vez que você se atentou aos detalhes: aos gestos, aos traquejos, aos tiques de quem fala. Estariam falando a mesma coisa com as palavras e com o corpo? Quantas sutilezas nos passam despercebidas todos os dias. Acabamos por nos acostumar com as paisagens, os cheiros e as sensações. E por que não falar dos nossos sentimentos? Quantas vezes deixamos de olhar para o outro de verdade? Com aquele olhar compreensivo e de quem se interessa genuinamente por ele. Talvez devêssemos matar mais tempo com as crianças, que, de tão ingênuas, vivem com mais profundidade todos seus sentimentos. 

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Para pensar

Permita-me discordar, Dr. Hawking... – por André Paim Na década de 1980, o dr. Stephen Hawking teria categoricamente afirmado que viajar no tempo não seria algo possível, pois não há, entre nós, viajantes do tempo. Talvez ele tenha razão se o assunto for abordado apenas no campo da física quântica e de todas as teorias de relatividades que possam existir em todos os universos possíveis. Mas, quando me lembro do que vivi, vivo e talvez ainda venha a viver, acho que posso abordar essa questão sob outro ponto de vista, pois posso afirmar que já viajei muito no tempo. Para o futuro, para o passado e para ambos ao mesmo tempo! A minha profissão proporcionou-me oportunidades maravilhosas de trabalhar e viver em outros países, como Alemanha, Itália, Coreia do Sul, Arábia Saudita e Estados Unidos. Em cada um desses países, a necessidade de adaptação obrigou-me a viajar no tempo e desembarcar no século em que cada país estava. Em alguns casos, vivi vários séculos num mesmo dia! Para desembaraçar esta conversa, comecemos pela minha referência. Nascido na cidade de São Salvador da Baía de Todos os Santos, em meados da década de 1960, tive como referência a tolerância e a adaptação como uma opção para aprender e, portanto, melhorar como pessoa. Na minha casa, convivemos com gente nascida nos séculos xix e xx, com referências diversas e com muita sede de aprender. Discos, livros, quadros, fotografias e conversas trouxeram à minha infância o encanto de saber sobre novos idiomas, sons, comidas, roupas, piadas e costumes. Quando apareceu a primeira oportunidade para ir trabalhar na Alemanha por um período muito curto, não pensei duas vezes. Quando lá desembarquei e comecei a viver o dia a dia daquele país que acabava de se reunificar, percebi que a década de 1990 tentava se harmonizar com a de 1930, com o mesmo cuidado de alguém que tenta ajudar um irmão que esteve em coma por 60 anos. Era um único povo separado por 60 anos. Descobri então que meu tempo estava no meio do caminho. Senti-me como se tivesse acabado de chegar da década de 1970 e tentava avidamente aprender sobre o passado, em

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que as pessoas viviam sem abundância (e sem aspirá-la), e o futuro, em que as pessoas estavam orgulhosas do que já tinham e do que ainda queriam ter, tanto material quanto socialmente. Ao voltar ao Brasil, percebi que desembarquei de volta aos anos 1970, pois o avanço material parecia muito mais rápido do que a nossa evolução social. Readaptei-me ao Reino do Dendê até que, uns poucos anos mais tarde, vivi a mesma sensação na Itália, embora ainda estivesse nos então atuais anos 1990 durante a semana, sentia que recuava uns bons 20 ou 30 anos quando viajava para o sul daquele país nos fins de semana. Mais uma a volta à Bahia, desta vez para permanecer por uns 15 anos até a próxima saída, em janeiro de 2012, para a Arábia Saudita. Nesse caso, desembarquei no Século xi. Mas uma canetada em abril daquele ano me transportou para o Século xxi, pois fui transferido para a Coreia do Sul. Na verdade, viver em Seul mudou a minha concepção de viver em determinado tempo histórico. Lá, ao caminhar pelas ruas da cidade, tive a impressão de que o tempo da capital coreana se estende por uns 2 mil anos. A modernidade de um sistema de metrô absurdamente eficiente, que tem estações localizadas sob templos e palácios antigos, datados do século v. O marco zero da cidade, localizado numa avenida muito larga e imponente, mostra como era aquele local nos anos 1950. Em Seul, eu atravessava séculos ao atravessar ruas. No começo de 2013, voltei para a Arábia Saudita ainda medieval. Toda aquela diferença nos valores, costumes, roupas, tabus e restrições impostas às mulheres, senti-me transportado ao tempo em que beduínos e mascates desafiavam os obstáculos do deserto e faziam a vida valer a pena com tantas coisas a conquistar todos os dias. Uma sensação estranha em especial fazia-me sentir preso àquele passado longínquo: a escravidão remunerada. Todos aqueles imigrantes vindos de todos os cantos (e tempos) do planeta estavam ali apenas para trabalhar. Não há diversão pública naquele país. Desde 2015, moro no Texas, EUA. Aqui, vejo um país que luta para sair das arraigadas diferenças que causaram a Guerra Civil há 150 anos. Nem mesmo a pujança econômica apaga racismos e xenofobias arrogantes. Talvez a intolerância contra crimes e infrações seja a principal vantagem contra uma sociedade que, me parece, vive ainda no século XX, mas que quer se manter como a locomotiva de um planeta mesmo sendo um trem; que parece que começa a querer andar de lado. Não sei se a vida me transportará no tempo mais uma vez, mas sei que, independentemente do século em que eu for parar, sempre será tempo de aprender. Portanto, dr. Hawking, permita-me discordar: sim, é possível viajar no tempo! 

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Tempos Crônicos - cinco anos

Para pensar

“Ser é admirar-me de estar sendo” – por Jonga Frank Domingo, final de tarde. Bugre do meu Irmão. Som no volume máximo (só quem já andou naquele bugre tem noção da potência!) – música ditando o ritmo do coração, batendo forte na alma… Chamamos a atenção por onde passamos (o bugre, o som e o “louco” ali dentro)… A praia era agora o destino (não previsto – assim como nenhum outro naquela tarde vazia…). Estaciono, escondo minhas sandálias sob o banco; recolho carteira, celular, e a “frente do som”; e sigo – trajado com bermuda, camisa, óculos escuros, uma cara de mal, uma mente vazia e um coração transbordando. A cabeça fica meio bagunçada ao desligar o som… Mas quando não fica??… Tiro os óculos… A paisagem é estonteante… O horizonte é pintado de coqueiros até onde a vista alcança, em ambas as direções; e, à minha frente, o infinito dividido entre céu e mar… É fim de tarde de domingo, e já são raras as pessoas que ainda circulam – pela areia, em trajes de banho; pelo calçadão, em roupas esportivas… Alguns casais, alguns pares de amigos, um rapaz treinava corrida na beira da água. Nas nuvens e no céu à volta, cores em tons indescritíveis e infindáveis… na areia, cor de areia; o mar era pintado em um verde escuro, salpicado com o branco da espuma das ondas em constante movimento… e a lua já se fazia presente no alto… Fecho os olhos, para guardar aquele presente de Deus em minh’alma… Penso em fotografar, mas aquele momento era meu e não merecia ser registrado em fotos, mas em sensações. Sozinho ali, fico definindo o momento e a paisagem em palavras. Apesar de pretender tê-los apenas para mim, não consigo evitar compar-

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tilhar. E lembro do trecho da música do Jota Quest: “Eu quero ficar só, mas comigo só eu não consigo…” As nuvens agora vão tendo suas cores quase que equalizadas, dado o aparente desaparecimento do sol… que vai cedendo espaço para a lua reinar sozinha. Desejo estar em pé, bem no meio do oceano, sentado na lua ou deitado nas nuvens… Era onde queria realmente estar… Mas aqui estou, apenas como privilegiado espectador… … Me vem à mente uma repentina curiosidade sobre o que há guardado sob aquela crespa e verde tampa do mar… Toda a vida que ali habita… A parte molhada da areia reflete novas cores. Para minha surpresa, o sol volta a pintar céu e nuvens com novas cores para mim improváveis. Agradeço. Minha porção criança entende as nuvens como um algodão-doce multicolorido; minha parte vivida como um pedaço intocado de Paraíso… Fico ali em pé, observando-me a observar aquele momento que iria ficar. O vento acaricia o meu rosto, doce sensação. A música perfeita… “Fico desejando nós gastando o mar. Pôr do sol, postal, mais ninguém…” Hora de retornar. Óculos escuros de volta a esconderem o rosto. Não é momento de falar com ninguém. O som volta a escorrer pesado pelas veias… “By the look in your eyes/I’m reading your mind…” 

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Tempos Crônicos - cinco anos

Para pensar

Somos instantes – por Vivi Lazarini E o tempo está passando... e nesse passar vamos deixando muito para trás. As prioridades vão se instalando de uma forma tão sufocante que esquecemos que somos os instantes que vivemos. Somos os instantes do cheiro do café de manhã ao acordar. Somos o instante do pão quentinho com manteiga derretendo. Somos o instante da carta, do e-mail, da mensagem com aquela notícia boa. Somos o instante daquele convite tão esperado, do resultado almejado, da meta alcançada. Por tantas vezes a rotina sufoca esses instantes. Sufoca a primeira palavra ou o passo do bebê. Sufoca o momento que o pássaro faz seu ninho naquela planta na varanda. Sufoca o diálogo com os queridos e amados. Sufoca até aquele filme que gostamos tanto de rever. Sufocar instantes é tirar da vida o sentido. Somos cada instante que vivemos, que cada um deles precisa estar em seu devido lugar de importância. Lembremos que o outro também tem e necessita de seus instantes. Respeitemos! Instantes de estar com e de estar só. Instantes de refazer-se e de auxiliar. Instantes de realizar. Instantes de ser e fazer o que se quer. Instantes de escolher ou de não escolher. Somos os instantes do recolhimento e do luto. Somos o instante da reconstrução, da renovação, da resiliência... Somos também o instante perdido, o instante esquecido, o deixado de lado... somos o instante do arrependimento, do desapego. Somos o instante da lembrança, da saudade, do esquecimento... Somos o instante do brinde com vinho, da cervejinha gelada, ou de qualquer outra forma de celebração. Somos o instante da conexão, com o divino, com o belo, consigo mesmo. Somos tantos esses e outros instantes que tornam viva a vida de cada um de nós. Somos instantes de desafio... Instantes são ímpares, o sentido da existência, a diferença entre o ontem e o hoje e a oportunidade de nos tornarmos melhores ou não. Instantes também podem ser desistência, podem ser distância... Hoje eu sou o instante de festejar e agradecer a minha vida e a sua vida, pois, de alguma forma, nos afetamos e não é por acaso. Todo instante nos constitui e é importante. 

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Tempos Crônicos - cinco anos

Para pensar

Verdade ou consequência? por Rosana Rodriguez Na vida é assim... Você tem livre arbítrio. Pode fazer o que quiser ou o que a sua consciência permitir, mas esteja preparado para toda e qualquer consequência. Porque mais certo que a morte, são as consequências das suas escolhas; e ruins ou não, pode acreditar, a conta chega. Podemos escolher fazer os caminhos por impulsos, mas devemos estar preparados para colhermos o que plantamos. Nada nesta vida passa despercebido, nem o que estou escrevendo agora. E mais do que coragem para usar o livre arbítrio, devemos ter coragem para reconhecer o rumo que tomamos e aproveitar o tempo que nos resta para usufruir ou fazer novas escolhas. A palavra de ordem na verdade é coragem. Coragem para trilhar o caminho escolhido ou coragem para reconhecer o erro e tentar refazer o caminho. Não será fácil, mas como nada na vida é fácil, o jeito é curar as feridas, reconhecer as verdades e arcar com as consequências. No palco da vida, o autor pode sempre reescrever a obra, e o ator pode sempre encenar uma nova peça. 

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Alegoria do cuscuz 96 José Walter Pires Andejo 99 Fernando Azevedo Imperecível 100 Bruna Zerlini Janelas 101 Rachel Lívio Meu mar 103 Teresa Feijó Muitos eus 105 João Henrique Nuvens (ebru) 107 Vera Zerlini Os olhos de Liz Taylor 109 Américo Paim Por que escrevo? 110 Celuta Vieira Qual a cor da sua pele? 111 Fernando Correa

Para flutuar.


Tempos Crônicos - cinco anos

Para flutuar

Alegoria do cuscuz – por José Walter Pires (Tombamento pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) – sob a presidência da Jamaica, que deferiu o requerimento dos países africanos, Argélia, Mauritânia, Marrocos e Tunísia, e o cuscuz foi declarado “Patrimônio Imaterial da Humanidade”.) Eu confesso não sabia Dessa fama do cuscuz, Que pudesse fazer jus À elevada honraria, Essa vetusta iguaria, Que julgava brasileira, Na cultura pioneira De utilidade geral Em âmbito nacional, Como sempre costumeira. Uma grande novidade Despertou minha atenção, Vinda da declaração Divulgada, à vontade: O cuscuz, da Humanidade, É Patrimônio, atual, E bem imaterial! Não apenas simples prato, Mas algo de fino trato, De maneira especial. A notícia, sem enganos, Nasceu de uma patente Da Unesco, emitente Aos países africanos, Com seus povos mulçumanos, Requerida por países, Que têm as mesmas raízes, Dando, ao cuscuz, estatuto, Que nada têm de matuto, Em seus diversos matizes. Só não dá para citá-los No contextos desses versos, -96-

Para deixá-los expressos Com meu jeito de criá-los, Para poder declamá-los Na mesma tonalidade E com criatividade Ao compor a minha estrofe, Evitando uma catástrofe Com perda da qualidade. Dito isso, vou adiante Ao propósito, dando ensejo, Conforme é meu desejo, Que dou curso, neste instante, Com o cuscuz, exultante, Pela sua majestade, Em ter a prioridade, Quando, agora, for à mesa, Não ser só pela pobreza, Mas com notoriedade. O cordel levou cem anos Até que fosse tombado Patrimônio consagrado, Com os projetos e planos Dos sonhos e desenganos Desse gênero literário, Pelo longo itinerário Que vem lá desde Leandro, A vencer cada meandro, No seu labutar diário. Mas o cordel não fez jus De um apoio Oficial, Salvo o esforço pessoal De carregar essa cruz, Que não foi a do cuscuz, Que da Unesco mereceu, A glória que recebeu. Mas de alguns abnegados, Que foram fiéis soldados E o cordel não pereceu. Longe de mim mal falar Do glorioso cuscuz! Não é isso que me seduz Neste cordel singular;

Mas somente comparar A grandeza desse feito, Que, agora, por direito Veio o cuscuz conquistar, Seu destacado lugar, Merecendo meu respeito. Desde a Colonização Foi o costume trazido, Passando a ser consumido No início, sem distinção, Na florescente Nação E logo se transformou, Nas formas que se criou Com produtos variados, Como foram misturados E desde lá se espalhou. Aliás, sem novidade, Pelo seu uso frequente Em qualquer ambiente, Na fazenda ou na cidade Em sua diversidade; No Nordeste, com destaques, Em conhecidos sotaques, Que carrega cada estado, Esse cuscuz afamado, Pendurando babilaques. Quinhentos e vinte anos, Já temos de tradição, Por essa justa razão À Unesco interrogamos: Será que nós, também, vamos Merecer o tombamento, Do popular alimento Que o cuscuz, com deferência, Passa a ser “Sua Excelência”, A partir desse momento? Vou perguntar a Cascudo, Se esse fato é cultural Ou só convencional, Sem merecer muito estudo; Mas ele que sabe tudo, Melhor vai nos explicar

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Tempos Crônicos - cinco anos

A ocorrência singular, Que prolifera nos versos, Dos cordéis que são impressos, Sem do cuscuz não falar. Mas como foi declarado, Também somos incluídos Aos países envolvidos, Pelo fato inusitado, Neste ano registrado, Em plena calamidade, Na qual toda humanidade Se debate com um vírus, Que não morre nem a tiros, Praticando crueldade. Como Deus é brasileiro E sua ajuda não tarda, Quando, às vezes, não retarda Pra quem pede o tempo inteiro, Em seu berço costumeiro. Agora vem o cuscuz, No fim do túnel, a luz, Para a nossa redenção, Servindo como opção, Que ao progresso nos induz. E, dessa forma, o Ministro Da Economia, atual, Com seu humor bestial Logo fará o registro, Para vencer o sinistro E mudar a nossa história, Da medida provisória Com a nova taxação, Do cuscuz, sem exceção, De maneira compulsória. Assim, chegando ao final Dessa minha alegoria Que não é crítica vazia O que não faço, em geral, Mas oportuna, normal. Trazendo à reflexão, Quando emito opinião, Mas sem ser oportunista,

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Para flutuar

Pra fugir de qualquer “ista” Dos otários de plantão.

Andejo

A vida do cordelista, Traduzida como sina, É cavucar sua mina Sem jamais perder de vista, A verdadeira conquista, Quando bota no papel, Um agradável cordel, Pra ser lido e declamado, De modo entusiasmado, Pelo seu leitor fiel.

– por Fernando Azevedo

O cuscuz é alimento Com seu conceito elevado, Como REI sendo tratado, Pelo seu merecimento, É o desenvolvimento Com certeza, doravante, Acordando esse gigante Para cair na real Porque tudo aqui vai mal Sem mudança de semblante. Como o cuscuz teve a vez A nossa chegou a hora Para propor sem demora Isso que a Unesco já fez Sem nos deixar para indez Nesta atual conjuntura Na qual possa a rapadura Nutritiva pra valer A comenda merecer De Rainha da doçura!

Estradas são boas para serem cruzadas e se saber aonde não se ir. Suas margens são próprias para providencial descanso se sombra houver. Mas o desembaraço dos seus vãos fartos desatina; e enfadam as suas paralelas, que só no infinito se dissipam. Os seus faróis queimam os olhos, roubam o breu cogente a se espreitar a luz que abrolha. Gozo mesmo é o descaminho, o atalho que alicia. Só na escarpa há equilíbrio e impulso para penetrar o ainda recôndito. Também não se perambula: há de se ter rumo, prumo e parcas certezas. A rodovia é que se perde em outra, precisa, leva a rês a todas as romas. 

Encerrando a louvação “Esperando ser louvado” Pois se der bom resultado Será nossa redenção Nesta querida Nação Mas com olhos na vacina Até mesmo lá da China Ou qualquer outro lugar Mas sem deixar apagar A esperança peregrina! 

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Tempos Crônicos - cinco anos

Para flutuar

Imperecível

Janelas

– por Bruna Zerlini

– por Rachel Lívio

Um feixe de luz entrava pela fresta... Só, absorvia aquela quietude... Ensimesmada, ouvia meus sonhos, desejos, pensamentos... Subitamente, um vulto... Por entre aquela luz tênue, vi o contorno do seu corpo... Há quanto tempo estava ali? Devagarzinho, foi se aproximando, se acomodando... Sua presença era repouso... Suas palavras abraçavam... O amor ia se revelando com delicadeza... Desde então, nossas almas aladas percorriam distâncias só para permanecerem juntas... Brincávamos de colorir o céu, escorregar no arco-íris... Certo dia, caímos em lados opostos... nos perdemos... Foi aí que ele entreviu aquelas águas cristalinas, que, sob o sol, refletiam um caminho sedutoramente dourado... Corri à sua procura. Cheguei ainda a tempo de vê-lo afastando-se rio abaixo... Gritei até a voz morrer numa súplica, chamando-o. Mas não me ouvia mais... nem mesmo olhou para trás... Ali estanquei... me dobrei em dor... e, finalmente, me resignei... Agora, guardo-o na memória. E “o que a memória ama, fica eterno. [...] Imperecível”. Hoje, apesar de todo o silêncio, a saudade não se cala dentro de mim... exige-se longo tempo para enterrar uma ausência... Ainda assim, amanheci! Encontro em mim os primeiros raios da alvorada e um desejo de que a vida lhe seja leve, como a brisa que impulsionou as velas daquela embarcação por águas serenas, como um sopro angelical... e que o direcione à nascente... nascente de lindos sonhos e novos momentos, impregnados de felicidade! 

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Gosto de janelas. uando abertas, gosto das suas paisagens, daquilo que está Q do lado de fora. Das expectativas, dos sonhos e dos anseios. Do circular de gente, do barulho dos carros e dos pássaros no parapeito. Das trepadeiras que crescem e da ferrugem das grades. Dos pingos de chuva que caem no rosto da gente. Quando fechadas, gosto do acolhimento, do reservado e do secreto. De saber que quem está do outro lado não pode ver o que se faz cá dentro. De pensar que estou aqui na minha rotina, Simultaneamente tem outro na sua rotina ali pertinho, Um não sabe o que o outro faz. A janela está fechada! Gosto dos desenhos, das fachadas e dos vidros. Da madeira e das cores. Do metal e do brilho. Do romance, da namoradeira e dos vasinhos de azaleias. Das teias de aranha e das cortinas que balançam ao vento. Do corre-corre para fechá-las quando chove. Gosto quando bate com a ventania. Gosto de abri-las depois da tempestade para entrarem os últimos raios do sol. Já li que os olhos são as janelas da alma... Se é isso, gosto dos olhos também. 

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Tempos Crônicos - cinco anos

Para flutuar

Meu mar – por Teresa Feijó Aprendi a me virar no mar Meu pai me deixava e ia nadar Tomei gosto e comecei a atravessar Uma praia à outra sem me cansar

No meu mar tem de tudo Sereia e menino sortudo Arco-íris, ventos e conchas Surfistas com suas pranchas

Quando pequena, me encantei com sua imensidão E desde então, nas suas águas cristalinas Venho curando minha solidão

Por toda minha vida Sempre estive no mar Na alegria a sorrir E na tristeza a chorar

Em respeito a Iemanjá Eu me benzia lá Antes de entrar na água E mergulhar no seu mar Já fiz pedidos à Rainha Já fiquei nua em alto mar Já quis jogar linha Para muitos peixinhos pegar

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Minhas pegadas desaparecem No vai e vem das ondas Não sei por que os homens Deixam seus lixos e somem

Eu quero navegar Até o dia que for da vontade de Deus me levar Quando esse dia chegar Nas suas águas eu hei de ficar E para toda eternidade repousar 

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Tempos Crônicos - cinco anos

Para flutuar

Muitos eus – por João Henrique Existe dentro de mim Um ser frio como uma máquina Um ar sem vento Que em tudo penetra e tudo vê Um ser racional, onipresente Um micro Big Brother Mora dentro de mim Uma criança feliz e pura Divertida, ingênua, inconsequente Ávida por aprender Um ser com jeito de começo Um passado que sobreviveu ao presente Habita dentro de mim Um ser-natureza, com cheiro de caju Exuberante, equilibrado Sabedor que bem e mal não existem São simplesmente pontos de vista Um ser de excessos sutis

Reside dentro de mim Um ser místico, um mago Manipulador de mentes Catalisador de anseios e energias Que vive um sonho mítico Um artista de chacras e auras Coabitam dentro de mim Infinitos seres Inseridos em universos interpenetrantes Surgem e desaparecem ao sabor dos momentos e necessidades São como máscaras, fantasias São estranhos, porém familiares Mas quem sou eu, afinal? Um estranho dentro de tantos seres? Ou um ser com muitos estranhos? Eu, ou melhor, nós Somos uma amostra da riqueza da raça-homem Um grão complexo, uma gota de Deus 

Vive dentro de mim Um ser sexual Pura lascívia em progressão Infinita fome de possuir corpos (e de ser possuído) Ser de suores lânguidos, corpos dançantes Sons guturais, olhos ofegantes, êxtase pleno Há dentro de mim Um ser sensível Como a asa do inseto Que vez por outra explode e chora E vibra. E goza Sabe que a vida é só energia Sinto dentro de mim Um ser movido pelo amor Paixão flamejante, pétalas de afeto A antítese da ira, exemplo de bem-querer Abraços e beijos em forma de homem Sublimação de desvelo para com a sua amada -104-

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Tempos Crônicos - cinco anos

Para flutuar

Nuvens (ebru) – por Vera Zerlini Cirrus Cúmulos Nimbus... meu céu! Cirrus alongados lembrando trenas de um arquiteto visionário tentando medir um horizonte imensurável! Coloridas, brilhantes, inconstantes camaleoas roxas, lilases, fantoches ora de uma selva habitada por panteras, ora sugerindo querubins de asas de algodão na sua inconstância tornando-se negras, riscadas por luzes de neon num aceno fugaz de vida. Agora já desmanchadas em águas, presenteando olhos atentos com sete cores num arco abrangente entre céus e terra renovando esperanças. Palco celestial abrindo cortinas para pedaços de infinito. Fiapos espalhados, nimbus dourados, amarelo alaranjados e verdes. Tudo isso saindo da paleta de um sol Renoir... Céu de brigadeiro jamais! 

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Tempos Crônicos - cinco anos

Para flutuar

Os olhos de Liz Taylor – por Américo Paim Estava comprando requeijão para levar para casa. Tarefa rotineira, naquela loja de produtos de fazenda, ao lado da padaria de sempre. Nada demais. Do mesmo modo, como sempre faço, estiquei o olho para as prateleiras de flores na loja ao lado, uma espécie de armarinho modelo moderno (vendem de tudo), em busca de um mimo para a minha filha, algo que também me é comum. Sempre prefiro as begônias, cor-de-rosa ou vermelhas, porque além de bonitas, duram muito. Não sei se ela gosta de begônias ou sorri de volta para mim para ser gentil, mas, como o seu sorriso e o abraço são quase sempre garantidos, não perco a chance, claro. Estava ali, despreocupado, vendo as opções, imaginando se não seria chato eu me repetir com as mesmas flores, quando percebi que me observavam. Não sou nenhum Homem-Aranha com super sentidos, mas sempre fui bem satisfeito com minha chamada visão periférica. Certamente alguém me olhava. Discretamente, como um James Bond o faria, virei-me na direção de onde acreditava estar a pessoa e então a vi. Morena, bonita, com um vestido branco, delicados cabelos encaracolados, riso aberto em minha direção. Só me restou retribuir, o que me veio com naturalidade. Nem consegui disfarçar. Também de forma fácil, caminhei em sua direção. Por que fiz isso? Nem sei. Me pareceu inevitável. Quando a cumprimentei, apenas sorriu de volta ainda mais, um sorriso meio incompleto, sem palavras, ornado por um olhar vivo e amplo, repleto de curiosidade. Em segundos, fiquei cativado pelo seu olhar. Seus olhos me levavam a algum lugar conhecido. Logo me lembrei: o olhar de Elizabeth. Ela tinha os olhos da cor dos de Liz Taylor! Se você nunca leu sobre isso ou mesmo reparou em fotografias, Liz tinha olhos de uma cor especial, rara. Olhos cor de violeta. Lindos. Como ela não parava de me olhar e sorrir para mim, fiquei um tanto desconcertado com a situação e ainda mais quando, sem mudar de expressão, abriu as mãos e me estendeu os braços. Aquilo já era demais. Demandava uma ação imediata. Cuidadoso, apenas repeti-lhe o gesto, o que tornou seus olhos ainda mais vivos, apertados, quase fechando, por causa do riso fácil que se seguiu. -108-

Me ocorreu tomá-la nos braços, mas achei que seria demais. Me contive. Apenas disse-lhe que era linda e mencionei a minha lembrança sobre a cor de seus olhos. Não reagiu diferente, apenas sorriu ainda mais. Quando lhe perguntei o nome, ouvi de volta: Maria Júlia. Assim me respondeu a jovem moça que a segurava cuidadosamente pela cintura, por trás do balcão da loja. Maria Júlia pareceu recém-saída da fase do colo. Me aproximei um pouco mais e pude admirar a profundidade daqueles lindos olhos cor de violeta, que só lhe completavam a beleza natural e radiante. Finalmente ela conseguiu tocar as minhas mãos e, com a permissão e até insistência da jovem mamãe, carreguei-a por alguns instantes, sem que parássemos de sorrir um para o outro. após alguns segundos, devolvi-lhe à moça e me despedi, acenando para ela, gesto que, graciosamente, a pequenina me retribuiu. Quando dirigia de volta para casa, me sentindo a mais feliz das criaturas, com um dia bem mais iluminado, contemplei o restinho de azul do céu do crepúsculo e me lembrei do verdadeiro mosaico de cores das cenas que vivi: a pele morena, o vestido branco, as begônias cor-de-rosa e aqueles olhos. Os olhos de Liz Taylor, aliás, de Maria Júlia. E eu ainda estava prestes a ganhar um abraço! 

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Tempos Crônicos - cinco anos

Para flutuar

Por que escrevo? – por Celuta Vieira Por que escrevo? Será que sou eu quem escreve? Não. Não sou eu. As palavras me acordam. São elas as responsáveis pelo conteúdo que surge. As palavras... Elas giram em minha mente. Elas caminham comigo. Elas me impulsionam a pegar papel e lápis. Elas direcionam o que devo construir. O poema, a crônica, as mensagens surgem. Surgem sem o domínio da minha vontade. Elas precisam se mostrar. Elas querem ter vida. 

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Qual a cor da sua pele? – por Fernando Correa A sua cor é a cor mais linda Que eu vejo através dos olhos meus Por trás da dor que o tempo encerra Há uma doçura que parece vir de Deus Que transforma o pranto num brado Me convida a lutar ao seu lado Minha arma é somente o meu verso Para acabar de uma vez com o dolo, Pois qualquer preconceito é tolo E o da cor é por demais perverso De que cor você se pinta? Qual a cor da sua pele? Você roga para que eu minta? Ou prefere que eu revele? 

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Fernanda Bankowski

Curiosa, observadora, falante, amiga, ligada em tudo e em todos. Assim me defino como mulher, mãe, esposa, professora, dona de casa. Nas horas vagas, a companhia de um bom livro e, quando a cabeça permite, viajo e escrevo minhas histórias de vida. Essa sou eu, Fernanda Bankowski, muito prazer!

Glauber Ribeiro

Professor da área de linguagens, carioca, flamenguista e filho de Ketu. Aos 52 anos, busco em meus textos responder às inquietações que me perseguem ou tecer o retrato de minhas paixões: minha fé, minha profissão e meu neto, Rico, a narrativa que hoje ajudo a construir.

Silvia Argenta

Moro em Florianópolis, sou formada em Jornalismo e Direito e curto gatos, viagens, praia e cabelos ao vento. Adoro tudo que envolve arte e cultura: dança, música, fotografia, filmes, artes plásticas, literatura. Não cozinho bem, então o que tem me alimentado nessa quarentena é a escrita.

Fábio Kalvan

Estudei Ciências Sociais e gostaria de passar a vida lendo. Mas como tinha que sobreviver (e arrumar dinheiro para comprar livros), fui ser professor (com orgulho) até que, depois de vários anos, resolvi mudar de rumo e virei servidor público (também com orgulho). Gosto de café, de vinho, de viagem e de filmes, ainda que não entenda muito disso tudo. Continuo lendo e escrevendo (um pouco). Paulista hoje perdido em Dourados/MS.

Fernando Azevedo

Baiano de Brumado, radicado em Belo Horizonte. Engenheiro, economista, escrevinhador e compositor. Inquieto e apaixonado, apaixonado pelos meus, pela vida, pelo Bahia... por gente. Daí, um aprendiz da utopia de Rosa Luxemburgo: “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.”

Renata Martins

Minibio.

Tenho 57 anos, sou jornalista por formação, cozinheira por paixão e escrevo porque tudo o que vejo e sinto transborda de mim! Sou uma mulher de fé. Umbandista há mais de 30 anos, em muitas das minhas crônicas, a fé e a espiritualidade aparecem como inspiração! Com os meus textos, expresso o que me vai na alma e no coração. Publico todas as quartas-feiras nas minhas redes sociais, já escrevi um livro, plantei árvores e tive um filho!


Paulinho Caldas

Bruna Zerlini

Cantor, baterista, compositor e escritor. Atualmente atuo como backing vocal da banda de Luiz Caldas. Como vocalista, gravei vários discos de artistas baianos e nacionais. Participei de turnês internacionais com Daniela Mercury e Carlinhos Brown – como o baterista da sua banda. Em 2019, lancei o e-book Memórias do Movimento Axé Music, pela Editora Santa Agnes.

Pedagoga, atualmente leciono no Colégio Dante Alighieri, em SP. Escrevo desde a adolescência. A melancolia faz parte de minha personalidade, e é esse sentimento que transforma minhas palavras escritas em versos, na intenção de que o leitor se sinta tocado pelas emoções, e, quem sabe, consiga também as sentir. Classificada em vários concursos, publiquei meu primeiro livro individual, Transbordar, em outubro de 2015.

Jealva Ávila

Andressa Ibiapina

Sou soteropolitana, arquiteta e tive o privilégio de atuar em diversas áreas no campo da arquitetura. Adoro misturar yoga com design thinking e dendê com roska de mangaba. Me vejo como uma equilibrista entre os mundos de Alice e Polyanna e sou viciada em sintetizar ideias, pensamentos e sonhos como ferramenta de realização pessoal. Autora do livro Ouvindo o Vento, publicado em 2019.

Américo Paim

Soteropolitano, engenheiro mecânico, amante de música, futebol, cinema, literatura, cultura e arte em geral. Adoro um bom papo, estar em boa companhia e crianças. Compositor, tocador de violão e baixo, escrevo desde sempre, sobre qualquer assunto, geralmente transformando em música. Sou autor de O Livro das Copas: a paixão em números e curiosidades (1998, independente) e Manual das Copas do Mundo (2018, Tempos Crônicos).

Anuska Bautista

Sou baiana com sangue espanhol de pai e mãe. Gosto de gente, de olhar nos olhos, de ver a alma da pessoa, de acolher, de me comunicar com o coração! Sou arquiteta e atualmente trabalho com arquitetura social na Prefeitura de Salvador. Amo a vida e a natureza, gosto de meditar, de cozinhar, de fazer yoga, de cuidar. Sou apaixonada por tudo o que faço e tudo o que tenho. A escrita surgiu em minha vida para transbordar tudo o que sinto e o que penso.

Celuta Vieira

Amante dos poemas, adoro fotografar o que faz bem à alma, e o sol e o mar são meus companheiros. Sou casada, mãe de dois filhos e trabalho com gestão de pessoas. Amo a vida, acredito na imortalidade da alma e sou grata a todas as experiências que contribuem com minha evolução espiritual.

André Lima

Um aprendiz; humano, filho, irmão, amigo, esposo, pai, cidadão. Um sonho ainda não realizado: ser avô. Tenho a impressão de que minha missão neste mundo é exercer a função de avô. Serei um lindo, puro, amável, carinhoso, amigo e inesquecível avô.

Nasci em uma das incontáveis tardes ensolaradas de Teresina, no Piauí, onde ainda vivo. Farmacêutica, gosto de manipular as palavras e acredito no potencial curativo da literatura. Vivo perdida em pensamentos e só me encontro quando escrevo.

José Walter Pires

Escritor e poeta, nascido em Ituaçu-BA, radicado em Brumado, membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, ocupando a cadeira 21, patronímica do poeta paraibano Joaquim Batista de Sena. Com quinze livros e mais de cem cordéis editados.

Sílvia Torres

Filha, professora, mãe, madura. Mais aprendo do que ensino. Leitora de livros e de momentos. Observadora criteriosa, analiso gestos, olhares e movimentos. Pratico a terapia do escrever e amo viver um dia de cada vez.

Andrea Ferreira

Mulher em constante reengenharia, curiosa ao extremo, virginiana, arquiteta, ilustradora e escritora na peleja. Fiz minha estreia no Universo em Taboquinhas, Itacaré, sul da Bahia (danada de sortuda!). Nos meus textos, amo corujar as lembranças de infância, da família e do colégio, os temas que, por serem verdades povoadas de sentimentos, mais aquecem meu coração e estimulam minhas palavras. Amo Phil Collins, acarajé no Rio Vermelho, passear em Taboquinhas e tomar café com as amigas!

Neyde Rostyn

Uma paulistana de 41 anos, casada, mãe do Otto e professora. O ato de escrever foi tomando lugar em minha vida de maneira tão natural e sutil que, quando me dei conta, já saía o primeiro texto, e depois outros e outros mais. E assim vou seguindo, escrevendo sobre o cotidiano e tudo o que há de interessante nele. Tornar um acontecimento corriqueiro em uma história boa para ser lida é muito prazeroso.


Luciana Leal

Sou formada em Biologia pela Uerj, professora da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro. Amo bons livros, filmes, séries, música e escrever!

Viviane Lazarini

Carioca, exercito minhas escrevivências em poemas e crônicas em que procuro traduzir seus sentimentos em palavras. Participei de Antologias poéticas do Movimento Mundial Mulheres Reais, Flor-de-Lis e Bom dia, Poesia!, além da Tempos Crônicos.

Fernando Correa

Engenheiro mecânico, nascido na Ribeira, em Salvador. Maratonista, peregrino do Caminho de Santiago, amante da Chapada. Um tímido compositor e cronista, aprecio uma boa cachaça, um bom vinho, um bom samba e um bom café – não necessariamente nessa ordem, e sim o que aparecer primeiro –, mas não dispenso uma conversa sem hora com os amigos. Amante da natureza, torcedor incondicional do Esquadrão de Aço, fã de Paulinho da Viola e seguidor do filósofo Zeca Pagodinho: deixe a vida me levar!

Bianca Venturi

Sou um engenheiro que também gosta de história e de misturar os campos do conhecimento nos meus pensamentos. Prefiro ler os clássicos, mas sem me limitar. E gosto de temperar as minhas leituras com a minha curiosidade.

Sou uma professora apaixonada pela profissão, que ama ler, escrever, desenhar, ilustrar. Escrevi minha primeira história aos 6 anos: “A minhoca que queria voar.” Mal sabia eu que ela retratava nada mais do que a minha própria vida. A vida de alguém que sonha muito mais do que pode, ou do que deveria, mas que aprendeu que os livros, a criatividade e a resiliência podem ser as chaves para voar, mesmo quando não se tem asas.

Robertson Guimarães

Vera Zerlini

André Paim

Tenho duas obras publicadas, A Ciência da Separação – Da indignação ao Respeito e Liberdade de Escolha – Nos domínios da Fé, sou um grande apreciador da literatura brasileira e internacional, especialmente no campo da espiritualidade. Resido atualmente no Rio de Janeiro, onde atuo como funcionário público estadual.

Noemia Kazanova

Sou uma “Bióloga professora”. A vida pode ter asas, patas, pés, folhas, espinhos, rastejar, nadar, enfim... tenho uma relação de amor com ela, minha fonte de inspiração e aprendizado. Livros pela casa, amigos de todos os tipos, uma filha feita “de” e “com” amor. Muitas histórias e muitos defeitos.

João Henrique

É um ser em mutação, fruto de minhas contínuas reflexões sobre a arte de viver. Viver sem culpa, sem dor, mas com as cargas que me são ofertadas durante minha caminhada para que possa evoluir. Ser espiritual. Gosto de gente. Aprecio sentir o cheiro da natureza (terra, chuva, plantas). Escritor bissexto, desde a adolescência aprecio uma boa leitura. Escrevo poemas ou prosas poéticas.

Helô Mello

Formada em Comunicações, dedico-me à fotografia contemporânea, à temática da memória e me interesso por arquivos anônimos. Adoro escrita, aquarelas, cozinhar e caminhar. Trabalho como Coach e Mediadora de Conflitos. Durante a pandemia, vivendo em Amparo, descobri outros tempos, outras cores, novos silêncios e fiz bons amigos pelo zoom.

Sempre gostei de escrever e, em minhas aulas de português, adorava quando o assunto era composição. Imaginava poder um dia ser autora de um livro. Porém a vida me levou por outros caminhos, e isso não pôde ser concretizado. Hoje, décadas passadas, essa ideia ainda retorna. Adoro poesia, e meus livros de cabeceira são os preferidos, incluindo o da minha filha. Estudei no Mackenzie e usava meus momentos de folga para ir à biblioteca. Muitas vezes perdia a hora em meio a livros. Incentivada por minha filha Bruna, estou tentando realizar o sonho de escrever, não um livro, mas simples contos decorrentes de décadas passadas.

Elba Vieira

Baiana, canceriana, escritora, autora do livro de poesias A Gaveta do meio (Ed. Scortecci). Trabalho na área de tecnologia, amo minha profissão, mas a alma se encontra na poesia, navegando junto com as marés do tempo.

Rosana Rodriguez

Mulher preta, filha de Francisca Almerinda. Professora, antirracista, escritora, pesquisadora, mestranda e moradora de Duque de Caxias-RJ. Olhos descortinados para a poesia! Organizadora e Idealizadora do sarau Que toda palavra, dita ou escrita, seja amor!, da Antologia Que toda palavra, dita ou escrita, seja amor! volumes 1 e 2; e o do livro Nossas Linhas Negras na Pandemia.

Bruno Vicentini

Vivo em Maringá/PR. Em 2017, integrei a coletânea de contos 15 Formas Breves, editada pelo jornal Cândido, da Biblioteca Pública do Paraná. Com o microconto “Vendeu os cabelos pra comprar um chapéu”, perdi um concurso literário. Pois é.


Fernanda Lopes Sobral Gorges

Tenho 48 anos, nasci em Brasília, casada com Jorge Miguel, e por um período de 3 anos tive a experiência de morar no Rio de Janeiro a trabalho. Vibro pelas pequenas coisas da vida e é onde encontro a felicidade. Adoro viajar e conhecer outras culturas, ler, pintar, fotografar, praticar canoa havaiana e escrever esporadicamente. Tenho verdadeira paixão pela vida.

Jaqueline Ariane

Me chamo Jaqueline Ariane, mas pode me chamar de Jaque. Sou apaixonada por café, livros e palavras. Publicitária de formação e vendedora de tecnologia durante a semana. Escrever faz parte da minha rotina, quando não tenho nada pra fazer eu prefiro escrever.

Felipe Aguiar

Estudante de Jornalismo fascinado pelo poder comunicativo da sétima arte e suas possibilidades de criação e efeito. Aspirante a ator, apaixonado por terror e musicais. Inspirado pelas mentes brilhantes de Kubrick e Hitchcock, mesmo consagrando a grandiosidade de 2001 e Psicose, não esqueço dos esforços de Scooby-Doo e Pequena Loja de Horrores. Dessa forma me fiz um cinéfilo que, francamente, minha querida, não dá a mínima para época, gênero ou estilo cinematográfico; se for um filme, estarei assistindo.

Nathalia Siqueira

Sou publicitária experiente, que, um pouco cansada do mercado, passou a se aventurar fazendo freelas. Escrevo por hobby e por paixão, mas minha ansiedade faz com que o melhor conteúdo que produzo sejam textos curtos e divertidos sobre a maior aventura de todas, a maternidade. Sigam @deuruimnamamae e mandem seus comentários e sugestões, vou adorar conversar com vocês.

Emanuella Feix

Sou baiana radicada nos subúrbios do Rio de Janeiro, sou viciada em livros – até mesmo os que não leio. Atualmente realizo um mestrado em estudos literários e feministas na Universidade de Montréal, no Québec (UQAM), dedicando-me à escrita de mulheres faveladas. Amante das narrativas urbanas, acredito na literatura como a expressão da alma encantadora das ruas e busco sempre trazer um outro olhar para pequenos fatos cotidianos. Escrevi na Tempos Crônicos entre 2016 e 2017 e agora venho incomodando o cenário literário québécois.

Percival Caropreso

Libriano e São Paulino desde que nasci, nas conquistas e fracassos. Pai de 6 filhos adotivos, de 35 a 8 anos de idade, e avô de uma neta de 4 anos. Em 1970 comecei em propaganda, na McCannErickson, meio que por acaso natural. Fui sendo promovido, mas nunca deixei de ser redator de corpo e alma. Vivi muitas histórias, que relato no www.blogdoperci. com.br. Hoje tenho uma consultoria em Comunicação Corporativa, baseada em responsabilidade social e sustentabilidade, que também rende posts.

Agatha Sampaio

Coisas que falam sobre mim: inteligente, engraçada, sacana, cordial, teimosa - e mais algumas que não convém publicar. Fui construída com overdose de reforço positivo, mas o ceticismo me faz manter o pé atrás. Ouço mais que falo. Pareço tímido, mas sou apenas na minha – o mundo anda barulhento demais. Pés no chão e cabeça na lua. Escrevo em primeira pessoa, pois não sou Pelé. Quilombista, ecossocialista, flamenguista e redundantemente antifascista. Ser uma mulher masculina não fere o meu lado feminino. É um jogo de espelhos. Desacredito acreditando. O humor é meu santo protetor. Escrevo para guardar no mundo as coisas que só eu vi. Status atual: vivendo numa bolha que flutua aos solavancos dentro de um pesadelo constante.

Sanção Maia

Nasci em Itabuna (BA), mas passei boa parte da sua infância e adolescência em Feira de Santana (BA). Sou jornalista e trabalho com cultura desde 2007. Já fui cronista, contista e, algumas vezes, tento ser poeta e músico. Lancei, em 2019, o livreto Divagações Poéticas de Um Barbudo no Ócio, uma coletânea de poemas escritos de 2016 até 2019, além de alguns poemas escritos durante a adolescência e no início da vida adulta.

Eliana MB

Vivo na selva de pedras chamada São Paulo, cidade que escolhi para crescer, acima de tudo, em conhecimento e amor. Não sou exigente, só preciso de 40 metros quadrados para chamar de lar, três gatos e companhia para os cafés da manhã.

Jonga Frank

(in memoriam)

Me apresentar é basicamente impossível, pois nem eu mesmo ainda me sei. Nem se vou me construindo ou descobrindo; me conhecendo ou me perdendo, para enfim me encontrar. Mas sei de algumas poucas coisas, e uma delas é que o compartilhar por meio da palavra escrita é um dos mais essenciais propósitos desta minha vida. * perfil original escrito pelo autor ao estrear na página


Geo Tavares

Tenho 42 anos, sou historiadora, escrevivente por meio de observação das janelas da vida, cozinheira amadora da boa mesa combinada com ótima companhia. Sigo neste mundo ao lado de um companheiro, uma filha peluda, familiares e amigos que ainda me aturam.

Luis Augusto

(in memoriam)

Sou escritor, cartunista e ilustrador. Criei o Fala, Menino! há 20 anos, a primeira série de animação totalmente produzida na Bahia, distribuída pelo MEC e premiada pelo Unicef. Entre outros prêmios, recebi o Troféu Bigorna de melhor cartunista do Brasil em 2008. Desde 2014 conto as aventuras de Ben e a Bisa em livros e quadrinhos. Coleciono Superman desde os nove anos e aceito presentes. * perfil original escrito pelo autor ao estrear na página

Lívia Guimarães

Tenho 52 anos e sou mãe da pequena Laura. Marketeira por profissão, escritora por paixão. Lancei o Maleta Amarela (www.maletaamarela.com.br), com crônicas sobre pessoas e seus relatos incríveis, por paixão e crença de que toda história merece ser contada.

Marcelo Camacho

Pai da Lorena e da Laura, carioca da zona oeste, advogado, plebeu, geminiano, como diz a canção “o meu exercício predileto é pensar, passo muitas horas do dia só pensando”, e ser vascaíno é a minha maior virtude.

Rachel Lívio

Eu sou Rachel... A do Pai, a do Márcio, a mãe da Sofia e do Tito, a professora de História apaixonada pela sala de aula, a que escreve vez ou outra e a que sonha com dias melhores.

Christina Miranda

Tenho 53 anos e sou Carioca de nascimento e baiana de coração. Uma contadora de história apaixonada pela vida real. Jornalista, roteirista, apresentadora na Rádio Metrópole e escritora, continuo a contar sobre a paixão pela Bahia em crônicas semanais. Tenho o DNA carregado de dendê e garanto que aqui é mesmo a Terra da Felicidade. Casada com um baiano e mãe de um casal. A filha mais velha é carioca. O caçula, baiano.

Roberto Miranda Socorro

Nasci há 56 anos no Rio de Janeiro, me naturalizei baiano e vivo em São Paulo. Antifascista, sou apaixonado por livros, gatos, Rock’n Roll, pelo Bahia, pelo Vasco, pelo Lucas e pela Érika (que me deu o Lucas de presente). Sempre trabalhei para comprar livros e discos. Leitor ávido e escritor ocasional, com contos publicados nos números dois e três da revista-zine Submarino, da La Tosca, editadas por Ronaldo Bressane, e na coletânea 2020, o ano que não começou, da Editora Reformatório. Sou um chato.

Jamila Carvalho

Recém-balzaquiana maranhense, natural de Bacabal. A cidade geniosa em que morei até os 19 anos e que continua a fazer parte dos meus sonhos, imagens e textos e que não precisa ser explicada para ninguém. Sou jornalista que, como tantos outros, não exerce a função. Morei no Piauí, no Ceará e hoje resido em Santa Catarina, sem nunca deixar de sofrer com o frio. Escrevo quando é escrever ou morrer. Nesses últimos tempos, tenho mais morrido que escrito. Meu marido acabou de dizer que também sou visceral. Sou mãe do Caetano.

Tanguy Baghdadi

Sou mestre em Relações Internacionais (PUC-Rio) e professor de Relações Internacionais desde 2007. Sou professor do Clipping CACD, especializado na preparação de candidatos à diplomacia brasileira, do MBA do Ibmec-RJ, da graduação da Universidade Veiga de Almeida, e da Casa do Saber, criador do podcast Petit Journal e comentarista de política internacional da Globonews. Mais vascaíno do que deveria.

Teresa Feijó

Sou mãe de 3 mulheres lindas: Luisa, Marina e Sofia. Todos nomes de música. Tenho 3 cachorros: Onofre, Alfredo e Chico. Trabalhei a vida toda no comércio, onde fiz muitos amigos e conquistei tudo o que tenho. Amo decoração e arrumação de armários, sou uma Personal Organizer. Adoro esportes, caminhada e pilates. Eu amo escrever. Escrevo sobre a vida, as dores, o amor! Tenho uma página chamada Poesias da Teresa Feijó e pretendo publicar um livro ano que vem. Vejo a vida por um ângulo muito especial. Amo as pessoas e suas nuances. Para mim: esta vida é muito boa!


Agatha Sampaio Américo Paim André Lim Anuska Bautista Bianca Venturi Bruna Ze Eliana MB Emanuella Feix Fábio Kalvan Fe Sobral Fernando Azevedo Fernando Corre Jamila Carvalho Jaqueline Ariane Jealva F Pires Lívia Guimarães Luciana Leal Luis A Rostyn Noemia Kazanova Paulinho Caldas Roberto M. Socorro Robertson Guimarães Baghdadi Teresa Feijó Vera Zerlini Vivi La André Paim Andrea Ferreira Andressa Ibi Zerlini Celuta Vieira Christina Miranda El Felipe Aguiar Fernanda Bankowski Fernan Georgia Tavares Glauber Ribeiro Helô Mel Fonseca João Henrique Jonga Frank José W Augusto Marcelo Camacho Nathalia Siquei Caldas Percival Caropreso Rachel Lívio Re Guimarães Sanção Maia Silvia Argenta Síl Zerlini Vivi Lazarini Agatha Sampaio Amé Ferreira Andressa Ibiapina Anuska Bauti Christina Miranda Elba Vieira Eliana MB E Fernanda Bankowski Fernanda Sobral Fer Glauber Ribeiro Helô Mello Jamila Carvalh Jonga Frank José Walter Pires Lívia Guima Nathalia Siqueira Neyde Rostyn Noemia Ka Rachel Lívio Renata Martins Roberto M. So Argenta Sílvia Torres Tanguy Baghdadi Te Sampaio Américo Paim André Lima André Bautista Bianca Venturi Bruna Zerlini Cel MB Emanuella Feix Fábio Kalvan Felipe Ag Fernando Azevedo Fernando Correa Georg Carvalho Jaqueline Ariane Jealva Fonseca Lívia Guimarães Luciana Leal Luis August Rostyn Noemia Kazanova Paulinho Caldas


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