Kant crítica da razão pura

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incumbe expor separadamente e por via de análise simples forma do conhecimento em conceitos, juízos e raciocínios, com o que estabe lece as regras formais de todo uso do entendimento. E se quisesse mostrar, de um modo geral, como se subsumam estas regras, quer dizer, decidir se algo entra ou não, achar-se-ia que ela, por seu turno, só poderia atingi-la por meio de uma regra. Mas como esta regra, na qualidade de regra, exigiria uma nova instrução por parte do juízo, adverte -se que o entendimento pode instruir-se e formar-se por regras, enquanto que o juízo é um dom particular que se exerce mas que não pode apreender-se. Desse modo o julgamento é o caráter distintivo daquilo que se denomina bom senso, cuja falta nenhuma escola pode suprir. A um entendimento limitado pode-se procurar um número de regras e inculcar-lhe certos conhecimentos, mas é miste r que o individuo por si mesmo tenha a faculdade de servir -se exatamente; e na ausência desse dom da natureza, não há regra que seja capaz de premuni-lo contra o abuso que faça.(16) Um médico, um juiz, ou um publicista podem ter em sua mente magníficas regras patológicas, jurídicas ou políticas, ao ponto de parecerem ter uma ciência profunda, e, no entretanto, falharem com a maior facilidade na aplicação dessas regras; ou porque lhes falte o julgamento natural, sem faltar-lhes por isso o entendimento, e que, se eles vêem bem o geral “in -abstracto”, são incapazes de decidir se um caso está aí contido “in concreto”, seja porque não estão exercitados nesta espécie de julgamentos por exemplos e negócios reais. A grande utilidade dos exemplos, a única que se quer, é exercer o juízo, porque no tocante a exatidão e à precisão dos conhecimentos do entendimento eles são, sobretudo, funestos; é raro, com efeito, que preencham de um modo adequado a condição da regra (como “casus in terminis”); além disso, debilitam geralmente essa tensão necessária ao entendimento para aperceber as regras em toda a sua generalidade e independentemente das circunstâncias particulares da experiência, até o ponto que se acaba por tomar o costume de empregá-los antes como fórmulas do que como princípios. Vêm a ser os exemplos para o juízo como a muleta para o inválido, de que não pode prescindir aquele que não tenha essa faculdade natural. Mas com a Lógica transcendental não sucede que não possa dar preceitos ao juízo como a Lógica geral; pelo contrário, parece que sua própria função é corrigir e assegurar o juízo mediante regras determinadas no uso do entendimento puro. E, realmente, se for dar extensão ao entendimento no campo do conhecimento puro “a priori” parece que não só é inútil volver à Filosofia, mas perigoso, porque apesar de tantas tentativas feitas se avançou pouquíssimo no terreno ou quase nada; já a Filosofia terá o seu valor quando a tomamos, não como doutrina, mas como crítica, que sirva para prevenir os passos falsos do juízo (“Lapsus judicil”), no uso do pouco número de conceitos puros intelectuais que possuímos. Neste caso, ainda que sua utilidade seja nega tiva, a Filosofia se apresenta com toda sua penetração e habilidade de exame. A Filosofia transcendental te m a particularidade de, ao mesmo tempo que a regra (ou melhor dito, a condição ge ral das regras) que está dada no conceito puro do entendimento, poder também indicar “a priori” o caso em que a regra deve aplicar-se. A superioridade que tem por isto sobre todas as demais ciências instrutivas (exceto as matemáticas) estriba em tratar de conceitos que devem referir-se “a priori” aos seus objetos, e cujo valor objetivo, conseguintemente, não pode demons trar-se “a posteriori”. Mas ao mesmo


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