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uma história do universo de

uma aventura de nico di angelo

RICK RIORDAN MARK OSHIRO

uma história do universo de

uma aventura de nico di angelo

tradução de Regiane Winarski

título original

The Sun and the Star: A Nico di Angelo Adventure

preparação

Ilana Goldfeld

revisão

Carlos César

diagramação

Henrique Diniz

arte de capa

Joann Hill

ilustração de capa

© 2023 by Khadyah Khateb

[2023]

Todos os direitos desta edição reservados à Editora Intrínseca Ltda.

Rua Marquês de São Vicente, 99, 6º andar

22451-041 – Gávea

Rio de Janeiro – RJ

Tel./Fax: (21) 3206-7400

site: www.intrinseca.com.br

1a edição

julho de  impressão

lis gráfica

papel de miolo

ivory slim  g/m

papel de capa

cartão supremo alta alvura  g/m

tipografia adobe caslon pro

Publicado mediante acordo com Gallt & Zacker Literary Agency LLC.

Para todos os Nicos, Wills, Pipers e todo mundo que fica no entremeio: este é pra vocês.

Que vocês brilhem tanto quanto o sol e as estrelas.

— Nico di Angelo, por que você não me conta uma história?

Nico se irritou com isso. Uma história? Qualquer história antiga? Parecia fácil demais depois de tudo pelo que eles tinham passado.

Depois de tanto sofrimento.

Ele olhou para Will por um momento, e o namorado arqueou a sobrancelha. Parecia cansado. Cansado demais. E as ataduras dele…

O estômago de Nico ficou embrulhado. As tiras de gaze estavam encharcadas de sangue de novo.

Ele se virou para Gorgyra.

— Uma história sobre o quê? — perguntou.

A ninfa examinou o rosto de Nico e depois o de Will. Ela puxaria fios de alma deles de novo?

Nico sentiu uma coisa roçar seus dedos. Olhou para baixo e viu que Will estava tentando segurar sua mão. Então abriu espaço entre os dedos e deixou o namorado entrelaçar os dele aos seus.

Nico sentiu o coração apertar. A pressão dos dedos de Will estava muito fraca.

Nico tinha que fazer aquilo. Tinha que terminar o que eles haviam começado. Os sussurros o chamavam.

E Gorgyra também.

— Me conte sobre vocês dois — pediu ela.

NICO ENFRENTOU A PIOR decisão da vida dele e teve certeza de que faria besteira.

— Eu não consigo fazer isso — disse o semideus para Will Solace, o deslumbrante filho de Apolo, que estava na frente dele.

Mas foi em Austin Lake, um dos meios-irmãos do namorado, que Nico escolheu se concentrar. Ele estava andando de um lado para o outro atrás de Will, o que só deixou Nico mais nervoso.

— Para de andar, Austin — ordenou Nico. — Não consigo me concentrar.

— Desculpa, cara — falou Austin. — É que isso é tão estressante.

— Você tem que escolher — avisou Will para Nico. — A regra é clara. Nico franziu a testa.

— Eu sou filho de Hades. Não sigo a maioria das regras.

— Mas você concordou com essas — argumentou Kayla Knowles, mais uma filha de Apolo. Ela girou um pirulito de cereja na boca. — Você é um semideus sem honra, Nico di Angelo?

Austin continuou andando e rebateu:

— Para ser sincero, acho que essa tarefa não exige nenhuma honra de verdade.

— Silêncio! — exclamou Nico, passando as mãos pelo cabelo.

E se ele fizesse a escolha errada? Will ficaria decepcionado?

Mas, ao observar o rosto do namorado, Nico só viu expectativa. Da boa. Will estava pronto para a resposta de Nico, qualquer que fosse, e isso não diminuiria em nada a admiração que sentia por ele.

O que eu fiz para merecer esse garoto?, perguntou-se Nico, não pela primeira vez.

— Tudo bem, já tomei minha decisão — declarou Nico.

— Eu posso explodir a qualquer momento — provocou Austin.

— O mundo pode acabar — zombou Kayla, segurando o pirulito fora da boca, os olhos brilhando de ansiedade. — Acabar de verdade desta vez.

CAPÍTULO 1

— Então — continuou Nico —, se eu tivesse que escolher…

— Sim? — incentivou Will. — Você escolheria…?

Nico respirou fundo.

— Darth Vader.

Will e Kayla gemeram, mas Austin parecia ter ganhado uma Ferrari de aniversário.

— Cara! — gritou Austin. — Essa é a melhor resposta!

— É a pior resposta — opôs-se Kayla. — Por que você escolheria Vader se tem Kylo Ren bem ali?

— Eu estava esperando por alguém meio desconhecido — refletiu Will. — Talvez o General Grievous ou Dryden Vos.

— Peraí — defendeu-se Nico. — Eu acabei de ver os filmes todos ontem. Não consigo nem lembrar direito o que aconteceu em cada filme. — Ele fez uma pausa. — Isso aí são mesmo personagens de Star Wars ou você está de brincadeira?

— Não muda o assunto da sua resposta, Nico. Darth Vader? Você teria um encontro com Darth Vader? — Kayla mastigou o pirulito. — Eu perdi a alegria de viver, Nico. Todinha.

— Bem-vinda ao meu mundo — brincou Nico.

Ele viu Will fazendo uma careta, bem breve, só um vislumbre, mas que ele viu mesmo assim.

— Aqui é um espaço seguro — lembrou Austin. — Sem julgamentos pelas nossas respostas, lembram?

— Não, não — disse Kayla. — Agora é um espaço de puro julgamento.

— Você está muito calado, Will — comentou Nico. — Ainda mais porque é o fã número um de Star Wars do grupo.

— Estou avaliando todos os motivos para você ter dado essa resposta — disse ele. — Você deve ter um motivo.

— Ele é poderosão — disse Nico.

— E decidido — acrescentou Will. — Sempre saberia direitinho aonde ir em um encontro. Nem tem por que discutir isso com ele.

— Ele tira o capacete para comer? — disse Kayla.

Nico levou a mão ao coração.

— Imagina Darth Vader tirando o capacete no jantar e olhando para você com uma expressão sonhadora. Isso, sim, é romance.

Will deu uma risada alta e abriu aquele sorriso brilhante dele.

9 O SOL E A ESTRELA

Ora, ora, por que parecia uma vitória tão grande fazer Will rir? Por muito tempo, Nico tinha suposto que ele mesmo não tinha coração. Era filho de Hades, afinal. O amor não encontrava gente como ele. Mas aí, veio… Will. Will, que conseguia derreter a frieza de Nico com um sorriso. Qualquer um adivinharia qual deus era o pai de Will. Ele irradiava energia e luz. Às vezes, literalmente, como eles tinham descoberto na caverna dos trogloditas no começo daquele ano. Will era filho de Apolo dos pés à cabeça.

Talvez aquela história toda de que os opostos se atraem fosse verdade, porque Nico não conhecia uma pessoa mais diferente dele. Apesar disso, eles estavam completando um ano. Um ano juntos. Nico tinha mesmo um namorado.

Ele ainda não sabia se acreditava que era de verdade.

Os quatro semideuses continuaram a caminhada pelo Acampamento Meio-Sangue. Não havia fogueira acesa no anfiteatro. Talvez, como estava começando a esfriar em Long Island, Nico e Will acendessem uma naquela noite. Não havia campistas correndo para o arsenal nem para a forja; ninguém estava visitando a Caverna do Oráculo. Os chalés estavam vazios (fora o de Hades e o de Apolo), e esse era o sinal mais evidente de que o verão tinha acabado.

Nico não queria admitir em voz alta, mas sentiria falta… bem, de quase todos os campistas, apesar de às vezes ser exaustivo ser um dos conselheiros. Despedir-se de Kayla e Austin seria especialmente difícil.

Quando passaram pelos campos de morango, Nico sentiu a tensão de Kayla e Austin aumentar. Os dois tinham precisado tomar uma decisão difícil sobre os planos de viagem deles mais cedo, e, ao subirem a Colina Meio-Sangue, Kayla e Austin avançavam mais devagar.

— Estou achando que talvez a gente devesse ter feito outra escolha — disse Kayla.

— Tem certeza de que a gente vai ficar bem, Nico? — perguntou Austin.

— Tenho — respondeu ele. — Quer dizer… ninguém nunca morreu nem nada.

— Isso não é tão reconfortante quanto você pensa — exclamou Kayla.

— Vocês vão ficar bem — tranquilizou-os Will, apoiando a mão no ombro de Austin. — Ouvi falar que é caótico, talvez um pouco nauseante, mas vocês vão chegar em casa em segurança.

Eles chegaram ao topo da colina, onde o Velocino de Ouro cintilava no galho mais baixo do pinheiro. Abaixo, a Estrada Rural 3.141 fazia uma curva na base do terreno, definindo o limite externo do acampamento. No acostamento

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de cascalho, ao lado de uma pilha de caixas e bolsas de viagem, estava Quíron, o diretor de atividades do Acampamento Meio-Sangue, sua parte inferior, equina e branca, resplandecente na luz da tarde.

— Aí estão vocês! — gritou o centauro. — Venham até aqui.

Nenhum deles se apressou. Estava óbvio para Nico que Kayla e Austin não estavam com pressa de ir embora do acampamento. Quase todo mundo já tinha voltado para a vida “normal”, menos… Bem, o que era normal para alguém como Nico?

Batalhas épicas.

Enfrentar constantemente a ameaça de derrota e morte.

Os mortos falando com ele.

Profecias.

A voz dos sonhos borbulhou dentro dele de novo, pedindo ajuda.

As palavras de Rachel Dare também o assombravam. Só ele e Will tinham ouvido o que o Oráculo havia profetizado algumas semanas antes, e Nico não tinha contado para mais ninguém ainda, nem mesmo para os outros conselheiros. Por que deveria contar? O Acampamento Meio-Sangue estava fora de perigo, sem nenhuma ameaça no horizonte. No momento, o mundo estava, até onde ele sabia, seguro de deuses furiosos e titãs rebeldes. Imperadores romanos maníacos ressuscitados não eram mais algo com que se preocupar.

A profecia só envolvia aquela voz solitária nos sonhos dele, suplicando por ajuda.

Em específico, pela ajuda de Nico.

— Alguns dos sátiros trouxeram suas coisas — disse Quíron quando os quatro semideuses se juntaram a ele na estrada. — Eles desejam que vocês tenham a sorte de fazer uma boa viagem.

— A gente talvez precise mesmo — resmungou Kayla. — Quíron, só fala a verdade. As Irmãs Cinzentas não vão matar a gente, né?

— O quê? Não! — Ele estava com uma expressão perplexa. — Pelo menos elas não mataram ninguém até agora.

— Você e Nico! — gritou Austin, erguendo as mãos. — Vocês dois acham que isso é uma coisa aceitável de dizer para a gente?

O sorriso de Quíron enrugou o entorno de seus olhos.

— Ora, ora, vocês são semideuses. Vão ficar bem. Tentem dar uns dracmas de gorjeta no começo da viagem. Ouvi falar que isso ajuda a tornar a experiência menos… intensa.

11 O SOL E A ESTRELA

Ele enfiou a mão no bolso do colete de arquearia, tirou uma moeda de ouro e a jogou na estrada.

— Pare, ó Carruagem da Danação!

Assim que Quíron terminou de falar, o táxi chegou.

Ele não se aproximou rapidamente nem chegou devagar. Só apareceu. A moeda afundou no chão, filetes de fumaça subiram, o asfalto tremeu e o táxi das Irmãs Cinzentas se materializou. Parecia um táxi, mas as bordas rodopiavam e oscilavam se você olhasse por tempo demais. Nico tinha ouvido tudo das experiências de Percy, Meg e Apolo com aquele meio de transporte. Eles tinham contado repetidas vezes que preferiam até a viagem nas sombras dele ao pesadelo agitado e indutor de vômito que era andar naquele veículo. As Irmãs Cinzentas tinham um longo histórico de detestar heróis, e àquela altura elas viam todos os habitantes do Acampamento Meio-Sangue como potenciais heróis a serem detestados.

Nico não queria admitir para os outros, mas tinha encontrado as irmãs várias vezes sozinho, e até gostava delas. Eram chatas. Difíceis. Faziam sempre as coisas do jeito delas. Caóticas, mas estranhamente confiáveis. O lado sombrio delas ficava na cara. Pelo amor de Estige, todas as três compartilhavam um único olho. Como Nico poderia não gostar delas?

As irmãs estavam no meio de uma discussão quando uma das portas de trás foi aberta.

— Eu sei muito bem o que estou fazendo, Vespa — disse a senhora idosa sentada na frente, o cabelo grisalho cheio de frizz caindo na cara. — Quando é que eu não soube o que estava fazendo?

— Ah, ah! — gritou Vespa, que estava sentada na frente, no meio. — Que exuberante. Que opinião exuberante, Tempestade!

— Você sabe o que significa exuberante? — retrucou Tempestade. A motorista soltou um grunhido dramático.

— Vocês duas são crianças? Podem parar de falar?

Tempestade ergueu as mãos e fez a melhor imitação que pôde da motorista (o que confundiu Nico, pois todas falavam de um modo quase idêntico).

— Ah, meu nome é Ira e eu sou tããão madura.

— Eu vou comer o olho — avisou Ira. — Não duvide.

— Você não faria isso — rebateu Vespa.

— Com sal e pimenta e um pouquinho de páprica! — ameaçou Ira. — Não duvide!

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— Oi — disse Austin, erguendo a caixa do seu saxofone. — Será que dá para abrir o porta-malas? A gente tem bagagem.

As três Irmãs Cinzentas se viraram para o garoto e bradaram ao mesmo tempo:

— NÃO!

E voltaram à discussão. Nico decidiu naquele momento que aquelas eram as pessoas favoritas dele no mundo todinho.

Ainda assim, ele se solidarizava com Kayla e Austin. Quando Quíron foi abrir o porta-malas, os dois semideuses pareciam mais assustados que em qualquer momento do ano anterior.

— Vocês têm certeza de que não querem que eu leve vocês para Manhattan numa viagem nas sombras? — ofereceu Nico.

Will suspirou e falou:

— Nico, você não pode usar a viagem nas sombras como transporte público. Vai te esgotar.

— Está tudo bem, Nico — disse Kayla, parecendo estar se esforçando para acreditar nisso. — Nós vamos ficar bem.

— Além do mais, vamos para lugares diferentes — completou Austin. — Minha mãe vai me encontrar no norte. Consegui entrar em uma academia no Harlem, e ela alugou um apartamento ali perto para a gente!

— Parece um bom lugar para ir — comentou Will. — Não muito longe daqui.

— E tem tanta história para explorar no Harlem — acrescentou Austin. — Dizem que um dos clubes onde Miles Davis tocava reabriu!

Nico assentiu sem muita empolgação. Não tinha a menor ideia de quem era essa pessoa. Era um dos lados ruins de não passar muito tempo no mundo “humano”.

— E você, Kayla? — perguntou Quíron, guardando o equipamento de arco e flecha dela no porta-malas.

— Vou voltar para Toronto. Meu pai queria que eu fosse para casa, e já tem um tempo que não vou mesmo. Estou bem animada, para ser sincera. — Os olhos dela brilharam. — Ainda mais para provar que agora estou melhor do que ele no arco e flecha!

Austin se virou para Nico e Will.

— Então… vocês dois vão mesmo ficar aqui?

13 O SOL E A ESTRELA

Nico esperava que Will respondesse primeiro. O sol descendo atrás das colinas a oeste fazia o cabelo louro cacheado do namorado parecer em chamas. Por um momento, Nico se perguntou se Will estava usando o poder de brilhar no escuro.

Nico até ficou meio indignado. Por que Will tinha que ser tão lindo o tempo todo?

— Acho que vamos — respondeu Will, segurando a mão de Nico. — Minha mãe vai fazer turnê do álbum novo no outono, e não sei se quero ficar sacolejando pelo país dentro de uma van.

— Pode ser divertido — contrapôs Austin. — Espero que um dia eu consiga fazer isso também.

Kayla assentiu.

— Eu queria saber como seria ver outros lugares sem o medo de uma estátua assassina te matar.

— Ah, para com isso — disse Nico. — Qual seria a graça de viver assim?

— Vocês vão entrar no carro? — rosnou Tempestade. — Ou estão nos pagando para escutar sua conversinha chata?

Ela estava com parte do corpo para fora da janela, com uma das mãos esticada, impaciente. Austin pagou com três dracmas, o que incluía uma gorjeta boa, como Quíron tinha sugerido. Tempestade examinou as moedas por um momento (Nico não sabia como, pois ela não tinha olhos por trás daquela cortina grossa de cabelo grisalho) e grunhiu. Ela voltou para dentro do carro.

— Entrem — mandou.

Houve abraços apressados e beijos nas bochechas, e Austin e Kayla se acomodaram no banco de trás do táxi das Irmãs Cinzentas. As três não pararam de discutir nem por um segundo.

Kayla deu uma olhada no interior do carro.

— Nós já vivemos aventuras piores — disse ela para os amigos do lado de fora.

— Já? — indagou Austin.

— Mudando de assunto, espero ver vocês logo — retomou Kayla. — E não se metam em confusão, vocês dois.

Austin se inclinou sobre Kayla e botou a cabeça para fora, uma empolgação travessa no rosto.

— Mas, se houver confusão…

Will acenou para eles.

— Vocês vão saber. Prometo.

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— Tomem cuidado! — gritou Quíron.

— Dirija, Ira! Dirija! — berrou Vespa. — Não é isso que você faz? Sinceramente, por que você se senta aí se nem…

As palavras dela se perderam quando o táxi deu um pulo e desapareceu em uma mancha cinza.

É. Nico amava as irmãs.

— Então é isso — disse Will. — Eles foram os últimos, né?

— Foram — respondeu Quíron. — Fora alguns funcionários, os sátiros e as dríades, o Acampamento Meio-Sangue está… vazio.

O velho centauro pareceu meio perdido. Até onde Nico lembrava, desde que tinha chegado ali aquela era a primeira vez que não havia semideuses presentes. Fora ele e Will, óbvio.

— Isso é estranho — comentou Nico. — Muito estranho.

— Muita coisa aconteceu nos últimos anos — disse Quíron, com melancolia. — Eu entendo mais do que nunca por que os campistas quiseram ir para casa ficar com as famílias ou ver o mundo.

— É… — concordou Nico.

— Agora, cavalheiros — disse Quíron, limpando a poeira do colete —, tenho uma reunião com Juníper e as dríades sobre fungo lignolítico. Um assunto interessante, garanto. Vejo vocês no jantar?

Eles assentiram e acenaram quando Quíron saiu galopando.

— E aí — disse Nico —, o que a gente vai fazer agora?

Will, ainda segurando a mão dele, guiou-o colina acima.

— Bom, a gente não tem nenhum monstro para matar.

— Que coisa sem graça. Eu bem que podia levantar um exército de esqueletos e botar todo mundo para dançar. Aposto que consigo ensinar a coreografia de “Single Ladies” se você quiser.

Will riu.

— Nós também não temos nenhum imperador romano para localizar e destronar.

Nico fez uma careta e falou:

— Ugh. Gosto nem de lembrar. Se eu pudesse passar o resto da vida sem nem pensar no nome do Nero de novo, ficaria feliz.

— Que piada engraçada — disse Will quando eles chegaram ao topo.

— Qual?

15 O SOL E A ESTRELA

— Você — respondeu Will. — Feliz. Nico revirou os olhos.

— Minha bolinha rabugenta de trevas — acrescentou Will, cutucando as costelas dele.

— Eca, que nojo — disse Nico, se afastando dele. — Nós não vamos começar com esse apelido.

— Você já esqueceu que eu já fui sua, e vou citar você aqui, Nico, “alma geniosa”?

— Ah, você ainda é — disse Nico, e Will saiu correndo atrás dele colina abaixo, voltando para o acampamento.

Naquele momento, Nico se permitiu apreciar a sensação. O namorado estava certo: não havia ameaça nenhuma no horizonte. Nenhum Vilãozão. Nenhum semideus traidor à espreita, nenhum monstro escondido esperando para destruir o Acampamento Meio-Sangue.

Mas o medo arrepiou a pele de Nico. O corpo dele estava dando um aviso, não estava? Não fica relaxado demais, dizia para ele. Ele está te esperando no Tártaro. Ou você se esqueceu dele, como todo mundo?

Talvez aquele período de descanso não fosse algo tão bom assim. Se Nico não tivesse um monstro ou vilão terrível com quem lutar, que desculpa ele tinha para ignorar mais a voz?

A verdade é que ele não poderia ignorá-la nem se quisesse. Tinha sido visitado por muitos fantasmas ao longo dos anos. Os mortos queriam ser ouvidos, e quem melhor para ouvi-los do que o filho de Hades?

Mas aquela voz… não era de ninguém que tivesse falecido. E Nico nunca tinha ouvido alguém pedir ajuda de forma tão desesperada.

O humor dele estava diferente quando ele e Will chegaram ao pavilhão de refeições depois de darem uma paradinha nos chalés para um banho. Era estranho estar naquele lugar que em geral era tão cheio de vida. Agora, só havia algumas dríades e harpias espalhadas pelas várias mesas. O diretor do acampamento, Dioniso (sr. D., para todos eles) estava relaxando à mesa principal com Quíron, que tinha conseguido chegar antes deles para o jantar. Os dois administradores estavam tão absortos na conversa que nem deram muita atenção quando Will acenou.

Nem mesmo os sátiros que serviram Nico e Will pareciam muito animados.

— Este lugar parece a minha alma — disse Nico para o namorado. — Você sabe, vazio e sombrio.

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Will deu algumas mordidas em seu kebab de frango.

— Você não é vazio — disse ele, e apontou para Nico com o espeto. — Mas sombrio você é mesmo.

— Sombrio como os poços do Mundo Inferior.

Will olhou para baixo, concentrado na comida como se fosse a coisa mais interessante que já tinha visto.

— A gente não precisa falar disso se você não quiser — sugeriu Nico.

Will conseguiu abrir um sorriso. Seu entusiasmo era genuíno, como sempre, porque o garoto era basicamente um raio de sol literal, e deixou Nico mais leve.

— A gente pode conversar sobre isso. Só que talvez não agora, Nico. Austin e Kayla acabaram de ir embora. O acampamento está calmo. Sereno. Silencioso. Vamos curtir o descanso, tá bem?

Nico assentiu, mas não sabia como poderia fazer o que Will tinha pedido. Quando é que ele tinha tido um descanso? Quando não eram imperadores romanos, era o pai dele. Ou Minos. Ou sua madrasta, Perséfone. Havia anos que aquele incidente em específico tinha acontecido, mas ele ainda se irritava ao lembrar que tinha sido transformado em dente-de-leão. Um dente-de-leão! Era uma afronta à estética dele!

E havia mais coisas das quais ele não queria se lembrar. Coisas mais sombrias. Fantasmas que provavelmente o visitariam em algum momento. Nico sufocou tudo, formando uma bolinha rabugenta de trevas dentro do peito. Em seguida, forçou um sorriso enquanto ouvia Will falar sobre todas as coisas que eles poderiam fazer naquele outono no acampamento.

Seria legal. Tudo ficaria bem.

17 O SOL E A ESTRELA

SEMPRE APARECIA DE REPENTE nos sonhos de Nico.

Quando ele confessou pela primeira vez para Will que estava ouvindo uma voz mais assombrada que o normal vinda do Mundo Inferior. Nico se perguntou, apreensivo, se teria sido melhor não dizer nada. Às vezes, Will parecia não entender como era para Nico ser… bem, Nico. O Mundo Inferior assustava Will, para falar a verdade, mas Nico precisava contar para alguém o que estava acontecendo.

Meses antes, Nico tinha sentido a morte do amigo Jason Grace, e isso o jogou em uma espiral de luto e raiva. Quando Lester e Meg chegaram ao Acampamento Meio-Sangue no começo do verão, as emoções de Nico estavam tão voláteis que ele tinha erguido os mortos mais de uma vez sem querer. (Não há nada mais desconcertante do que acordar de manhã e encontrar um zumbi recém-encarnado ao seu lado, pronto para anotar seu pedido de café da manhã.)

Will o escutou com atenção, como sempre fazia. Depois, fez algumas perguntas, a maioria focada em saber se a voz tinha alguma coisa a ver com os flashbacks que o namorado também vinha tendo ultimamente. Will ficou em silêncio por um tempo e então perguntou:

— Tem certeza de que não é o transtorno de estresse pós-traumático?

Às vezes, o cérebro de Nick pensava em uma piada que saía pela boca um segundo depois sem passar por qualquer espécie de filtro. E foi exatamente isso que aconteceu quando ele falou de repente:

— Toda a minha vida é um transtorno!

Will não riu disso.

Ele sugeriu que talvez Nico devesse conversar com o sr. D. Mesmo com todos os defeitos de Dioniso, ele era um deus olimpiano com experiência naqueles assuntos: sonhos, visões e estados de consciência alterados.

Ele também é o deus da loucura, pensou Nico, que tentou não ficar pensando nisso, nem nas possíveis insinuações por trás da sugestão de Will.

CAPÍTULO 2

— Eu preferiria fazer quase qualquer outra coisa — retrucou Nico. — Aquele cara algum dia já conseguiu terminar uma conversa sem sarcasmo, insulto ou uma combinação das duas coisas?

Will sorriu e retrucou:

— Você consegue?

Nico tinha passado o resto do dia tentando se recuperar do assassinato que Will tinha executado com aquelas duas palavras. Ainda assim, havia alguma verdade no que o namorado tinha dito. Não era a primeira vez que ele tinha sofrido de flashbacks ou TEPT. Lembrava-se de orientar a irmã Hazel Leves que em relação aos flashbacks terríveis dela depois de passar um tempo no Mundo Inferior. Ele havia até tido uma conversa franca com Reyna Avila Ramírez-Arellano sobre estresse pós-traumático e como havia uma conexão entre o transtorno e as lembranças do pai dela, mas nunca tinha voltado o olhar para si. Estaria ele lidando com o mesmo tipo de coisa? Sinceramente, como poderia não estar? Ainda assim, ele tinha certeza de que a voz era outra coisa.

Depois do jantar no dia em que revelou o que estava acontecendo para Will, Nico reuniu coragem e foi falar com o sr. D. Ele contou ao diretor sobre seus flashbacks durante o dia, os sonhos repetitivos, a voz das profundezas do Tártaro. (Mas não contou os detalhes da profecia do Oráculo. Isso ainda doía muito, era pessoal demais para uma primeira conversa.)

O sr. D se recostou na cadeira e girou a lata de Coca Zero nos dedos. Com o cabelo preto desgrenhado, a pele manchada e a camiseta do acampamento com estampa de oncinha e amarrotada, Dioniso parecia mais alguém que foi para Vegas e voltou com uma ressaca monstruosa do que um deus.

Para surpresa de Nico, o sr. D não o mandou ir embora nem fez nenhum comentário ferino às suas custas.

— Nós precisamos entender isso a fundo. — Os olhos violeta do sr. D eram perturbadores, como vinho cristalizado… ou sangue. — Quero ver você todas as manhãs depois do café da manhã. Você tem que me relatar seus sonhos e me manter atualizado se alguma coisa nova surgir.

A bola de trevas no peito de Nico aumentou e começou a descer até a barriga. Ele teria preferido que o sr. D fosse desdenhoso e cruel. Ver o deus tão sério era preocupante.

— Todos os dias? — perguntou ele. — Tem certeza de que é necessário?

— Acredite em mim, Nico di Angelo, eu preferiria que meu café da manhã não fosse estragado pelos seus problemas mortais bobos, mas, sim, é necessário, se você quiser manter sua consciência intacta. E tente ter sonhos interessantes,

19 O SOL E A ESTRELA

está bem? Não a coisa entediante de sempre, tipo eu estava voando, eu estava sendo perseguido, eu estava cantando em um palco de cueca, essas coisas.

Então, tornou-se rotina. O sr. D conversava com Nico todas as manhãs, o prato do deus cheio de linguiças e ovos enquanto o de Nico costumava estar vazio, exceto por alguns morangos. Isso também preocupava o sr. D, que, sendo o deus das festividades, reprovava quando alguém não apreciava comida.

— Sei que você tem essa coisa de “filho de Hades magro e pálido”, mas continua sendo humano. Precisa comer.

Nico deu de ombros.

— Acho que estou acostumado a estar com fome. Não me incomoda.

O sr. D grunhiu.

— Mas seu apetite está piorando. Junto com os flashbacks e a voz na sua cabeça…

— Não é nada que eu não possa resolver — insistiu Nico.

O sr. D afastou o próprio prato e se virou para o semideus.

— Olha aqui, garoto. Depois de viver em exílio no Acampamento Meio-Sangue por tantos anos horríveis, aprendi que vocês, mortais, são surpreendentemente resilientes.

— Isso mesmo… — disse Nico.

O sr. D levantou a mão.

— Eu não acabei. Você pode ser resiliente, mas continua sendo humano. Não há necessidade de se punir com fome só porque você está acostumado com isso. Para sua mente se curar, seu corpo precisa se curar também.

Nico resmungou. Seu estômago roncou em seguida.

Havia alguns dias nos quais Nico não conseguia contar os sonhos para o sr. D. Eram dolorosos demais, cruéis demais, traziam à tona lembranças antigas que ele não queria examinar. Mas, em outras vezes, Nico tinha que admitir que conversar ajudava. Ele descobriu que não precisava suavizar nada com Dioniso. A mesma grosseria que ele achava irritante no diretor do acampamento era bem útil quando Nico estava contando seus flashbacks.

— Minha nossa — disse o sr. D uma vez, depois que Nico contou um pedaço de sonho que tinha menos a ver com cantar de cueca e mais com simultaneamente se queimar, se afogar e ser esmagado dentro de um vaso de bronze gigante cheio de formigas. — Que maravilha! Preciso me lembrar de dar esse pesadelo aos meus piores inimigos.

No entanto, nenhuma das conversas chegava ao cerne da questão: por que aquelas visões estavam acontecendo com Nico?

Ele as merecia?

20 RICK RIORDAN & MARK OSHIRO

NA NOITE SEGUINTE À partida de Kayla e Austin, Nico ficou acordado até bem depois de Will ter ido para o chalé de Apolo. Sua mente ainda estava agitada, e ele estava com medo de dormir. Semideuses sempre tinham sonhos vívidos e às vezes proféticos, mas, quando ele dormia, a voz ficava quase insuportável.

Me ajude, por favor!, gritava. Eu preciso de você, Nico di Angelo. Eu preciso de você.

Bom, todos os fantasmas que o visitavam também. Os mortos só queriam ser ouvidos, ainda mais se não haviam sido ouvidos durante a época deles na terra. O Mundo Inferior era cheio de almas vagando pelos Campos de Asfódelos, pedindo atenção.

Mas aquela voz não estava morta. Parecia mais distante até do que Asfódelos, mais torturada que a de qualquer fantasma. Estava gritando do Tártaro, a área mais escura e mais profunda do Mundo Inferior. E ninguém gritava do Tártaro. Só podia ser o titã Bob.

Nico se lembrava de quando se conheceram: no Natal quase três anos antes, quando Nico, Percy Jackson e Thalia Grace receberam de Perséfone a tarefa de buscar a espada desaparecida de Hades. Para fazer isso, eles tiveram que lutar com Jápeto, um titã libertado das profundezas do Tártaro. O titã poderia ter matado os três, mas, com o que restava de força, Percy empurrou Jápeto no rio Lete, o que apagou todas as lembranças dele. Percy rebatizou-o de Bob e convenceu o titã de que eles eram bons amigos. Por mais estranho que pareça, a nova identidade pegou

Nico tinha visitado Bob várias vezes desde então lá no Mundo Inferior. O titã agora gentil tinha assumido um trabalho de zelador no palácio de Hades e parecia bem feliz de passar o tempo varrendo ossos e tirando o pó de sarcófagos. Ele e Nico desenvolveram uma amizade estranha. Os dois se sentiam desconectados do passado, pouco à vontade com outras pessoas e melancólicos ao pensarem no “amigo” mútuo Percy Jackson, que nunca parecia lembrar que eles existiam.

CAPÍTULO 3

Aí, um ano e meio antes, Percy e Annabeth caíram no Tártaro. Bob sentiu o perigo que os rodeava e mergulhou no abismo para ajudá-los. Ele afastou um exército de monstros para dar a Percy e Annabeth a chance de voltarem ao mundo mortal. Ninguém tinha certeza do que tinha acontecido a Bob depois, se ele tinha morrido ou, de alguma forma, sobrevivido.

Mas quase todos os dias nos três anos anteriores, Nico pensou em Bob. Ele sentia culpa. Deviam tê-lo salvado. Alguém devia tê-lo tirado do Tártaro. Como eles puderam apenas deixá-lo lá depois que ele salvou Percy e Annabeth e… bem, quase o mundo todo?

Talvez Will e o sr. D estivessem certos. Talvez a voz de Bob fosse um eco errado, uma manifestação do transtorno de estresse pós-traumático de Nico.

Mas isso não explicava a profecia.

Era nisso que Nico estava pensando quando o sono finalmente o envolveu.

Nico estava no escuro. Qual era a novidade?

Ele tivera esse sonho tantas vezes que achava que sabia o que viria em seguida.

Só que… não naquela noite.

No vazio, Nico ouviu o próprio nome.

Nico.

Uma voz diferente de antes, só que tão familiar…

Caro Niccolo.

Ele se mexeu na cama quando a sombra o envolveu. Ninguém o chamava de Niccolo. Ninguém exceto…

Niccolo, vita mia…

As sombras pressionaram mais o rosto dele. Ele não conseguia respirar.

Ele não ouvia aquela voz havia anos. Décadas.

Mamma.

Estou aqui!, tentou gritar Nico. Por favor, não vá embora!

Vita mia, repetiu ela. Devi ascoltarmi.

Nico não conseguia entender o que ela estava dizendo. Ele era italiano, sim. Aquele era o idioma nativo dele. Mas sua mente se arrastava, como se a escuridão tivesse penetrado no crânio dele.

RIORDAN 2 RI CK R IO RD AN & M AR K OS HI RO

Finalmente, o significado ficou evidente.

— Estou escutando, mãe! — respondeu ele.

Ele se debateu, tentando se libertar do casulo grosso de sombras.

ASCOLTA!, gritou a voz.

ESCUTA!

Nico caiu.

Despencou em um ninho macio e quente de cobertores. Estava de volta à cama do acampamento? Ele se sentou e…

Luz. Em uma mesa de cabeceira marrom laqueada, um abajur de leitura feito de aço lançava um brilho amarelo em um quarto estranhamente familiar. Cortinas pretas que bloqueavam a luz. Uma televisão de tela plana. Um papel de parede listrado em dourado e creme parecendo grades douradas de prisão.

Calma. Não. Era…?

Ele pegou o cartão plastificado na mesa de cabeceira.

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Não. Não, não, não!

Ele se virou devagar na cama king size, lembrando que o colchão fazia rangidos ocos e metálicos sempre que ele se mexia.

Ele a sentiu antes de vê-la, dormindo na cama ao lado.

Sua irmã Bianca. Ela parecia tão em paz, o peito subindo devagar com a respiração, o cabelo escuro espalhado no travesseiro. Nico tentou abrir a boca, tentou chamá-la, mas sua voz não funcionou. Havia alguma coisa aparecendo na borda do edredom no ombro de Bianca. Era… a aljava dela? Nico puxou as cobertas e viu que a irmã estava vestida para batalha, com as botas, a jaqueta e as flechas.

Estava tudo errado. Bianca só tinha se tornado Caçadora de Ártemis depois da época que eles passaram no Cassino Lótus. Ela fez o juramento… e deixou Nico pela última vez. Se ele pudesse alertá-la, impedir que ela fizesse aquelas escolhas…

Acorda!, ele tentou gritar, mas seus lábios não se abriram. Nico levou a mão direita até a boca. Medo se incrustou em seu estômago.

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Ele pulou da cama e tropeçou quando as pernas se embolaram no edredom, depois correu para a luz forte do banheiro. Apoiou as mãos no espelho de maquiagem. Quando seus olhos se ajustaram…

Nico quis gritar, mas não podia. Ele não tinha boca, literalmente. Embaixo do nariz, onde ficavam os lábios, havia uma linha pálida, uma cicatriz.

Isso é um sonho, disse para si mesmo. Um sonho. Acorda, acorda, acorda!

Seu reflexo apavorado e alterado continuou o encarando. Pela milésima vez, Nico desejou ter herdado a magia de sonho de Hades. Assim, poderia controlar o que via. Ele já estaria acordado. Poderia contar a Will e ao sr. D sobre os pesadelos, minimizar a importância deles e voltar a negar a voz do Tártaro. Seria tão mais fácil.

Em vez disso, ele voltou trôpego para o quarto. A cama estava vazia agora. Bianca? Para onde você foi?

Mas ele não conseguia gritar. Não conseguia dizer nada.

Nico deu mais um passo na direção da cama e despencou através do chão.

De novo, ele caiu.

Dessa vez, ao aterrissar, ele bateu em algo muito sólido. O ar sumiu de seus pulmões, e ele abriu os olhos e se viu encarando…

O céu.

Um céu azul intenso, emoldurado por fileiras de cabos de suspensão de aço.

O quê?, pensou ele. Onde estou?

Suas mãos empurraram a superfície embaixo dele. Estava quente e áspera. Asfalto. Uma rua. Ele viu carros dos dois lados. Nico se levantou em pânico, certo de que seria atropelado.

Mas os veículos estavam parados.

Ele se aproximou de um deles com hesitação e ficou ainda mais confuso ao ver que o banco do motorista estava vazio. Todos os carros pareciam abandonados: duas fileiras congeladas de trânsito e, ao longe, a paisagem dos prédios de Manhattan. O vento balançou a roupa de Nico. O asfalto oscilava suavemente enquanto, acima dele, os cabos de metal cinza-azulado de sustentação vibravam como cordas de guitarra gigantescas. Caminhos de pedestres dos dois lados da rua estavam bloqueados por barreiras vermelhas. Mas não havia gente em lugar nenhum. Bem abaixo, o rio East ondulava na luz do sol.

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— Tudo bem, sonho — murmurou ele. — Por que estou em uma ponte de Nova York?

Assim que falou, Nico percebeu duas coisas.

A primeira era que ele conseguia falar de novo. Sua boca não estava mais grudada.

A segunda era que aquela era a ponte Williamsburg.

Ah, não, pensou ele. Não, eu não quero viver esse dia de novo. .

Houve um rugido às suas costas, e seu sangue gelou. Ele se virou e viu o impossível.

A figura era alta e dourada, porém não de um jeito atraente como Will, mais de um jeito não natural, apavorante, estilo vou matar você. Tinha mais de 2,70 metros, um rosto cruel e atemporal, olhos dourados derretidos e armadura brilhante. Nas mãos, cintilava uma foice enorme.

Cronos.

— Isso não faz sentido.

Nico recuou, o coração disparado enquanto o titã andava na direção dele, com uma horda de monstros e semideuses aliados atrás. Era raro que sonhos fizessem sentido, mas aquele… Nico não estivera na ponte Williamsburg durante a Batalha de Manhattan. Só tinha ouvido que Percy tinha derrubado o centro da ponte para impedir a invasão de Cronos.

Cronos encarou Nico. O titã abriu um sorriso hediondo, como se pudesse ler o pensamento de Nico. Ele ergueu a foice.

— Não!

Nico se virou para correr para Manhattan, para longe do exército de Cronos, que avançava.

Mas eles estavam no caminho.

Percy.

Michael Yew.

Annabeth.

Will… com aparência bem mais jovem e uma expressão de pavor.

Nico ficou paralisado, preso entre as linhas de batalha. A ponte oscilou embaixo dele.

— Isso não é real — disse Nico para si mesmo. — Eu não estou aqui.

— Escuta. — Percy deu um passo à frente, forçando Nico a avançar na direção de Cronos.

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— Percy, o que é isso? — Nico levantou as mãos na defensiva. — O que você está fazendo?

— Você precisa ouvir — disse Michael Yew, os olhos castanhos intensos cheios de lágrimas. — Se você não ouvir, vai ter o mesmo destino que eu.

— Mau agouro a essa hora? — rosnou Nico.

Ele se virou, mas Cronos estava muito perto, mexendo a foice como uma lâmina de guilhotina.

— Escuta! — ordenou o titã.

— Eu estou escutando! — Nico estava furioso. — Quem quer que esteja tentando falar comigo, fala logo o que quer!

A foice de Cronos encontrou o rosto dele.

Nico estava no escuro. De novo.

Àquela altura, ele estava só irritado. Havia um limite de terror e infelicidade que uma pessoa podia aguentar antes de tudo começar a ficar realmente desagradável. Aqueles pulos de sonhos entre lembranças e eventos pareciam tão desnecessários.

Eu entendi a mensagem!, pensou ele. Eu vou ouvir! Isso não basta?

Uma luz apareceu, suave e roxa.

— O que…?

Nico pegou a espada de ferro estígio e deixou que o brilho dela iluminasse os arredores. Ele estava enfiado em um espaço em formato de ovo onde mal cabia. As paredes metálicas eram frias. Na frente dele, havia três marcas grandes de jogo da velha entalhadas em bronze.

— Não — disse ele em voz alta, e o som da própria voz ecoou até ele. — Só pode ser brincadeira.

O sonho de Nico o tinha levado de volta ao jarro em que os gigantes Efialtes e Oto o tinham colocado para servir de isca para os sete semideuses da profecia. Logo, se conclui que aquela não era sua lembrança preferida.

— Aqui? — gritou Nico. — Por que você está me fazendo reviver isso?

Ele fechou os olhos e bateu na lateral da cabeça. Acorda, Nico! Acorda!

Abriu os olhos de novo. Ainda estava no jarro e, aos seus pés, havia uma única semente de romã. Seu estômago se contraiu. O pânico fechou a garganta. Ele se lembrava das horas sem fim no jarro, tomado de fome e sede, se

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perguntando quanto tempo aguentaria até comer aquela semente de romã, o último alimento que tinha.

— Ei, inconsciente? — chamou Nico. — Se você está tentando me fazer perceber alguma coisa, esse é um jeito terrível de fazer isso.

Ele foi recebido com silêncio.

De repente, um grito horrível surgiu no jarro quando a tampa foi aberta. Uma luz forte entrou. Nico fez uma careta e cobriu os olhos. Aquilo não tinha acontecido no mundo real. O jarro só tinha sido aberto quando virou, logo antes da luta com Efialtes e Oto.

Nico tentou descobrir os olhos, mas a luz acima ainda estava forte demais. Considerando a lógica estranha da viagem pelos sonhos, ele não ficaria surpreso se o Monstro do Biscoito aparecesse na boca do jarro, enfiasse a mão dentro e comesse Nico como o biscoito com gotas de chocolate que ele era.

Na verdade, o Monstro do Biscoito não apareceu.

Foi Percy Jackson.

Nico estudou o rosto de Percy, emoldurado por cabelos pretos desgrenhados. Os olhos verdes estavam tempestuosos, exalando preocupação.

Houve uma época em que só de pensar em Percy Nico sentia um poço intenso de desejo nas entranhas. Era desejo não correspondido, óbvio, porque Percy nunca teria os mesmos sentimentos por Nico. Isso atormentou Nico por muito, muito tempo. Mas, depois de um período, ele se acostumou com a ideia de que queria coisas que não podia ter: Percy, Bianca, sua mãe, estabilidade… era tudo a mesma coisa. Superar Percy foi mais fácil do que Nico esperava. O que era um garoto hétero quando se passava a vida toda desejando o impossível?

Por mais bizarro que o sonho fosse, ver Percy foi reconfortante para Nico. Ele sentia saudade dos amigos e estava ansioso para sair daquele jarro idiota. Lembrava-se de como estava frágil e doente quando Piper o resgatou na vida real. Aquela vez parecia tão difícil quanto a primeira. Ele tentou esticar as pernas doloridas e se levantar para Percy poder puxá-lo.

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Os outros semideuses já deviam ter vencido Oto e Efialtes. Nico não conseguia ouvir nada fora do confinamento da prisão de bronze.

Nico esticou a mão para segurar a de Percy.

Mas Percy estava ainda mais longe. Mesmo de pé com os braços esticados, Nico não conseguia chegar à boca do jarro.

Ele olhou para baixo, e o coração foi parar na garganta. Ou a semente de romã tinha inchado até ficar do tamanho de uma maçã… ou Nico estava encolhendo!

Ele lançou mais um olhar para Percy…

Não, não! Seu amigo estava ainda mais longe! A boca do jarro agora parecia uma claraboia no alto do domo de uma catedral, e Percy estava do tamanho de um titã, espiando para ver o que os pequenos mortais estavam tramando.

Percy enfiou a mão gigante lá dentro. Nico pulou alto, desesperado para segurar um dedo do amigo sequer, mas ele continuava ficando menor e menor, as paredes do jarro enormes em volta dele.

— Pare! — gritou Nico.

Percy tirou a mão do jarro. Seu rosto desapareceu por alguns segundos. Quando voltou, seus olhos estavam vermelhos e vidrados.

Ele estava chorando.

— Nico — chamou. — Nico, escuta!

Nico queria gritar.

— Escutar é a única coisa que eu tenho feito! — A voz dele saiu metálica e estridente, como se ele tivesse sugado hélio de um milhão de balões. Só ficou pior ao ecoar pelo jarro.

— Você tem que ir — disse Percy.

O coração de Nico martelava o peito a cada batida.

— Ir para onde? — perguntou ele, embora temesse a resposta.

— Nós cometemos um erro — disse Percy. — Você precisa consertar.

O jarro se estilhaçou.

De novo, Nico caiu.

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NICO BATEU COM MUITA força em uma coluna de pedra. Em seguida, caiu no chão, sem fôlego, e tentou pegar a espada. Mas ela não estava lá.

Ele gemeu, e o som reverberou em um eco demorado e assombroso. Sua pele estava grudenta e úmida. Era suor? Sangue? Ele decidiu que não queria saber.

Enquanto seus olhos se ajustavam à luz fraca, ele viu um teto manchado de fumaça acima, uma abóbada cilíndrica que se prolongava entre fileiras de colunas de calcário.

Ele rolou para o lado. Raios de sol intensos entravam por uma fileira de janelas gradeadas altas, formando listras de sombras no chão. Foi essa imagem que despertou a lembrança de Nico e lhe revelou onde estava.

O garoto nunca tinha sonhado com aquilo. Na verdade, tinha feito tudo ao seu alcance para evitar pensar sobre aquele dia novamente.

Ele se levantou devagar.

— Cérebro, se você estiver fazendo isso, essas são as piores férias mentais de todos os tempos — comentou ele, com amargura.

Nada.

— Se for um deus ou semideus ou alguma outra coisa — acrescentou Nico —, você está começando mesmo a me irritar.

Nenhuma resposta.

Ali estava ele, de novo no porão daquela catedral cujo nome ele não lembrava, procurando…

Claro. O cetro de Diocleciano.

Só que… outra pessoa tinha ido com ele.

Ah.

Jason Grace.

Nico sentiu um novo buraco se abrindo na barriga. Na maior parte do tempo, o vazio era seu melhor amigo, mas havia uma lacuna no coração dele que nunca tinha sido preenchida desde que Jason… desde que ele…

CAPÍTULO 4

Nico engoliu em seco. Mesmo naquele sonho ridículo, o amigo estava morto.

Ele enxugou uma lágrima da bochecha.

— Chega, isso tem que parar — disse. — Por favor. Só me deixa acordar.

— Você ainda acha que é um sonho?

Nico se virou na direção da voz.

— Quem está aí?

— Para com isso, Nico di Angelo. Você não lembra?

Ele se inclinou para a frente até a fonte da voz aparecer.

Um busto de mármore de Diocleciano, no pedestal, o encarava. A cabeça do imperador ainda estava sobre os ombros, sem sinal de ter sido quebrada, o que fazia sentido na lógica esquisita daquele sonho. Sem Jason para quebrá-lo, o busto ainda estaria inteiro. As lembranças de Nico daquele dia tomaram conta dele, uma cachoeira de imagens e sensações que mantivera trancada no fundo da mente.

Uma delas veio à tona.

Jason segurando Nico e o erguendo no ar enquanto eles caçavam Favônio, o homem alado esquisito que estava comprando uma casquinha de sorvete na Dalmácia. As coisas pareciam bem mais simples naquela época. Ao se deparar com um deus do vento comprando sorvete, você o perseguia. Quando alguém tentava tocar em você, você reagia. Nico sempre odiou ser tocado. Assim que Jason o colocou no chão naquele dia, Nico berrou: Nunca mais me segure assim de novo!

Agora, olhando para aquele busto irritante do Diocleciano, Nico só queria sentir os braços protetores de Jason Grace o envolvendo. Mas Jason não estava lá.

Atrás de Nico, uma voz diferente perguntou:

— Está pronto?

Nico se virou de novo, e ali, encostado em uma das colunas, estava Favônio, o deus romano do Vento Oeste. Vestia as mesmas roupas que naquele dia: uma regata vermelha em cima de uma combinação horrenda de bermuda e sandálias alpercata.

— Você — rosnou Nico. — Sai do meu sonho.

— Ah, Nico — disse Favônio, balançando a cabeça. — Se fosse fácil assim.

— Nada é fácil para mim — disse Nico. — Eu aprendi a esperar isso.

— Então você sabe que eu preciso te levar para ver uma pessoa.

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Não havia alegria no rosto do deus, nenhum traço da empolgação e da avidez que Nico tinha visto no verão.

Favônio parecia estar com medo.

— Por favor, não — implorou Nico.

— Você precisa resolver isso, Nico.

O coração de Nico disparou com mais força no peito. O que veio depois no mundo real foi… bem, uma das piores coisas pelas quais Nico já tinha passado, o que era dizer muito sobre ele. Ele tivera que aguentar o Cupido, que não era um querubinzinho alado adorável. O deus intenso e intimidador do desejo obrigara Nico a confessar o que sentia por Percy Jackson na frente de Jason, tudo para que eles pudessem pegar o cetro.

A provação foi vital para vencer a guerra contra Gaia.

Também abriu um buraco em Nico que ainda não tinha cicatrizado.

— O que quer que seja isso — disse Nico —, eu captei a mensagem. Eu preciso ouvir. Eu estou ouvindo. Então não preciso passar por isso de novo.

— Você tem que falar com ele — disse Favônio. — Mas não pelo motivo que você pensa.

Nico tentou acalmar a respiração. Então se obrigou a perguntar:

— Jason vai estar lá?

Ele não sabia qual resposta seria mais sofrida: sim ou não.

A expressão do deus se fechou.

— Não, Nico. Ele morreu. — E acrescentou baixinho, quase para si mesmo: — Todos vão morrer um dia.

Sem dizer mais nada, Favônio se dissolveu em uma espiral de poeira e luz do sol. O vento envolveu Nico e o ergueu do chão. Mesmo em sonho, Nico odiou a sensação, como se seu corpo inteiro estivesse sendo fragmentado em átomos. Eles dispararam pelas menores frestas das janelas da igreja, dispararam pelo interior da Croácia sem dar bola para gravidade, massa ou estômago de Nico. Todos os pensamentos e sentimentos dele colidiam uns com os outros, tentando existir ao mesmo tempo na mente dele. Ele tinha literalmente se desfeito em um amontoado de emoções.

Pelo menos meus sonhos são coerentes com minha marca pessoal, pensou ele. E depois: Will odiaria essa piada.

O vento o colocou em uma colina com vista para as ruínas de Salona. Ao ser refeito, o corpo magro de Nico tremeu de náusea. Ele sentiu como se estivesse com Sísifo na garganta, empurrando eternamente a pedra pela encosta.

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— Ugh — disse ele, tossindo. — Essa sensação também é horrível em sonho. A risada desencarnada de Favônio flutuou ao redor dele.

— Olha só para você, ainda achando que isto é um sonho. Você é tão fofo quando está se iludindo, Nico di Angelo!

Nico odiava muito ser chamado de fofo. Mas não havia tempo para discutir. O vento sumiu, e Favônio não estava mais lá.

Nico observou as ruínas. Estavam iguaizinhas a antes: estruturas de prédios desmoronando e se desmantelando, filas de pedras cobertas de musgo… uma cidade romana que já tinha sido grandiosa então reduzida a um campo de rochas. Nico ainda não estava impressionado. Ele tinha visto ruínas demais ao longo dos anos, lembretes de como a criação mortal podia acabar reduzida a escombros num piscar de olhos.

Ele levantou as mãos.

— Vamos logo com isso! Cupido, estou aqui!

Nico esperou. Mas não houve nada. Nenhuma voz estrondosa e apressada o provocando, o coagindo a revelar seu segredo mais doloroso.

De repente, a voz do Cupido estava em toda parte: Você sabe o que precisa fazer.

As palavras zuniram pelo ouvido de Nico.

Ele tentou agir como se não estivesse abalado. Era só um sonho. Sobre um deus que tinha deixado Nico ferido, destruído, exposto… mas ainda assim um sonho. Des sa vez, ele não seria o entretenimento do Cupido.

Ele cruzou os braços.

— Eu entendi — disse. — Não preciso mais ser convencido. Vou para o Tártaro!

Isso não é suficiente, Nico di Angelo. Olhe para mim.

— Olhar para você? Mas eu achava que ninguém podia ver você na sua forma verdadeira!

Sem aparecer, o Cupido se chocou contra ele e lançou Nico para trás, direto em uma coluna quebrada.

Olhe para mim!

O Cupido estava tão perto que Nico sentia o hálito dele.

— Eu não consigo ver você! — gritou Nico. — Pare com esses jogos!

EU ESTOU AQUI.

A voz veio de trás dele agora, e todos os pelos do braço de Nico se arrepiaram. Foi uma reação instantânea, um medo tão primitivo que, sem nem pensar,

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sem dar o comando, Nico convocou esqueletos. Eles surgiram da terra abaixo dele, musgo e terra e decomposição pendurados nos ossos. Rodearam Nico, os braços esquálidos em posturas defensivas, prontos para lutar por ele.

Vire-se, Nico. Olhe para mim.

A voz tinha mudado de direção de novo. Nico não queria olhar. Ele não tinha motivo racional para acreditar, mas estava convencido de que, se visse o Cupido, ele morreria.

— Por favor, Nico. Olha para mim.

A voz tinha mudado. Era quente como o mel, como um pôr do sol do fim do verão, como o calor vindo de uma fogueira de acampamento.

Era o Cupido.

Não.

Era amor.

Nico se virou devagar, e ali estava Will Solace, o cabelo dourado iluminado de forma tão perfeita na luz digna de sonhos de Salona. Ele estava usando a camiseta vermelha de sol sorridente que Nico lhe comprara de brincadeira e aquele short camuflado com a barra desfiada. Andou descalço até Nico.

Lá no fundo, Nico desconfiava que ainda era o Cupido, fazendo joguinhos com ele, mas sua raiva diminuiu mesmo assim.

— Will — disse Nico. — Não estou entendendo. O que é isso?

— Escuta — pediu Will, aproximando-se.

— Eu estou escutando! Por que ninguém me diz o que tenho que ouvir?

Will esticou a mão, Nico também, mas antes que elas se tocassem, o namorado a puxou de volta.

— Você precisa fazer uma coisa, Nico — anunciou Will, os olhos suaves e tristes.

— Eu sei.

Will balançou a cabeça.

— É mais do que você pensa. Quando a hora chegar, me conta a verdade.

Nico riu. Havia um toque de histeria na voz dele, mas rir era a única reação que fazia sentido àquela altura.

— Claro, Will. Cupido. Cwill? Wipido? Como eu te chamo?

O rosto de Will se alongou como massinha, a boca se escancarou, cada vez mais, de modo que Will viu os dentes afiados como agulhas. Nico tentou recuar, mas a coisa, fosse o que fosse, pulou e gritou um último comando:

ACORDA!

33 O SOL E A ESTRELA

— Nico!

Ele abriu os olhos sobressaltado, mas não identificou a figura parada ao seu lado. Nico chutou com a perna direita, e infelizmente seu pé acertou a barriga do namorado.

Will berrou e caiu da cama, depois se encolheu no chão do chalé de Hades.

— Nico, eu juro... — gemeu Will. — Como você guarda tanta energia no corpo?

— Desculpa, desculpa! Você me assustou!

Will fez uma careta e se sentou.

— Acho que você inverteu as coisas. Eu ouvi sua gritaria lá do meu chalé!

Nico levou as mãos à cabeça.

— Eu… eu tive um pesadelo. Pesadelos, no plural. Muito ruins.

Nico sentiu um peso se acomodar na cama ao seu lado, levantou o rosto e encontrou Will.

— Desculpa pelo chute na barriga — disse o filho de Hades.

Will deu um sorriso, e um calor envolveu Nico.

— Posso te abraçar? Tudo bem por você?

Nico sentiu as bochechas queimarem de vergonha. Ele não gostava que Will o visse tão vulnerável, mas fez que sim com a cabeça, porque precisava superar o orgulho. Will o puxou para si, e Nico chorou baixinho junto ao peito do namorado.

— Está tudo bem. — Will passou a mão pelas costas de Nico. — Foram só sonhos.

Mas foram mesmo?, pensou Nico. Antes que pudesse contar os detalhes, a porta do chalé se abriu. Quíron estava de olhos arregalados.

— Ah… Ah, não, eu interrompi alguma coisa?

Nico se afastou de Will e secou o rosto.

— Não, não, está tudo bem — respondeu ele. — Nós só estávamos conversando.

— Bem… hã, tudo bem — disse Quíron, constrangido. — Sinto muito por aparecer tão tarde assim, mas temos uma emergência.

Nico fez uma careta.

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— Foram meus gritos? Eu invoquei sem querer um batalhão de esqueletos quando estava dormindo?

— O quê? Não! — Quíron hesitou. — Pelo menos, espero que não. Vamos falar sobre isso daqui a pouco. Primeiro, nós temos uma visitante que precisa urgentemente falar com você.

Quíron deu um passo para o lado, e o peito de Nico se apertou de medo quando Rachel Elizabeth Dare, o atual Oráculo de Delfos, entrou no chalé.

Ela puxou o capuz do moletom, e o cabelo ruivo lindo e comprido se espalhou ao redor de seu rosto. Rachel estava corada e com uma expressão exausta, como se tivesse corrido do Brooklyn até lá.

— Nico — disse ela. — Graças aos deuses. Você precisa ouvir.

Antes que ele pudesse protestar e dizer que já tinha recebido aquela mensagem em alto e bom som, tipo, um milhão de vezes naquela noite, uma fumaça verde-escura começou a sair da boca de Rachel.

35 O SOL E A ESTRELA

Nico di Angelo não tem uma vida lá muito fácil. Além de ser filho de Hades, o deus mais tenebroso do Olimpo, o jovem perdeu a mãe e a irmã, passou por poucas e boas no Acampamento Meio-Sangue e teve que se despedir de um dos melhores amigos. Ainda que nem tudo sejam flores, há uma luz no fim do túnel: Will Solace, seu namorado e filho de Apolo. Juntos, os dois semideuses conseguem enfrentar tudo e todos. Pelo menos até agora…

Das profundezas do Tártaro, o nível mais macabro do Mundo Inferior, uma voz solitária e atormentada implora pela ajuda de Nico, e o jovem tem uma suspeita de quem seja: um ex-titã chamado Bob que Percy e Annabeth tiveram que abandonar ao escaparem do lugar. Os sonhos cada vez mais frequentes de Nico e uma profecia macabra confirmam que Bob ainda vai ser fonte de muitos problemas, e logo o semideus se lança em uma missão arriscada e assustadora.

É claro que, sendo um ótimo namorado, Will decide acompanhar o amado. Mas como um ser feito literalmente de luz vai sobreviver em meio às trevas do Tártaro? E ao que a profecia se referia quando disse que Nico terá que deixar para trás “algo de igual valor”? Agora, o filho de Hades precisará confrontar verdades difíceis em seu relacionamento com Will enquanto luta contra demônios poderosos. Inclusive os que vivem dentro dele.

Nessa nova aventura do universo de Percy Jackson , o autor best-seller Rick Riordan se une a Mark Oshiro em uma história inesquecível e emocionante, um lembrete de que o amor é o verdadeiro triunfo da vida.

SAIBA MAIS:

https://intrinseca.com.br/livro/o-sol-e-a-estrela/

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