Astrologia do destino

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doente, impedia-a totalmente de desenvolver-se. É interessante que o sonho sugere que esse problema tirava as cores de sua visão da vida, pois ela só via em preto e branco um filme que todos os outros viam em cores. Ou talvez esta seja uma observação sobre sua capacidade de só entender as coisas num sentido "preto e branco". Ela, porém, não queria assumir a responsabilidade por essa mulher interior. Estou bastante segura de que ao fazer essa escolha — por mais compreensível que seja, considerando a dor inerente a essa autoconfrontação — ela invocou um destino externo, pois seu casamento já estava inquietamente abalado. A probabilidade de uma separação de fato aumentou, se não ficou inevitável, pois o marido já tinha começado a achar outras mulheres interessantes, e, se continuas-se a ampliar sua visão e não precisasse mais ser o "doente", provavelmente encontraria outra mulher capaz de favorecer sua masculinidade, em vez de contribuir para castrá-la. Esse é um caso triste e profundamente irônico, porque, do ponto de vista do mundo exterior, a esposa era um modelo de paciência e compaixão, e se ela fosse abandonada, o mundo culparia o marido. Minha analisada também nunca entenderia realmente por que uma coisa dessas deveria acontecer com ela. Mas não é possível tomar decisões pelos outros, nem poupálos de sofrimento. Poucas vezes vi um exemplo tão berrante de alguém que se defronta com o seu destino e lhe vira as costas. Fosse qual fosse a magia "natural" de Ficino, sem dúvida era uma tentativa de estabelecer uma ligação com as antigas imagens que surgem das profundezas da psique. Ficino acha que isso poderia contribuir para que o destino favorecesse mais o homem. A psicoterapia é, certamente, um local onde ocorre o encontro com o destino; mas talvez o mundo moderno tenha produzido coisas como a psicoterapia por termos perdido a capacidade de estabelecer nossas próprias ligações naturalmente, através do mito, da religião e do ritual. Assim, precisamos procurar nossos deuses lá dentro; ao fazê-lo, em vez dos deuses encontramos a nós mesmos e a nosso destino. Algo acontece quando se estabelece uma ligação entre um acontecimento externo e uma imagem interna. Se os padrões astrológicos moldam nosso destino, então eles não descrevem só o "corpo", mas também a "alma", pois esse destino é tanto interior quanto exterior. Por essa razão, nunca fiquei muito satisfeita com a abordagem platônica da astrologia, tal como sugerida por Margareth Hone. Da mesma forma, esse destino também não é potencial num sentido genérico, dependendo do grau de inteligência da pessoa para utilizá-lo. O homem violento de Ruth não é um potencial genérico. É uma compulsão, e ela não tinha escolha a não ser encontrá-lo e tentar chegar a um acordo com ele. Sua imagem é a do estuprador, e essa imagem arquetípica manifestou-se em sua vida em termos muito concretos. Isso dificilmente é "potencial" no sentido dado ao termo por Jeff Mayo. Agora gostaria de discorrer novamente sobre o passado e delinear o ponto de vista da astrologia com relação ao destino antes de Ficino começar a intrometer-se. A contribuição de Ficino ainda está conosco, pois sua linha passa dele para seu discípulo Pico della Mirandola, e daí para Cornélio Agrippa e Paracelso, e de Paracelso a Goethe, Mester e finalmente Jung. Mas as percepções de Ficino não afetaram o conjunto da astrologia, pois muitos de seus colegas persistiram na antiga visão do destino, com a velha solução platônica a seus problemas. A nossa astrologia moderna herdou esse ponto de vista. A arte horoscópica da Idade Média,

da qual o próprio Ficino era herdeiro, deriva de duas fontes básicas. A primeira é compreendida por Tetrabiblos e Almagest de Ptolomeu que, como seria de se esperar, estava firmemente enraizado na tradição platônica: O movimento dos corpos celestes, com certeza, é executado eternamente de acordo com o destino divino e imutável.69 Ptolomeu não é o único dos pais da astrologia, e talvez não seja o mais importante. Julius Firmicus Maternus escreveu o seu Mathesis no século IV a.D., quando o paganismo grego e romano, os cultos dos mistérios egípcios helenizados e do Oriente Próximo, a cabala e o gnosticismo dos judeus e dos cristãos primitivos, o dualismo persa e os primeiros Pais da Igreja estavam tecendo juntos, com teus fios religiosos de mil cores, uma grande colcha de retalhos de sincretismo, que só teve paralelo na Renascença de Ficino e, mais tarde, com Jung. Como Ptolomeu, Firmicus era um platônico confesso; diferentemente de Ptolomeu, era também um gnóstico cristão, e não é de surpreender que sua visão específica da astrologia fosse tão popular, ou mais popular, que a de Ptolomeu, durante a Renascença, já que ele admitia a importância da Trindade. O Matheseos Libri VIII (Oito livros sobre a teoria da astrologia) surge como a obra final e mais completa sobre astrologia no mundo clássico. Foi o elo básico entre a astrologia clássica e o pensamento medieval e renascentista. Firmicus usou Ptolomeu e muitas outras fontes do Oriente Próximo, e tinha muita coisa a dizer a respeito do destino. Suas recomendações sobre a astrologia preditiva tornaram-se parte integrante dos expedientes do astrólogo da Renascença. Nós, os astrólogos modernos, naturalmente temos muita vontade de repudiar todos esses clichês medievais, principalmente os clichês a respeito do destino, porém existe um obstáculo muito importuno. As previsões desses astrólogos fatalistas da Renascença tinham um grau invulgar de precisão. Mas há um aspecto ainda mais fascinante. As configurações sobre as quais essas previsões eram baseadas, e que funcionavam infalivelmente no mundo concreto há quinhentos anos atrás, perderam a confiabilidade. Assim, deparamo-nos com o problema da mudança — ou transformação — das manifestações do destino sobre o coletivo através da história, e é esse tema que gostaria de desenvolver um pouco mais. Para tanto, primeiro vou contar uma história. No Ano de Nosso Senhor de 1555, Sua Mui Cristã Majestade o rei Henri II da França, então com trinta e sete anos, foi advertido por um astrólogo para precaver-se contra a morte num combate individual num espaço cercado, devido a um ferimento na cabeça, no verão de seu quadragésimo segundo ano de vida. O astrólogo em questão era um dos mais conhecidos sábios da época, um italiano chamado Luca Gaurica, latinizado para Gauricus, conforme a moda da época. Signor Gauricus publicou uma grande obra em três volumes sobre os princípios da astrologia. O nome é Opera Omnia e ainda pode ser lida na Biblioteca Britânica por quem conseguir entender o seu latim; infelizmente, nunca foi traduzida. Opera Omnia explica não apenas o levantamento e a interpretação de horóscopos natais, como também a astrologia judicial (horária) e política (mundial). Entre os horóscopos apresentados como exemplo está o do infeliz rei Henri II. Gauricus tinha previsto corretamente crises e mortes nas vidas de vários monarcas


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