O Visto - 4ª edição

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O VISTO ANO 2, Nº4

setembro de 2014

16 PÁGINAS

Auslandsjahr in Israel und Ukraine

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Das Pipas e Da Liberdade Página 4

PHENOMENALLY. PHENOMENAL WOMAN Página 13

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA JORNAL DO CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

/OVISTOUFSC OVISTOUFSC@GMAIL.COM


EDITORIAL

CORPO EDITORIAL

“Como você pode ver, eu conheci pessoas que odeiam judeus, muçulmanos e cristãos; que querem somente Israel ou somente Palestina (...) mas, que no fim das contas, só querem mesmo liberdade”. Assim relata o estudante alemão Benedict Heidge em um dos textos presentes nesta edição do jornal O Visto. Esta irônica declaração toca em um tema que – acidentalmente – é comum a todos os textos desta edição: a liberdade. Um ideal? Um princípio? Um mero discurso? O certo é que a expressão se coloca como uma fonte eterna de discussões e conflitos. No debate político estadunidense, parece não existir nada mais consensual que o termo “freedom”, em nome do qual limitam-se direitos políticos de cidadãos americanos e promovem-se intervenções em países “não-livres”. No atual cenário político chinês, o mesmo conceito guia ativistas contra um Estado que concentra todas as atividades políticas e econômicas de um povo. Já em meio às convulsões sociais pelas quais o Brasil passava em 1964, a “Marcha por Deus, pela família e pela liberdade” deu apoio à instauração de uma ditadura cívico-militar de quase vinte anos. Guia e carrasco ao mesmo tempo; esperança para uns, terror para outros. O filósofo Isaiah Berlin parece ter chegado muito próximo de uma perfeita organização lógica da multitude de definições do termo. Berlin divide as diferentes liberdades entre as categorias de liberdade negativa e liberdade positiva. A primeira refere-se à capacidade de indivíduos ou grupos de realizar diferentes ações isentos da intervenção de qualquer ente superior, enquanto a segunda engloba as liberdades que exigem a concessão de poder e recursos ao agente para a sua consecução. Socialistas e coletivistas em geral sempre tendem a superestimar as liberdades positivas em detrimento das negativas, enquanto liberais fazem o inverso. O conceito de democracia constitucional, em sua origem, é fundado em liberdades negativas como a liberdade de expressão. Já a ideia de Estado de bem-estar social, por sua vez, orienta-se pelas liberdade postivas. Assim, guiados pelo grande Berlin, podemos atravessar com mais vagar o conflituoso terreno das discussões acerca da liberdade, muitas das quais perpassam por mais esta edição do jornal O Visto. Aproveitem a leitura.

Carolina Ferrari (12.2) ferrari_carol@hotmail.com Darlan de Souza Borges (12.2) darlanbs@hotmail.com Gabriel Antonio C. Pereira (12.2) gabriel_antonioc@hotmail.com Gabriel Piccinini (12.2) gabrielpiccinini@me.com Gabriel Roberto Dauer (13.1) gabrielrdauer@gmail.com Jonatan Carvalho de Borba (12.2) jcarvalhodeborba@gmail.com Lucas Cidade Garcez (12.2) garcezlc@hotmail.com Maria Luísa Lange (13.1) marialuisalange@gmail.com Mariana Almeida Tavares (12.2) marianatava@yahoo.com.br Mariana Serrano Silvério (12.2) mariana@silverio.net.br Osvaldo Souza (12.2) oqsf@hotmail.com Raquel Lopes de Lima (14.1) raquel10_100@hotmail.com Design por Martina Hotzel (13.1) martina.hotzel@gmail.com

Gabriel Antonio

ovistoufsc@gmail.com apoio

nesta edição “A LIBERDADE GUIANDO O POVO” Página 3 Das Pipas e Da Liberdade Página 4 Quem vai multar a Anac? Página 5 Auslandsjahr in Israel und Ukraine Página 7

Feministas do curso de Relações I nternacionais: UNI-VOS! Página 11 PHENOMENALLY. PHENOMENAL WOMAN Página 13 Visita ao Batalhão Fernando Machado Página 15 EIRENÈ Página 16

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Um mapa político é a forma gráfica de identificar divisões políticas e administrativas de uma determinada região, aqui, ele serve para acabar com as divisões e juntar visões e pensamentos sobre tudo o que você pensa e acha que deve ser dito e debatido acerca do cenário internacional. O que você pensa?

“A Liberdade Guiando o Povo” por Bruno Valim Magalhães Edição de Luiza Del Giúdice

Identificação da obra Título: A Liberdade Guiando o Povo Autor: Eugene Delacroix (1798-1863) Data: 1830 Data representada: julho 1830 Dimensões: Altura 260 centímetros - 325 cm de largura Técnicas e outras indicações: Óleo sobre Tela Lugar de Conservação: Museu do Louvre (Paris) Número da Imagem: 129 98DE7352/RF

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uitos acreditam a Delacroix uma personalidade burguesa do típico dandy do século XIX. Como, então, pergunta Devese, descrever o que ele queria efetivamente passar com o símbolo de uma República triunfante sobre todo um Antigo Regime que já vinha ruindo desde 1789 com a queda da Bastilha? O quadro que hoje está solenemente instalado em uma parede bordô do Museu do Louvre, que à época era o Palais Royal du Louvre, sede oficial do Império Francês restaurado dos Bourbon que a tela de Delacroix pretendia, na forma de obra-prima, desmontar. A Liberdade guiando o povo também enfeita o imaginário republicano francês em seus símbolos quotidianos e populares como selos nacionais, o logo do Governo Francês ou cédulas do já falecido franco francês. Além da França, as imagens do quadro se espalharam pelo mundo ocidental em uso comercial ou governamental. No Brasil o rosto da mulher no centro do quadro, a Liberdade, é a hoje efígie da República que está gravada no anverso de todas as cédulas do real e no verso das moedas de 1 real. Na França este sím-

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bolo da República tem o nome informal de Marianne. O contexto é o de Charles X que minava as conquistas da Revolução junto a seu ministro impopular, o príncipe de Polignac. A oposição liberal, através do jornal Le National, prepara sua substituição pelo Duque Louis-Philippe d’Orléans. Na sessão da Câmara 2 de março de 1830, Charles X é susceptível de cair. Os deputados, através da “adresse das 221” não colaboram com os revoltosos. O rei assina e publica no Le Moniteur quatro ordens para abolir a liberdade de imprensa e de alteração da lei eleitoral. É uma violação da Constituição. E começa a revolução em Paris. Em três dias chamados “Três Dias Gloriosos” - 27, 28 e 29 de julho - os Bourbons são retirados do poder. Concluído em dezembro, o quadro foi exposto no Salão maio 1831 . Este seria o assalto final. A multidão converge em direção ao espectador, em uma nuvem de poeira , a população em armas. Ela cruzou as barricadas e invadiu o adversário, a monarquia e a nobreza. No seu centro: quatro pessoas e uma mulher. Como uma deusa mítica que leva à liberdade. Aos seus pés encontram-se soldados. A imagem permanece como monumento. Delacroix traz acessórios e símbolos, história e ficção, realidade e alegoria. A nova visão da alegoria da Liberdade é uma filha do povo, alegre e espirituosa, que encarna a revolta e vitória. O barrete frígio, os cachos na nuca, evoca a Revolução de 1789, os sans-culottes e a soberania dos povos. A bandeira, um símbolo de luta, erguida com o braço direito se desdobra acenando de volta ao povo com azul, branco e vermelho . Da escuridão para a luz, como uma chama. Não à toa a Liberdade de Delcaroix

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carregando sua bandeira inspiraria a Estátua da Liberdade de Nova York. O cabelo de sua axila era considerado vulgar, a pele deveria ser suave como uma porcelana aos olhos dos retóricos pintura romântica. Sua roupagem amarela, cujo cinto duplo bate ao vento, escorregando abaixo dos seios e é uma reminiscência de roupagem clássica. A nudez é uma sucessão do realismo erótico e as antigas vitórias aladas, como aquela que divide o Louvre com a Liberdade, A Victória Alada de Samouthrage. O perfil da Liberdade é grego, o nariz reto, a boca generosa, o queixo delicado, os olhos de fogo. Mulher excepcional entre os homens, determinada e nobre com a cabeça voltada para eles, ela os leva para a vitória. A alegoria da Liberdade é a verdadeira protagonista da luta. As criança de Paris também têm representação importante. Surgem espontaneamente no combate. Um deles saiu, agarrando-se ao chão, com os olhos dilatados e boina da polícia de um dos soldados mortos abaixo dele. Bem ao lado da Liberdade, aparece um menino. Símbolo da juventude rebelde pela injustiça e sacrifício por causas nobres. Seria a inspiração para Gavroche em Les Misérables, escrito por Victor Hugo 30 anos mais tarde. A bolsa muito grande no ombro, as pistolas de cavalaria em mãos, o braço levantado, um grito de batalha na boca. Ele instou os rebeldes a lutar. Soldado em primeiro plano, à esquerda. É o cadáver de um homem sem suas calças, com os braços estendidos. Ou seja, livre, finalmente. Atrás de todos há os alunos da Escola Politécnica

e da Sorbonne que gritam e seguem aqueles que compõem a pirâmide central e marcham sobre os soldados imperiais mortos. Seria este quadro então a junção de todos os elementos que emanaram da Revolução Francesa: Liberté, Égalité, Fraternité ? A liberdade era figurada na própria alegoria da Liberdade, que depois seria apresentada como a figura de Marianne, ou a República. A República seria naquela concepção o que libertaria as pessoas dos males da nobreza e da monarquia do Antigo Regime. A Igualdade viria no momento quando todos os elementos de luta estão representados no mesmo plano, não há revoltoso superior a nenhum outro revoltoso: a imagem do burguês, do Gavroche, do trabalhador. Todos cobertos pela ajuda dos estudantes de Paris. Apenas a Liberdade está mais alta que todos, porque é ela que os guia, muito embora ela esteja no mesmo plano. Daí derivaria a Fraternidade. Todos estão envolvidos em uma mesma luta, inclusive a Liberdade, que também porta armas, apenas abaixo da imagem da bandeira nacional que paira sobre todos, inclusive da própria Liberdade.

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Das Pipas e Da Liberdade

por Giácomo de Pellegrini, Estudantes pela Liberdade (EPL) de Florianópolis

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ou natural de Florianópolis. Vivi boa parte da minha vida no entorno da UFSC. Em todos os anos da minha infância e adolescência tenho boas lembranças pelo campus. Residi no Pantanal durante a minha infância na década de 80, bem próximo ao campo de futebol. O campo era todo cercado de pasto e, mantido cortado, oferecia uma imensidão de espaço para aventuras infantis. Uma das minhas preferidas era soltar pipa. Montei algumas do zero com meu pai e íamos empiná-las lá. O segredo de uma boa pipa estava na seda. Inocência perdida.

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Não pretendo entrar nos pormenores e nas supostas boas intenções que resultaram no absurdo atual, mas preciso elencar a principal motivação: controle. A necessidade por controle, pelo poder, é uma alucinação antiga e já experimentada através de diversos arranjos pela humanidade. Quando o arranjo é autoritário parece ser mais fácil demonstrar o abuso do poder e o contraste à liberdade se torna evidente. Porém, no arranjo democrático o poder é mascarado. Na cartola da democracia uma infinidade de absurdos, num simples passe de mágica, transforma-se em legalidade. Se a maioria

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elegeu representantes e esses representantes decidiram algo, pronto, não tem por que algo dar errado ou ser errado. Poder para o povo! Quem me conhece sabe que povo, pra mim, é turba. Vocês sabem qual o principal hobby democrático e que se tornou uma patologia social? Controlar a vida de pessoas adultas e pacíficas. Não basta você ter sua liberdade protegida da agressão de terceiros e você ser responsável por danos que venha a cometer. Você deve ser proibido de uma lista interminável de ações que não causam vítima alguma. Em termos claros, sua vida tem limites não definidos por você. Você não é dono do seu próprio corpo e mente. Você, como pessoa adulta e racional, não pode consumir qualquer produto que desejar. O resultado é o que vimos em 25 de março de 2014 dentro da Universidade Federal de Santa Catarina, apelidado de “Levante do Bosque”. Uma ação policial despropositada delegada pelo povo na caça de meia dúzia de baseados. Este é só um exemplo do poder entregue ao Estado e seu braço armado repressor. A guerra às drogas abriu a caixa de Pandora. Criou um mercado negro movido à sangue. Tem servido aos desejos mais vis do poder político. Recursos públicos vão agigantando uma estrutura parasitária com cada vez mais sede de controle, proporcionando a melhor desculpa para enjaular pessoas pobres e negras ao redor do mundo. O modelo conservador está esgotado e parece que chegamos no ponto de inflexão. Pequenos eventos desencadeiam grandes estorvos. O irônico passa a ser a confusão ideológica que brota desse cenário de consciência sobre a própria liberdade. Ao mesmo tempo que se reconhece a autonomia do indivíduo para usar drogas, um direito legítimo às escolhas erradas, temos a defesa de mais coerção estatal

em outras ações humanas. Boa parte dos que ficaram acampados na reitoria respiram e exalam essa dubiedade. Exigem direitos que implicam necessariamente em coação de terceiros. O direito de livre escolha é um corolário do direito de propriedade, sendo a propriedade primeira seu próprio corpo, ou seja, o axioma é você e sua razão. Não existe liberdade pela metade e a única fronteira da liberdade é a liberdade do outro. Em essência, o indivíduo adulto e pacífico não deve compulsoriamente nada ao seu semelhante. Suas obrigações morais dizem respeito somente à sua própria consciência. A ética emergente é resultado de acordos e concessões voluntárias. Quanto maior for a sua liberdade maior será sua responsabilidade assim como sua tolerância. Você não pode violar a propriedade alheia para impor a sua própria liberdade. O indivíduo tem como fim a si mesmo. O maior ato de compaixão é reconhecer a sua liberdade na liberdade do outro. Não perca sua inocência.

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Quem vai multar a Anac? por Klauber Cristofen Pires

A Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC, em face da Copa, ao estabelecer uma draconiana medida que impõe severas multas por atrasos, resolveu colocar nas costas das empresas aéreas toda a incúria de sua atuação.

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m face da realização do Mundial de Futebol no Brasil, a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) decidiu impor pesadas multas às companhias aéreaéreas e donos de aeronaves particulares que se atrasarem ou operarem em horários não autorizados e utilizarem slots diferentes dos autorizados, podendo as sanções incluírem suspensões e multas para os pilotos

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e ordem de saída do país em caso de aeronaves estrangeiras. Segundo Marcelo Guaranys, presidente da Anac. “O que nós queremos com isso é incentivar que as empresas utilizem, de fato, os horários que foram planejados, para que o nosso planejamento dê certo”. De acordo com meu entendimento, um incentivo é algum

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prêmio a ser conferido a alguém que cumpre uma meta de Manaus, Boa Vista, Porto Velho e Macapá, sem falar ou um objetivo; não me parece um incentivo, mas de outras regiões do país. Saliente-se que pelo menos uma punição para o caso de não cumprimento. Os po- há um milhão de anos chove com freqüência na Amalíticos e burocratas com suas linguagens ambíguas... zônia, sobretudo entre os meses de dezembro a junho. Agora vejam que coisa interessante: A quem Nada contra dotar as estações de passageiros de locausa prejuízo um atraso causado, diga-se lá, pela em- jas e restaurantes; muito pelo contrário, pois elas presa aérea? Aos passageiros, certo? Todavia, como dão suporte aos que esperam pelos seus vôos, além acontece freqüentemente com tais resoluções esta- de ajudar a financiar o custo de manutenção dos aetais, as multas são revertidas em favor do estado, e roportos; porém, isto é uma medida acessória que não para os cidadãos! Neste aspecto, parece haver, aí usurpou o lugar de primeira prioridade, quando não sim, um verdadeiro estímulo para a criação de uma in- única, revelando interesses inconfessáveis em jogo. dústria de multas, que obviamente não estará interes- Em uma sociedade livre, em que a economia de mercasada em resolver problemas, senão em perpetuá-los. do possa funcionar sem as amarras estatais, e onde a Pois vamos aos fatos: o governo federal teve no concorrência é ampla, é de se esperar que as empresas mínimo sete anos para se prepretendam voluntariamente parar para a Copa. A bem da Em uma sociedade livre, promover atrasos para perder verdade, a manifestação da em que a economia de reputação e dinheiro? Oras, intenção já alcança onze anos! um cenário de verdadeira mercado possa funcionar em Além disso, em relação a um liberdade empresarial, atrasos assunto que é a administração sem as amarras estatais, significam multas e indenizados aeroportos, muito mais e onde a concorrência é ções altas, mas que foram prétempo teve à sua disposição, via, voluntária e mutuamente ampla, é de se esperar que pois tem uma empresa aérea estabelecidas em contratos estatal, a Infraero, que cobra as empresas pretendam onde da parte dos aeroporcaro por taxas de embarque voluntariamente promo- tos se exigem as condições para prover a infraestrutura e adequadas de segurança e de garantir a segurança dos aeroportos, que deveria desde operação. É assim nos países mais desenvolvidos, que que os primeiros foram inaugurados ter implementado operam durante o tempo todo a uma freqüência infinitamedidas óbvias tais como construir mais pistas e dotá-las mente maior do que a verificada nos terminais brasileiros. com ranhuras (groovings) e outros dispositivos de drena- Meu temor, caros leitores, é que as empresas se vejam gem e escape. Ou será que somente os gringos são gente? forçadas a pousar em condições desfavoráveis para Ao invés disso, a Infraero tem investido em cumprir as determinações da ANAC, a fim de evitar as salões de embarque e desembarque, o que dá a im- pesadas multas, arriscando-se desta forma a brindar pressão aos passageiros de que as necessárias obras a Copa com um grave desastre aéreo. No Brasil, não de revitalização das obras foram feitas, quando em existem “acidentes”: eles são planejados cuidadosaverdade quase nada mudou, a não ser o loteamen- mente pelo governo, e com bastante antecedência! to de lojas caríssimas. No aeroporto de Brasília, um café, uma garrafa de água e um pão de queijo podem estar custando cerca de R$ 20,00. Como diz um antigo adágio político, “cano enterrado não dá votos!”. O resultado é que em várias cidades do Brasil as companhias aéreas estão desviando vôos por causa TO S I V O da insegurança das pistas, sobretudo em caso de tempo chuvoso. Em Belém, ainda hoje as pistas não possuem as tais ranhuras, e comumente empresas como a TAM desviam os pousos para São Luís e Fortaleza, o mesmo fato acontecendo amiúde com os aeroportos de Manaus, Boa Vista, Porto Velho e Macapá, sem falar de outras regiões do país. Saliente-se que pelo menos há um milhão de anos chove com freqüência na Ama-

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A bagagem que não é despachada e pode ser mexida a qualquer momento. Tem vezes que só percebemos o tanto de coisas que levamos na bagagem de mão quando já voltamos pra casa. O que você leva com você?

Auslandsjahr in Israel und in der Ukraine

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a Alemanha, após terem realizado o Abitur (Exame que conclui o ensino secundário no país, e permite o ingresso dos estudantes nas universidades alemãs), é muito comum entre os jovens participarem de intercâmbios voluntários pelo período de um ano, anteriormente de iniciarem seus estudos nas universidades. Desta forma, O Visto entrou em contato com dois alemães, os quais se encontram nas cidades de Jerusalém e Kiev para saber um pouco mais sobre tais experiências. Abaixo seguem seus relatos e fotos das suas vivências. Como O Visto tem como principal objetivo manter a integridade dos textos apresentados, decidiuse publicar o primeiro relato em inglês, como o próprio autor o havia escrito. Já no segundo caso, optou-se por traduzir o texto da língua alemã para a língua portuguesa já que a autora do mesmo também possui conhecimento sobre a segunda língua, e aprovou a tradução feita.

Jerusalem, June 10th, 2014 Por Benedict Heidgen

I am Benedict Heidgen, I am twenty years 20 old and currently in Jerusalem for my volunteer year with ijgd, a German organization which sends mainly young people all over the world. All in all, I will stay here 11 months from September 2013 to August 2014 working in the St. Louis French Hospital. It is placed in the very middle of Jerusalem, in one street across the old city. We have about 50 patients from all religions, ethnics and languages. As much as Israel is deeply mixed with cultures, as much it is in the hospital. We have patients who speak up to five languages with family backgrounds from three or four nations. Hebrew is the most spoken language, but also English, German, French, Russian, Yiddish and Arabic are spoken languages in our hospital. I put my focus on learning Hebrew and succeed to have conversations now in order to being able to fight my way through the daily life. The hospital is build up in three parts: A cancer part, a stroke and pressure wound part and the other part, something comparable to a retirement house. Most of the people who come here are going to die so that it is rather a hospice than a hospital. Our work is to enable a certain living standard for the patients and accompany them during their process of dying. This includes caring about them, clean them, doing activities with them, long story short: accompany

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doing activities with them, long story short: accompany them during their everyday life, from day to night. Unfortunately (or fortunately), people are often passing away so we also have to prepare the corps for the funeral. I guess it is quite hard to deal with death daily, but you get used to it, like we do to most of things in life. I find it nice that people in Israel and Palestine appreciate our work and admire us for this. The hospital is very popular in Jerusalem and they call it “the embassy”, because it gives visas to the life after death. Just two people made it to fight their disease successfully and could leave the hospice since I got here. One of these two is an Eritrean Christian, who went all the way from Eritrea to Israel by feet. He was shot in his leg at the Egyptian border and could never leave the hospital because he did not have a visa for Israel. One month ago he flew to Finland, where he got asylum. Stories of patients like this, appreciation of the families and people around us enable us to cope with destinies, which were not as happy as his. Although this short summary might sound sad, I really enjoy my time here, due to the work, but also, because of all the things happening here. My daily life here never gets boring thanks to Israeli friends, other volunteers or visitors, with who I experience beautiful things. Some of those things are like an oasis in the stone desert, giant craters with colorful sands, a giant garden of the Bahai religion, the interesting borders to

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Syria, Lebanon, Egypt and Jordan, the westernized life in Tel Aviv, with his clubs and beautiful beaches, Bethlehem, Nablus, Ramallah and all the other Palestinian cities with their Arabic flair and friendly people and nights full of celebrations with friends. The most remarkable thing is Jerusalem of course. It is deeply influenced by religion. For Jews Muslims and Christians, it is the place where their prophets took big actions, which makes it a holy place. This causes so many tensions and fights, especially between Jews and Arabs (Muslims and Christians). The weekend here has three days (not that we in the hospital have off for three days a week). Friday for the Muslims, Saturday for the Jews and Sunday for the Christians. It seems that every single day some religion has some feast. No matter whether it is Purim (when especially religious Jews are getting totally wasted), Christmas, Kurban (Slaughter feast of the Muslims), the birth of some prophet, who did in a certain time something more or less special with the help of God, Allah, Elohim and so on. All the time there are occasions to celebrate.

Celebração cristã de páscoa Celebração cristã de páscoa

Other celebrations cause terrible tensions. For those, who don’t know about the Israel/Palestine conflict, I give you here a little example. There are national celebrations, such as the Jerusalem Day. Israel (mainly Jews) celebrates Jerusalem as the capital city of Israel. They take the flag of Israel and march through Jerusalem, where they also cross the area of the Arabs, from whom some regret the State Israel claiming that the Jews took their land and wanting a Palestinian state (trying to put a very complex situation into a few sentences). I have been in such area with my sister when suddenly a car with Israel flag drove around the corner and got smashed by a young men screaming: “Allah hu akbar” (God is bigger). At the same time horse riding policemen shot exploding bullet, from which we got hit with fortunately little wounds. Whether you think it is necessary to cross such areas with an Israel flag is up to you.

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As a Christian German, I know what “a passport open doors” means. It is an uncom-fortable feeling when people are kept in places because they have a certain nationality, while for me there is no problem, although the person being kept did something wrong. Well, this fact allows me to go to Israel, but also to the Palestinian areas. During these times I made very special experiences. One time the talk with a Palestinian Soldier complaining that the German Chancellor visited Israel but not Palestine, the Jewish settlement guarded by settlers and soldiers and demolishing Palestinian villages, Jewish orthodox stepping on holy Muslim ground, Muslims taking stones and throwing them against everything that looks Israeli, colorful Arab marriages, areas restricted by Israel. Also exciting and less exciting conversations, e.g. my hairdresser stating that the mother of all terrorists is Israel, an ultra-orthodox Jew saying that Jesus is worse than Hitler because he claims to be God and so on.

As you can see, I have met some people, hating Jews, Muslims, Christians, wanting just Israel or just Palestine, death to him and her and this and that, but the very biggest part and also everybody in my daily life, claims for freedom. This is not just idealism. It is very true and the thing that people want. All those people say that politics divide them, but the willing for peace is shared by so many people, however it may look like. I hope that not the few ones, but the majority gets what they claim for. I realize now that my report got too po-litical, which happens here in Israel all the time. That´s the way it is in this colorful and “special” (or crazy) country. As so many volunteers, I can also say: One year is not enough to get to know everything. But considering that this tiny country, with its many cultures and religions, keeps the whole world busy and causes so much beauty and trouble, it gives me the feeling that my statement could be true.

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KIEV, 12 DE JUNHO DE 2014 Por Elena Rother Tradução por Carolina Ferrari

O sol está brilhando no céu, 35°C, ouço os passarinhos gorjearem, e do lago posso escutar o coaxar dos sapos. Estou sentada na varanda do meu pequeno, mas agradável apartamento, tomando chá de hortelã fresca e aproveitando os últimos meses do meu trabalho voluntário em Kiev. Kiev? Trabalho voluntário? Por que tudo isso? Em julho de 2013, quando terminei o ensino médio, após os exames finais, já sabia que eu não pretendia começar uma faculdade diretamente depois da escola. Por isso, eu decidi fazer um ano de trabalho voluntário num projeto com crianças. Na Alemanha, par-ticipar de um trabalho voluntário após concluir o ensino médio é algo muito comum. Desta forma, me inscrevi para diversos projetos em Moçambique, Gana, Índia, Polônia e também no Brasil. Infelizmente, ou – como eu agora sei – felizmente, em tais países não havia vagas. Minha organização, então, me sugeriu que eu fosse para Kiev, capital da Ucrânia, trabalhar em um projeto em um lar para crianças. Desde agosto de 2014 eu moro e trabalho no centro “Our Kids”, que foi construído e é dirigido pela “German-Polish-Ukrainian Society”. Durante a semana, no período da manhã eu ajudo no escritório com traduções, fotografias e com o site do lar de infancia. Já pela tarde e também aos sábados, eu trabalho com as diversas “Famílias-sociais”, que moram aqui no centro com normalmente até seis crianças, com a faixa etária de dois à dezoito anos. Esta forma de acompanhamento é algo inédito na Ucrânia. O lar é um projeto-piloto, por isso aqui também se realizam formações para educadores. Quando eu trabalho nas famílias, normalmente auxilio as crianças com seus trabalhos escolares, dou aulas de flauta, ou juntos jogamos futebol, basquetebol, cozinhamos e ajudamos no jardim. Além disso, uma vez na semana ofereço aulas de Yoga, e aos sábados organizo uma tarde de trabalhos manuais. Embora esse trabalho seja muito cansativo, eu gosto muito de fazêlo. Quando comecei meu trabalho por aqui, freqüentemente me perguntei o porquê de ter escolhido trabalhar na Ucrânia. Porém, ultimamente, a maior parte dos meus amigos, familiares e conhecidos é que me perguntam o porquê de eu ainda não ter voltado para casa. Mesmo que a Ucrânia esteja geograficamente

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localizada na Europa, na cabeça de muitas pessoas da Europa Ocidental esse país se encontra mais distante do que países como os EUA, Brasil ou Japão. A Ucrânia é, na realidade, considerada um pequeno país que não possui uma real cultura própria e que, a princípio, é apenas uma parte da Rússia - “Pequena Rússia”, como chamam muitos alemães. Contudo, a Ucrânia representa o maior país localizado totalmente no continente europeu, e a população ucraniana raramente quer ser relacionada à Rússia. O antigo presidente Viktor Janukowitsch, trabalhou durante anos no acordo de associação do país à União Europeia, o qual deveria aproximar o país à Europa Ocidental, porém de uma hora pra outra o mesmo foi deixado de lado. Isso fez com que todos os jovens, que sonham com a democracia e o direito de viajar livremente pela Europa, ficassem extremamente insatisfeitos. Por isso, no início de dezembro de 2013, por volta de 500 000 pessoas saíram pelas ruas de Kiev a protestar. Eu também estava presente - eu jamais havia visto tantas pessoas reunidas.

“Putin Hands off Ukraine“ (março de 2014)

O ambiente das manifestações estava repleto de paz, de perspectivas e esperança. Desta forma, foi muito

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chocante a forma com que a polícia reagiu em relação aos protestos. Várias pessoas que estavam participando de forma pacífica, foram expulsas violentamente, e até mesmo presas. Apesar disso, a violência policial provocou o contrário daquilo que eles previam. Cada vez mais pessoas se juntaram aos protestos e as reivindicações passaram a abranger outros temas, como críticas às milícias, ao então presidente, à corrupção e ao nepotismo. Após os policiais haverem expulso todos os manifestantes de Maidan, a Praça da Independência no centro de Kiev, os mesmos construíram barricadas e organizaram um protesto em acampamento no local. Tudo estava perfeitamente organizado, havia entrega de mantimentos e de vestimentas, serviço de recolhimento de lixo, e uma vigilância no caso de os mesmos virem a ser abordados pela polícia.

“Putin Hands off Ukraine“ (março de 2014)

Além disso, conhecidas bandas da Polônia, República Tcheca, e da Ucrânia, realizaram shows na Praça da Independência, e a mesma ficou por semanas repleta de pessoas de diversas regiões do país. Até mesmo outros voluntários e eu estivemos muitas vezes presentes. Nós e outros milhares de ucranianos começamos o ano de 2014 com o hino nacional na Praça da Independência. Cada momento de euforia vinha acompanhado

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também por frustrações. As pessoas permaneceram na Praça por mais de dois meses, com uma temperatura no entorno de -20°C, e os políticos faziam novas promessas a cada semana, que não eram nunca cumpridas. Ao invés de fazer concessões, o governo decretava novas leis, que vinham de certa forma a impedir a livre manifestação de ideias. Obviamente, a população não aceitou essas novas leis. Por fim, tais mudanças acabaram em grandes conflitos entre a polícia e os manifestantes. Em ambos os lados, a ira e o desespero eram tão grandes que não se encontrava mais uma solução pacífica para o conflito. Havia mortos, e as pessoas estavam chocadas. Finalmente, as mídias europeias começaram a divulgar o que estava acontecendo em Kiev. Assim, seguiuse um cessar-fogo, e em seguida uma nova onda de violências. O Governo ordenou novamente que os manifestantes deixassem a Praça da Independência. Apesar disso, durante o dia muitas pessoas vieram à praça para reforçar as barricadas, e no período da noite foi queimada uma grande quantidade de pneus e, por fim, também as barracas que se encontravam em Maidan. Na Casa dos Sindicatos, que na época servia como sede geral dos manifestantes, foram queimadas 300 pessoas. No dia 22 de fevereiro, Janukowitsch voou para a região leste do país, e a oposição considerou tal ato como a abdicação do Governo. As pessoas, então, festejaram sua “vitória” e na Praça da Independência se lamentaram pelas vítimas. Na noite do dia 19 de fevereiro eu deveria ir a um seminário que aconteceria na Alemanha, mas no caminho para o aeroporto, as ruas encontravam-se trancadas e até mesmo no bairro onde moro havia uma grande presença policial acima do comum. Pude apenas acompanhar pela televisão o discurso de Julia Tymoschenko na Praça da Independência. Enquanto uma parte da Ucrânia foi convencida por seu apoio, muitas outras pessoas enxergavam sua “carreira” de forma cética. A partir dos últimos acontecimentos, os ucranianos vêm se fazendo perguntas do tipo “e depois?”. No primeiro momento, o principal objetivo era alcançar o apoio do Presidente, o qual já foi conquistado, desta forma, as novas expectativas, de forma muito distinta, versam para qual será o melhor futuro para o país. Além disso, no período em que eu ainda me encontrava na Alemanha, as tropas russas que ocupavam a península da Crimeia organizaram no meio do mês de março um contraditório referendo que tinha como objetivo votar a anexação da península

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à Rússia. Enquanto na Crimeia, o sistema ucraniano havia sido trocado pelo sistema russo, tanto a Ucrânia, como a Alemanha, os EUA, e muitos outros países não reconheciam tal anexação. Tal questão esteve sempre como foco de disputas entre soldados ucranianos e russos, ou pelo menos tropas pró-Rússia, os quais atualmente ocupam a região leste do país. Neste meio tempo, um novo presidente foi eleito, e agora me parece que, primei-ramente, os ucranianos devem esperar para ver se o mesmo terá êxito em trazer novamente a paz para o país, sem que o separe. O seu objetivo explícito é o de estreitar as relações com a Europa, de forma que as eleições puderam demonstrar que a maioria da população ucrani-ana é a favor desta aproximação do país para com a Europa. Aos olhos ucranianos, a Europa representa uma região rica, limpa e organizada, onde as pessoas possuem uma vida de qualidade. Com certeza tais questões se mostram verdadeiras quando comparadas à atual situação na Ucrânia, mas também não se pode esquecer que a economia “europeia” do país ainda encontra-se em desenvolvimento. Quando a Ucrânia realmente pretender participar da União Europeia, encontrará a sua frente um longo e difícil caminho, e as pessoas deverão vir a experimentar que a Europa não é apenas um sonho de uma vida melhor. De forma crescente vem sendo vinculado nas mídias alemães que o movimento na Praça da Independência tenha sido instigado e financiado pelos

EUA. Outros acreditam que a Rússia tenha reforçado a polícia de Kiev e que Janukowitsch tenha sido pressionado em sua decisão. Desta forma, cada vez mais seguem-se rumores sobre o conflito e sobre como a situação na Ucrânia se desenrolará, se convergirá para um novo conflito entre o Ocidente e o Oriente, que segundo a minha opinião baseiam-se em especulações sem fundamento. Talvez tenha tanto o leste como o oeste apenas se intrometido na “revolução” para vir a contestá-la. Por fim, parece que tal conflito venha a representar muito mais as diferenças econômicas entre as superpotências do mundo do que a vontade de uma “pequena” população em si, que, mesmo assim, ainda continua a lutar pelo maior país da Europa. As pessoas com as quais converso por aqui, encontram-se em geral desesperadas. Ontem conheci uma senhora que há muitos anos cuida de seu marido paraplégico, a qual me disse: “Se eles começarem a atirar por aqui, então me atingirão. Para onde devo fugir? E como? Meu marido não pode se mover.” O medo de que uma guerra ocorra é algo constante por aqui, contudo a vida continua o seu caminho costumeiro. Continuarei em Kiev até o começo de Setembro. Sobre a minha experiência e vivência por aqui, encontram-se mais relatos, como também fotos, no meu blog www.elenainderukraine.jimdo.de. Abraços, e muito sucesso para a Alemanha e o Brasil na Copa do Mundo! :) Elena Rother

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Feministas do curso de Relações Internacionais: UNI-VOS! por Gabriel Roberto Dauer e José Fernando Rosa Ribeiro, graduandos r.i. ufsc

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zul e rosa. Bonecas e carrinhos de brinquedo. Brincar de casinha e brincar de luta. Aprender a cozinhar e aprender a jogar futebol. A menina que toma a iniciativa de beijar um menino é tida como desrespeitosa, “fácil”, promíscua. O homem “trabalhador” e a mulher, em casa, refém do salário do marido, cuidando dos filhos. O que são essas dicotomias? O que elas representam? Mais: por que são? No entanto, necessita-se fazer uma consideração preliminar: poderíamos nós, dois homens, investigar a opressão à mulher? É uma questão que se apresenta na reflexão sobre o tema. Será, então, que um homem não pode falar sobre opressão às mulheres? Partindo do

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mesmo princípio, talvez se pudesse afirmar então que é menos legítima uma investigação sobre o racismo ou orientalismo feita por brancos e ocidentais e cairíamos num absurdo conservador de que não se pode criticar o paradigma em que se vive. Se põe a nós uma questão complicada. Seria cabível a nós, mesmo sem grande conhecimento da temática, fazer uma investigação partindo de uma perspectiva feminista? Nos parece que sim. Bell Hooks, uma ativista estadunidense, enfatiza a participação masculina. O feminismo não é uma ideologia separatista, de inversão, que procura punir os homens e favorecer uma dominação feminina, mas um convite à luta contra a posição das mulheres, historicamente des-

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favorecida, que vem sendo mais recentemente suavizada pela igualdade positiva de direitos, mas dificilmente uma igualdade de condições (dificuldade essa, aliás, muitas vezes enfrentadas pelas minorias). A inclusão de pautas feministas no debate político é relativamente recente, ainda mais no Brasil. É a partir dos anos 1960, depois do “Segundo Sexo” de Simone Beauvoir, e aproveitando esse período que o feminismo populariza-se como movimento político (considerando também o papel das “três ondas” feministas do século XIX, XX e da década de 1990 até a atualidade). Na época de movimentações como o “No More Miss America!”, o movimento hippie, as revoltas de Stonewall, o surgimento da pílula e a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (ONU), direito ao divórcio, ao aborto, começam a exprimir a observância para essa questão marginalizada. Padrões são criados, modificados e muitas vezes inconscientemente reproduzidos em nosso círculo social. Crescemos ao lado de diferenças sem sentido (as quais muitas vezes somos orientados a não questionar e simplesmente aceitar como ‘dadas’) que vão desde o quarto do bebê, que é pintado de azul ou rosa, ou de brinquedos, direcionados ao condicionamento e manutenção do ‘papel’ social de cada gênero, seu comportamento esperado em sociedade. Esses padrões influenciam na construção social da noção de feminino e de masculino. O sexismo se torna, desse modo, generalizado, criando obstáculos para que se difundam princípios como aceitação da pluralidade em uma sociedade refém do feminino-masculino. Observamos na tradição do ocidental, das cidades-Estado gregas à Revolução Francesa, um discurso sobre a igualdade e liberdade que há entre os seres humanos, iguais e fraternos, em cuja filosofia se vê uma negação da humanidade da mulher. Ora, que é afirmar ‘igualdade entre os homens’ 1? O machismo encontra aí parte de sua raiz. Uma criança, ao observar certos padrões de comportamento daqueles que percebe pertencerem a sua classe, é orientada a não questioná-los e, portanto, os toma para si como verdadeiros. Não é de se imaginar que este indivíduo, quando adulto, seja homem ou mulher, tenha certa tendência de reproduzir o mesmo preconceito em outras ações quotidianas, preconceito este cujo questionamento lhe foi negado ainda na infância? Em se tratando de mulheres, crescem opri-

midas, frustradas e violentadas, pelos sujeitos agentes de uma ideologia que opera na cabeça de homens e mulheres, por concepções morais arcaicas que culpam as mulheres pela própria frustração, e que o tempo todo as tentam fazer lembrar de uma inferioridade que não existe: seja na família, na escola, no trabalho, ou num relacionamento privado. A frustração de um desejo, seja ele social, político, econômico, ou sexual, ao mesmo tempo em que tenta domar a mulher, a fortalece. Essa frustração provém do sentimento de culpa. Para Sigmund Freud em O mal-estar na civilização, “a pessoa se sente culpada [...] quando fez algo que é reconhecido como ‘mau’”. Esse mesmo mal é projetado pela sociedade ao impor valores e ditames, os quais acabam por fortalecer a mulher, já que essa frustração contínua “só faz crescerem as tentações, ao passo que elas diminuem ao menos temporariamente com a satisfação ocasional”. A fortalece porquanto faz aumentar seu desejo de ser autônoma, independente, ouvida, respeitada e, sobretudo, de ter igualdade real de direitos e liberdade.

1 Aliás, cabe aqui uma observação. Desde pequenos aprendemos que por ‘homens’, na verdade os autores fazem referência aos humanos. Justificamos o pensamento de autores que sequer pensam no papel e na representatividade feminina na história. Ora, que é isso senão uma justificação do indefensável pensamento de que os humanos são os homens?

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Liberdade real para escolher. Liberdade para decidir ser quem quiser, vestir o que quer vestir, dizer o que quer dizer, ir aonde quer ir, relacionar-se livremente e, depois disso tudo, não ser repreendida2. A análise presente através da psicanálise freudiana é útil para reiterar a construção cultural dos direitos das mulheres. Os mesmos direitos específicos são amplamente questionados. Argumenta-se: por que garantir direitos específicos a elas? Já não possuem esses mesmos direitos garantidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948? A diferença é que quando se trata sobre minorias (indivíduos marginalizados dentro de uma sociedade por diversas causas, sejam elas culturais, econômicas, políticas, físicas ou religiosas), é que o direito padronizado, genérico, protocolar, por si só, não garante que a discriminação, a opressão e violência não ocorra. Frases, chavões, clichês quotidianos perpassam entre a sociedade. Demonstram outra face e por serem amplamente difundidos, afastam o seu real significado

E efeito. Dizeres machistas são religiosamente reproduzidos difícil se deparar com expressões populares, como: “Algumas mulheres são tão feias que deviam processar a natureza por perdas e danos”, “Quer saber quanto vale a sua mulher? Peça o divórcio.”, “Todo feminismo acaba com o primeiro pneu furado.”, “Nem todas as mulheres se realizam no fogão, muitas só encontram a felicidade no tanque.”. Infelizmente, essas chacotas “divertidas” e “inocentes”, ao serem reproduzidas no quotidiano, inferem graves violações à dignidade das mulheres. Finalmente, a sociedade ainda se encontra permeada por ideologias machistas e impositivas. Pequenas ações que, ao serem reproduzidas sem indagação crítica do seu sentido, acentuam as consequências retrógradas, atrasando o desenvolvimento do processo da igualdade de gêneros. O feminismo, pois, pode e deve ser visto como uma corrente receptiva, convidativa, em prol de verdadeiros direitos humanos iguais. Por essa razão, exclamamos: feministas do mundo: UNI-VOS!

2 Nesse caso, há um ganho coletivo; além das minorias, a sociedade em si pode se ver gradualmente livre de correntes sociais impostas por outros preconceitos e padronizações de costumes. Sente-se, pois, mais autônoma e capacitada para se expressar.

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PHENOMENALLY. PHENOMENAL WOMAN por Mariana Serrano Silvério, graduanda r.i. ufsc

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o dia 28 de maio deste ano, o mundo sofreu mais uma perda, eu diria, um tanto quanto lastimosa. Maya Angelou faleceu com oitenta e seis anos e levou consigo uma das vozes mais renomadas e influentes de nosso tempo. Descrita como uma lenda e um número infinito de designações gloriosas, seus atributos são fundamentados em uma história épica, movida por seu engajamento espetacular em diversas áreas e sua força para desvencilhar-se de obstáculos em contextos inconvenientes. Angelou, nascida em abril de 1928, em St.Louis, Missouri, é internacionalmente conhecida por sua série de seis volumes autobiográficos que retratam suas experiências na infância e começo da vida adulta. O primeiro e mais aclamado, I Know Why The Caged Bird Sings (1969), discorre sobre seus primeiros dezessete anos e lhe conferiu a nominação para o National Book Award. Dentre os mais de 50 prêmios e outros lauréis, Maya Angelou foi nominada para o Pulitzer Prize por sua obra Just Give Me a Cool Drink of Water ‘Fore I Die, de 1971. No entanto, seus méritos não se restringem somente a área das palavras graciosamente escritas. Popularizada como uma “global renaissance

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woman”, Angelou foi, além de poeta e compositora, novelista, dramaturga, editora, produtora de peças e filmes, atriz, dançarina, historiadora, ativista dos direitos civis e professora, atividade que exerceu até o fim de seus dias. “I had to trust life, since I was young enough to believe that life loved the person who dared to live it”, Maya Angelou sumariza seu otimismo durante a juventude turbulenta. Uma long-story-short: Angelou foi molestada quando pequena, cresceu em um cenário brutal de discriminação racial, abandonou a escola para trabalhar, se tornou mãe solteira ainda jovem, recorreu à prostituição para sustentar seu filho, e, ainda sim, logrou a absorver e a disseminar os valores e a fé indestrutíveis da família e cultura Afro-Americana que sua mãe, avó e irmão haviam lhe ensinado. Com a determinação e a autoconfiança inabaláveis, ela se tornou, com a idade de 14 anos, a primeira taxista Afro-Americana de San Francisco, Califórnia. Marguerite Ann Johnson, assim nomeada antes de tornar-se célebre, logo encontrou sua paixão no meio artístico e, já estabelecida em New York, trabalhou como

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cantora e estudou dança com Martha Graham. Fez uma turnê pela Europa com o musical Porgy and Bess, gravou um álbum de música calypso e atuou em seriados, filmes e peças off-Broadways. Angelou foi ainda membro do Harlem Writers Guild e participante ativa do Civil Rights Movement no final da década de 50. Como se sua história já não fosse assaz admirável, no final da década de 50 e início de 60, Maya Angelou trabalhou com Martin Luther King na coordenação do Southern Christian Leadership Conference. No final do ano de 1960, Angelou viajou para o Egito, onde trabalhou como editora do The Arab Observer e, no ano seguinte, mudou-se para Ghana para ensinar na University of Ghana’s School of Music and Drama, trabalhar como editora do The African Review e escrever para o The Ghanaian Times. Durante estes anos no exterior, ela se dedicou avidamente a aprender Francês, Espanhol, Italiano, Árabe e Fanti, língua falada no Oeste Africano. Em Ghana, Angelou conhece Malcom X e, em 1964, retorna para os Estados Unidos comprometida a ajudá-lo na construção da Organization of African American Unity. Nos anos 80, Maya Angelou já havia se tornado não apenas uma celebridade influente no que se refere ao meio artístico, mas também se transformara em uma guerreira na batalha feminista e lutadora contra o preconceito racial. Ter recebido a mais alta honra que pode ser concedida ao cidadão americano, a Presidential Medal of

Freedom, é um gesto singelo perto da enorme gratidão sentida para com Angelou por aqueles que conhecem seus feitios e sua história. Nos termos da Revista SUCCESS, “as palavras e ações de Angelou continuarão a estimular nossas almas, energizar nossos corpos, liberar nossas mentes e curar nossos corações”.

É impossível remontar uma saga longa e formidável como a desta phenomenal woman em apenas alguns parágrafos, mas aos que se interessarem, a história desta dama não se trata tão-somente de provocar na plateia um impacto esperançoso através do drama da superação. A história de Maya Angelou deixa um lembrete de que aqueles que ousam navegar a vida em seus próprios termos e têm a coragem de alimentar a curiosidade, não podem se afundar em mares ordinários.

i “Phenomenal Woman” é um dos poemas mais conhecidos de Maya Angelou. Foi publicado pela primeira vez em 1978, no seu livro And Still I Rise.

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É uma rota conhecida, mas a rotina pode nos fazer esquecer de olhar ao redor para conhecer e saber como interferir no que acontece tão próximo de nós. Sobre o que você quer saber mais?

Visita ao Batalhão Fernando Machado Por Graciela de Conti Pagliari

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este semestre os alunos de Relações Internacionais das disciplinas de Segurança Internacional da graduação (4a fase) e do Mestrado tiveram a Fernando Machado, 63BI, do Exército Brasileiro. A visita ocorreu no dia 27 de maio e foi um momento relevante para o aprofundamento das discussões desenvolvidas ao longo do semestre, especialmente no que diz respei-

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às missões das Forças Armadas, papel e desafios para o Brasil em termos de segurança e defesa, indústria de defesa e contexto regional e internacional em termos de segurança e defesa. Os alunos foram recepcionados pelo Comandante do Batalhão TC Wagner, o qual palestrou acerca da “Segurança e Defesa: paradigmas e desafios”. As temáti-

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cas apresentadas e discutidas versaram sobre os aspectos mais relevantes da Estratégia Nacional de Defesa, seus reflexos nos projetos estratégicos do Exército, nas operações no amplo espectro, nas operações de paz e nas operações interagências. Além de prestigiarem uma exposição alusiva a participação do Batalhão nas missões de paz em Angola e no Haiti, tiveram a oportunidade de visualizar a preparação da tropa para a formatura que ocorreria no dia seguinte, o que incluiu demonstração de rapel e de uma tomada da base em um conflito. A visita serviu para sensibilizar os alunos em relação a vertente prática da defesa e também para colocá-los em contato mais direto com a vertente da política brasileira de segurança e defesa, como uma importante dimensão da política externa brasileira. Esta visita técnica demonstra claramente a multidisciplinariedade na formação do analista de relações inter-

nacionais. E o curso de Relações Internacionais da UFSC prima pela formação sólida nos mais diversos aspectos relacionados com a profissão do analista de RI, por isso a preocupação em integrar as áreas, os temas e possibilitar aos graduandos e mestrandos a sensibilização frente as diferentes áreas da política externa e das relações internacionais.

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Viagem dos alunos de OI 2 a Montevidéu

Por Prof. Karine de Souza Silva e alunas Júlia Rodrigues e Maria Victoria Medina

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s alunos da Disciplina “Organizações Internacionais II – Integração Regional” do Curso de Graduação em Relações Internacionais/UFSC realizaram uma visita técnica às sedes do MERCOSUL e da zaram uma visita técnica às sedes do MERCOSUL e da ALADI, na cidade de Montevidéu, no Uruguai, no período compreendido entre 26 e 31 de maio. A programação da viagem incluiu o seguinte roteiro: visita à sede da Associação Latino-americana de Integração (ALADI), onde os alunos assistiram a uma exposição sobre o funcionamento da Organização Internacional; palestras na sede do Mercosul, com funcionários da Secretaria, do Parlamento do Mercosul e do gabinete do Alto Representante; visita ao Centro de Formação para a Integração Regional (CEFIR), uma instituição da sociedade civil dedicada à pesquisa, à ação política e à formação em matéria de integração regional na América do Sul e, em especial, no Mercosul; e, por fim, o último evento ocorreu na Delegação Permanente do Brasil junto ao Mercosul e à ALADI, onde o grupo foi recebido pelos diplomatas brasileiros que discorreram sobre as nuances do trabalho de representação do país diante das duas Organizações citadas e sanaram dúvidas dos alunos sobre a carreira diplomática. Assim, o programa da viagem proporcionou aos acadêmicos uma experiência concreta sobre as várias

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formas de atuação em uma Organização de Integração, uma vez que incluiu palestras dos funcionários das próprias Organizações, dos representantes de uma delegação estatal, no caso, do Brasil e, por fim, da academia e da sociedade civil. A viagem cumpriu o papel de enriquecer e maximizar o aprendizado da disciplina de Organizações Internacionais II, ao passo que o conhecimento da prática significou um complemento e um reforço aos componentes téoricos desenvolvidos em sala de aula. A visita não só foi relevante para o aprofundamento da matéria de Organizações Internacionais II, mas também para a própria formação acadêmica e pessoal dos alunos, pois vivenciar a matéria é tão importante quanto estudá-la.

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Tudo aquilo que se perdeu no caminho, não foi dito, desencaminhou-se, não coube em palavras, mas que, ainda sim, merece espaço. O que você tem a acrescentar? Por Emilia Regina Franzosi, 5ª fase de psicologia UFSC Eu sozinha me despedi de ti, te mandei embora (apesar de você há tanto tempo já estar fora). Agora vou também para outro mundo a fim de viver não nossa vida mas por um segundo minha história. Eu (tão) sozinha Vagarei em mim por esses dias Finalmente me convenço de que não há nada a ser oferecido se enquanto você me abraça eu não estiver comigo. --------------Chorei E a vida Sacana Me trouxe Não café Mas poema Na cama POR Jéssica Fuchs, 5ª fase de psicologia UFSC existo, logo hesito exito parasito persisto desisto resisto me afeto me excito que quesito precisa pra ter sentido? pra ser sem (ter) tido?

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MILHAS Em um programa de fidelidade, quanto mais milhas acumuladas mais longe você pode ir, sem custo nenhum. Aqui no curso, nossos grupos de estudo são suas possibilidades de ir mais longe acumulando conhecimento da maneira que preferir. A taxa de embarque é escolher sua área de interesse. Sobre qual grupo você quer saber mais?

EIRENÈ Por Ivan Piseta

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EIRENÈ: Núcleo de Pesquisas sobre Integração Regional, Paz e Segurança Internacional, no primeiro semestre de 2014 passou por uma fase de experimentação através do novo projeto “EIRENÈ Cultura & Arte” que tem como intuito promover a Cultura de Paz através da inclusão da Cultura e da Arte no âmbito acadêmico das Relações Internacionais. Música, poesia, cinema, literatura, pinturas, tudo se faz válido para a realização da proposta através da contribuição dos alunos e da fomentação do debate por parte da organização. No segundo semestre de 2014 voltaremos com as atividades do EIRENÈ “normal”, com a proposta do Grupo de Estudos sobre Integração, Paz e Segurança Internacionais paralelamente ao EIRENÈ Cultura & Arte. Além da volta do Grupo de Estudos, o Núcleo contará com a Semana da Paz, a ser realizada entre 15 e 18 de Setembro, que contará com a apresentação dos trabalhos acadêmicos produzidos pelo núcleo, uma palestra magna e a exposição do Mandela Poster Project (além das atrações ainda não confirmadas). Mais informações em www.irene.ufsc.br

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