Fios maternos tecem redes sociais

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GOiâNiA, 8 A 14 de mAiO de 2011

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Comunidades

Fios maternos tecem redes sociais Paulo José

Cada vez mais mulheres buscam na internet conhecimentos e apoio para desvendar os desafios de se criar um filho Lourdes Souza

T

alvez Alice nem chegue a conhecer todos integrantes da rede que sua mãe formou na internet para partilhar os desafios de se criar uma criança com alergia alimentar. Até porque para a pequena de um ano e sete meses, que se alimenta somente com uma fórmula especial de aminoácidos, não faltam demonstrações de solidariedade. Mães de estados distantes de Goiás, como Bahia e Rio de Janeiro, não pensaram duas vezes para compartilhar latas do leite especial, que custa R$ 536, com Alice, quando a prefeitura de Goiânia ficou cerca de 42 dias sem fornecer o alimento, entre março e abril deste ano. As fórmulas foram enviadas pelos Correios e doações em dinheiro depositadas na conta bancária divulgada no site Amigos de Alice. A mãe de Alice, Andréia Cristina Siqueira, 34, não se intimida em afirmar que o maior conforto que recebeu até hoje foram de pessoas anônimas que conheceu na internet. “Elas mudaram a minha história como mãe e da minha filha, seja com doações ou uma palavra de conforto. São pessoas que nunca vi na vida, mas que compartilham as mesmas histórias e os mesmos sentimentos que eu”. A trajetória de Andréia pode até parecer exceção, mas não é. Nesse domingo, Dia das Mães, cada vez mais mulheres buscam na internet conhecimentos e apoio para desvendar os caminhos da maternidade. Se na década passada, a busca era feita com a própria mãe, parentes ou amigas, agora a rede passou a ser uma das principais fontes de informação.

NAVEGANTES

TEIAS

E foi pelo Twitter que a publicitária Camilla Regina Machado de Oliveira, 23, conseguiu tirar as dúvidas e decidiu o tipo de parto que realizará agora em junho. Samuel, seu primeiro filho, vai nascer de parto normal. “Conversas com mães que já passaram por essa experiência me ajudaram a tomar a decisão. Trocamos informações sobre o tempo do parto, se demora para nascer, as dores, tudo pela internet” Moradora de Brasília, ela também diz que usou a rede social para avisar as grávidas e mães sobre os hospitais que oferecem mau atendimento e cursos de gestantes. Para ela, essa comunicação descomplicada deve marcar a vivência dela com o filho. “Acho que a nossa comunicação vai ser bem direta, não vai haver receio de conversar sobre alguma coisa porque as informações estão aí e não tem como fugir”. Tecnologia que, antes mesmo do nascimento de Samuel, ganha espaço na comunicação das mulheres com a família. Estudo realizado no mês passado, pela Sophia Mind, quase 30% das mães optam pelo bate-papo instantâneo, MSN, 28% usam o e-mail, 22% mensagens de texto (SMS) e 20% as redes sociais para contato com os filhos. No contato entre as entrevistadas e suas mães, 10% usam e-mails e SMS e outras 7% usam o MSN.

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Acesse

ww.samshiraishi.com www.maesdase.org.br www.amigosdealice.com.br www.verparacrescer.com.br

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Twitter @millamachado @maecomfilho @maesdase

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Orkut/Comunidades Filhos/Alergia Alimentar-GO Alice Precisa de Neocate

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Contato telefônico Ainda sem site oficial, a Associação de Pais da Alergia Alimentar em Goiás (Apaago) pode ser contatada pelos telefones (62) 3287-7367 e 8464-0785.

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O comportamento feminino se alterou e, hoje, as brasileiras usam mais a internet do que assistem a televisão. Levanta men tos realizados pela Sophia Mind, empresa especializada em pesquisa e marketing feminino, apontam que, por semana, 39 horas são destinadas para a internet contra 21 horas para os programas televisivos. A presença das mulheres nas redes sociais também é significativa. 93% das usuárias da web acessam serviços de mensagens instantâneas ou sites de relacionamento. Só Andréia reúne 304 pessoas na comunidade Alice Precisa de Neocate, criada na rede social Orkut. Um grupo que não ajudou somente para a conquista de doações. A partir da comunidade, formou-se a Associação de Pais da Alergia Alimentar em Goiás (Apaago), que possui 15 mães que se encontram com frequência em Goiânia. A entidade ainda não possui sede própria, mas pela web as mães montaram uma Farmácia Comunitária para compartilhar alimentos e remédios de alto custo, que são essenciais para a sobrevivência de dos filhos. Elos virtuais que não poderiam deixar de ser tornar amizades na vida real. As conversas pela internet foram estendidas para o sofá de casa. Hoje, Andréia, mãe da Alice, está sempre em contato com Renata Simões, 29, mãe do Pedro, e Andréia Meneses, 27, mãe do Enzo. Elas, que se conheceram pelo Orkut, decidiram entrar na internet justamente para buscar mais informações sobre a doença, que possui poucas pesquisas cien-

tíficas feitas no Brasil. Juntas, participam também de um grupo de e-mails, e groups, batizado de Abobrinhas, que reúne mães de todo o país. “Optei pela internet porque a rede social liga as pessoas de todo o país de uma forma mais fácil. Entrei para pesquisar sobre a doença, não encontrei muitas informações, mas encontrei outras mães com quem troco informações diariamente”. Para a psicóloga especialista em Psicologia Clínica, Márcia Freire, diz que a comunicação pela internet é algo irreversível. E não tinha como ser diferente. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) 34,7% dos domicílios brasileiros tinham computador em 2009, e a internet chegava a 27,4% dos lares. “A internet ocupou a vida das pessoas de uma forma rápida e não há como negar que grande parte das relações passam pela rede de computadores”. De acordo com ela, se a web for bem usada, torna-se um campo fértil para a solidariedade, como provou Andréia Siqueira. “As pessoas já buscam grupos e temas pelos quais têm afinidade e isso favorece os relacionamentos e a troca precisa de informações”.

Andréia Siqueira, Andréia Meneses e Renata Simões se conheceram na internet e decidiram montar uma associação

Em busca de desaparecidos Por uma ironia do destino, o intercâmbio virtual pelo qual Ivanise Esperidião da Silva recebe contatos e e-mails de mães de todo o país em busca de seus filhos, nunca lhe trouxe nenhuma pista da filha Fabiana Esperidião, hoje com 29 anos, que despareceu em 23 de dezembro de 1995, a 200 metros de sua casa, em São Paulo. Fundadora e presidente da Associação Brasileira de Busca e Defesa a Crianças Desaparecidas (ABCD), mais conhecida como Mães da Sé, em São Paulo, diz que passará mais um Dia das Mães com a sensação de vazio. Ela diz que há 15 anos alimenta a esperança de receber um abraço da filha no segundo domingo de maio. “Mas parece que esse dia vai demorar a chegar. Apesar do reconhecimento do trabalho da associação em todo o Brasil e no exterior, nada do que faço

substitui a dor pelo sumiço de minha filha”. Da fundação em março de 1996 bastou apenas um ano para o ingresso da Orga nização Não-Governamental (ONG) na internet. Ivanise diz que o site das Mães da Sé entrou no ar, em 1997, e desde então, é alimentado pelo trabalho de voluntários. “Hoje, o nosso site está desatualizado porque dependo da solidariedade dos outros para a manutenção do trabalho”. Na ONG, além de Evanise, há apenas outros dois funcionários voluntários, que colaboram para toda a manutenção da entidade. Mas, mesmo com as dificuldades, a entidade está atenta às novidades tecnológicas. Além do site, a associação está no Orkut e Twitter. Em 15 anos de existência, foram cadastrados na ONG mais de nove mil pessoas desaparecidas. No site, há

mais ou menos 200 fotos de desaparecidos pelo país. Em 15 anos de atuação, as Mães da Sé, conseguiram encontrar, até o dia 31 de março, 2.557 pessoas com vida e 206 óbitos. Segundo ela, a internet tem sido uma ferramenta de busca muito rápida e que consegue atingir um número grande de pessoas em pouco tempo. “Já encontramos muitas pessoas pela internet. Uma jovem de 18 anos, desaparecida há oito, voltou para a família depois que sua foto foi vista em nosso site”. No ano passado, um garoto de 16 anos também foi reencontrado através do site Mães da Sé. Ele fugiu de sua casa, num município na região Sul do país, e veio par São Paulo, e foi localizado, quatro meses depois, em Santos por um grupo de voluntários que o levaram para um abrigo. Ivanise conta

que os responsáveis pelo abrigo viram uma foto do menor no site e acionou a entidade. “Buscamos o Conselho Tutelar da cidade e a família veio até São Paulo encontrálo. Temos vários relatos de reencontros em nosso site”. Apesar das facilidades proporcionadas pela internet, a presidente das Mães da Sé chama a atenção para o uso responsável da rede. Segundo ela, muitas divulgações são feitas sem critérios e de forma irresponsável. “Ainda tem os desvios. Quase todos os dias respondo pelo menos dois e-mails do desaparecimento de um garoto chamado Tiago. Ele já foi encontrado e devolvido para a família em 2006”. O site das Mães da Sé somente divulga fotos de desaparecidos após o envio do boletim de ocorrência pela família e autorização assinada por um responsável.

De pais para filhos Não é exagero afirmar que o intercâmbio virtual está presente em quase todo o dia da jornalista Sam Shiraishi. Mãe de dois filhos, de 11 e 5 anos, está conectada a 19 redes sociais, entre blogs, sites de relacionamentos e canais de bate-papo. Uma aproximação que acabou migrando o foco de sua carreira para as plataformas da internet. Ela conta que tudo começou em 2005, quando se mudou de Curitiba para São Paulo e decidiu montar um blog para dar notícias aos familiares que ficaram no sul do país. Na época, Sam escrevia para uma revista do Canadá e nas horas vagas alimentava o blog 'A vida como a vida quer'. “Me encantei com as coisas que tinham para fazer em São Paulo com as crianças e comecei a postar fotos e os relatos de nossos passeios”. O encantamento com as possibilidades de comunicação oferecidas pela internet também foi crescendo e Sam acabou se especializando na web 2.0, que prioriza os relacionamentos e as trocas de informações entre os internautas. Ela, então, formou uma rede de mães, num site colaborativo, que se extinguiu em 2007, e reunia mães blogueiras.

Sam Shiraishi e os filhos: redes sociais integram famílias e criam novos vínculos afetivos

Hoje, além do blog A vida como a vida quer, Sam tem um grupo de mães e pais com filhos, no Facebook, que possui cerca de 500 participantes do Brasil e exterior. Ela participa também de um grupo de emails com outras 150 pessoas e no Twitter (@maecomfilho) tem mais de mil seguidores. “Os grupos na internet podem ser comparados com a pracinha de antigamente. É um lugar onde você vai conversar com outras mães sobre questões de interesse comum”. Sam diz que a mãe tende a ficar meio isolada depois que volta ao trabalho, após a licença maternidade. “Não são todas as pessoas que têm paciência para falar de nenê. Nem todos estão abertos para ouvir tudo o que a gente tem para falar sobre os filhos. E na internet, você tem com quem conversar e percebe que é só mais uma mãe, com

dúvidas comuns”. Representante da América Latina no Norton Online Family Advisory Council, plataforma que visa a promoção da comunicação de pais e filhos on-line, desde junho de 2010, ela avalia que as mães estão mais presentes do que os pais nas redes sociais e buscam, principalmente, informações sobre comportamento. “Geralmente, os homens estão discutindo questões práticas de produtos e tecnologias enquanto as mulheres estão mais aberta para a troca de informações e experiências. Independente da classe social ou formação profissional, as mulheres vão discutir, em geral, os mesmos temas e com a mesma ânsia”. Relatório publicado em julho do ano passado, pela empresa ComScore, amostrava que as redes sociais alcançavam uma maior por-

centagem de mulheres do que de ho mens. O tempo gasto pelas mulheres nas redes era cerca de 1,6 hora a mais do que o dispensado pelo público masculino. E as atividades desenvolvidas pelas mulheres na internet também têm influenciado a comunicação dos filhos. A jornalista criou o blog para falar dos filhos, o projeto foi ampliado e hoje apresenta dicas para pais e filhos sobre tecnologia e relacionamentos. Parte deste grupo virtual, decidiu montar um blog para os filhos. O blog Ver para Crescer é feito por filhos de blogueiras, entre elas a Sam. Desdobramentos que apontam para uma rede que não para de crescer. “Os meninos são amigos e isso deve se consolidar. Isso porque encontramos mais afinidades, às vezes, com pessoas distantes do que vizinhos que estão ao seu lado”.


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