M emória
Romance da Água Branca Ao final da década de 1930, a cidade de São Paulo despertou para o desenvolvimento alucinado, no curso de duas décadas a população da cidade dobrou e se tornou a maior metrópole industrial da América Latina. Personalidades ícones de riquezas, elegância, modernismo, exuberavam por todos os lados. Ao lado sonorizava família Guinle, irmãos Mendes Caldeira, Conde Matarazzo, imigrantes notáveis constantemente enriquecendo a cidade, inclusive desembarca oprincipe polonês Roman Sanguszko, casa-se com a filha de um loteador, a sofisticada Germaine Lucie Burchard, que seria sucessivamente Condessa de Gontanl-Biron e Princesa Sanguzko. Imigrantes italianos chegaram com sua cultura de trabalho árduo e enriqueceram, identificando a sua presença na paisagem da cidade que os havia acolhido. O Parque da Água Branca estava no centro desse vulcão. O belíssimo Jardim havia sido formado no início do Século XX, em meados de 1904, pelo então Prefeito de São Paulo, Dr. Antônio da Silva Prado, e evoluiu bravamente com sua maravilhosa sede no estilo Normando, materializado pelo engenheiro Mario Wathely com seus vitrais do Portal de entrada, em estilo Art Déco, desenhados por Antônio Gomide. Localizado inicialmente na ainda poeirenta Avenida Água Branca, inaugurada como a Escola Prática de Pomologia e Horticultura, foi fundado oficialmente em 2 de junho de 1929 pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e contava com várias seções: Veterinária, Defesa Sanitária Animal, Caça e Pesca, Produção Animal entre outras. Tanques de peixes, um pequeno Zôo, um caramanchão e até um
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Revista Mangalarga • Dezembro /2015
cinema mudo formavam uma área especial para o lazer. O Governo Getulio Vargas reiniciou as exposições agropecuárias brasileiras e finalmente em 1940 bradou a maior de todas, quando o Secretário da Agricultura Fernando Costa inaugurou a IX Exposição Nacional de Animaes e Productos Derivados que atingiu o patamar imprevisível de 2073 animais presentes. Para comparecer a esse maior evento brasileiro, a população contava com desconto nas passagens de trem, assim como no transporte dos animais havia uma programação especial, e assim nossos Mangalargas aterrissavam sob as luzes da ribalta da Estação da Luz e eram pomposamente conduzidos através das ruas cintilantes dessa metrópole até o “ponto de encontro” no ápice da criação Nacional, Parque da Água Branca, nesse auge portando na sua rua de acesso a portentosa lembrança da nossa maior lembrança aristocrática, a inigualável Germaine Buchard. O Mangalarga operava junto ao gado Caracu, e sua delegação foi fantástica, com os mais destacados equinos brasileiros. Nesse período da nossa história a equinocultura estava acompanhando o maior e mais ávido comprador, o Exército Brasileiro, e as raças de hipismo possuíam os holofotes, mas o Mangalarga era montado e criado pelos nossos maiores agropecuaristas, rompendo nossos sertões paulistas. Nesse sofisticado ambiente o Mangalarga foi sensacional, nas provas de agilidade brilharam as tropas paulistas, nesta exposição, no Concurso de Agilidade venceu Portenho, montado por seu criador de Sylvio Torquato Junqueira, seguido por Anisete, criação de Sebastião Malheiros e montado pelo companheiro Ernesto Junqueira Franco.
Ernesto Junqueira Franco também apresentou e pontuou Beija Flor, uma criação de Gabriel Jorge Franco. O Grande Campeão foi Invasor, apresentado por seu criador Sebastião de Assumpção Malheiros, um filho de Faveiro do Edmundo Diniz Junqueira e Porcelana do Francisco Orlando Diniz Junqueira. Elegantemente a continuidade do Parque da Água Branca, reinaugurado com o nome de seu maior incentivador, passou a ser conhecido por Parque Fernando Costa, e ali passaram os grandes ícones da Raça Mangalarga. As exposições da Água Branca aconteciam no inverno, os criadores orgulhosamente portando os mais elegantes ternos e chapéus de pelo de castor importados, e suas esposas, que eram carinhosamente tratadas por “Donas”, se preparavam meses antes para esse evento e faziam da passagem em frente à arquibancada o maior desfile do ano. Nós, crianças, nos dirigíamos a nossos pais, avós e seus amigos por “senhor” ou “senhora”, não podíamos nos envolver nas conversas de adultos e até fazíamos nossas refeições separados. Os peões também possuíam botas elegantes e estavam sempre trajados com camisas de manga longa e alguns com lenços no pescoço. Eram funcionários de uma casta superior. Nas fazendas começava muito antes o preparo para a exposição de São Paulo, os animais escolhidos recebiam o melhor pasto cortado e colocado na baia, inclusive alfafa e aveia vindas de grandes distâncias, eram escovados e flanelados várias vezes ao dia, recebiam aplicações de babosa nas crinas e eram montados por selas importadas que de tão exclusivas eram guardadas na casa sede. Para o transporte, já em caminhões,