Nossas florestas e o planeta Terra - OpCP44

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ISSN: 2177-6504

FLORESTAL: celulose, papel, carvão, siderurgia, painéis e madeira ano 13 • número 44 • Divisão F • jun-ago 2016

nossas florestas e o planeta Terra



índice

nossas florestas e o planeta Terra Produtores de florestas:

Editorial de abertura:

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Augusto Praxedes Neto

Gerente de Sustentabilidade do Grupo Jari

Ensaio especial:

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Gerd Sparovek

Professor de Ciência do Solo da Esalq-USP

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Paulo Henrique Groke Junior

Diretor de Sustentabilidade no Instituto Ecofuturo

Denivaldo Toledo Camargo

Gerente Florestal e Sustentabilidade da Melhoramentos

Adriana Maugeri

Gerente Socioambiental da Plantar Reflorestamentos

Antonio Joaquim de Oliveira Presidente Executivo da Duratex

Regis Mendonça Pereira

Coordenador de Meio Ambiente da Vallourec Florestal

Organizações não governamentais:

36 39 41 43

Beto Veríssimo

Pesquisador do Imazon - Inst do Homem e Meio Ambiente

Roberto Silva Waack

Cientistas e consultores:

20 23 26 28 30 32 34

Niro Higuchi

Pesquisador do INPA

Fabio Feldmann

Presidente da Fabio Feldmann Consultores

Osvaldo Luiz Leal de Moraes Diretor do Cemaden

Mônica Cabello de Brito Diretora da Casa da Floresta

Sérgio Ahrens

Pesquisador da Embrapa Florestas

Alfredo Kingo Oyama Homma

Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental

Vera Lex Engel

Professora de Ciência Florestal da Unesp-Botucatu

Presidente do Conselho do WWF Brasil

Adriana de Carvalho Barbosa Ramos Coordenadora do ISA - Instituto Socioambiental

Mario Cesar Mantovani

Diretor de Políticas Públicas da SOS-Mata Atlântica

Editora WDS Ltda e Editora VRDS Brasil Ltda: Rua Jerônimo Panazollo, 350 - 14096-430, Ribeirão Preto, SP, Brasil - Pabx: +55 16 3965-4600 - e-Mail Geral: Opinioes@RevistaOpinioes.com.br n Diretor Geral de Operações e Editor Chefe: William Domingues de Souza - 16 3965-4660- WDS@RevistaOpinioes.com.br nCoordenadora Nacional de Marketing: Valdirene Ribeiro Souza - Fone: 16 3965-4606 - VRDS@RevistaOpinioes.com.br nVendas: Lilian Restino - 16 3965-4696 - LR@RevistaOpinioes.com.br • Francine da Mata Silva - 16 3441-0343 - FM@RevistaOpinioes. com.br • Priscila Boniceli de Souza Rolo - Fone: 16 99132-9231 - boniceli@globo.com n Assistente do Editor Chefe: Fernanda Aparecida da Silva e Silva - 16 3965-4661 - FS@RevistaOpinioes.com.br nJornalista Responsável: William Domingues de Souza - MTb35088 - jornalismo@RevistaOpinioes.com.br nEdição Fotográfica: Priscila Boniceli de Souza Rolo - Fone: 16 99132-9231 - boniceli@globo.com n Projetos Futuros: Julia Boniceli Rolo - 2604-2006 - JuliaBR@RevistaOpinioes.com.br nProjetos Avançados: Luisa Boniceli Rolo - 2304-2012 - LuisaBR@RevistaOpinioes.com.br nConsultoria Juridica: Priscilla Araujo Rocha nCorrespondente na Europa (Augsburg Alemanha): Sonia Liepold-Mai - Fone: +49 821 48-7507 - sl-mai@T-online.de nDesenvolvimento de Mercados na Ásia: Marcelo Gonçalez - MG@RevistaOpinioes.com.br nExpedição: Donizete Souza Mendonça - DSM@RevistaOpinioes.com.br nCopydesk: Roseli Aparecida de Sousa - RAS@RevistaOpinioes.com. br nTratamento das Imagens: Luis Carlos Rodrigues (Careca) nFinalização: Douglas José de Almeira nArtigos: Os artigos refletem individualmente as opiniões pessoais de seus próprios autores n Foto da Capa: Banco de Fotos da Revista Opiniões nFoto do Índice: Banco de Fotos da Revista Opiniões nFotos das Ilustrações: Paulo Alfafin Fotografia - 19 3422-2502 - 19 8111-8887 - paulo@ pauloaltafin.com.br • Ary Diesendruck Photografer - 11 3814-4644 - 11 99604-5244 - ad@arydiesendruck.com.br • Tadeu Fessel Fotografias - 11 3262-2360 - 11 95606-9777 - tadeu.fessel@gmail. com • Acervo Revista Opiniões e dos específicos articulistas nFotos dos Articulistas: Acervo Pessoal dos Articulistas e de seus fotógrafos pessoais ou corporativos nVeiculação Comprovada: Através da apresentação dos documentos fiscais de pagamento dos serviços de Gráfica e de Postagem dos Correios nTiragem Revista Impressa: 4.000 exemplares nRevista eletrônica: Cadastre-se no Site da Revista Opiniões e receba diretamente em seu computador a edição eletrônica, imagemn fiel da revista impressa nPortal: Estão disponíveis em nosso Site todos os artigos, de todos os articulistas, de todas as edições, de todas as divisões das publicações da Editora WDS, desde os seus respectivos lançamentos nHome-Page: www.RevistaOpinioes.com.br

Conselho Editorial da Revista Opiniões: ISSN - International Standard Serial Number: 2177-6504 Divisão Florestal: • Amantino Ramos de Freitas • Antonio Paulo Mendes Galvão • Celso Edmundo Bochetti Foelkel • João Fernando Borges • Joésio Deoclécio Pierin Siqueira • Jorge Roberto Malinovski • Luiz Ernesto George Barrichelo • Marcio Nahuz • Maria José Brito Zakia • Mario Sant'Anna Junior • Mauro Valdir Schumacher • Moacir José Sales Medrado • Nairam Félix de Barros • Nelson Barboza Leite • Roosevelt de Paula Almado • Rubens Cristiano Damas Garlipp • Sebastião Renato Valverde • Walter de Paula Lima Divisão Sucroenergética: • Carlos Eduardo Cavalcanti • Eduardo Pereira de Carvalho • Evaristo Eduardo de Miranda • Jaime Finguerut • Jairo Menesis Balbo • José Geraldo Eugênio de França • Manoel Carlos de Azevedo Ortolan • Manoel Vicente Fernandes Bertone • Marcos Guimarães Andrade Landell • Marcos Silveira Bernardes • Nilson Zaramella Boeta • Paulo Adalberto Zanetti • Paulo Roberto Gallo • Pedro Robério de Melo Nogueira • Plinio Mário Nastari • Raffaella Rossetto • Roberto Isao Kishinami • Tadeu Luiz Colucci de Andrade • Xico Graziano


editorial de abertura

nossas florestas e o planeta Terra “Gigante pela própria natureza”, como afirma o nosso hino nacional. Pura verdade. Uma vasta extensão territorial caracterizada pela maior cobertura florestal do planeta. Ainda que possamos ostentar esse status, em nada se comparam a riqueza florestal que detínhamos nos tempos do descobrimento, quando fomos alvo de um processo de colonização que visava à utilização exatamente desses recursos, principalmente a do pau-brasil, primeira espécie a ser explorada em escala comercial. As florestas constituem um tema da maior relevância para o planeta, de tal modo que as múltiplas interpretações, acepções e discussões sobre esse assunto chegam a impressionar. Portanto escrever sobre o tema é uma tarefa que mexe com a nossa racionalidade e, principalmente, com nossas emoções e reações, pela importância que tem para o nosso bem-estar, para o País, para a humanidade, em suas múltiplas culturas e formas. Nesse sentido, dois campos do debate me chamam a atenção. O primeiro trata do contexto histórico em que nossas florestas nativas, ainda no período colonial, em razão da satisfação de necessidades humanas básicas, em época de pouco referencial científico e tecnológico disponível, começam a ceder espaço para espécies exóticas, visando à produção de alimentos, por meio da conversão de florestas em pastagens e plantações de frutíferas, cereais, cana-de-açúcar, legumes, hortaliças, etc. Isso ocorreu num cenário sem outras formas de produção de alimentos em escala, a não ser pela introdução das culturas de ciclo rápido, a fim de dinamizar a produção agropecuária para prover a população participante do processo de colonização. Nesse contexto, destaco um indicativo básico: onde há floresta nativa, também estão as condições para que outras espécies possam se desenvolver.

Esse processo de substituição de espécies nativas pela produção de alimento, desde o descobrimento até os dias de hoje, nos colocou entre os países de maior destaque na produção de alimentos. São milhões de hectares com plantio de soja, milho, pastagens para criação de gado, café, frutas, etc. Naquele momento histórico da colonização e por muitos anos depois, não se dispunha de conhecimento científico e de nenhuma legislação que pudessem nortear a racionalidade de supressão florestal. Por outro lado, com o avanço do processo de conversão de florestas em pastos e lavouras, com a evolução científica e tecnologica sobre o uso do solo e da floresta, e o advento das leis para disciplinar o uso da terra e dos recursos naturais sob o enfoque da sustentabilidade, várias políticas de incentivo, regulamentação e controle da produção agropecuária, ao lado de políticas de preservação e conservação florestal, foram constituídas e implementadas, mas, até então, não se mostraram capazes de conter o avanço do desmatamento, que se manteve em níveis elevados, provocando alterações ambientais que ameaçam o equilíbrio do planeta e o bem-estar da humanidade, na medida em que as florestas continuam sendo suprimidas além da necessidade e sem os devidos cuidados para evitar prejuízos ao estoque de recursos naturais, que deveria ser conservado para servir às futuras gerações. Isto é, se, por um lado, concebemos a necessidade de suprimir florestas para produzir alimentos, por outro, reconhecemos que é preciso “intervir” para aumentar a produção de alimentos sem, contudo, aumentar o desmatamento, e, aqui, diante desse impasse, chegamos ao segundo campo do debate: florestas plantadas. Ao evoluirmos em conhecimento e tecnologia e no marco legal necessários para inverter de forma racional, a estratégia de “plantar florestas” surge como alternativa para manter a produção de alimentos e suprimentos, além de corrigir erros do passado com o desmatamento de milhões de hectares sem critérios ambientais e legais, que mais tarde foram abandonados por questões de falta de planejamento estratégico, baixa produtividade e mercado e ausência de comando e controle governamental, para direcionar os rumos da produção com respeito ao meio ambiente.

Ao evoluirmos em conhecimento e tecnologia e no marco legal necessários para inverter de forma racional, a estratégia de 'plantar florestas' surge como alternativa para manter a produção de alimentos e suprimentos, além de corrigir erros do passado com o desmatamento de milhões de hectares sem critérios ambientais e legais "

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Opiniões Esse paradoxo levou o agronegócio a se repensar sob a perspectiva do desenvolvimento sustentável, valendo-se de novas tecnologias para produção racionalizada, mudanças na forma de gestão dos negócios e intensos programas de pesquisa em conjunto com a Embrapa, universidades e institutos de pesquisa conceituados. Os efeitos dessas mudanças e investimentos no agronegócio brasileiro passaram a incorporar excelentes resultados na balança comercial do País. É exatamente nesse cenário de amadurecimento do agronegócio que entra em cena a implantação de florestas para ocupar áreas abandonadas, degradadas e ou de baixa produtividade. E, nessa direção da formação de floresta, destaca-se o eucalipto, uma espécie exótica de alta produtividade que se adaptou muito bem ao clima e ao solo brasileiro, transformando-nos em um grande produtor de florestas cultivadas, com alta produtividade e competitividade, principalmente para a produção de celulose, geração de energia, produção de papel, fármacos, indústria alimentícia, carvão, móveis, construção civil, etc. Além das áreas recuperadas com implantação de florestas cultivadas, o governo brasileiro incentivou, através de políticas de regulamentação para supressão vegetal de áreas nativas, a expansão da cadeia produtiva da celulose, visando ao desenvolvimento econômico e social por meio da geração de emprego e renda e do fortalecimento das economias locais dos diferentes municípios, estados e regiões onde as florestas cultivadas se estabeleceram. Entre os vários exemplos e casos de sucesso desse modelo de negócio, destaco o caso da Jari Celulose, não só por participar pessoalmente da história dessa empresa, antes mesmo de fazer parte do seu quadro de colaboradores, mas, sobretudo, por sua função e sua importância estratégica para o desenvolvimento econômico e social e para a conservação florestal da região. A Jari Celulose fez parte de um dos maiores projetos agroindustriais do planeta, implantado em 1967, em Almeirim, divisa entre os estados do Pará e do Amapá, na região amazônica, tendo como principal atividade a produção de floresta

Augusto Praxedes Neto Gerente de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Grupo Jari

plantada para fabricação de celulose branqueada para o mercado de papel. Devido à falta de infraestrutura e de mão de obra qualificada, foram construídas quatro vilas com casas de alvenaria, tratamento de água, energia elétrica, postos de saúde, clubes, praças, hospital, restaurantes, escolas até ensino médio, além de porto, aeroporto, 70 km de ferrovia e cerca de 9 mil km de estradas e ramais. A partir da implantação da empresa, mudanças significativas repercutiram em toda a região. A economia, até então baseada em culturas agrícolas e extrativistas de subsistência, tomou novos rumos. Antes uma região com baixa densidade demográfica, a população existente era praticamente de pessoas que estavam a serviço da empresa; com o tempo, formaram-se duas cidades na margem esquerda do rio Jari, Laranjal do Jari e Vitória do Jari, além de Almeirim, cuja população dobrou, de modo que a região soma, hoje, aproximadamente, cem mil habitantes nos três municípios. O reflexo na economia da região foi substancial. Almeirim, que antes sobrevivia praticamente do agroextrativismo, está entre os municípios do estado do Pará que mais arrecada. Laranjal do Jari tornou-se a terceira economia do estado do Amapá. Mesmo no contexto atual da crise política e econômica pela qual passa o País, a Jari Celulose ainda mantém, aproximadamente, três mil postos de trabalho, entre funcionários próprios e de terceiros, dinamizando uma ampla rede de relações comerciais e serviços públicos e privados, que se estabelece em torno da indústria. Em suma, quando abordamos aqui o tema das florestas e do planeta, não há como não fazer uma relação com a atuação da Jari Celulose na região do Vale do Jari, que, através da atividade de manejar florestas plantadas e nativas, de forma racional e sustentável, exerce uma influência econômica e social na geração de trabalho, de renda e de divisas econômicas, bem como exerce uma função ambiental estratégica, na conservação da floresta em pé e no controle do desmatamento, ;


editorial

Opiniões

motivada pela pressão agropecuária e madeireira ilegal que avança na Amazônia e, consequentemente, nessa região, contribuindo diretamente para que Almeirim continue entre os municípios mais verdes do estado do Pará. Para garantir a conservação da floresta em pé e interromper o avanço do desmatamento na região, a empresa lança mão da legislação ambiental, respeitando e atuando em conjunto com as instituições de meio ambiente, segurança pública e justiça e conta com o apoio de um aliado estratégico – as comunidades agroextrativistas da região que habitam a floresta no entorno da área de atuação da empresa. Essa aliança estratégica foi construída ao longo do tempo, mas ganhou força e expressão a partir da atuação da Fundação Jari nas comunidades. Entre os anos 2004 e 2006, a Fundação, com o apoio técnico da USP e da UFPA, realizou um diagnóstico socioambiental para aprofundar o conhecimento sobre o modo de vida das 98 comunidades situadas no entorno da atuação da empresa, buscando compreender sua interação com os recursos da floresta e do meio ambiente, com o poder público e com a própria empresa. Com base nos resultados desse estudo, a Fundação Jari vem desenvolvendo programa e projetos em conjunto com poder público e com uma ampla rede de parceiros locais, nacionais e internacionais, na construção de soluções para a autossustentação e a melhoria da qualidade de vida das comunidades. São vários os projetos em desenvolvimento: fortalecimento do terceiro setor e do sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente, projeto de qualificação profissional da juventude e mão de obra local, assistência técnica aos pequenos produtores rurais, em conjunto com instituições públicas, com vista a garantir investimentos para viabilizar o fortalecimento da agricultura familiar, educação ambiental com visão holística, visando à sustentabilidade das pequenas propriedades, sobretudo no desenvolvimento de negócios extrativistas, a partir do uso sustentável dos recursos naturais da floresta. No caso dos negócios sociais voltados a incentivar a atividade extrativista de produtos não madeireiros, destaca-se a coleta de castanha-do-pará, por sua importância econômica e social para a região; no entanto, em modelo diferenciado do tradicional, hoje, através da Fundação Jari e de parceiros, foram criadas organizações sociais para capacitar os extrativistas para obter um produto de melhor qualidade, de forma a possibilitar que os extrativistas consigam melhores preços no mercado, como também foi possível tornar a atividade ser financiada a partir de convênio de cooperação técnica entre instituições financeiras, Fundação Jari e comunidades envolvidas, o que está gerando grandes resultados econômicos para a região. Os vários projetos desenvolvidos através da Fundação, no segmento agroextrativista, tem como ponto alto a redução da pressão sobre a floresta, com foco em reduzir o desmatamento, a caça e a pesca predatórias, e garantir a manutenção dos recursos naturais a serviço das populações rurais, que, sem dúvida, é uma contribuição relevante para a sustentabilidade da floresta e do planeta. Ainda com vista à proteção do meio ambiente e à recuperação de áreas degradadas e abandonadas oriundas de agricultura itinerante, a empresa implantou um programa de fomento florestal para contribuir para a recuperação dessas áreas através do plantio de eucalipto. Esse projeto foi implementado em 2008. Nos seis primeiros anos, a empresa financiou com recursos próprios, além de doar as mudas, fornecer insumos e prestar assistência técnica; atualmente, através de um convênio com o Banco da Amazônia, o produtor, organizado em uma cooperativa (Coopmar), está obtendo financiamento direto com a instituição financeira. Em maio do próximo ano, a Jari Celulose completará 50 anos, consolidando a sustentabilidade na expressão exata da palavra, com a produção de celulose com alto valor agregado, o compromisso com a sociedade, através de suas múltiplas ações da Fundação Jari, e o compromisso com o meio ambiente, através do manejo responsável de suas florestas plantadas e mantendo conservadas as florestas nativas sob sua gestão. Ao longo de quase meio século, podemos dizer que muito foi feito em prol do desenvolvimento da região, sem deixar de admitir que ainda há muito a se fazer e aprender. O desafio continua a cada dia, e, sem dúvidas, em tempos de crise, tais desafios se tornam ainda maiores e mais difíceis de contornar. Por estarmos na Amazônia, o cuidado em produzir com baixo impacto, contribuindo para n equilíbrio climático real do planeta, é redobrado.



produtores de florestas

um mosaico da história Na década de 1980, já existia um Código Florestal brasileiro, mas era como se não existisse. A questão das mudanças climáticas globais começava a ser discutida por um punhado de “desvairados” pesquisadores. As macroextinções da biodiversidade eram cinco e não as seis atuais. A falta d’água era coisa de países distantes. O conceito da sustentabilidade, forjado em 1972, ainda engatinhava. O marco legal do licenciamento ambiental havia nascido no primeiro ano da década. A certificação florestal ainda levaria mais uns quinze anos para vir ao mundo. O antropoceno não era uma era. No entanto, numa daquelas conjugações de fatores que acabam por determinar o rumo dos acontecimentos de sucesso, as empresas de base florestal no Brasil, impulsionadas por comportamentos de inovação e dinamismo, pela formação de equipes de olhar técnico e operacional acurado, pelo comprometimento de universidades e institutos de pesquisa com o avanço da ciência e, finalmente, por incentivos fiscais federais para ampliação da base florestal, acabaram por dar o passo que as transformaria na vanguarda socioambiental do setor econômico. A silvicultura brasileira é referência mundial por sua tecnologia e produtividade. Sua história de sucesso é sistematicamente abordada, mas o processo de como o setor construiu seu componente de sustentabilidade nem sempre é claro. É esse, portanto, o objeto deste artigo. Aconteceu mais ou menos assim... Passada a década de 1970 e início dos anos 1980, nos quais a implantação de qualquer atividade de escala exigia anterior desmatamento, hoje eufemisticamente denominado de conversão (te converto em atividade econômica digna, ó vegetação infiel!), ficou evidente que a configuração regional e topográfica de algumas regiões que receberam a silvicultura possibilitou a manutenção de

importantes remanescentes florestais nativos, notadamente nas fisionomias do bioma Mata Atlântica. Essa condição acabou por tornar as empresas de base florestal, mais do que as de qualquer outro setor da economia, fiéis depositárias de um patrimônio biológico de inestimável valor. Ainda na década de 1980, estimuladas por um conceito florestal advindo da academia, algumas empresas criaram seus departamentos de Ambiência, embriões das atuais áreas de Sustentabilidade. Esses setores tentavam dar conta de trazer a pauta da conservação e da proteção florestal para os ambientes de planejamento e operação. Para muito além dos naturais embates entre o “planta não planta” e o “corta não corta”, havia uma estimulante abertura para discussões internas e de compartilhamento técnico entre empresas do segmento. Ação ainda impensável para outros setores da economia, algumas organizações começaram a realizar seus primeiros inventários sobre a biodiversidade que ajudavam a conservar. Os levantamentos de avifauna se tornaram a porta de entrada para muitas outras pesquisas. É interessante ressaltar que esses trabalhos não estavam relacionados às condicionantes de processos de licenciamentos ou às exigências de certificação: aconteciam porque se julgava interessante o reconhecimento do impacto das plantações florestais sobre esse grupo da fauna. Os anos 1990 testemunharam a introdução do conceito do cultivo mínimo e do manejo integrado de pragas e doenças, estratégias que ajudaram na conservação do solo, no menor uso de defensivos e na economia de recursos.

Se um dia o Brasil romper com a nefasta tradição de não cumprimento das metas que assume, uma nova economia florestal irá se formar, e a ela estarão associados todos os aprendizados colecionados pelo setor florestal brasileiro. "

Paulo Henrique Groke Junior

Diretor de Sustentabilidade no Instituto Ecofuturo


Opiniões Importantes programas de educação ambiental também foram iniciados na década. Ainda nos anos 1990, parte das empresas começou a dar mais atenção à restauração de áreas degradadas e a incorporar ajustes ao layout de ocupação de plantios mais antigos, adequando espacialmente as hoje famosas Área de Preservação Permanente – APPs, e Reservas Legais – RL. Cabe aqui um pequeno atalho para os dias atuais: somente cerca de duas décadas depois, impulsionado pela discussão do novo Código Florestal Brasileiro – CFB, o tema passou a compor a agenda do setor agropecuário. Nas extensas, desgastantes e por vezes desencorajadoras discussões que caracterizaram a construção do novo CFB, o setor florestal contribuiu significativamente para mostrar que a dicotomia entre produção e conservação não faz sentido. Retornando à história... APPs e RLs em campo ajudam a efetivar a conectividade entre áreas naturais e aumentam a permeabilidade da paisagem, permitindo fluxo gênico, fundamental para a conservação da biodiversidade. Estabeleciam-se paisagens compostas por ativos naturais, quer representados pelos plantios florestais, quer pela vegetação nativa. Para engenheiros florestais, agrônomos e biólogos, trata-se de excepcional condição para a implementação dos conceitos da Biologia da Conservação, formulados nos EUA no final da década de 1970. Quando se fala nisso, alguns colegas pensam imediatamente em “mosaicos florestais”. No entanto é bom que se considere que o conceito de mosaico florestal é muito mais complexo do que uma bonita foto aérea na qual plantios e matas nativas compõem uma paisagem verde. A expressão maior do mosaico pressupõe, além dos citados belos elementos da foto, diversidade de materiais genéticos e de estágios silviculturais. Em jogo, não apenas a conservação da biodiversidade, mas a dinâmica hidrológica e a segurança das plantações contra pragas e doenças. Em meados da década de 1990, derivado de intensas discussões, surge o Princípio 10 do FSC – Forest Stewardship Council, dando o pontapé inicial para o desenvolvimento dos programas de certificação das plantações florestais. Em 2005, veio o Diálogo Florestal, iniciativa que colocou na mesma mesa empresas florestais e organizações ambientalistas. Além da aproximação que possibilitou a apresentação e discussão de temas de interesse, o programa resultou em ganho de confiança entre as partes e inspirou atores do setor agropecuário.

Outras plataformas de discussão, como a New Generation Plantations – NGP, também são criadas para promover trocas sobre a contribuição das florestas plantadas para a economia, comunidade e ambiente. Voltando às APPs e RLs, empresas, agora também motivadas por mecanismos legais ou de certificação, vêm investindo cada vez mais em processos de restauração florestal. Essa restauração é conduzida por meio da regeneração natural, enriquecimento/adensamento e plantio convencional, de acordo com as características locais. Chegamos aos dias atuais com um grande legado, senso de responsabilidade e atenção às oportunidades. O iNDC brasileiro – intended Nationally Determined Contribution, apresentado na COP 21, estabelece que 12 milhões de hectares deverão ser restaurados até 2030. Se um dia o Brasil romper com a nefasta tradição de não cumprimento das metas que assume, uma nova economia florestal irá se formar, e a ela estarão associados todos os aprendizados colecionados pelo setor florestal brasileiro. Por exemplo, o Instituto Ecofuturo faz a gestão do Parque das Neblinas, reserva florestal da Suzano Papel e Celulose, criado em 2004 pela conjunção de todos os componentes da história acima relatada. Além de proteger fragmentos de alto valor de conservação para a Mata Atlântica, parte considerável dos seus 6 mil hectares, sob o dossel de antigos plantios de eucalipto, é alvo de um processo de regeneração natural da vegetação nativa. No Parque, também serão implantados modelos de restauração de uso misto, integrando manejo e conservação. Essa experiência do Ecofuturo, vale ressaltar, está sendo incrementada e sistematizada, de maneira que possa ser replicada, e seus respectivos aprendizados, compartilhados. A importância da sistematização das experiências colecionadas pelo setor é reforçada por dados recém-divulgados no evento “Oportunidades Econômicas no Contexto das Mudanças Climáticas”, organizado pela Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura. Estudos da Agroicone indicam que o custo da regeneração natural pode ser até dez vezes mais baixo do que o da restauração induzida. Os números indicam também que a restauração, no formato de consórcios com espécies nativas ou exóticas, como eucalipto, poderá ser um negócio promissor, além do esperado retorno na forma de serviços ecossistêmicos. São desafios e oportunidades que precisam ser encarados com o mesmo vigor, comprometimento, técnica e paixão que nos trouxeram até aqui. Marcos legais adequados, segurança jurídica, desburocratização de processos e políticas de incentivo são bem-vindos. Como podemos ver, a nossa história florestal ainda terá n muitos outros capítulos.

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produtores de florestas

Opiniões

a floresta e suas múltiplas funções

a preservação de nascentes e de mananciais é, sem dúvida, a melhor maneira de fazer a 'multiplicação das águas' "

Denivaldo Toledo Camargo

Gerente Executivo Florestal, Suprimentos e de Sustentabilidade da Melhoramentos Florestal

Eu poderia começar a dizer que ecossistema florestal é um aliado extremamente importante para a sustentabilidade, contribuindo de forma significativa para o desenvolvimento econômico, social e ambiental do planeta. As múltiplas funções da floresta – ainda não querendo falar dos produtos presentes em cada passo da nossa vida – são as ações e os processos que, desenvolvidos em parceria com empresas florestais, organizações, prefeituras, entidades, escolas e demais atores, têm sido um fator que tem mudado a “cara” do nosso planeta. Ainda nas ações sociais, é possível identificar, nos relatórios de sustentabilidade das organizações da cadeia florestal, diversos projetos que visam à melhoria da qualidade de vida das pessoas: na educação, contribuindo para a melhoria de um bairro, de uma escola, de uma entidade, treinando e educando pessoas, realizando trabalho voluntário, integrando e perguntando às comunidades sobre suas necessidades e principalmente, avaliando os possíveis aspectos e impactos que podem influenciar nas comunidades limítrofes e adjacentes às áreas da empresa. Por fim, as empresas desenvolvem programas e sistemas de monitoramentos eficientes capazes de minimizar os impactos e reduzir os riscos, propondo, assim, soluções economicamente viáveis e ambientalmente corretas. As florestas e seus múltiplos têm se mostrado de forma potencializada na questão ambiental. O cultivo florestal é considerado a atividade produtiva com a condição mais eficiente de sequestro de carbono; o cultivo do eucalipto, considerando suas condições de rápido crescimento e maior rapidez para decomposição dos resíduos depositados no solo, a matéria orgânica, confere papel importantíssimo para a

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mitigação dos GEEs e, com seu processo de fotossíntese, remove o CO2 presente na atmosfera, um dos principais gases causadores do efeito estufa. As florestas contribuem de forma sistêmica e eficiente para a redução de processos erosivos, em que as árvores funcionam como “amortecedores de impacto”, através do dossel formado pelas áreas das plantas, atuando de forma consistente na recuperação de áreas degradadas. Ainda é possível afirmar que as condições de absorção de água nos períodos chuvosos contribuem diretamente para o estoque de água nos mananciais; isso porque as florestas plantadas atuam como reais captadores e mantenedores do lençol freático e de todas as águas subterrâneas. Recentemente, a cidade de São Paulo passou (e ainda vai passar) por sérios problemas de abastecimento de água; além da incompetência da gestão de águas, uma reportagem identificou que, na maioria das regiões por onde passam alguns rios de importância suprema para o sistema, boa parte dos leitos não tinham nenhuma preservação. Mas o que deveria ser feito para melhorar esse cenário? Umas das soluções é plantar árvores nas margens dos rios. Não posso deixar de citar uma das maiores iniciativas que já vi sobre preservação da água, o programa Conservador das Águas, projeto de mais de 20 anos realizado pela cidade mineira de Extrema, ;


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produtores de florestas no sul de Minas Gerais – esse projeto tem mostrado ao mundo que a preservação de nascentes e de mananciais é, sem dúvida, a melhor maneira de fazer essa “multiplicação das águas”. A base de trabalho do projeto consiste em identificar, proteger e monitorar a regeneração das nascentes, conferindo às comunidades locais, aos produtores rurais e à sociedade em geral, produtos ambientais de qualidade. Sejam eles: fauna, flora, ar, água e paisagem equilibrados e que atendam às reais necessidades humanas - necessidades essas de direito legal a todo cidadão. É de fundamental importância para o sucesso do projeto o plantio de árvores nos arredores das nascentes, nos mananciais e nas suas cabeceiras. Tal iniciativa tem recebido prêmios no Brasil e no exterior, o que comprova a eficácia do projeto. Além de tudo isso, o produtor rural recebe pelos serviços ambientais realizados, sendo este um bom complemento de renda. Ainda no tema da multiplicação, os plantios em mosaicos, aqueles onde as florestas plantadas se intercalam com fragmentos florestais nativos e Áreas de Preservação Permanente, são, sem sombra de dúvidas, práticas comuns do nosso setor, e isso tem contribuído, de forma fundamental, para o desenvolvimento do ecossistema no qual estamos inseridos. O monitoramento de fauna e flora, presente nos diversos planos de manejo das organizações da cadeia florestal, é outra fonte de multiplicação das ações ambientais que visam conservar a biodiversidade.

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Em complemento às ações sociais e ambientais, eu diria que o setor de florestas plantadas é um vetor de enorme importância para a sustentabilidade econômica do País. São milhares de empregos gerados nos mais diversos níveis das organizações e da cadeia produtiva. São diversos projetos que, com o apoio econômico das organizações, contribuem para o desenvolvimento das micros, médias e macrorregiões onde atuam, gerando maior competividade e estabilidade aos trabalhadores e às suas comunidades. Por fim, a floresta plantada e seus diversos múltiplos produtos e ações conferem mensuráveis benefícios ao planeta. Os mais de 5,43 milhões de hectares preservados e os mais 7 milhões de hectares de floresta plantada são uma forma incontestável de mostrar que nosso planeta está sendo cuidado de forma responsável pelos mais diversos gestores e atores envolvidos nessa importante cadeia. Podemos dizer que o setor de florestas plantadas é um exportador de boas práticas; cada tonelada de celulose ou do papel que chega aos mais variados mercados mundo afora carrega consigo uma série de melhores práticas de preservação ambiental, de cuidado social e de sustentabilidade econômica. O trabalhador florestal, hoje em dia, sabe da importância de seus atos, de suas ações e de suas devidas consequências ao meio ambiente. Isso é um ativo que merece respeito e admiração por todos aqueles que são os verdadeiros multiplicadores do setor. n


Opiniões

é preciso cuidar dos

relacionamentos corporativos

No entremeio das constantes atualizações tecnológicas, obsolescência programada em ritmo vertiginoso, aplicativos de comunicação, blogs recheados de posicionamentos, manifestos tímidos ou grandiosos nas mídias sociais, presenciamos a progressiva perda do contato pessoal, do valioso tempo da boa “prosa”. Na contramão da digitalização do relacionamento moderno, encontramos a crescente necessidade de ampliação dos relacionamentos corporativos, de forma efetiva e eficiente, com seus stakeholders. A sociedade demanda por informação, entendimento, velocidade e atenção. Proponho a reflexão sobre o que escreveu Guimarães Rosa, o escritor que conseguiu de forma ímpar traduzir o pensamento do sertanejo, em Grande Sertão: Veredas: “Confiança – o senhor sabe – não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa”. Encontramos, nessa frase simples, a essência que as empresas devem buscar para alcançar o compartilhamento e o equilíbrio sustentado das relações nos territórios onde atuam. Os tempos são outros, a premente necessidade de buscar a verdadeira sustentabilidade dos negócios traz a inevitável demanda por estreitar relações, construir pontes no desafiante cenário digital, no restrito campo das poucas palavras. "

Adriana Maugeri

Gerente Socioambiental e Jurídico Fundiária da Plantar Reflorestamentos

Em minha trajetória profissional, possuo uma única certeza e que ouso crer: as pessoas querem atenção cada vez maior, querem ser ouvidas, estão carentes de entendimento. É isso que destaca Guimarães Rosa quando diz que a confiança rodeia o quente da pessoa: o contato pessoal, o diálogo olhando nos olhos, conhecer o rosto de quem representa a empresa, de quem assina os e-mails, de quem telefona, entender que uma empresa é feita de pessoas reais, comuns.

Somente dessa forma é que a confiança se desenvolve. Relacionamento sem confiança não se sustenta. Estamos realmente prontos para rodear o “quente” das partes interessadas? Vamos tomar, por exemplo, a própria história do setor de florestas plantadas no Brasil. Sem o relacionamento aproximado e sustentável com as principais partes interessadas durante as primeiras implantações e ao longo das décadas passadas, vimos a crescente mistificação sobre as exóticas tomarem conta dos discursos em todo o País. Hoje, os mitos que rondam principalmente o eucalipto são extremamente difíceis de destituir e são, sem dúvida, em sua grande maioria, consequentemente, o motivo de grandes polêmicas e discussões e até antagonismos existentes. Acredito que não houve a devida insistência do setor em buscar o lento desenvolvimento da confiança, de estar perto do “quente” das pessoas. Fugir um pouco da excessiva racionalidade dos projetos e encontrar com o ser humano. Certamente, não tínhamos a real noção do tremendo alcance e da força dessas inverdades e até mesmo das incertezas, repetidas inúmeras vezes, por grupos leigos e cultos. Os tempos são outros, a premente necessidade de buscar a verdadeira sustentabilidade dos negócios traz a inevitável demanda por estreitar relações, construir pontes no desafiante cenário digital, no restrito campo das poucas palavras.;


produtores de florestas Uma das formas mais usuais que o setor produtivo possui para construir relacionamentos saudáveis é por meio do investimento social corporativo. De terminologia provocativa, o investimento social, assim como o seu primo rico – o investimento financeiro –, deve necessariamente trazer retornos ao investidor. A diferença entre eles é que o primeiro aceita retornos diversos, muitos deles intangíveis, mas de extrema relevância quando se trata de buscar o desenvolvimento social. São projetos, iniciativas que devem começar com o entendimento, com a busca pelo ponto de equilíbrio entre interesses, bem diferente das práticas antigas, em que o empreendedor se julgava, unilateralmente, entendedor das reais necessidades dos demandantes. O primeiro passo para a mudança do modelo mental que nos orientou até aqui é reconhecer que todos aqueles que habitam ou relacionam no lado externo da empresa são nossos vizinhos e não estão em nosso entorno, em uma visão centralizada – extinguindo, dessa forma, a visão retrógrada onde a própria empresa se posicionava como o elemento central das relações. Ainda encontramos muitos discursos institucionais que falam em município, distritos e até comunidade do entorno dos empreendimentos. É preciso compreender, de forma definitiva, onde quer que o setor produtivo se encontre, que ele compartilha espaços, localidades, realidades, anseios, problemas, e, em muitos dos casos, foi o último a chegar ao território onde se estabeleceu. Essa mudança de entendimento faz uma grande diferença e facilita as abordagens futuras. Segundo passo, e não menos importante que o primeiro, ao se tomar consciência de que a empresa é um membro de um território já existente, é preciso conhecer, tornar-se próximo, apresentar-se e, assim, iniciar a construção da confiança mútua – porém como pares e sem relação de subordinação ou poder. Essa proposta, para muitos, pode ser desanimadora, pois elimina um certo papel de protagonista do setor produtivo que ainda permanece nos antigos modelos econômicos, e é exatamente isso que acredito que deve ser feito; investimento social estratégico atua com o que há de melhor em cada parte envolvida, em equilíbrio e a favor de uma causa comum. O setor florestal encontra, sem dúvida, em muitos territórios, os antagonistas à sua atividade, e o fato de divergirem opiniões com determinado grupo não impede os relacionamentos, uma vez que o objetivo no novo ambiente social não é o convencimento, a sobreposição

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Opiniões de opinião e de valores, é sim a busca pelo ponto de equilíbrio: lugar comum onde as partes encontrem soluções que contribuam, de fato, para o desenvolvimento de ambas. O terceiro passo, após conhecer e reconhecer, é colaborar para a transformação positiva de realidades que dividimos, mesmo que os problemas não sejam os mesmos. É aqui que, talvez, se encontre o avanço fundamental dos necessários novos modelos de relacionamento com partes interessadas. Para o setor produtivo realmente contribuir e encontrar retornos mensuráveis, sua ação deve estar alinhada de forma intrínseca com seus objetivos estratégicos. De nada adianta investir em ações e projetos que estejam fora da expertise e dos objetivos da organização, os retornos precisam ser recebidos. É imensamente mais eficiente colaborar para aquilo em que se faça a diferença e também se veja a diferença trabalhar a seu favor, investir em atividades que a organização já conheça, pratique ou até mesmo domine. Dessa forma, pode aguardar melhores retornos. Ao desenvolver as novas formas de se relacionar, a organização naturalmente encontrará apoiadores do novo modelo, porém também surgirão críticos – a experiência mostra – que se apoiam frequentemente na dificuldade que existe em mensurar resultados desses investimentos e, consequentemente, na rasa suposição de que serão recursos aplicados a fundo perdido e que envolverão grandes mudanças e custos que não os justificam. Obviamente, ao sair da racionalidade dos balanços contábeis, dos projetos industriais e dos resultados comerciais, no campo social nos deparamos com resultados, em sua maior parte, intangíveis, porém aqui é preciso afastar o estigma de que todo ativo intangível é de impossível mensuração. Intangíveis também são os efeitos que as organizações sentem com as disputas por terras, por invasões, por paralisações de atividades, por matérias sensacionalistas e negativas veiculadas na mídia, por atrasos na concessão dos licenciamentos ambientais, pelas excessivas condicionantes sociais das licenças? De forma alguma. É preciso que os responsáveis pelas áreas de relacionamento corporativo desenvolvam métricas que representem os efeitos financeiros que o distanciamento e o relacionamento deficitários trazem para a organização. Da mesma forma, desenvolver métricas que representem os resultados que as colaborações corporativas trouxeram para a positiva transformação de realidades que necessariamente demonstram impactos direto ao negócio. Como mensurar resultados indiretos dos investimentos em programas de desenvolvimento e capacitação de mão de obra rural em regiões com apagões de profissionais especializados – como esse desenvolvimento implica a disponibilização dessa mão de obra; investimento em recuperação de áreas degradadas e proteção de nascentes – mensurar a implicação direta no aumento da qualidade dos plantios e na disponibilidade hídrica. Enfim, quanto mais tangível for a apresentação dos resultados dos investimentos sociais estratégicos, maior o suporte da alta administração, e a organização se relacionará de forma mais eficiente e com sólidos pilares da confiança estabelecidos próximos ao quente das pessoas. Sábio Guimarães Rosa. n


CLIENTES, OS NOSSOS MELHORES AMIGOS. O cliente é a nossa razão de ser e sempre será o motivo pelo qual vamos à diante. Na história da Ponsse, tudo começou porque um pequeno produtor florestal queria encontrar a máquina que pudesse atender todas as suas necessidades no campo. Um equipamento desenhado e feito por alguém que conhecesse de fato o verdadeiro trabalho dentro da floresta. Foi assim que Einari Vidgrén, nosso fundador, desenvolveu o seu primeiro forwarder. Uma máquina que atendia todos os requisitos que ele sonhava e buscava como cliente no mercado florestal. Mesmo com o passar dos anos, Einari nunca deixou de se colocar no lugar do cliente, e esta ligação nunca deixou de existir dentro da Ponsse. Nos orgulhamos em dizer que estamos no mercado para servir ao cliente e dar suporte em todas as situações, de forma rápida e eficiente, desenvolvendo soluções inteligentes e sempre escutando o que os nossos amigos tem a dizer.

Ponsse Paz – O primeiro forwarder desenvolvido por Einari Vidgrén. O equipamento pensado e desenvolvido para atender todas as necessidades do produtor florestal.

PONSSE BRAZIL - R: Joaquim Nabuco, 115 – Vila Nancy – Mogi das Cruzes/ SP – CEP: 08735-120 Tel: (11) 4795-4600 • www.ponsse.com/pt • www.facebook.com/ponssebrasil


produtores de florestas

compartilhando o conhecimento

o setor de florestas plantadas, hoje, representa 5% do PIB industrial, 4% das exportações brasileiras, 4 milhões de empregos diretos e indiretos e R$ 10 bilhões de arrecadação de impostos "

Antonio Joaquim de Oliveira Presidente Executivo da Duratex

O setor de florestas plantadas surgiu há um século no Brasil e teve um boom de desenvolvimento a partir da implantação dos incentivos fiscais de 1967. Naquela época, começou o desenvolvimento cooperativo do conhecimento, uma forma de trabalho que se caracterizou como marca registrada do setor. Vejamos o caso do eucalipto: uma produtividade de 10 a 15 m³/ha/ano subiu para os atuais níveis de 50 m³/ha/ano nesse pouco tempo. Pela falta de tecnologia existente à época, as empresas de base florestal sentiram a necessidade de se unir aos centros de formação de conhecimento, que são as universidades. Liderados por um grupo pequeno de empresas, entre elas a Duratex, foram criados, em 1968, o Ipef – Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais, junto à Esalq – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP e, logo em seguida, a SIF – Sociedade de Investigações Florestais, junto à UFV – Universidade Federal de Viçosa. Esses grupos de pesquisa foram crescendo, agregando novas empresas e centros de desenvolvimento e compartilhando conhecimento. A ideia era simples e forte: os problemas enfrentados para entender às exigências e às necessidades das diferentes espécies florestais eram comuns a todos, e, reunindo esforços, poderíamos crescer rapidamente.

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Tive a oportunidade de ser presidente tanto da SIF (1998-2000) como do Ipef (2000-2005) e, durante o período em que estive à frente desses institutos, pude ter certeza de que o trabalho cooperativo foi o responsável por trazer conhecimento ao setor. Ou seja, foram as lideranças nas empresas e os professores comprometidos com a geração de tecnologia aplicada que promoveram esse desenvolvimento. Nos primeiros anos do estabelecimento do setor de florestas plantadas, tudo precisava ser estudado e compreendido. Foi assim com a iniciação de diferentes espécies de eucalipto no Brasil, que começaram os primeiros programas de melhoramento genético das espécies potenciais. A Duratex foi uma das pioneiras na introdução comercial do Eucalyptus grandis, que passou a ser melhorado por meio de ciclos de seleção. A clonagem surgiu como ferramenta fundamental para propiciar a reprodução dos melhores indivíduos selecionados nas florestas melhoradas, e, com isso, surgiu um novo padrão de homogeneidade das florestas, facilitando não somente operações da silvicultura, mas, principalmente, da colheita.


Opiniões Nos aspectos de manejo florestal, investiu-se muito em pesquisas para conhecimento da relação entre diferentes usos da madeira e espaçamentos mais apropriados, bem como técnicas de manejo por podas e por desbastes. Foram também investidos esforços para identificar as necessidades nutricionais do eucalipto, associadas aos diferentes tipos de solos e climas. Naturalmente, àquela época, as tecnologias foram muito adaptadas da agricultura, caracterizada por preparos intensivos de solo e uma metodologia em que o uso do fogo era permitido. Mas esse modelo de preparo intensivo de solo passou a ser questionado quando, sob os avanços da sociedade nos aspectos ambientais, começou a haver muita troca de informação entre as empresas e os centros de geração de tecnologia, com envolvimento dos fabricantes de insumos para uso florestal. Foi quando surgiu o cultivo mínimo, que gerava a redução de custos de implantação florestal em um cenário de escassez crescente de mão de obra, atingindo um outro patamar para a silvicultura do eucalipto. Nesse cenário de dificuldades de mão de obra, a Duratex foi uma das pioneiras em adaptar o modelo escandinavo de colheita florestal e de transporte de madeira, totalmente mecanizados. Esse foi mais um exemplo de trabalho cooperativo que incluiu a colaboração de inúmeros fabricantes e de fornecedores de máquinas, sistemas e peças. Agora é a vez da mecanização da silvicultura, já que a mão de obra será cada vez mais escassa. As diferentes operações necessárias ao desenvolvimento da floresta terão de passar por um processo de simplificação e de racionalização para se conseguir um modelo mais enxuto e eficiente. Sempre que falamos sobre o manejo florestal, cito o Programa Torre de Fluxo (Eucflux), pioneiro no estudo aprofundado dos balanços de carbono, água e nutrientes ao longo de todo um ciclo de uma floresta de eucalipto. O intuito do projeto é formular recomendações práticas de manejo que otimizem a produção e garantam a sustentabilidade desses plantios comerciais. As contribuições desse projeto têm sido tão expressivas para o setor florestal que o consórcio de empresas participantes, do qual fazemos parte, já estuda sua continuidade em maior escala por diferentes regiões produtoras de eucalipto no Brasil, acrescentando a contribuição das tecnologias de sensoriamento remoto para o monitoramento dos balanços de carbono, água e nutrientes. Não podemos deixar de lembrar a questão das pragas e doenças que, pouco a pouco, vão surgindo e se estabelecendo em solo brasileiro. Há também outros riscos para as florestas, como o fogo, a seca e os extremos de temperaturas. Todos são ameaças que, se não forem bem tratadas, colocam em risco todo o investimento feito por anos. Mais uma vez, é preciso o compartilhamento de conhecimento comum entre as empresas e do trabalho cooperativo.

A questão do uso da água e das mudanças climáticas também surge nesse mesmo contexto: são todas situações que terão de ter abordagem comum entre diferentes empresas. Os modelos climáticos sugerem quadros diferentes e exigem cada vez mais tecnologia e conhecimento compartilhado para nos prepararmos para um futuro que já começou. Não podemos mais falar somente de nosso conhecimento técnico e específico da área florestal. É necessária também uma abordagem setorial mais forte. Por isso participamos ativamente junto a diferentes órgãos setoriais e ONGs. Gosto de citar a Indústria Brasileira de Árvores, a IBÁ, que permite importantes conquistas ao setor de florestas plantadas, em ações de regulamentação, certificação, uso de defensivos e fertilizantes que, dia a dia, tornam-se mais necessários, e também em ações junto a setores da sociedade que, motivados por razões ideológicas, trazem confronto incessante à atividade florestal. Foram muitas as viagens técnicas e os intercâmbios estabelecidos pelos grupos de empresas e de pesquisadores nos mais diversos locais do mundo onde se plantam e usam florestas, com o objetivo de adquirir conhecimento e estabelecer uma tecnologia florestal brasileira. Hoje, o setor de florestas plantadas é maduro, com um conhecimento consolidado e compartilhado entre os diversos atores e preparado para atender às demandas da sociedade no fornecimento dos mais diversos produtos de base florestal. No futuro, essa cooperação na busca do conhecimento terá de ser cada vez mais aprofundada, interagindo com outros setores. Exemplo disso são as iLPFs – Integração Lavoura, Pecuária e Floresta, em que diferentes atividades de origem rural compartilham um mesmo espaço, necessitando de uma abordagem conjunta de conhecimento. Nas iLPFs, temos uma forte integração com outros setores da sociedade, aproximando as grandes empresas florestais dos pequenos produtores rurais. Alguns novos usos da floresta plantada exigirão abordagens de conhecimento mais inovadoras, como nas florestas manejadas para diferentes aplicações e na geração de energia ou no desenvolvimento de novas tecnologias, como nanocelulose e transparência da madeira, somente para citar algumas. Novas abordagens de ocupação de solo que tragam a interação entre a floresta e outros sistemas produtivos exigirão o compartilhamento de conhecimento e o estabelecimento de consensos entre diferentes setores, que, por sua vez, terão de estar aliados à conservação da biodiversidade. Não tenho dúvidas de que o setor de florestas plantadas, que hoje, representa 5% do PIB industrial, 4% das exportações brasileiras, 4 milhões de empregos diretos e indiretos e R$ 10 bilhões de arrecadação de impostos, somente adquiriu essa dimensão graças ao desenvolvimento conjunto do conhecimento florestal. n

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produtores de florestas

os benefícios

e serviços ambientais das florestas Muito se discute a respeito dos milhares de produtos e de subprodutos, originários das florestas nativas e plantadas, existentes ao redor de todo o planeta. Esses debates englobam, principalmente, novas formas de produção voltadas à melhoria da eficiência, avanços da qualidade dos produtos, adaptação aos mais variados climas e solos e, mais recentemente, a busca pela redução dos custos produtivos, impulsionada pela forte crise mundial e pela intensificação das concorrências de mercado. Porém os debates em torno dos diversos benefícios e serviços ambientais gerados pelas florestas, tanto nativas quanto plantadas, ainda carecem de um maior aprofundamento e análise que possam demonstrar

a evapotranspiração das árvores, segundo estudos promovidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, pode chegar a 300 litros de vapor d´água por dia, em árvores com copa de 10 metros de diâmetro "

Regis Mendonça Pereira

Coordenador de Meio Ambiente da Vallourec Florestal

à sociedade civil e aos mais variados empreendedores a importância da preservação das áreas nativas e a implantação de florestas para a manutenção de sistemas fundamentais, tanto para a sobrevivência humana quanto para os setores que demandam a utilização de recursos naturais em seus processos produtivos.

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Opiniões Analisando os dados mais recentes do Cadastro Ambiental Rural – CAR, verifica-se que, no Brasil, existem cerca de 137 milhões de hectares de áreas preservadas pelas diversas modalidades de Unidades de Conservação e outros 97 milhões de hectares preservados como Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente. Ainda não se sabe ao certo qual o status de conservação das áreas cadastradas pelos proprietários rurais, porém, se as regras descritas no Novo Código Florestal, publicado em 2012, forem seguidas, podemos dizer que o Brasil terá pouco mais de 1/4 do seu território bem vegetado e preservado daqui a alguns anos. Já no que se refere às florestas plantadas, o Brasil possui cerca de 7,7 milhões de hectares plantados, principalmente com as espécies e clones de Pinus sp. e Eucalyptus sp., segundo levantamentos da Indústria Brasileira de Árvores – IBÁ. Mas quais os benefícios de se ter uma área tão grande de florestas no País? A resposta é simples: sustentabilidade ambiental para os setores produtivos que necessitam utilizar recursos naturais, como é o caso do setor florestal. Tal sustentabilidade está associada à manutenção não só das condições ambientais e climáticas, como também ao atendimento dos diversos requisitos legais aplicáveis ao tema “meio ambiente”, os quais tendem a se tornar mais rigorosos a cada ano. Podemos citar como condições ambientais e climáticas a conservação da biodiversidade de espécies de flora e fauna, bem como a melhoria da qualidade das águas dos rios que passam no interior das florestas, comprovada por meio de estudos científicos e monitoramentos realizados pelas empresas florestais. Outra condição ambiental e climática é a conservação dos solos por meio da recuperação de áreas degradadas, que evita erosões e consequentes assoreamentos dos cursos d´água. Entretanto, podemos ir um pouco mais além na análise das interações entre florestas e clima. O projeto intitulado “Rios Voadores”, desenvolvido por vários cientistas brasileiros, na região amazônica, tem como um dos seus objetivos divulgar, para a população em geral, a valiosa contribuição da Floresta Amazônica para o abastecimento dos recursos hídricos brasileiros. No site oficial do projeto, os pesquisadores explicam que as massas de ar úmido, evaporadas do oceano Atlântico, ao adentrarem o continente, passam sobre a Floresta Amazônica, causando as precipitações comuns na região. Todavia essas mesmas massas de ar são recarregadas com a umidade proveniente da evapotranspiração das árvores, que, segundo estudos promovidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, pode chegar a 300 litros de vapor d´água por dia, em árvores com copa de 10 metros de diâmetro. Recarregadas pela floresta, essas massas de ar úmido formam os “rios voadores”, que são assim chamadas por transportar enormes quantidades de vapor d´água pelas correntes aéreas, sobre o continente, até encontrarem a barreira natural formada pela Cordilheira dos Andes,

onde uma parte da umidade se precipita e forma a cabeceira dos rios amazônicos, e a outra segue em direção ao Centro-Oeste, Sudeste e Sul do País, contribuindo, dessa forma, para o regime de precipitações dessas regiões. Se considerarmos os déficits hídricos ocorridos em boa parte do País, nos últimos 4 anos, que geraram e ainda geram grandes impactos em diversos setores da economia, notadamente no setor florestal, vemos a grande importância da preservação das florestas nativas da região amazônica para a manutenção não só da sustentabilidade dos empreendimentos, como também da qualidade de vida das populações de diversas regiões. Por outro lado, podemos mencionar também os benefícios ambientais gerados pelo sequestro de carbono da atmosfera, realizado pelo eficiente processo de fotossíntese das florestas plantadas, o qual, além de contribuir para a fixação de carbono gerando biomassa, libera também oxigênio para a atmosfera, contribuindo significativamente para a redução do efeito estufa e consequente aquecimento global. As empresas florestais vêm realizando estudos relativos ao balanço de carbono nesse setor. Resultados prévios têm demonstrado que esse balanço é positivo, já que é significativo o estoque de carbono fixado nos solos das florestas, nas raízes, nos tocos das árvores e também na serrapilheira, o que contribui para a sustentabilidade no setor. Podemos aqui descrever outros tantos fatores positivos gerados pelo manejo adequado das florestas plantadas, como por exemplo a conservação de 0,65 hectares de vegetação nativa para cada um hectare de floresta plantada, a geração de emprego e renda para pequenas comunidades rurais localizadas no entorno das florestas, a redução dos desmatamentos e pressões sobre os remanescentes de vegetação nativa e também os mosaicos formados pela conservação de “corredores ecológicos” – faixas de vegetação nativa que tem a função de interligar as Áreas de Preservação Permanente – APP´s, e Reservas Legais – RL's, favorecendo não só o fluxo gênico entre os fragmentos nativos, mas também o deslocamento da fauna em geral. Todos esses fatores unidos fornecem vantagens ao setor florestal quanto ao atendimento aos diversos requisitos legais socioambientais, seja pela melhoria dos resultados dos monitoramentos ambientais dos recursos hídricos, da fauna e da flora, como também pelo reconhecimento da sociedade, através de uma “anuência social”, tão importante para a continuidade das atividades desse setor de forma sustentável. Vejo como de importância fundamental a intensificação dos trabalhos de divulgação dos múltiplos benefícios gerados pelo setor florestal brasileiro, buscando, com isso, descaracterizar, de forma clara e com resultados científicos precisos, os mitos construídos em torno de informações, muitas vezes equivocadas, mas que muito têm prejudicado os processos de licenciamento ambiental, como também os ótimos trabalhos dos profissionais desse setor na busca pela sustentabilidade de todas as operações florestais. n

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cientistas e consultores

Opiniões

a floresta amazônica e as

mudanças climáticas

o estoque do Amazonas é de 92,4 ± 4,2 Gt CO2eq. A emissão brasileira de CO2eq., em 2013, foi de 1,57 Gt CO2eq. Simples assim, somente as florestas do estado do Amazonas poderiam neutralizar todas as emissões brasileiras durante quase 60 anos. "

Niro Higuchi

Pesquisador do INPA Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

A área remanescente de floresta amazônica primária ou madura, contínua, ainda é muito grande e, por essa razão, não pode ficar fora do debate sobre floresta e planeta Terra. Além do estoque de madeira, não há dúvidas quanto ao papel dessas florestas na conservação da biodiversidade, no funcionamento de ecossistemas, na proteção de outras formas de vida e no fornecimento de serviços ambientais. Hoje, os serviços ambientais prestados pela floresta estão bem socializados no planeta. O fato de a árvore retirar CO2 da atmosfera por meio da fotossíntese e transformá-lo em celulose, lignina e hemicelulose a qualifica como peça-chave no processo de mitigação dos efeitos da mudança climática. Essa socialização começou com a divulgação do primeiro inventário de emissões globais, que apontou que o mundo emitira 7 Gt C (1Gt = 1 x 109 t), anualmente, durante o período de 1980-1989.

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Essas emissões eram, parcialmente, absorvidas pela bacia oceânica, mas a maior parte estava ficando retida na atmosfera. O carbono transformado em dióxido de carbono ou metano, junto com o óxido nitroso e os gases industriais, passou a alterar a camada de gases de efeito estufa na atmosfera e a ameaçar o equilíbrio climático da Terra. Esse alerta fez com que o mundo político se mobilizasse para antecipar-se aos cenários mais pessimistas. Como resultados das várias mobilizações, foram aprovados, sob o guarda-chuva da ONU, a Convenção do Clima e o Protocolo de Quioto. A busca de uma nova ordem ambiental do planeta passou a girar em torno do debate sobre o controle das emissões de gases de efeito estufa. Na esteira desse debate, os processos de neutralização e mitigação foram incorporados. Entre a Convenção (1992) e o Protocolo (1997), a Companhia Vale do Rio Doce publicou o livro Emissão e sequestro de CO2 – uma nova oportunidade de negócios para o Brasil, em 1994. Nessa ocasião, o papel da floresta foi bem destacado, principalmente pela capacidade de armazenar carbono nas ; várias partes da árvore.



cientistas e consultores A floresta amazônica e os reflorestamentos brasileiros foram colocados como alternativas de mitigação dos efeitos da mudança climática. O Protocolo de Quioto, no entanto, só considerou florestamento e reflorestamento como possibilidade de projetos de mitigação sob o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL. Indiretamente, a floresta amazônica foi excluída do Protocolo. O relatório especial do IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), intitulado “Uso da Terra, Mudança no Uso da Terra e Floresta” – LULUCF (sigla em inglês), publicado em 2000, pela primeira vez, cogitou a possibilidade de incluir o “desmatamento evitado” em florestas tropicais ao MDL. Durante a COP 7 (Marrakech, 2001), a floresta primária foi formalmente excluída do MDL. Em 2005, durante a COP 11 em Montreal, a ideia do “desmatamento evitado” foi materializada como a modalidade Redução de Emissões por Desmatamento em Países em Desenvolvimento (REDD, em inglês) e proposta formalmente por Costa Rica e Papua Nova Guiné. Para o primeiro período de compromisso do Protocolo, de 2008 a 2012, essa modalidade foi descartada. Em 2007, o relatório do grupo de trabalho de “mitigação” do 4º Relatório de Avaliação do IPCC apontou que “no curto prazo, os benefícios da mitigação do carbono por meio do desmatamento evitado são maiores do que os benefícios do reflorestamento e florestamento”. Ato contínuo, a ONU criou o UN-REDD Program em 2008, que acrescentou “degradação florestal”. Com essa medida, as florestas primárias e, em particular, a floresta amazônica, voltaram a desempenhar papel importante no debate sobre neutralização e mitigação. Durante a COP 15 (Kopenhagen, 2009), o REDD-plus foi mencionado no acordo, acrescentando ao conceito original, conservação e manejo florestal. O tempo passou, e o primeiro período (2008-2012) de compromisso do Protocolo teve que ser prorrogado até 2020. Resultados? As emissões globais em 1990 eram de 38 Gt CO2eq. A meta do Protocolo para o primeiro período de compromisso (2008-2012) era de redução de aproximadamente 5% das emissões de 1990. O período de compromisso chegou, e, em 2010, as emissões globais atingiram 49 Gt CO2eq., ou seja, em vez de redução (da promessa de 5%), houve um aumento de 28%.

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Na prática, de 1997 (Protocolo) até os dias atuais, várias reuniões técnicas e políticas ocorreram no Brasil e no mundo, sempre sob o apelo da relação intrínseca entre a floresta tropical e a mudança climática global. Provavelmente, houve um aumento em número de consultores na área de carbono florestal com aumento de oferta de empregos (que não é ruim), uma maior ocupação de hotéis e muitos livros e cartilhas que auxiliaram na ampliação e na democratização do acesso às informações e aos debates. Só não houve retorno para as florestas tropicais. Ao contrário, o desmatamento e a destruição das florestas tropicais não arrefeceram durante o período entre a aprovação do Protocolo e seu primeiro período de compromisso. No caso da Amazônia brasileira, o desmatamento médio anual do período de 1992 (Rio-92) a 1997 (Protocolo) foi de 18.836 km2, enquanto, de 1997 a 2007, essa média subiu para 19.065 km2. A partir de 2008, a área desmatada na Amazônia vem caindo; constatada uma redução de quase 30 mil km2 por ano para os atuais (2015) 5 mil km2. No entanto o desmatamento ainda é muito grande se comparado com o retorno à economia nacional. Qual é o potencial de mitigação por meio da floresta amazônica? Vamos considerar apenas o estado do Amazonas para essa reflexão. A floresta madura remanescente do Amazonas cobre uma área de 149 milhões de hectares, 45% da floresta remanescente da Amazônia. O laboratório de manejo florestal do INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, monitora, desde 2004, 2.509 parcelas temporárias e permanentes, que totalizam 660,25 hectares amostrados em 30 localidades diferentes do Amazonas. O estoque médio total (acima do solo + raízes grossas) de carbono das florestas do estado é igual a 169,2 ± 7,6 t C/ha (IC 95%) ou, em CO2 equivalente, igual a 620,4 ± 27,9 t CO2eq./ha. Extrapolando linearmente para o Amazonas todo, o estoque do estado é de 92,4 ± 4,2 Gt CO2eq. (IC 95%). A emissão brasileira de CO2 equivalente, em 2013, foi de 1,57 Gt CO2eq. Simples assim, somente as florestas do Amazonas poderiam neutralizar todas as emissões brasileiras durante quase 60 anos. O potencial de mitigação das florestas amazônicas se resume aos estoques de carbono e, eventualmente, à capacidade de sequestro das mesmas. Só isso? Não, se fizermos analogia com o metabolismo humano. Um homem, para manter o seu peso de 80 kg, por exemplo, quanto tem que consumir durante o ano? É razoável afirmar que ele consome três vezes o seu peso? Para a economia, para a política, etc., o que é mais importante: o seu peso (estoque) ou a sua capacidade de consumo? Obviamente, é a sua capacidade de consumo. É razoável aceitar que o estoque de carbono de toda a floresta amazônica brasileira seja de aproximadamente 200 Gt CO2eq., e isso poderia significar uma troca gasosa anual com o sistema climático do planeta Terra em torno de 600 Gt CO2eq. por ano. Isso, sim, é importante e isso, sim, magnifica o papel da floresta junto ao planeta! n


Opiniões

florestas:

uma agenda necessária para o país

o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica pretende reflorestar o bioma mais devastado do Brasil, fomentando a restauração de 15 milhões de hectares de áreas degradadas até 2050 "

Fabio Feldmann

Presidente da Fabio Feldmann Consultores

A percepção sobre as florestas tem se modificado muito nos últimos anos, fundamentalmente pela valorização que elas ganharam na sociedade como um todo. Sua importância está sendo cada vez mais reconhecida, principalmente pelos serviços ambientais por elas prestados, tais como estoque de carbono, biodiversidade, produção de água, enfim, uma série de funções ecológicas e sociais que, até recentemente, eram ignoradas. O grande desafio reside em encontrar meios eficazes para a proteção das florestas. Segundo o relatório “State of the World’s Forest 2014”, metade das espécies florestais regularmente utilizadas por países está ameaçada pela conversão das florestas em pastagens e terras agrícolas, pela exploração excessiva e ; pelos impactos das mudanças climáticas.


cientistas e consultores No cenário internacional, o tema foi abordado em vários momentos durante a Conferência do Rio, realizada em 1992, estando refletido no capítulo 11 da Agenda 21 sobre Combate ao Desmatamento. Já na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e no Protocolo de Kyoto, encontra-se, particularmente, nos dispositivos que tratam sobre Mudanças no Uso da Terra e Florestas. Mais recentemente, vale destacar a Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada (ou iNDC, da sigla em inglês), apresentada pelo Brasil por ocasião da Conferência das Partes – COP 21, realizada em Paris, em dezembro de 2015. Nesse documento, o governo brasileiro apresenta suas ações e propostas para promover a redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE). No que tange às florestas, afirma que todas as ações se darão no âmbito do Código Florestal, valendo destacar duas propostas: a restauração e o reflorestamento de 12 milhões de hectares de florestas e o fim do desmatamento ilegal na Amazônia, ambas até 2030. É importante ressaltar que a nossa maior fonte de emissão provém do desmatamento. Ou seja, o Brasil, possuidor da segunda maior área florestal do mundo, tem muita “lição de casa” a ser feita. Não podemos deixar de mencionar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS, conjunto de 17 objetivos e 169 metas que deverá orientar as políticas nacionais e as atividades de cooperação internacional pelos próximos 15 anos. Os ODS foram estabelecidos por ocasião da Rio + 20, Conferência das Nações Unidas, realizada em 2012, no Rio de Janeiro, e em substituição aos Objetivos do Milênio. A agenda proposta tem um conteúdo complexo e sofisticado, no qual existe um objetivo dedicado exclusivamente às florestas. Trata-se do Objetivo 15: “Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade”. No Brasil, há muito tempo se discute a necessidade de conservação das florestas. Para se ter uma ideia, o naturalista e estadista José Bonifácio de Andrada e Silva, conhecido como o Patriarca da Independência do Brasil, escreveu há alguns séculos: “Destruir matos virgens, nos quais a natureza nos ofertou com mão pródiga as melhores e mais preciosas madeiras do mundo, além de muitos outros frutos dignos de particular estimação,

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Opiniões e sem causa, como até agora se tem praticado no Brasil, é extravagância insofrível, crime horrendo e grande insulto feito à mesma natureza. Que defesa produziremos no tribunal da razão, quando os nossos netos nos acusarem de fatos tão culposos? Já nós com justificada causa argüimos os passados dos crimes a este respeito cometidos.”. No âmbito legal, nosso país tem uma longa tradição de proteção das florestas, a exemplo do Código Florestal de 1934 (Decreto nº 23.793), substituído pelo Código Florestal de 1965 (Lei Federal nº 4.771). Mais recentemente, foi editado o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12). Importante ressaltar que, em São Paulo, a Lei nº 2.223/1927, revogada somente em 2006, já trazia, naquela época, a ideia de Reserva Legal, determinando que os proprietários de terra deveriam reservar 10% da área total em florestas. Atualmente, a principal discussão diz respeito ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), instituído pelo novo Código Florestal, que é um registro público eletrônico de alcance nacional e que será obrigatório para todos os proprietários rurais do País. Esse instrumento é estratégico na gestão dos recursos naturais, possibilitando o pagamento por serviços ambientais e a regularização ambiental das propriedades, além de fornecer as informações necessárias ao controle florestal e à recuperação das áreas degradadas. Outro importante instrumento que também foi trazido pelo novo Código Florestal é o Programa de Regularização Ambiental – PRA, que consiste no conjunto de ações ou iniciativas a serem desenvolvidas pelos proprietários e/ou possuidores de imóveis rurais, com o objetivo de adequar e promover a regularização ambiental. Muitos estados do Brasil estão legislando a esse respeito, e São Paulo, por sua vez, editou a Lei nº 15.684/2015. Por fim, é bom lembrar que o CAR e o PRA são elementos estruturantes na implementação de políticas públicas que venham assegurar a preservação de nossas florestas. Podemos observar, também, importantes movimentos da sociedade civil organizada em busca de alternativas que levem em conta o tema das florestas. Nesse sentido, a atuação não reside apenas na preservação e na conservação. E bons exemplos disso já estão acontecendo, como a inovadora iniciativa denominada Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, que pretende reflorestar o bioma mais devastado do Brasil, fomentando a restauração de 15 milhões de hectares de áreas degradadas até 2050. Com o aumento da cobertura florestal desse importante bioma, garante-se também recuperar e conservar outros serviços prestados pela floresta, como a proteção dos solos e a manutenção dos recursos hídricos. Como autor da Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/2006), não poderia deixar de expressar meu apoio e contentamento com a iniciativa. Projetos como esse mostram que o engajamento da sociedade civil com o tema, ao promover a articulação de diversos atores sociais, é o caminho para a eficiência na proteção das florestas. Enfim, o grande desafio para a sociedade brasileira é procurar o balanço entre o uso dos recursos naturais e a necessidade de se garantir – a médio e longo prazo n – os serviços ambientais gerados pelos ecossistemas.


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extremos climáticos e desastres naturais Valores anormais de um estado climático médio observado ao longo do tempo são comumente chamados de "eventos extremos". Esses eventos ocorrem em escalas temporais que variam de horas, dias e até mesmo milênios, sendo que os mais importantes para as atividades humanas são os extremos de curto prazo (relacionados com o tempo) e os de médio prazo (relacionados com o clima), pois têm potencial para causar impactos significativos. Dependendo das vulnerabilidades existentes, esses eventos podem impactar seriamente os sistemas humanos atingidos, ocasionando um desastre natural. Dessa forma, a ocorrência de desastres suscitam e expõem a vulnerabilidade das populações, alterando o funcionamento das sociedades e o bem-estar social. É importante ressaltar que um desastre também pode ocorrer devido a eventos não extremos, pois os impactos causados dependem diretamente de outros fatores não climáticos. Nesse sentido, as ações e as omissões humanas contribuem para intensificar ou agravar fenômenos potencialmente indutores de desastres, os quais também se caracterizam a partir da intercorrência de fenômenos naturais adversos, atuantes sobre condições ambientais já degradadas pelo homem. As mudanças climáticas vêm ganhando cada vez mais destaque em todo o mundo e traz em seu bojo duas formas básicas de enfrentamento: a mitigação e a adaptação. Até pouco tempo, no cenário mundial, o foco esteve voltado para a mitigação, e, atualmente, a adaptação começa a ganhar destaque, principalmente em áreas urbanas.

Em relação a eventos extremos de tempo e clima, têm-se observado tendências positivas na frequência de noites e dias quentes e tendências negativas na frequência de noites e dias frios, consistentes com um cenário de aquecimento global. Para o Sudeste da América do Sul, tem-se observado um aumento na intensidade de episódios e frequência de dias com chuva intensa no período 1961-2010, ou seja, as chuvas estão se tornando cada vez mais violentas, isso apesar de o total anual precipitado não ter sofrido modificação perceptível; alguns estudos têm mostrado relação de extremos de chuva no Sudeste e no Sul do Brasil à frequência/intensidade com padrões de circulação como a Zona de Convergência do Atlântico Sul – ZCAS, ou o Jato de Baixos Níveis da América do Sul – SALLJ. A maior disponibilidade de dados permite análises para o Sudeste da América do Sul, enquanto a ausência de dados diários de longo prazo na região tropical não permite uma análise mais abrangente dos extremos nessa parte do continente. Em cidades como São Paulo, tem-se observado um efeito na urbanização nos extremos de chuva e enchentes. Usando índices de extremos, se mostram tendências positivas de noites quentes (índice TN90 - definido como porcentagem de noites com temperatura mínima no 90th percentile) no Sudeste do Brasil, que vão de 5% na década de 1950 até quase 35% no início do século XXI. Por outro lado, a tendência de dias frios tem apresentado frequência de 25-30% na década de 1970, chegando até 5-10% em 2001-2002. Isso é consistente com tendências positivas de grande magnitude nas temperaturas mínimas e, em menor grau, nas temperaturas máximas no Brasil, como já destacado no item anterior. Os dados das estações mostram uma tendência de aumento dos episódios de chuva intensa em grande parte do Sudeste da América do Sul, Centro da Argentina e até o Centro-Oeste e Sudeste do Brasil.

As mudanças climáticas vêm ganhando cada vez mais destaque em todo o mundo e traz em seu bojo duas formas básicas de enfrentamento: a mitigação e a adaptação. "

Osvaldo Luiz Leal de Moraes

Diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais Coautor: José Antônio Marengo Orsini, Climatologista e Meteorologista, Chefe da Coordenação-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden


Opiniões No Brasil, as tendências positivas de extremos de chuva aparecem mais intensamente nos estados de SP, PR e RS, enquanto a falta de dados de chuva não permite estender a análise para MG e BA. Vários estudos já identificaram tendências positivas no número de dias com chuva intensa e com chuva muito intensa concentrada em curto tempo e na quantidade de chuva concentrada em eventos chuvosos que são indicadores de chuvas que produzem enchentes durante 1961-2000. Essas tendências sugerem aumento e intensidade na frequência de eventos de chuva no Sudeste da América do Sul, enquanto a ausência de dados na região tropical não permite uma análise mais abrangente dos extremos nessa parte do continente. Tendências positivas na chuva máxima acumulada em 5 dias têm sido observadas nas latitudes mais austrais do que de 20ºS na América do Sul durante a primavera, verão e outono, enquanto algumas áreas do norte da Argentina apresentam tendências negativas durante o inverno. As tendências de aumentos de extremos de chuva indicam também aumento no número de desastres naturais, como enchentes, enxurradas e deslizamentos de terra em regiões densamente populadas do Sul e no Sudeste do Brasil. Populações morando em áreas vulneráveis e de risco estão expostas a esse tipo de desastre, e essa vulnerabilidade pode aumentar no futuro, se medidas de adaptação não forem tomadas. Nos trabalhos da Terceira Comunicação Nacional, a UNFFCC – United Nations Framework Convention on Climate Change (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima), foram desenvolvidos índices de vulnerabilidade a vários tipos de desastres, aplicados no presente e no futuro, e esse tema será o foco do novo projeto de bolsa de pesquisa para 2016-2021. Essas tendências nos extremos de chuva e temperatura têm sido também apresentadas nos relatórios do IPCC AR5 e do PBMC, assim como do Relatório Brasil 2040, apresentado pela SAE em 2015, e na publicação da Terceira Comunicação Nacional, a UNFCCC. Diante do grande potencial de impactos ambientais decorrentes das condições estimadas do clima futuro, é extremamente importante aprimorar e criar novas ferramentas que permitam avaliações detalhadas desses impactos no Brasil. Essas ferramentas são importantes para prover bases científicas para tomadas de decisões sobre regiões vulneráveis e processos críticos de conservação ambiental. São necessárias análises que incluam as respostas dos ecossistemas às forçantes climáticas de escala global e à corrente dinâmica de alteração causada pela ocupação humana e que apontem os fatores que causam os impactos mais relevantes. Dentre os tipos de desastres que afetam o Brasil, podemos destacar as inundações bruscas/enxurradas e os alagamentos e os movimentos de massa.

Segundo o Atlas de desastres naturais do Brasil publicado pela CEPED em 2013, esses foram os desastres que mais causaram óbitos no período entre 19912012. Existem outros tipos de desastres, que também afetam grande parte da população brasileira, como as secas e as estiagens ou as inundações graduais (também chamadas de cheias). Entretanto, o foco desse trabalho será mantido nas inundações bruscas, enxurradas e alagamentos, bem como nos movimentos de massa, pois são aqueles que requerem uma avaliação mais emergencial, visando à redução dos impactos, sobretudo da ocorrência de óbitos. Sendo o Brasil vulnerável às mudanças climáticas, é essencial que as alterações climáticas sejam totalmente integradas às políticas ambientais e de desenvolvimento, assim como de enfrentamento aos desastres naturais, de modo que as ações do governo possam ajudar a enfrentar esse problema, avaliando a vulnerabilidade regional e nacional e propondo medidas de adaptação. n

Imagem do satélite GOES-13 - INPE/CPTEC/DSA

Catarina, o primeiro Ciclone tropical no Atlântico Sul (RS e SC)

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monitoramentos em florestas naturais e plantadas Hoje, a gestão de florestas plantadas e nativas tem disponível uma nova tecnologia, que vem emprestada da mais alta tecnologia utilizada para defesa e segurança em países de todo o mundo: a tecnologia de radares de abertura sintética – SAR (do inglês Synthetic Aperture Radar). A tecnologia SAR é um radar que utiliza uma antena emissora de pulsos de micro-ondas instalada em uma plataforma em movimento, geralmente uma aeronave, onde, através dos feixes de micro-ondas refletidos da superfície imageada e recebidos pelo sensor, somados ao movimento longitudinal da plataforma à qual ele está instalado, é capaz de gerar imagens de grandes áreas e de alta resolução em pouco tempo. No mercado, há poucas tecnologias semelhantes, como é o caso do LiDAR (Light Detection and Ranging), que utiliza pulsos a laser para imageamento, que apresenta, todavia, maiores limitações e menores diversidade nos dados obtidos. O SAR possui uma antena pequena, entretanto seu movimento longitudinal simula as mesmas características de uma antena muito maior, ou seja, de uma abertura mais ampla que a real, o que o batizou como “radar de abertura sintética”. O SAR é um sensor da classe dos sensores ativos, isto é, ele próprio gera energia e a irradia para o meio externo, captando e medindo uma fração do que é refletido pelos alvos. Um ponto importante sobre essa característica é que não depende da luz solar para seu funcionamento, podendo ser operado em qualquer horário do dia ou da noite. Além disso, o comprimento de onda gerado por ele é capaz de ultrapassar nuvens, ou seja, o radar é capaz de operar mesmo em condições climáticas desfavoráveis, o que permite que áreas

como a Amazônia, onde há grande cobertura de nuvens durante todo o ano, sejam mapeadas e/ou monitoradas, independentemente das condições climáticas, o que reduz o tempo da aeronave em solo e, consequentemente, o custo operacional. Essas características conferem ao SAR uma vantagem em relação a outros métodos de sensoriamento remoto, como os sensores ópticos, ou o laser, cujos sobrevoos são limitados em períodos de ausência de nuvens, pois sua tecnologia não permite que os feixes de laser ultrapassem tais formações. Para descrever a forma como o sistema opera, é importante, antes, mencionar que as ondas eletromagnéticas são divididas em bandas, de acordo com a frequência. Cada banda compreende uma faixa de frequências do espectro eletromagnético. Em geral, as ondas eletromagnéticas, a depender das suas características, possuem a capacidade de penetrar ou de atravessar diferentes materiais, de acordo com suas características físico-químicas. Uma das bandas mais utilizadas no sensoriamento remoto por radar é a “Banda X” (com comprimento de onda de 3 cm), por ser uma frequência que não atravessa quase nenhum tipo de material, o que permite a geração de um MDS (Modelo Digital de Superfície), representando o dossel da vegetação. Com as imagens de alta resolução dessa banda, torna-se possível monitorar distúrbios na floresta até no nível individual das árvores. Outra banda com características diferenciadas é a “Banda P” (nesse caso, o comprimento da onda é de 70 cm), que possui a capacidade de penetrar a vegetação, permitindo fazer medições e “enxergar” o solo abaixo da floresta. É aqui que podemos ver outra diferença entre os sensores SAR e os demais, que medem o terreno coberto por vegetação através das brechas entre as copas das árvores, o que pode causar falhas nos dados para a geração do MDT (Modelo Digital de Terreno), enquanto o SAR, por trabalhar com bandas de diferentes penetrações e no modo interferométrico, permite mapear o solo com precisão, mesmo em florestas de alta densidade, e possibilita, por exemplo, a detecção de cursos d´água e de processos erosivos.

a gestão de florestas plantadas e nativas tem disponível uma nova tecnologia, que vem emprestada da mais alta tecnologia utilizada para defesa e segurança em países de todo o mundo "

Mônica Cabello de Brito Diretora da Casa da Floresta

Coautor: Fábio Caparica, Diretor executivo da Savis Tecnologia e Sistemas/ Bradar (Subsidiárias da Embraer Defesa e Segurança)

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Opiniões

Penetrabilidade das ondas eletromagnéticas das bandas X (esquerda - altura da superfície) e P (direita - altura da terra).

A combinação das duas bandas permite a extração de um parâmetro principal da análise florestal, a altura e, consequentemente, o volume, com alta precisão. Além disso, as polarizações das ondas eletromagnéticas dessa banda, horizontal, vertical e cruzados, geram imagens com características diferentes que contribuem significativamente para as análises florestais. A tecnologia SAR é, assim, uma ferramenta que contribui para a silvicultura de precisão, monitorando a floresta plantada de modo sistemático, obtendo dados como taxa de crescimento, volume, pontos de erosão, cursos d’água, entre outros, o que torna a gestão da produção de madeira mais otimizada e menos impactante em relação ao ambiente natural. De fato, essa também é uma tecnologia de precisão na fiscalização, controle e conservação das florestas, possibilitando, por exemplo, identificar a abertura de estradas ilegais e o corte de madeira ilícito. Com isso, a obtenção de informações sobre localização, intensidade e frequência temporal do desmatamento e da degradação de florestas é uma importante aplicação na fiscalização e geração de informação para operações de comando e controle no combate a crimes ambientais. Essa tecnologia ainda pode auxiliar na elaboração de planos de manejo florestais, controlando a retirada de cada indivíduo arbóreo da mata. Há um desafio nas empresas e governos em buscar ferramentas que contribuam para a Conservação da Biodiversidade das nossas florestas, em diferentes biomas brasileiros, num território tão diverso e de grandes dimensões. A aplicação dessa tecnologia, genuinamente brasileira, já mostrou o seu potencial em mapeamentos de mais de 1,5 milhão de km² no Brasil e valoriza o avanço nacional na tecnologia de radares. Uma série de informações podem ser obtidas com essa tecnologia, como densidade e volume da floresta, identificação do

aparecimento de clareiras em áreas de vegetação nativa, a quantificação de carbono, o cálculo de biomassa, a abertura de trilhas, verificação de alterações nas bordas das florestas, cortes seletivos, novas edificações, crescimento de pastagens, plantios, subsidência, erosões, deslizamentos de terra e demais dinâmicas do uso do solo e outras interferências. Saber precisamente dados relativos à biodiversidade e, em especial à flora, é uma necessidade cada vez mais constante na gestão de sistemas florestais complexos, para, assim, garantir a conservação da biodiversidade em nossas florestas e a manutenção da “saúde” ambienn tal do planeta Terra.

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375

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Monitoramento através de imagens obtidas mostra uma área desmatada (detalhe em vermelho).

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Opiniões

a natureza jurídica difusa das florestas O art. 2º da Lei nº 12.651/2012, popularizada como Código Florestal ou Lei de Proteção da Vegetação Nativa, determina que "as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem." Registre-se que esse enunciado já havia sido adotado tanto em 1934 (quando se editou o Decreto 23.793, que aprovou um "primeiro" Código Florestal brasileiro) como em 1965 (quando a Lei 4.771 instituiu o que foi então denominado "novo" Código Florestal e que vigorou até 2012). Apesar da reforma do Código Florestal, profunda e paradigmática, realizada no período 1999-2012, o legislador optou por manter, no novo marco legal, aquela percepção de caráter coletivo consagrada pela sociedade há 78 anos. Nesse particular, infere-se que tal entendimento indica que a Política Pública sobre essa matéria constitui verdadeira Política de Estado, pois transcende os governos. Por meio da construção jurídica no enunciado acima transcrito, o legislador de 2012 reafirmou, de forma inequívoca, que as florestas e as demais formas de vegetação natural dizem respeito não apenas à pessoa, física ou jurídica, proprietária de um fragmento do território nacional (tanto o imóvel rural como o terreno urbano), mas interessa também a toda a sociedade na medida em que existem diversas "partes interessadas" na matéria. A norma também informa que os direitos de propriedade (usar, fruir e dispor da coisa) serão exercidos com as limitações previstas em Lei. De outro lado, as florestas plantadas para fins comerciais e que resultam da ação humana são excepcionadas daquele tratamento, pois constituem um cultivo, foram equiparadas à agricultura, sendo nelas livre a extração de matérias-primas, a critério de seu proprietário. Verifica-se, ainda, no enunciado daquela norma, que as florestas e as demais formas de vegetação foram destacadas, ou separadas, da propriedade sobre a terra, apesar de que sobre ela existam e se desenvolvam. Na primeira metade do século XX assim também ocorreu, por exemplo, com o solo, as águas (de superfície ou subterrâneas), os minérios e a fauna. Por esse motivo, diz-se da obrigatoriedade de obtenção prévia de permissões, licenças e outorgas, junto à administração pública, sempre que se desejar fazer uso de um recurso sobre o qual toda a sociedade tenha um interesse coletivo legalmente estabelecido.

De forma análoga, na exploração de florestas naturais, por meio da realização de cortes seletivos, requer-se, primeiro, a aprovação de um Plano de Manejo Florestal Sustentável – PMFS. Esse é também o fundamento para a instituição de um Cadastro Ambiental Rural – CAR e dos Programas de Regularização Ambiental dos estados e do Distrito Federal – PRAs, aos quais proprietários e possuidores de imóveis rurais devem aderir quando pertinente. As florestas e as demais formas naturais de vegetação não são bens privados, nem bens públicos, e sim bens de interesse comum a todos os habitantes do País e, por esse motivo, de natureza jurídica difusa: a titularidade de tal interesse coletivo é indeterminada e indeterminável, pois alcança, por via reflexa, até mesmo as gerações sequer nascidas. Assim, infere-se que, de certa forma, os cidadãos não proprietários possuem contradireitos que se opõem aos direitos do proprietário e podem reivindicar ao Estado que suas percepções, de caráter coletivo, sejam consideradas nas decisões acerca do uso e da destinação das florestas e demais formas naturais de vegetação. Inicialmente, a legislação florestal priorizou a proteção das florestas naturais, tendo em vista assegurar a continuidade do suprimento e a estabilidade dos mercados de lenha e de madeiras para diversos fins. Não se falava em meio ambiente. Também não se imaginava o extraordinário desenvolvimento da silvicultura, nem a notável expansão da área com florestas plantadas. Todavia, transcorridos pouco mais de 500 anos, à flora brasileira atribui-se outros valores que não somente a sua utilidade como fonte de matérias-primas. Assim, a ciência contemporânea tem comprovado que as florestas e outras formas naturais de vegetação realiza funções ambientais relevantes, como sobre a regulação do clima e a conservação dos recursos hídricos, da diversidade biológica e de seus processos ecológicos, da paisagem natural, assim como incontáveis benefícios para a sadia qualidade de vida. A conservação de florestas e de outras formas naturais de vegetação também integra a sustentabilidade ambiental de atividades agrárias, tanto por condicionar o microclima e por viabilizar a presença de polinizadores, como por possibilitar o uso intensivo de recursos naturais, dentre os quais, o solo e a água. Na atualidade, o reconhecimento de algumas daquelas funções fundamenta o pagamento por serviços ambientais. Eventualmente, a ciência poderá identificar outros atributos ambientais da vegetação e que também sejam relevantes para todos os habitantes do País, inclusive, e especialmente, para o proprietário. n

As florestas e as demais formas naturais de vegetação não são bens privados, nem bens públicos, e sim bens de interesse comum a todos os habitantes do País e, por esse motivo, de natureza jurídica difusa "

Sérgio Ahrens

Pesquisador em Planejamento da Produção e Manejo Florestal da Embrapa Florestas


Movida Comunicação

Somos

Celulose da Bahia para o mundo.

Em 1991, sonhamos que poderíamos fazer celulose de alta qualidade e, mais do que isso, que poderíamos fazer a diferença em nossa região. Juntos, tornamos esse sonho possível. Aprendemos muito nessa trajetória, evoluímos com os desafios e levamos o nome da Bahia para o mundo. A conquista é de todos nós. O compromisso com os valores que nos sustentam aponta para uma direção: continuaremos trabalhando com orgulho e com a confiança de que é preciso sonhar e fazer acontecer.

www.veracel.com.br/25anos


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amazônia:

qual o papel do extrativismo vegetal?

Nada contra o extrativismo, mas a insistência nesse modelo tende a prejudicar os produtores na busca de alternativas econômicas e os consumidores na obtenção de um produto de melhor qualidade a um preço mais reduzido. "

Alfredo Kingo Oyama Homma

Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental

Vou comentar, neste artigo, o papel dos produtos florestais não madeireiros (PFNM), que, após o assassinato de Chico Mendes, em 1988, passaram a ser considerados a grande opção para salvar a Amazônia. O extrativismo vegetal consegue se manter quando o mercado é reduzido ou quando inexistem alternativas econômicas para as populações rurais. Mas, à medida que o mercado for ampliando, a oferta extrativa não consegue atender à demanda e, gradativamente, ocorre o colapso dessa atividade. A primeira maçã que Adão e Eva provaram no Paraíso foi uma maçã extrativa, bastante diferente da que conhecemos nos dias atuais. A humanidade, nesses últimos dez mil anos, domesticou mais de três mil plantas e centenas de animais que constituem a base da agricultura mundial, que consegue alimentar mais de 7,4 bilhões de habitantes, o que não seria possível com o extrativismo.

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Opiniões Nada contra o extrativismo, mas a insistência nesse modelo tende a prejudicar os produtores na busca de alternativas econômicas e os consumidores na obtenção de um produto de melhor qualidade a um preço mais reduzido. Esse culto tem sido a causa e a razão do atraso secular da Amazônia, na crença da sua inesgotabilidade e apoiado no desenvolvimento baseado na extração dos recursos disponíveis da natureza. Essa tem sido a razão da domesticação ocorrer fora da área de domínio do extrativismo. Quanto Henry Alexander Wickham contrabandeou as 70 mil sementes de seringueiras que foram plantadas no Sudeste asiático, em 1876, a nossa alegria durou enquanto os ingleses estavam multiplicando as seringueiras, até que ocorreu o colapso da economia gumífera em 1912. Desde 1951, o Brasil vem importando borracha do Sudeste asiático, cuja quantia chega de 70% a 75% do nosso consumo, implicando evasão de divisas que chega a US$ 1,2 bilhão. Municípios como Mirassolândia, Monte Aprazível, Nhandeara, Olímpia, Tanabi, Barretos, Bálsamo e Getulina, no estado de São Paulo, produzem mais borracha do que toda a região Norte. A Bahia produz 73% do guaraná e 64% do cacau produzido no País, e Bahia e São Paulo produzem mais da metade do palmito de pupunha do Brasil. Há um grande equívoco ao associar uma sustentabilidade direta para os PFNM, como se fossem sustentáveis por definição. Nem sempre a taxa sustentável de extração biológica garante a sustentabilidade econômica e vice-versa. Do ponto de vista econômico, não há diferença entre PFNM e madeireiros, pois todos seguem as mesmas regras econômicas e biológicas. Ao contrário do propalado, a economia extrativa é bastante frágil, sujeita ao efeito da domesticação, aparecimentos de substitutos sintéticos e de novas alternativas econômicas, expansão da fronteira agrícola, entre outros. A descoberta da anilina, em 1856, retirou do mercado os corantes naturais, entre os quais o do pau-brasil, já no caminho do seu esgotamento. A invenção do DDT afetou o mercado de inseticidas naturais e concedeu o Prêmio Nobel de Medicina (1948) ao químico suíço Paul Hermann Muller (1899-1965) pela sua contribuição no controle das endemias. Em época recente, a descoberta do Viagra, Cialis e Levitra deve ter afetado o uso de maripuama, catuaba, guaraná e de outras plantas ou de chifres de rinocerontes utilizadas pela medicina popular para corrigir a disfunção erétil, por exemplo. A renda proporcionada pela extração dos PFNM é baixa, talvez, com a exceção do manejo do açaizeiro, que prescinde do socialismo florestal através das Reservas Extrativistas (Resex). Para a maioria, trata-se de uma renda marginal, cuja sobrevivência depende de subsídios ou de transferências governamentais. Para muitas Resex, existe muito mais um problema agrícola do que um problema ambiental. Para manter o extrativismo, é importante que se evitem as pesquisas sobre a domesticação e não se criem novas alternativas de renda ou emprego. É muito defendida por ONGs e organismos internacionais a opção de venda de créditos de carbono para manter a floresta em pé e promovendo a extração de PFNM, para os quilombolas, comunidades tradicionais, ribeirinhos, indígenas e pequenos produtores que seriam os seus beneficiários.

Na minha opinião, o mercado de carbono vai ser vítima do seu próprio sucesso. À medida que a oferta de serviços ambientais for aumentando (fábricas menos poluentes, agricultura com menor impacto ambiental, transportes mais eficientes, etc.), o preço do carbono vai cair no médio e no longo prazo. Já que estamos reduzindo os desmatamentos na Amazônia, não haveria motivo para os países desenvolvidos alocarem recursos para o País. É uma falsa premissa acreditar que a salvação da Amazônia vá depender dos países desenvolvidos. Precisamos encontrar as nossas soluções e não criar um novo tipo de assistencialismo ambiental. Qual seria, então, a solução para a Amazônia? Existem, na região, dezenas de produtos extrativos em que a oferta já atingiu o limite da sua capacidade. Precisamos sair do discurso abstrato da biodiversidade (plantas imaginárias que vão curar câncer, AIDS, etc.) para uma opção concreta, aproveitando a biodiversidade do presente e do passado, onde realmente estão as grandes possibilidades (seringueira, cacau, pau-rosa, castanha-do-pará, bacuri, cupuaçu, etc.) e fazer plantios promovendo uma nova agricultura tropical na Amazônia. Há centenas de plantas medicinais, aromáticas, inseticidas, frutíferas, entre outras, para as quais precisamos estabelecer metas concretas, visando ao seu plantio e à sua verticalização. A Amazônia Legal constitui um espaço em que cabe toda a Europa. São nove estados, cada um com uma história política, econômica, social e ambiental distinta, que exige um tratamento diferenciado. Para que serve um mapa do estado do Maranhão cortando ao meio pelo meridiano da Amazônia Legal para fins de planejamento? Em vez da opção da volta da floresta, a salvação da floresta seria utilizar uma parte dos 76 milhões de hectares (18%) que já foram desmatados (2015), que chamo de Segunda Natureza. Essa área é superior à soma dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A Primeira Natureza são as áreas que estão intactas, que representam 82% da Amazônia Legal. O desafio seria como transformar uma parte da Segunda Natureza destruída em uma Terceira Natureza, com atividades produtivas mais adequadas. Dessa forma, vejo grandes restrições com a utilização de PFNM para tentar salvar a floresta. É importante dar sentido econômico para reduzir custos de recuperação de Áreas de Preservação Permanente – APP e de Reserva Legal – RL, conforme preconiza o novo Código Florestal (Lei 12.651, 25/05/2012) ou da Nova Lei da Biodiversidade (Lei 13.123, 20/05/2015 regulamentada pelo Decreto 8.772, 11/05/2016). Essas duas leis exigem aperfeiçoamentos decorrentes de ações incongruentes, por não considerar essa dinâmica extrativa e de reduzir os riscos para os empresários. Como na Amazônia só é possível utilizar 20% da área da propriedade e fora da região o inverso, isso indica que, onde se tinha um boi, precisamos colocar quatro. A solução seria o desenvolvimento de uma agricultura tropical em consonância com as condições climáticas ou da exigência de terra e água, apoiada nos recursos da flora e da fauna (pirarucu, etc.), em vez da coleta de PFNM. Dessa forma, uma política agrícola é muito mais importante para a Amazônia para resolver seus próprios n problemas ambientais.

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cientistas e consultores

restaurando florestas tropicais A história da humanidade tem sido marcada pelo paradoxo entre a importância que as florestas representam para o homem e a pressão para utilização das áreas ocupadas por elas, o que gera, em muitas circunstâncias, o desmatamento. As florestas ocupam, hoje, em torno de 30% da superfície do planeta (ou 4,13 bilhões de hectares), sendo 93% desse total representados por florestas naturais, que abrigam globalmente 80% de toda a biodiversidade do planeta. As altas taxas de desmatamento e degradação ambiental, embora decrescentes no mundo, ainda prevalecem nos trópicos. Só o Brasil perdeu, nos últimos 15 anos, uma média anual de 0,5% de sua superfície de florestas, o que equivale a quase 2,5 milhões de hectares por ano. Apesar de ocuparem menos de 1/3 dessa superfície e de já terem sido reduzidas à metade em todo o mundo, as florestas tropicais abrigam mais de 50% de todas as espécies já catalogadas e estocam, em média, 100-150 toneladas de carbono por hectare, fornecendo, assim, importantes serviços ambientais à humanidade. Como resultado do desenvolvimento humano, o declínio da biodiversidade tem ocorrido a uma taxa 100 vezes mais rápida do que as taxas naturais de registros fósseis. É consenso de que a perda da biodiversidade reduz a eficiência com que as comunidades capturam recursos biologicamente essenciais, produzem biomassa, decompõem matéria orgânica e reciclam os nutrientes, o que, como consequência, diminui drasticamente a capacidade de os ecossistemas fornecerem serviços à sociedade. Os serviços ecossistêmicos são todo o conjunto de benefícios que os ecossistemas provêm à humanidade, sendo classificados entre aqueles de suporte

alterações ambientais provocadas pelo homem têm sido tão drásticas que não é mais possível se pensar em restauração ecológica com olhos no passado. As condições históricas dos ecossistemas são, em muitos casos, alvos inatingíveis. "

Vera Lex Engel

Professora de Ciência Florestal da Unesp de Botucatu

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(produção primária, formação de solo, ciclagem de nutrientes); de regulação (clima, ciclo hidrológico, doenças, polinização); de provisão (madeira e produtos não madeireiros, alimentos, água); e culturais (valores estéticos, espirituais, recreação). Dentre esses, a capacidade de captura de carbono atmosférico, e, como consequência, a mitigação das mudanças climáticas têm sido consideradas serviços essenciais à própria sobrevivência do homem no planeta Terra. A restauração de ecossistemas florestais vem se consolidando como uma prioridade global do século XXI, à medida que a sociedade vem buscando, nas diversas formas de restauração ecológica e reflorestamento, vencer os grandes desafios mundiais, dentre eles o das mudanças climáticas. Atualmente, governos de todas as partes do globo, bem como empresas e tomadores de decisão, têm realizado esforços para promover a adesão a iniciativas globais de restauração florestal, tais como o “Bonn Challenge”, lançado em 2011 com o compromisso de restaurar 150 milhões de hectares até 2020; a Declaração de Nova York (2014), que propõe a restauração de outros 200 milhões de hectares, e a Iniciativa 20 x 20, lançada em 2014 por países latino-americanos, visando restaurar 20 milhões de hectares até 2020. A GFLP – Global Partnership on Landscape and Forest Restoration, indica a existência de mais de um bilhão de hectares de áreas passíveis de serem restauradas em todo o mundo, somando uma superfície maior que a da China. No Brasil, o Planaveg – Plano Nacional de Restauração da Vegetação Nativa, em fase de consulta pública, se propõe a promover a restauração de 12 milhões de hectares de vegetação nativa, visando ao cumprimento da Lei 12.651 de 2012.


Opiniões Restauração de florestas e mudanças climáticas: O fato de as plantas verdes absorverem carbono atmosférico durante a fotossíntese, e, desse modo, coloborarem para a mitigação do efeito estufa e das mudanças climáticas já havia sido reconhecido desde a virada do século XIX para o século XX. Entretanto, somente a partir do início do século XXI, começou a haver consenso, entre a comunidade científica mundial, de que o aumento observado nas temperaturas globais era, de forma inequívoca, decorrente da ação do homem, principalmente pelo aumento da queima de combustíveis fósseis e da emissão de gases estufa. As florestas tropicais distribuem-se nas zonas de maior produtividade primária do planeta e, como consequência, acumulam uma maior quantidade de biomassa, tanto acima como abaixo do solo. Por exemplo, a Floresta Amazônica estoca, aproximadamente, de 290 a 400 toneladas de matéria seca por hectare (acima e baixo do solo), dos quais cerca de 50% são carbono, enquanto a mata atlântica acumula de 130 a 165 t/ha; a caatinga, 74, e o cerrado, de 51 a 96 t/ha. Além de sua importância como estoque de carbono na fitomassa, as florestas ainda retiram, globalmente, cerca de 2,5 toneladas de CO2 atmosférico em média por hectare por ano, o que, na Amazônia, pode variar de 0,8 a 7 t/ha/ano, de acordo com os estudos do LBA. Já uma floresta em restauração possui um menor estoque de fitomassa, o que dependerá da sua idade, composição de espécies, tipo de solo e grau de degradação anterior. Além disso, em uma floresta tropical nativa, a maior parte da biomassa e carbono está estocada no estrato arbóreo, principalmente nas árvores maiores, ao passo que, em florestas em restauração ainda jovens, o componente arbustivo/herbáceo terá uma importância relativa maior, devido à ausência dessas árvores grandes. Em nossas pesquisas, florestas em restauração com 12-14 anos plantadas em Botucatu, SP, acumularam de 60 a 110 t/ha, dependendo do solo e da composição de espécies, e retiraram, anualmente, cerca de 2,9 a 4,4 tC/ha. Estudo tem indicado que áreas abandonadas para a regeneração natural da vegetação nativa (restauração passiva) continuam a acumular biomassa até os 80 anos após o abandono, o que torna essas áreas também bastante efetivas para a mitigação de mudanças climáticas, sem a necessidade de qualquer tipo de plantio. A busca por medidas mitigadoras das mudanças climáticas tem levado a uma tendência de aumento de escala dos projetos de restauração. Entretanto, idealmente, isso não deve ser feito à custa de perda de qualidade, nem da desvalorização do papel das áreas restauradas para a conservação/recuperação da biodiversidade. Os esforços de restauração de florestas tropicais têm resultados em um efeito positivo de 15-84% e 36-77%, respectivamente, nos indicadores de biodiversidade (riqueza e diversidade de diferentes grupos de fauna e flora) e de estrutura (altura, área basal, cobertura de solo), em comparação a ecossistemas degradados, mas esses indicadores são ainda bem menores do que os de florestas nativas de referência. Nossas pesquisas têm indicado que há uma relação assintótica positiva entre biodiversidade (medida pela riqueza e diversidade de espécies) e produção e acúmulo de biomassa em

ecossistemas em restauração, pelo menos durante os primeiros 25 anos após o plantio. Isso significa que podemos contar com um número relativamente pequeno de espécies que garantirão uma produtividade ótima, se o nosso foco for nos serviços ecossistêmicos. Entretanto não devemos relevar o papel regulador da biodiversidade na promoção de maior estabilidade e resiliência ao ecossistema em restauração, principalmente em face de um mundo em que as mudanças ambientais têm ocorrido de forma tão rápida. A otimização de produtividade primária (com consequente aumento da captura de carbono atmosférico), associada à restauração da biodiversidade, pode ser efetivada quando se levam em conta as características funcionais das espécies. Os conceitos de complementaridade (quando a maior diversidade de características e de grupos funcionais permitem uma maior complementaridade no uso de recursos e melhor repartição de nichos) e de seletividade (quando uma ou poucas espécies com determinadas características funcionais conseguem acesso privilegiado aos recursos e dominam ou direcionam a produção primária da comunidade) podem ser explorados, na prática, através da combinação adequada de espécies. Os desenhos dos sistemas de restauração devem levar em conta ainda a combinação de espécies heliófilas e de alta produtividade, que irão sequestrar carbono a uma alta taxa, mas por menos tempo (pela menor longevidade), com espécies tolerantes à sombra, e menores taxas de crescimento, que terão menores taxas de absorção de carbono, mas durante um tempo muito maior. Desafios da restauração florestal para um mundo em mudanças: Ao mesmo tempo que buscamos restaurar florestas para mitigar as mudanças climáticas, é necessário considerar que essas mudanças já são uma realidade e que muitas das alterações ambientais provocadas pelo homem têm sido tão drásticas que não é mais possível se pensar em restauração ecológica com olhos no passado. As condições históricas dos ecossistemas são, em muitos casos, alvos inatingíveis. Devemos, então, olhar para o futuro, numa tentiva de reconstrução de ecossistemas resilientes o bastante para resistirem a mudanças ambientais imprevisíveis. Temos que aceitar que novas combinações estáveis de espécies possam emergir, a partir de processos naturais ou da ação do homem, e que possam resultar em comunidades estáveis e resilientes, cumprindo, senão todas, a maioria das suas funções ambientais. Nesse caso, o foco deverá recair nos serviços e nas funcionalidades dos ecossistemas em múltiplas escalas espaciais e temporais, e não simplesmente na restauração da estrutura e biodiversidade. Tendo em vista ainda a grande escala em que se faz necessária a restauração de florestas tropicais, um último desafio que se coloca é o aumento da área restaurada, para que os benefícios sejam compartilhados por uma parcela maior da sociedade, mas sem perdas significativas de qualidade e com boa efetividade do ponto de vista de custo/benefício. Além disso, por meio de um planejamento adequado do uso do solo, devemos ser capazes de evitar o deslocamento de áreas produtivas para a restauração, ao ponto da necessidade de abertura de novas fronteiras n agrícolas e/ou para a pecuária.

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organizações não governamentais

desmatamento

Opiniões

zero

A redução do desmatamento da Amazônia resultante é considerada a maior conquista da humanidade até agora em termos de redução das emissões de gases de efeito estufa – impedindo que mais de 4 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente fossem lançadas na atmosfera. "

Beto Veríssimo

Pesquisador Sênior do Imazon Instituto do Homem e Meio Ambiente Amazônia

A Amazônia é o maior e mais diversificado estuário do mundo. É rico em recursos pesqueiros e abriga cerca de 700 bilhões de árvores. A Amazônia também tem um papel fundamental na regulação do clima do mundo. Ela é a “provedora” de chuvas para o Centro-Sul do Brasil, gerando umidade que é então transportada para o Sudeste através dos chamados “rios voadores”. Alguns cientistas acreditam que a recente seca severa em São Paulo e em outras grandes cidades pode ter sido resultado do desmatamento na Amazônia. Porém, toda essa riqueza tem sido ameaçada por desmatamento e degradação. Quase 20% da Amazônia brasileira foram desmatados nos últimos quarenta anos. Pelo menos outros 20% sofrem degradação – termo que é amplamente definido como uma floresta que perde parcialmente a capacidade de produzir madeira, conservar a biodiversidade e armazenar carbono –, por causa da exploração de madeireiras e de queimadas. Como acontece com qualquer ecossistema, a Amazônia tem um limite natural que, depois de cruzado, será impossível reverter. Alguns cientistas temem que, se o desmatamento subir para 40% de seu território, a Amazônia começará um processo irreversível de transformação em cerrados. As implicações para o aquecimento global, os padrões climáticos e a biodiversidade seriam catastróficas. Houve uma época, não muito tempo atrás, em que parecíamos caminhar precisamente nessa direção. Só em 2004, cerca de 27 mil km2 de floresta foram desflorestados – uma área equivalente ao estado de Alagoas. Naquele ano, por causa dessa destruição desenfreada, o País ficou entre os cinco maiores emissores mundiais de gases de efeito estufa, algo especialmente vexatório porque, embora o desmatamento da Amazônia fosse responsável por mais da metade das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, a região gerou apenas 8% do PIB do País. Mais grave ainda, a região tinha alguns dos piores indicadores do Brasil em saúde, edu; cação e segurança pública.

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organizações não governamentais Em outras palavras, estávamos perdendo um dos nossos maiores tesouros da humanidade em troca de nada. O Brasil, que abriga cerca de 65% da floresta amazônica, sempre teve uma responsabilidade especial para defendê-la. Em 2004, o governo brasileiro anunciou um ambicioso plano para conter o desmatamento. Dados os fracassos de políticas anteriores, ninguém previa que esse iria funcionar. Mas, surpreendentemente, funcionou dessa vez. Em 2014, a área da Amazônia brasileira desmatada a cada ano caiu para cerca de 5 mil km2, um declínio de mais de 75% em relação a 2004. O plano tinha vários mecanismos que, em conjunto, provaram-se muito eficazes. Ele incluía iniciativas para monitorar a floresta quase em tempo real, usando imagens de satélite para deter agressores antes que eles derrubassem a floresta. E implementou punições eficazes para os violadores, levando-os à prisão e confiscando bens relacionados aos crimes ambientais . Também criou uma vasta rede de Unidades de Conservação. A redução do desmatamento da Amazônia resultante é considerada a maior conquista da humanidade até agora em termos de redução das emissões de gases de efeito estufa – impedindo que mais de 4 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente fossem lançadas na atmosfera. Isso é, de fato, um feito a ser comemorado. Mas não é suficiente. Mesmo que o desmatamento tenha caído mais de 75%, o ritmo de perda de árvores na Amazônia ainda é considerado, junto com a Indonésia, o maior do mundo. Então, em vez de se conformar com o status quo, é hora de perseguir uma meta mais ousada e necessária: desmatamento zero na Amazônia. Alguns consideram essa meta radical, ou mesmo utópica. A verdade, porém, é que uma meta de desmatamento zero não é apenas possível, mas desejável. Ela seria favorável para o ambiente, obviamente, mas isso não é apenas um dos motivos para fazê-lo. O desmatamento zero também traria enormes benefícios para a economia da Amazônia e para o progresso social da região. Aqui, três razões que explicam isso. Primeiro, o Brasil cortou, ao longo dos últimos 40 anos, uma área florestal maior que os estados de Minas Gerais e Paraná somados. No entanto quase 2/3 dessa área desmatada são subutilizados, e mais de 10 milhões de hectares estão simplesmente abandonados (uma área superior ao território de Pernambuco). Na verdade, a terra que já foi devastada é mais que o necessário para sustentar o agronegócio, agricultura familiar, hidrelétricas, projetos de mineração e cidades para as próximas décadas. Seria inteiramente possível fazer crescer a economia e fornecer oportunidade de renda e prosperidade para os seus cerca de 24 milhões de habitantes, sem desmatar novas áreas. Alcançar essa meta depende principalmente de desenvolvimento e implementação de tecnologias e técnicas, muitas das quais já existem, para fazer melhor uso da terra já desflorestada. Existem sinais promissores de que isso é possível. No Pará, os pecuaristas tornaram-se cinco vezes mais produtivos que os seus pares, produzindo 500 kg de carne por hectare por ano, em comparação com uma média de apenas 100 kg no resto da Amazônia, graças à melhoria da pastagem e à adoção de práticas para melhorar o bem-estar dos animais. Os produtores de soja do Mato Grosso estão aumentando a produção sem promover mais desmatamento.

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Além disso, novas técnicas estão permitindo que a madeira e outros produtos florestais não madeireiros, como o açaí, sejam colhidos sem que seja necessário cortar a floresta. Em 1970, quando o ritmo de desmatamento na Amazônia começou a realmente acelerar, a região gerava pouco menos de 8% do PIB do Brasil. Hoje, 45 anos mais tarde, depois de todo o desmatamento ocorrido, a região amazônica ainda produz os mesmos 8% do PIB brasileiro. Dito de outra forma, o tipo de desenvolvimento ocorrido não fez nada para melhorar a situação econômica dos habitantes da Amazônia em comparação com o resto do Brasil. As pessoas fizeram enormes sacrifícios em sua qualidade de vida, vendo seu habitat, antes uma floresta intocada, ser substituído por cidades caóticas e afetadas por fumaça de queimadas, mas os benefícios de tal crescimento foram colhidos apenas por um pequeno número de indivíduos e empresas. A Amazônia ainda tem alguns dos piores indicadores sociais do Brasil. É hora de buscar um modelo mais inteligente de crescimento econômico que não dependa de destruir a floresta. Segundo, nossa compreensão do valor econômico intrínseco da floresta foi ampliada. Ela tem um enorme valor estratégico no presente e terá ainda mais no futuro. Cientistas estimam que a região amazônica tem quase 25% das reservas de carbono acima do solo das florestas do mundo. Se esse carbono for liberado para a atmosfera, poderia tornar o aquecimento global ainda mais catastrófico, com consequências econômicas e sociais devastadoras para a humanidade. Por último, há uma enorme pressão vinda dos mercados para eliminar produtos que venham de áreas desmatadas. É importante notar uma iniciativa do Consumer Goods Forum, uma aliança entre algumas das maiores empresas globais, que adotou a meta de desmatamento zero até 2020. Ou seja, a partir dessa data, elas deixarão de comprar qualquer tipo de carne, soja, óleo de palma, madeira ou papel que venham de áreas recém-desmatadas. Essa pressão do mercado tem ajudado a mostrar ao produtores que fazem uso intensivo da terra nas áreas rurais da Amazônia que é necessário acabar com o desmatamento para ser competitivo e ter sucesso em seus negócios. O ingrediente final para tornar o desmatamento zero viável é incentivar o governo brasileiro, e outros com território na Amazônia, a assumir compromissos ousados em vez de se satisfazerem com a situação atual. Há algumas janelas de oportunidade nesse fronte. A conferência global sobre o clima, em Paris, no fim de 2015, é a principal. Outro caminho seria apoiar as iniciativas em nível estadual. Por exemplo, o estado do Pará, que é maior que a França e a Espanha juntas, já anunciou uma meta de desmatamento líquido zero para 2020. Isso mostra que a liderança política e a visão sobre essa questão já estão presentes; só é preciso simplesmente que elas se espalhem para o nível nacional e internacional. A Amazônia sempre foi um lugar para ousadia. Isso foi verdade no passado – quando extrativistas e naturalistas desbravaram seus caminhos – e continua sendo hoje para os líderes que estejam dispostos a salvar o patrimônio natural da Amazônia para as gerações futuras. O que precisamos são ideias audaciosas e pessoas profundamente comprometidas para ajudar a implementá-las. Vamos dar o próximo passo – e reduzir o desmatamento a zero. n


a troca do “ou” pelo “e”

Opiniões

Já não há sentido na velha discussão sobre produzir ou conservar. O nome do jogo agora é produzir e conservar. "

Roberto Silva Waack

Presidente do Conselho do WWF Brasil

Não faltam estudos, relatórios e menções a restauração e a reflorestamento. No Brasil, a mais intensamente discutida é a meta de restaurar 12 milhões de hectares, integrante de nossa INDC – Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida, na sigla em inglês. No exterior, destacam-se duas iniciativas relevantes e complementares: o Bonn Challenge e a New York Declaration on Forest. A primeira tem a aspiração de restaurar 150 milhões de hectares de áreas desmatadas até 2020; a segunda, a intenção de, além do total apontado no Bonn Challenge, adicionar outros 200 milhões de hectares até 2030. As três proposições mencionadas se alinham com o Acordo de Paris, estruturado na COP 21, realizada no fim do ano passado. Todas são consideradas bastante ambiciosas. Em estudo recentemente realizado pela The New Climate Economy, a vertente denominada mudança do uso da terra aparece como tendo grande potencial para redução de emissões de gases do efeito estufa até 2030. Para isso, dois fatores são determinantes. De um lado, a conversão de florestas em usos alternativos, como agricultura e pecuária, causa emissões por desmatamento e degradação. De outro, o reflorestamento proporciona o sequestro de carbono da atmosfera. A primeira busca manter o estoque de carbono, a segunda, aumentá-lo. O documento estima o potencial do reflorestamento na redução anual de emissões da ordem de 1,2 a 2,9 gigatoneladas de CO2eq. O montante representa entre 3 e 5% do total necessário de reduções de emissões estimadas para manter o aquecimento global abaixo de 2°C, tendo como referência o período pré-industrial. Na área de restauração florestal, duas importantes iniciativas se alinham às ambições da INDC brasileira e às iniciativas internacionais mencionadas: a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura* e o Projeto Verena. Esse último – conduzido por um consórcio entre WRI (World Resources Institute) e IUCN (União Internacional Conservação da Natureza), financiado pela CIFF (Children Investment Fund Foundation) – busca a consolidação de uma economia florestal baseada em espécies nativas. Um dos grandes debates sobre a chamada agenda da restauração florestal se ateve aos custos para reflorestar um hectare.

Embates ideológicos buscavam a defesa de diferentes modelos com matizes mais ambientais ou econômicas. A Coalizão Brasil se dedicou a não só buscar um consenso sobre o tema como também a trazer a púbico elementos para aprofundamento de seu componente econômico. Uma parceria com o Instituto Escolhas resultou em uma primeira estimativa, apontando a necessidade de investimentos da ordem de R$ 30 a 50 bilhões para o reflorestamento dos 12 milhões de hectares até 2030. Tal indicação se fundamentou na distribuição da atividade em cinco modelos distintos de recuperação florestal: a) condução e enriquecimento; b) adensamento e enriquecimento; c) plantio direto de mudas e sementes; d) plantio consorciado de espécies nativas e exóticas e; e) sistemas agroflorestais. O polêmico resultado gerou bons debates no setor, com defensores de valores muito abaixo da media do estudo (R$ 3 a 4 mil/hectare), contrapondo-se a consistentes argumentações de que a silvicultura de nativas pode atingir valores superiores a R$ 15 mil/hectare. O esforço da Coalizão Brasil se potencializou com as respostas iniciais do Projeto Verena, o qual reforçou o conceito de que a recuperação florestal no Brasil ocorrerá com o uso de diferentes modelos silviculturais. O esquema em destaque indica o conceito de Contínuo Florestal, indicando a coexistência de várias formas de atividade florestal. As cores representam a variabilidade de espécies florestais, portanto o componente da biodiversidade. A forma indica se a espécie é nativa (círculo) ou exótica (retângulo). A agenda da recuperação florestal é bastante ampla, deixando de fora apenas os extremos, representados pela preservação permanente e pelo manejo de baixo impacto de espécies nativas. ;

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organizações não governamentais Como o próprio esquema indica, não há uma separação rígida entre os distintos modelos, podendo haver casos de combinação e transição gradual entre eles. No que se refere a custos de implementação, há boa variação entre os tipos de silvicultura. Grosso modo, a regeneração natural é a alternativa de menor custo, basicamente, destinada à proteção da área com cercas. Embora variáveis, os valores flutuam entre R$ 500 a R$ 2.000/hectare, no caso de controle de pragas ou enriquecimento e condução. A restauração com finalidade ambiental é a que apresenta maior variação de custos, dependendo da escala e do objetivo. Casos em que se busca rapidez e estética podem facilmente superar os R$ 30 mil/hectare, enquanto os custos de implantação podem ficar em torno de R$ 3 a 6 mil/hectare. Cabe lembrar que, quando a atividade econômica é central, o termo mais apropriado é investimento e não custo. Como ocorre na silvicultura de exóticas de ciclo curto, voltada para a produção de painéis ou celulose, custos podem até ser mais elevados, proporcionando IMAs maiores e retornos mais interessantes. Os valores ficam entre R$ 8 a 12 mil/hectare. Por fim, grande variação ocorre também em sistemas agroflorestais, uma vez que há forte dependência da cultura consorciada. Com frequência, os investimentos atingem valores acima de R$ 40 mil/hectare. Esse quadro indica por que não há o menor sentido em se buscar um valor médio por hectare para o desafio da recuperação florestal. Ele depende não só do modelo, mas da sua distribuição percentual no total a ser reflorestado no País. Mais do que isso, é também dependente da região em que for implementada, podendo requerer maiores ou menores tratos silviculturais. A agenda é fascinante e promissora, não só pelo amplo espetro de alternativas, mas por estar alinhada com novas tendências do setor, como remuneração

por serviços ambientais e produção de externalidades positivas. Além disso, o desenvolvimento de bioprodutos, como polímeros, tecidos, energia e outras frentes da fronteira da ciência florestal e de novos materiais, abre perspectivas muito interessantes para fibras oriundas de novas espécies. Como se não bastasse, a combinação do uso do solo para finalidades que alinham a produção de alimentos à de fibras e energia parece ser inexorável. Essas boas perspectivas demandam, no entanto, consistente esforço em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) aplicados. Felizmente, o Brasil conta com um dos melhores arsenais tecnológicos em silvicultura do mundo, atestado pela competitividade do plantio de espécies como pinus e eucalipto. Assim, o desafio não é apenas de ruptura tecnológica, mas de transposição dos amplos conhecimentos silviculturais entre espécies. Temas como conquista de uma boa base de genética de espécies nativas, obtenção e tratamento de sementes, produção de mudas, melhoramento genético clássico, tratos silviculturais, controle sanitário, estabelecimento de curvas de crescimento, consórcios e monitoramento do plantio são alguns exemplos. A Coalizão Brasil, juntamente com o Projeto Verena e empresas do setor de plantio de exóticas, está mobilizada para a criação de uma relevante iniciativa no campo do P&D pré-competitivo público-privado. Certamente, boas notícias virão em breve. A restauração florestal é a melhor forma de comprovar que o mundo caminha para a troca definitiva do “ou” pelo “e” no campo do uso do solo. Já não há sentido na velha discussão sobre produzir ou conservar. O nome do jogo agora é produzir e conservar. O Brasil se coloca, reconhecidamente, como o país com melhores condições para obter sucesso nessa peleja. E a sociedade, por meio de iniciativas como a Coalizão Brasil, já está mobilizada para tanto. n

Contínuo FlOrestal

regeneração natural floresta nativa primária ou secundária em preservação permanente

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manejo de baixo impacto de nativas

plantio com finalidade ambiental

plantio econômico biodiverso

plantio plantio econômico exÓticas monocultura ciclo longo

plantio misto exÓticas e nativas

sistemas agroflorestais

plantio exÓticas ciclo curto agricultura de baixo carbono

*A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura é um movimento multissetorial, que se formou como o objetivo de propor ações e influenciar políticas públicas que levem ao desenvolvimento de uma economia de baixo carbono, com criação de empregos de qualidade, estímulo à inovação, à competitividade global do Brasil e à geração e à distribuição de riqueza a toda a sociedade. Mais de 120 empresas, associações empresariais, centros de pesquisa e organizações da sociedade civil já aderiram à Coalizão Brasil. www.coalizaobr.com.br.


Opiniões

o conhecimento tradicional sobre as

florestas e seu potencial Os conhecimentos sobre os ecossistemas, as técnicas de manejo de recursos naturais, propriedades farmacêuticas, alimentícias e agrícolas de espécies animais, vegetais e fúngicas fazem parte de uma riqueza ainda inexplorada no Brasil "

Adriana de Carvalho Barbosa Ramos Coordenadora do ISA - Instituto Socioambiental

O Brasil possui a maior área de floresta tropical contínua do planeta, a Amazônia, que também abriga a maior bacia hidrográfica em disponibilidade de água. Não é pouco e nos traz um grande desafio de como desenvolver atividades florestais efetivamente sustentáveis, assegurando a manutenção do bioma e de seus serviços ecossistêmicos. Enfrentar esse desafio demanda conhecimento, e não há como construí-lo sem considerar uma das grandes riquezas da região: sua sociodiversidade. Os processos, as práticas e as atividades tradicionais dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais relacionados ao uso das florestas têm passado de geração para geração, dos mais velhos aos mais novos, e constituem uma parte muito significativa do conhecimento florestal que hoje acumulamos, embora boa parte dele não seja compartilhado para além das próprias comunidades. Os conhecimentos sobre os ecossistemas, as técnicas de manejo de recursos naturais, propriedades farmacêuticas, alimentícias e agrícolas de espécies animais, vegetais e fúngicas fazem parte de uma riqueza ainda inexplorada no Brasil e que poderia contribuir de forma inequívoca ao melhor

manejo florestal e ao desenvolvimento de produtos oriundos das florestas. Assim como os conhecimentos associados ao uso da biodiversidade reduzem significativamente o esforço de pesquisa, funcionando como indicador de quais organismos possuem propriedades de interesse farmacológico ou mesmo industrial, o conhecimento sobre a floresta pode contribuir muito para seu melhor aproveitamento, principalmente considerando a perspectiva de uso múltiplo. Essa perspectiva de uso múltiplo dos recursos florestais, fundamento do uso tradicional das florestas pelas populações tradicionais, pode ser o grande diferencial para fazer do manejo florestal sustentável uma realidade viável, tanto ambiental quanto social e economicamente. A ideia de buscar o melhor aproveitamento dos diferentes recursos florestais concomitantemente é o inverso das formas de exploração florestal que priorizam ;

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organizações não governamentais apenas um produto – a madeira, ou as fibras, ou os frutos – e constitui um novo paradigma para o desenvolvimento florestal. É o tradicional propondo a vanguarda. Para promoção desses novos paradigmas, é fundamental que a construção do conhecimento florestal se dê considerando novas abordagens, como a das etnociências, campo interdisciplinar que estuda as relações que se estabelecem entre as comunidades tradicionais e a natureza. Com base nas etnociências, é possível estudar os saberes das populações humanas sobre os processos naturais, revelando as lógicas subjacentes a seus conhecimentos. A etnobotânica aborda a forma como diferentes grupos humanos interagem com a vegetação, explorando tanto as questões relativas ao uso e ao manejo dos recursos vegetais quanto à sua percepção e classificação pelas comunidades locais. Pesquisas nessa área facilitam a determinação de práticas de manejo com finalidades utilitárias. Incorporar a etnobotânica e a etnoecologia para o desenvolvimento de medidas e propostas que visem à sustentabilidade pode ajudar a solucionar problemas comunitários ou de gestão florestal. A etnoecologia busca desvendar, compreender e sistematizar cientificamente todo um conjunto de teorias e práticas relativas ao ambiente, oriundas de sua experimentação empírica por culturas tradicionais, indígenas ou autóctones. As populações tradicionais detêm grande quantidade de informações, muitas vezes ainda inexploradas pela academia, sobre as formas de lidar com ambientes biologicamente diversificados e que podem ser muito úteis para a compreensão desses ecossistemas e para o desenvolvimento de práticas menos predatórias ao meio. Uma das mais relevantes publicações sobre o uso da floresta, a Enciclopédia da floresta – o Alto Juruá, práticas e conhecimentos das populações, é um bom exemplo de como o conhecimento tradicional e a interdisciplinaridade são abordagens fundamentais para dar conta da complexidade das florestas tropicais megadiversas. Além de registrar a riqueza do conhecimento das populações nativas e a importância da biodiversidade e da sociodiversidade, a Enciclopédia da floresta reforça o reconhecimento do saber tradicional como forma de ciência válida. Mas ainda são poucas e incipientes as iniciativas acadêmicas que buscam incorporar o conhecimento tradicional no desenvolvimento científico e tecnológico. Assim como nas políticas públicas.

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Esse é um desafio ainda a ser enfrentado, mas que se mostra cada vez mais necessário nesse contexto de graves crises ambiental e climática que nos impõem novos desafios. Apesar dos grandes avanços do País no setor florestal, o manejo sustentável de florestas nativas ainda é um grande desafio, e experiências de manejo florestal comunitário podem, por exemplo, contribuir para a construção de propostas relevantes para sua viabilização, seja a partir das práticas de gestão participativas e da diversidade de arranjos institucionais possíveis, seja nas diferentes estratégias de usos em função das características dos recursos manejados, potencializando a lógica de uso múltiplo dos produtos florestais. Não há nada mais moderno do que o conhecimento tradicional, produzido em rede e compartilhado. O conhecimento que as comunidades locais têm dos processos ecológicos e das práticas tradicionais de manejo de recursos naturais são também o caminho para a compreensão dos serviços ambientais oriundos das florestas, cujo reconhecimento e valorização podem constituir a peça-chave para a viabilidade do manejo florestal. É no uso tradicional da floresta feito pelos povos da região que ela se mantém viva, e, é a partir desse conhecimento tradicional, que o manejo florestal poderá também contribuir para a manutenção das florestas. Em tempos de mudanças climáticas, não basta ver a floresta como provedora de madeira ou outros produtos. Há que se reconhecer nela muito mais do que isso, e para isso é preciso aprender com quem vive da e com a floresta. “A gente não vê a floresta como uma coisa que tem a obrigação de nos dar recurso, a gente tem que ver ela como parte de nós. Não é só manter a floresta em pé, mas ficar em pé com ela. Em nenhum momento trocamos a nossa vida, o nosso modo de viver, por outro que não é nosso”, atenta Juma Xipaya, cacique da aldeia Tukamã, Terra Indígena Xipaya. n


Opiniões

a mata atlântica

como ativo econômico

como nossa história se confunde com a da Mata Atlântica, nosso futuro também depende dela "

Mario Cesar Mantovani Diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS-Mata Atlântica

Originalmente, a Mata Atlântica cobria mais de 131 milhões de hectares do território nacional. Desse total, restam, hoje, 16 milhões de hectares (12,5%) do que um dia foi floresta. Os motivos para tamanha devastação recontam a própria história do Brasil. Desde o início da colonização, em 1500, passando por todos os ciclos econômicos, da cana-de-açúcar à industrialização e à urbanização, a história do desenvolvimento do País é também a história da devastação da Mata Atlântica. Há 30 anos, quando iniciamos o monitoramento do bioma, já conhecíamos essa relação entre um modelo equivocado de desenvolvimento e desmatamento, mas acreditávamos também que era algo que tinha sido ; deixado para trás.

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organizações não governamentais Entretanto, logo no primeiro levantamento, que analisou o período de 1985 a 1990, percebemos que estávamos errados. De lá para cá, tivemos suscetíveis quedas nos índices de desmatamento, fruto da mobilização da sociedade aliada à criação de importantes marcos regulatórios para a proteção da floresta, com destaque para a Lei da Mata Atlântica, promulgada em 2006, depois de 15 anos de tramitação no Congresso Nacional. Mas ainda não viramos essa página. Dados do último Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, divulgados no dia 25 de maio de 2016 pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), mostram como o desmatamento da Mata Atlântica ainda é uma história contemporânea. O estudo tem patrocínio de Bradesco Cartões e execução técnica da empresa de geotecnologia Arcplan. O Atlas apontou o desmatamento de 18.433 ha, ou 184 km², de remanescentes florestais nos 17 estados da Mata Atlântica, no período de 2014 a 2015, um aumento de 1% em relação ao período anterior (20132014), que registrou 18.267 hectares. Minas Gerais, que vinha de dois anos de queda nos níveis de desmatamento, voltou a liderar o ranking, com decréscimo de 7.702 ha (alta de 37% na perda da floresta). A vice-liderança ficou com a Bahia, com 3.997 ha desmatados, 14% a menos do que o período anterior. Já o Piauí, campeão de desmatamento entre 2013 e 2014, ocupa agora o terceiro lugar, após reduzir o desmatamento em 48%, caindo de 5.626 para 2.926 ha. A exemplo dos últimos anos, os três estados se destacam no ranking por causa do desmatamento identificado nos limites do cerrado. O Piauí abriga o município de Alvorada do Gurguéia, responsável pela maior área desmatada entre todas as cidades do Brasil. Entre 2014 e 2015, foi identificado decremento florestal de 1.972 ha no local. Os municípios baianos de Baianópolis (824 ha) e Brejolândia (498 ha) vêm logo atrás, seguidos pelas cidades mineiras de Curral de Dentro (492 ha) e Jequitinhonha (370 ha), localizadas na região conhecida como triângulo do desmatamento, que abriga ainda Águas Vermelhas (338 ha), Ponto dos Volantes (208 ha) e Pedra Azul (73 ha). Em Minas, a principal perda de florestas é devido à atividade de mineração. Um fato marcante foi o registro de um desmatamento de 258 ha na cidade de Mariana, 65% deles (169 ha) decorrentes do rompimento das barragens da mineradora Samarco, em novembro do ano passado. Em maio, a Fundação SOS Mata Atlântica entregou relatórios de desmatamento do município e de qualidade da água do Rio Doce a uma comitiva formada pelo Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, pelo prefeito de Mariana, vereadores e autoridades locais, durante visita à região. Mapas compilados em parceria com o INPE mostraram o impacto do maior desastre ambiental já ocorrido na Mata Atlântica. Além de Minas Gerais, Piauí e Bahia, o Paraná também se encontra em estado de atenção. Enquanto os três primeiros lideram a lista geral,

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o Paraná foi o que apresentou o aumento mais brusco, de 116%, saltando de 921 ha de florestas nativas desmatadas entre 2013-2014 para 1.988 ha no último período. O retorno do desmatamento nas florestas com araucária é o principal ponto de alerta, responsável por 89% (1.777 ha) do total de desflorestamento no estado. Hoje, restam somente 3% das florestas que abrigam essa espécie ameaçada de extinção. Para piorar, nessa edição do Atlas, todos os 17 estados apresentaram desmatamento. Enquanto o levantamento anterior apresentou 9 estados no nível do desmatamento zero, ou seja, com menos de 100 hectares de desflorestamento, neste ano, há apenas 7 nessa situação: São Paulo (45 ha), Goiás (34 ha), Paraíba (11 ha), Alagoas (4 ha), Rio de Janeiro (27 ha), Ceará (3 ha) e Rio Grande do Norte (23 ha). Importante destacar que os 17 estados do bioma são signatários da carta “Nova História para a Mata Atlântica”, no qual as Secretarias de Meio Ambiente assumiram, em maio de 2015, o compromisso de investir em restauração florestal e alcançar o desmatamento ilegal zero até 2018. Passado o primeiro ano do pacto, os dados apresentados apontam o quanto ainda precisa ser feito para que essas metas se tornem uma realidade. A perda das florestas e dos serviços que prestam, como a conservação de recursos hídricos, tem impacto negativo e direto sobre a qualidade de vida dos moradores das cidades. Considerando que 72% dos brasileiros habitam a região originalmente coberta pela Mata Atlântica, preservar o que restou e restaurar o que se perdeu tornou-se uma questão de sobrevivência. O fato é que a Mata Atlântica que ainda resta de pé é um ativo econômico cada vez mais importante para o Brasil. A prestação de serviços que vão da polinização à conservação da água e da estabilidade dos solos também faz da floresta uma importante aliada da agropecuária, atividade da qual ainda dependem muitos dos estados da Mata Atlântica. E o bioma, o mais próximo dos grandes centros urbanos, traz ainda uma série de oportunidades para o ecoturismo, um potencial ainda pouco aproveitado no País. Também não basta apenas contermos a destruição da floresta, agora é a hora de recuperar o que perdemos. Na SOS Mata Atlântica, temos investido nesse sentido. Nossos programas de restauração florestal plantaram 36 milhões de mudas que recuperaram 21 mil hectares, uma área equivalente à cidade de Recife. Mas essa é apenas uma contribuição, pois o desafio é coletivo. Só quando a agenda ambiental estiver no centro das decisões políticas, sociais e econômicas do País é que daremos um passo estratégico para que o Brasil se desenvolva de forma sustentável. Como aponta a carta “Nova História para a Mata Atlântica”, a sociedade não admite mais que o desmatamento de nossas florestas, um patrimônio nacional, seja o preço a pagar pela geração de riqueza. Do mesmo modo como nossa história se confunde com a da Mata Atlântica, nosso futuro também depende dela. n


ensaio especial

Opiniões

as florestas e

seu código

A constatação inquestionável de que o nCF poderia ter ficado melhor serve apenas de lição para as próximas vezes em que tratarmos de temas sensíveis, complexos e importantes. "

Gerd Sparovek

Professor de Ciência do Solo da Esalq-USP

A legislação que veio harmonizar as disputas por espaço entre a produção agrossilvipastoril e as áreas naturais (Lei 12612/2012), ou novo Código Florestal – nCF, é vista pelo setor produtivo como bem-vinda por trazer segurança jurídica para disputas que vêm de longa data. Neste artigo, abordo outra questão que supera o confinamento e o imediatismo do alívio da segurança jurídica: a segurança de agendas. A longa, cansativa e áspera dinâmica social que resultou no nCF poderia ter sido mais fácil, alegre e bem-sucedida; mas não foi. Vimos um campo ativado com disputa, oportunismo, omissão, incompetência e egoísmo, predominar sobre a boa vontade, o compromisso com a verdade do possível, o carinho com as necessidades da natureza e a construção de um futuro melhor para as gerações de humanos e não humanos que nos seguem. Insistir em manter esse campo ativado é perpetuar um erro. A insistência nesse erro beneficia alguns grupos e fortalece algumas trincheiras, mas nos leva a um caminho de desperdício. Desperdício de esforço e da natureza, um luxo para o qual não temos mais recursos suficientes. Desperdício que diretamente fortalece oportunismos na implementação dos Programas de Regularização Ambiental – PRA, estaduais do nCF na interpretação jurídica de impasses. PRAs elaborados no mesmo caldo em que nasceu o nCF e questionamentos indevidos nos juizados serão capazes de desafiar a essência da segurança jurídica recém-conquistada. ;


ensaio especial A constatação inquestionável de que o nCF poderia ter ficado melhor serve apenas de lição para as próximas vezes em que tratarmos de temas sensíveis, complexos e importantes. Cabe agora a aceitação de que o nCF é o alicerce sobre o qual devemos construir algo melhor: agendas seguras. A segurança de agendas engloba a jurídica, mas a ultrapassa em diversos aspectos. A segurança de agendas se refere ao fato de todos, produtores e conservacionistas, poderem posicionar suas ações de hoje, tendo em vista um futuro previsível e mensurável. O campo que estamos ativando hoje definirá a situação presente daqui a 20 anos. A realidade construída a partir de hoje incidirá sobre as gerações que não poderão mais viver do tipo de disputa que, infelizmente, vimos construir o nCF. Uma sociedade em que produção e conservação, por necessidade, serão unificadas num único conceito. Perpetuar disputas significa gastar energia e recursos em ações de pouco benefício que dure e que privilegiam apenas um punhado de oportunistas. É um jogo desprovido de ética e sem propósito moral. É insistir no campo errado. Atualmente, 80% da vegetação natural – VN, existente no Brasil está protegida por algum mecanismo de Comando e Controle – C&C. O nCF não atua isoladamente, sob ele temos protegidos 34% da VN existente. O restante dos 80% vem 1. do conjunto de áreas de proteção pública (Unidade de Conservação, Reservas Indígenas, Áreas Militares, Reservas Quilombolas), 2. de um desejável resultado da regularização fundiária Amazônica (Terra Legal), somado à 3. proteção da Lei da Mata Atlântica. C&C continua sendo o principal mecanismo de conservação pela sua maior eficácia e abrangência diante da ainda tímida conservação voluntária incentivada pelo mercado. A maneira de assegurar os mecanismos de C&C é um velho conhecido: 1. manter as instituições públicas responsáveis, operacionais, transparentes, vigiadas e apoiadas pela sociedade. 2. motivar o poder legislativo a manter e a aprimorar os mecanismos de C&C; 3. contar com o Ministério Público para ficar alerta sobre o necessário equilíbrio entre produção e conservação, não deixando nem um nem outro conturbar o espaço definido nas leis e das obrigações públicas e privadas; 4. educar crianças, jovens e adultos na ampla compreensão da importância do Brasil ser superlativo na produção agrícola para nosso desenvolvimento e segurança internacional, além de preservar sua megabiodiversidade, também estratégica para brasileiros e não brasileiros. Na conjuntura mais imediata, para os próximos 6 ou 10 anos, não devemos esperar uma ampliação da agenda de C&C, mas não devemos nos desobrigar da responsabilidade em mantê-la. Cabe, assim, uma responsável reflexão sobre os 20% de VN não abrigados sob C&C. Manter esse enorme espaço de 114 milhões de hectares cobertos com VN é essencial para os compromissos assumidos pelo Brasil com suas metas de emissão de gases de efeito estufa e para a manutenção de sua biodiversidade, além de garantir os serviços ambientais ligados aos recursos hídricos de seus mananciais.

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Opiniões Converter grande parte desse espaço, mesmo que legalmente, para qualquer tipo de produção é questionável. As terras que ficaram com VN são, na sua maioria, frágeis e pouco aptas às novas tecnologias produtivas que exigem topografia, solos e climas diferentes daqueles que predominam nessas condições. A explicação é simples: a expansão da agropecuária não se deu aleatoriamente, as terras férteis foram ocupadas primeiro. Sobrou aquilo que não interessou. Mas como manter a VN em terras não protegidas por C&C? Uma nova agenda, mas uma agenda segura. Essas terras não interessam para a produção agropecuária e não irão interessar no futuro. As tecnologias produtivas serão cada vez mais exigentes em condições físicas de solo, clima e logística. Segura também porque essas terras não estão protegidas por C&C hoje e não serão protegidas no futuro. Um novo jogo, uma nova agenda. Um jogo em que as ações privadas e voluntárias de conservação, os incentivos públicos e privados em remunerar os serviços ambientais, os sinais vindos do mercado na forma de regras de certificação ou compromissos setoriais, as mesas redondas e a participação ativa da sociedade civil expressa como manifestações, militância e vigilância passam a ser as regras dominantes. Um jogo mais diverso, colorido e ágil do que o jogo lento, colossal e árido do C&C. Um jogo que conservacionistas e produtores precisam aprender, de preferência, juntos. Um jogo de muitas arenas e com muitas vontades a serem satisfeitas. O setor florestal certamente tem papel relevante e específico nessa arena. O protagonismo faz parte da especificidade por ser setor habituado a um mercado muito sensível à certificação socioambiental, uma das principais arenas do novo jogo. Protagonismo que se pode estender à forma de implantar o nCF pela possibilidade de contribuir para a restauração de Reservas Legais, utilizando parte da área para plantios econômicos, subsidiando o que irá permanecer como VN. Protagonista em incluir os pequenos produtores na cadeia produtiva, provendo acesso ao mercado florestal e aos conhecimentos e a outros recursos necessários à implementação responsável do nCF. Essa agenda e ações são relativamente fáceis, por serem voluntárias, mas vindas a reboque de ações necessárias à implementação do nCF que já fazem parte das estratégias de diversos grupos ligados à produção florestal. Mas apenas isso não é suficiente, por não garantir, a médio ou longo prazo, os 20% da VN que interessam principalmente à conservação e não conta com proteção atualmente. Para isso, é necessário ir para a arena do supralegal. O jogo dos incentivos, do voluntariado, da proatividade e da inovação. Um jogo hoje jogado por meninos, mas com muitos adultos olhando de longe com vontade de jogar também. Adultos ainda com medo de não terem a mesma alegria, euforia e habilidade dos meninos quando resolverem entrar em campo. Quem sabe o setor florestal é o primeiro a falar: “sou n o próximo time aí dentro”?




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