Florestas energéticas - OpCP12

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CELULOSE, PAPEL & FLORESTA

Opiniões sobre as florestas energéticas

jun-ago 2008




Índice As Florestas Energéticas 05, Thelma Krug

Editorial de Abertura da Edição

06, Roberto Rodrigues

32, Eduardo Pires Castanho Filho

08, Helton Damin da Silva

33, Ederson Augusto Zanetti

10, Jayme Buarque de Hollanda

34, Suani Teixeira Coelho

Coordenador do Centro de Agronegócios da FGV Chefe Geral da Embrapa Florestas e Líder do Projeto Florestas Energéticas Diretor Geral do INEE

12, Eduardo de Souza Martins

Pesquisador Científico do Instituto de Economia Agrícola Pesquisador da Embrapa Florestas

Secretária Executiva do Cenbio

36, Vicente N. Giovanni Mazzarella

Diretor da E.labore

Coordenador Geral de Projetos Especiais do IPT

14, Philip Martin Fearnside

37, Estefano Paludzysyn Filho

17, Elesier Lima Gonçalves

38, Jorge Luiz Colodette

Pesquisador Sênior do Inpa

Pesquisador da Embrapa Florestas

Diretor Superintendente da ArcelorMittal

Professor Titular da Universidade Federal de Viçosa

18, Mario Eugenio Lobato Winter

41, Augusto Fernandes Milanez

Superintendente Geral da Vallourec & Mannesmann Florestal

20, Rosa Ana Conte e Daltro Garcia Pinatti

Especialista Sênior em P&D da Suzano Papel e Celulose

42, Ayrton Figueiredo Martins

Professora de Engenharia de Materiais da USP e Consultor da Probem

Professor de Pós-Graduação em Química da UF de Santa Maria

22, Sonia Couri

44, Antonio Aprigio da Silva Curvelo

24, José Otávio Brito

45, Etelvino Henrique Novotny

Pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos

Professor Titular da Esalq-USP e Especialista em madeira para energia e carvão vegetal

25, Paulo Fernando Trugilho

Professor de Química Orgânica da USP Pesquisador da Embrapa Solos

46, Fernando Carazza

Professor de Industrialização da Madeira da Universidade Federal de Lavras

Professor de Química Orgânica da UF-MG

28, José Dilcio Rocha

48, Maria Emilia Antunes de Rezende

Pesquisador da Embrapa Agroenergia

29, Waldir Ferreira Quirino

Diretora da Biocarbo

49, Túlio Jardim Raad

Analista Ambiental do Serviço Florestal Brasileiro do MMA

Gerente de P&D em Carbonização da V&M Florestal

30, Moacir José Sales Medrado

50, Carlos Souza Júnior

Pesquisador da Embrapa Florestas

Pesquisador Sênior do Imazon

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Editorial

Opiniões

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Florestas energéticas: uma reflexão Thelma Krug

Secretária de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente

Plantios florestais e culturas agrícolas para a produção de bioenergia renovável ocupam um espaço cada vez mais relevante nas discussões nacionais e internacionais, em razão de seu importante papel na mitigação da mudança do clima. Essa contribuição se dá pela substituição de fontes fósséis de energia, ou, no caso da biomassa florestal, pela substituição de biomassa não renovável. Além disso, o plantio de florestas representa um seqüestro de dióxido de carbono da atmosfera. Por outro lado, há indagações crescentes sobre as implicações da produção de bioenergia na segurança alimentar e na sustentabilidade ambiental, as quais poderiam ser comprometidas com a expansão das plantações e cultivos energéticos. Adicionalmente, cita-se a preocupação com o consumo de água pela agricultura. Em algumas regiões, a produção de bioenergia pode representar uma competição por terra e aumentar a pressão sobre áreas ocupadas por ecossistemas naturais. No caso do Brasil, entretanto, a grande extensão do país, associada ao baixo uso de terras agricultáveis, fazem com que a expansão da produção de bioenergia possa ocorrer de forma sustentável. O desenvolvimento de novas tecnologias, como o controle biológico de pragas, contribui para essa sustentabilidade. De toda forma, a busca por segurança energética e, simultaneamente, por uma transição para uma matriz energética menos intensiva em carbono, continuarão a exigir o aper-

feiçoamento da produção de energia com biomassa renovável, inclusive florestal. A biomassa de florestas energéticas pode ter múltiplos usos, desde abastecimento residencial e para pequenas indústrias, até para a produção de carvão vegetal renovável, como termorredutor na siderurgia. A ação do governo é importante na valorização do uso de biomassa de florestas energéticas renováveis, no contexto da política energética do país. É minha visão que essa sinalização seja impulsionada pelo Plano Nacional sobre Mudança do Clima, atualmente em construção, e cujos eixos estruturantes são a mitigação da mudança do clima, a adaptação a seus efeitos, pesquisa e desenvolvimento, e capacitação. O Plano norteia-se na Política Nacional sobre Mudança do Clima, recentemente assinada pelo Presidente Lula, para encaminhamento, na forma de Projeto de Lei, ao Congresso Nacional. Como a Política norteia, também, outros planos, programas, projetos e ações relacionados, direta ou indiretamente, à mudança do clima, haverá a necessidade de se alinhar os objetivos da Política Nacional sobre Mudança do Clima às políticas nacionais, nos setores afetados por essa mudança, incluindo as políticas energéticas. Entretanto, é claro que a promoção do uso de bioenergia não está somente relacionada à contribuição para a prevenção da mudança do clima, mas por outras razões, inclui também o aumento da segurança energética e a promoção do desenvolvimento rural. O uso de biomassa florestal renovável, como fonte de energia, é elegível para a obtenção de créditos, sob o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, do Protocolo de Kyoto, que deverá se estender após 2012. A obtenção de créditos pelo seqüestro de carbono em novas florestas já pode utilizar metodologia desenvolvida no Brasil pela PLANTAR, de Belo Horizonte. A medotologia para os créditos correspondentes ao uso de biomassa florestal renovável, no lu-

gar de fontes fósseis ou de biomassa não renovável, está em fase final de desenvolvimento, com o apoio e a contribuição ativa do Governo. Apesar das preocupações usuais, existe o entendimento de que a bioenergia tem um papel importante na prevenção da mudança do clima, se bem planejada e produzida de forma sustentável. Entende-se, também, que o potencial bioenergético pode ser comprometido pelas alterações projetadas na temperatura média e regime de chuvas, tornando indispensável que o país invista, progressivamente, no desenvolvimento de material genético adequado para as diferentes condições edafoclimáticas que são projetadas para ocorrer, sob cenários de mudança do clima. Finalmente, é minha opinião que, adicionalmente, ao olhar para as florestas energéticas com uma visão somente de sua contribuição mitigativa da mudança do clima e segurança energética, é importante compreender que uma política energética que favoreça a bioenergia tem que incluir um componente que permita identificar e tratar os potenciais impactos negativos da mudança do clima nas florestas energéticas. Assim, é importante que pesquisas sejam desenvolvidas para se assegurar uma oferta sustentada de insumos, para a produção de bioenergia com biomassa florestal renovável. Como dito, o Brasil tem uma vantagem competitiva importante com relação a outros países, particularmente no hemisfério norte, devendo aproveitar e explorar a sua vocação na utilização de biomassa florestal renovável, como insumo para a geração de energia. Adicionalmente, deve internalizar também o fato do potencial bioenergético ser sensível à mudança do clima, e que o país deve investir para ampliar o conhecimento dos potenciais impactos da mudança do clima na produção de bioenergia, adotando medidas e adaptações que permitam diminuir a potencial vulnerabilidade das florestas energéticas às mudanças esperadas, em temperatura e regime de chuvas.

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Opiniões jun-ago 08

Visão Estratégica Roberto Rodrigues

Coordenador do Centro de Agronegócios da FGV

Roberto Rodrigues

Florestas energéticas: de volta ao futuro

A grande discussão que se processa em todo o mundo sobre o falso dilema “produção de alimentos x produção de biocombustíveis” provoca outra questão: o que está por trás disso? Como é possível que autoridades de vários governos e instituições multilaterais poderosas sejam tão mal informadas? Que interesses comerciais gigantescos financiariam tanta bobagem, que se escreve e se fala diariamente na mídia internacional? Está claro que a alta dos preços dos alimentos deve-se, fundamentalmente, ao enorme desequilíbrio entre a oferta e a demanda destes produtos. A renda per capita dos países emergentes vem crescendo mais do que a dos países ricos, e suas populações passaram a consumir mais. E a oferta não acompanhou este crescimento, de modo que os estoques caíram e os preços subiram. Nada mais natural. Adicionalmente, os custos explodiram (fertilizantes e aço), refletindo nos preços finais, e a especulação financeira, que migrou para alimentos, ajudou a inflacioná-los. Evidente que o uso de 20% do milho americano para fazer etanol – com subsídios elevados – também contribuiu para a redução da oferta naquele país, mas o desequilíbrio global foi mais importante. E, por último, no caso brasileiro, não há a menor concorrência entre a produção de biocombustíveis e alimentos. Em 2008, teremos nossa maior safra de grãos, nossa maior safra de cana e nossa maior safra de carnes e de leite. Aqui, a cana não só não concorre com alimentos, como, ao ocupar áreas de pastagens, promove a produção de leguminosas e olea-

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ginosas, onde antes isto não acontecia. Sem subsídios. Por outro lado, há um fato que todo mundo esquece: o petróleo só se transformou na maior fonte de energia planetária, em poucas décadas do século XX. Até então, a grande fonte era a biomassa, originária da madeira, seguida pelo carvão mineral. O império do petróleo, portanto, é muito recente. E, embora não haja nenhum horizonte claro sobre o fim do petróleo, até porque mais jazidas foram descobertas recentemente, o fato é que seu custo vai aumentar, viabilizando combustíveis alternativos, dentre os quais os biocombustíveis. Neste sentido, o etanol de cana é a principal vedete do momento, porque pode ser obtido em todos os países tropicais do mundo. Mas, no futuro próximo, a grande expectativa dá-se quanto à celulose, e, aqui, cabe grande papel às florestas plantadas, que logo serão chamadas de florestas energéticas. O neologismo "Floresta Energética" é usado para definir os povoamentos que estão sendo formados, dentro do sistema que objetiva a produção de biomassa, onde interessa maior quantidade de madeira por hectare, em menor espaço de tempo, com maior intensidade de uso da terra, sob o princípio de que a árvore é o mais perfeito dispositivo de armazenamento da energia solar. O setor de siderurgia a carvão vegetal experimentou, nos últimos 10 anos, um aumento de 50% no consumo deste produto, sendo que deste acréscimo, apenas metade ainda é produzido com base nas florestas plantadas. Mas, a área plantada vem crescendo, em média, 2,5% a.a., nos últimos anos, e o Brasil já tem 5,5 milhões de hectares de florestas plantadas. Atualmente, cerca de 1/3 da produção nacional de ferro-gusa (32,5 milhões de toneladas em 2006) é obtida utilizando o carvão vegetal como termorredutor, grande parte ainda produzido a partir de resíduos de matas nativas (estimado em 50% em 2007). O setor privado tem investido no plantio de florestas para a produção de carvão vegetal e na preservação de áreas de matas nativas. Um exemplo

disso é o projeto Vale Florestar Amazônia, com orçamento de US$ 200 milhões até 2010, que pretende promover o plantio de 150 mil hectares de eucalipto em áreas degradadas, na região do pólo siderúrgico de Carajás, e ainda recuperar 50 mil hectares de matas nativas. Não se pode fazer comparação imediata e definitiva entre as culturas da cana e do eucalipto para fins energéticos, já que a lenha pode ser utilizada diretamente da plantação para o consumo, enquanto o álcool e o bagaço passam, necessariamente, por processo industrial. A lenha tem utilização mais restrita e seu raio de transporte é limitado, enquanto o álcool como combustível é mais versátil. No entanto, uma comparação feita recentemente pelo Instituto de Economia Agrícola do Estado de São Paulo, mostrou que o custo de produção de uma unidade energética (Gcol) da madeira é de R$ 7,05 e o da unidade energética da cana é de R$ 13,33, quando se consideram as produtividades de 80 t/ha/ano de cana e 24 t/ha/ano de eucalipto. Agora é a vez do etanol. O processamento da madeira gera uma grande quantidade de resíduos tanto na indústria, quanto na floresta. Estatísticas apontam que cerca de 20% da massa de uma árvore de pínus, por exemplo, fica no campo após o corte. Já na fase de transformação industrial, apenas 40 a 60% do volume da tora é aproveitado. Essa grande quantidade de resíduos representa um problema para armazenamento, dispersão e dificuldade de manuseio. Brasil e EUA têm investido muito em pesquisas, na tentativa de produzir, de maneira economicamente viável, etanol da celulose, a partir de uma série de matérias-primas vegetais, como os resíduos florestais, o que será uma revolução no mundo dos combustíveis renováveis. Se agregarmos a esta temática a questão do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo previsto pelo Protocolo de Kyoto, sem dúvida, as florestas energéticas jogarão um papel fundamental na nova civilização que já se desenha, na qual os biocombustíveis terão grande destaque.


Reconhecida por quem mais entende de florestas.

A V & M FLORESTAL conquistou o reconhecimento socioambiental do Cerflor, um dos certificados de maior credibilidade do Brasil. A avaliação dos 185 mil hectares de florestas plantadas para a produção de tubos de aço sem costura foi baseada em critérios altamente técnicos como cumprimento da legislação ambiental, respeito à biodiversidade e desenvolvimento econômico e social nas regiões onde há cultivo. A certificação do Cerflor abrange o manejo de florestas plantadas de eucalipto nos municípios mineiros de Abaeté, Bocaiúva, Brasilândia de Minas, Coração de Jesus, Curvelo, Felixlândia, Guaraciama, João Pinheiro, Lagoa Grande, Montes Claros, Paraopeba, Paineiras e Pompéu. A comunidade local foi ouvida e os programas socioambientais da V & M FLORESTAL foram contemplados durante o processo de certificação. O Certificado Cerflor é reconhecimento ao desenvolvimento sustentável, à geração de renda e empregos e à melhoria da qualidade de vida das comunidades gerada pela nossa silvicultura. Mais do que isso, é reconhecimento ao nosso cuidado e respeito com o meio ambiente.

Certificado Cerflor de Manejo Florestal: princípios, critérios e indicadores para plantações florestais.

Grupo Vallourec


Opiniões jun-ago 08

Visão Estratégica Helton Damin da Silva

Chefe Geral da Embrapa Florestas e Líder do Projeto Florestas Energéticas

Helton da Silva

O projeto Florestas Energéticas

A madeira é um forte componente na atual matriz energética brasileira, pois setores importantes, como o agronegócio, a siderurgia e outros segmentos industriais são, ainda, altamente dependentes desse insumo que, em muitas regiões do país, é utilizado como fonte energética básica no preparo de alimentos. Em que pesem tais circunstâncias, a matriz energética mundial, principalmente a brasileira, depende, grandemente, dos combustíveis fósseis. As facilidades apresentadas pelos combustíveis derivados do petróleo, em diferentes períodos, afetaram diretamente o uso da madeira como fonte de energia, e não propiciaram condições para um desenvolvimento tecnológico, que colocasse em patamares mais elevados as tecnologias de sua conversão em energia. O desenvolvimento do setor florestal brasileiro vem se baseando em tecnologias que asseguram às florestas plantadas excepcionais índices de produtividade. Tal desenvolvimento concentrou-se nos empreendimentos destinados ao abastecimento das indústrias de celulose, painéis de madeira e siderurgia. Estima-se que quase a metade de toda a madeira consumida no Brasil destina-se ao suprimento energético, principalmente na forma de lenha e carvão vegetal. Infelizmente, uma enorme quantidade da madeira utilizada ainda provém de florestas nativas, e a sua conversão carece de compromissos tecnológicos, econômicos ou ambientais. Motivados pela demanda e pela pressão da sociedade, para que o uso de

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fontes energéticas sejam renováveis e ambientalmente corretas, o aperfeiçoamento das atuais tecnologias e a busca de novas rotas tecnológicas e de produtos energéticos tornaram-se imprescindíveis. Para o estabelecimento de um programa de P&D, com vistas à geração de energia limpa a partir da biomassa, a Embrapa estabeleceu quatro vertentes: 1. biodiesel, 2. álcool, 3. florestas energéticas, e 4. espécies alternativas e resíduos ao desenvolvimento de projetos, em rede nacional. O projeto “Florestas Energéticas” estabeleceu parcerias com setenta instituições, entre universidades, empresas privadas, setor industrial, institutos de pesquisa, cooperativas, associações e unidades do Sistema Embrapa. A forte relação da Embrapa Florestas com essas instituições, ao longo do tempo, tem propiciado significativo aporte de recursos, treinamentos e investimentos aos programas de P&D, muito contribuindo para dotar o país de tecnologias e conhecimentos de silvicultura e manejo florestal, situando-o como referência mundial nessa área de conhecimento. Além disso, esta parceria propiciou a aquisição de material e implantação do maior banco de germoplasma ex-situ de Eucalyptus do mundo, material básico para a ampliação da área plantada e para o desenvolvimento de tecnologias de conversão da biomassa em energia, assim contribuindo para o crescimento sustentável do país. No Brasil, a área plantada com espécies de eucalipto é de, aproximadamente, três milhões de hectares, cuja madeira é destinada, principalmente, aos setores de celulose e papel, siderurgia e energia. Com exceção do setor de celulose e papel, os demais deparam-se, atualmente, com forte desequilíbrio entre a oferta e a procura de madeira, gerando um déficit, que vem sendo suprido por florestas nativas. O crescimento da demanda e a oportunidade de uso, com vantagens econômicas, da biomassa florestal deverão agravar ainda mais o desequilíbrio entre a oferta e a procura atuais. Para o atendimento da atual demanda de madeira para energia, são necessárias ações em, pelo menos,

dois pontos cruciais: 1. a expansão da área com florestas plantadas, e 2. o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes, na conversão da biomassa em energia. Muitas tecnologias, atualmente usadas, são arcaicas e ineficientes. Por exemplo, os fornos de carbonização, denominados rabos-quentes, são energeticamente ineficientes, apresentam baixa taxa de conversão, desperdiçam os finos de carvão, a moinha, e também os vapores da pirólise e o licor pirolenhoso, além dessa tecnologia não ser ambientalmente amigável. Existe, assim, a necessidade de tecnologias mais eficientes e ambientalmente sustentáveis. Aposta-se no desenvolvimento e/ou adaptação de tecnologias, hoje em estado embrionário, como a compactação de biomassa florestal, a produção de bio-óleo, celulignina, álcool e outros derivados de alto valor agregado, que devem promover o aumento da densidade energética da biomassa e uma logística competitiva de transporte. O projeto “Florestas Energéticas”, ora desenvolvido pela Embrapa Florestas e parcerias, é composto de outros projetos componentes, estruturados em uma plataforma em rede, com vistas à promoção de sinergismos, fluxos de recursos e de informações, visando integrar as instituições para a construção compartilhada do seu planejamento e gestão. Os objetivos e metas do referido projeto visam dar uma estrutura ao setor energético de base madeireira, tornando-o sustentável, em termos econômicos e ambientais. Assim, a oferta de sementes e outras formas de propágulos de espécies nativas e exóticas, bem como o desenvolvimento e/ou adaptação de tecnologias apropriadas ao estabelecimento de plantios para a produção de energia, em quantidade e qualidade, é de vital necessidade, principalmente para regiões onde a atividade florestal não é tradicionalmente feita. No campo da tecnologia, serão desenvolvidas pesquisas sobre: 1. qualidade da madeira de florestas plantadas e/ou nativas manejadas para aplicações energéticas; 2. aperfeiçoamentos e inovações no campo da compactação de resíduos florestais e


Opiniões

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madeireiros; 3. aperfeiçoamentos e inovações de equipamentos usados para combustão direta da madeira, em ambientes residenciais e em pequenos empreendimentos industriais; 4. utilização de madeira termorretificada para aplicações energéticas; 5. desenvolvimento de um novo sistema de produção de carvão vegetal, e 6. avaliar as tecnologias de conversão energética propostas pelo projeto, usando modelagens estruturadas em dados experimentais. O aproveitamento de produtos com maior valor agregado é um fator a considerar e o caráter multidisciplinar e avançado das pesquisas desenvolvidas ampliarão as fontes sustentáveis de energia, favorecendo a exploração de rotas tecnológicas, onde ainda é prematura a definição de produtos e processos. Isto traduz o objetivo de viabilizar a obtenção de biocombustíveis, tais como álcoois, aldeídos e cetonas, via processamento químico e bioquímico, por intermédio de pirólise rápida, acidólise e via enzimática, bem como celulignina catalítica da madeira e obtenção de outros bioprodutos. O tema possui um forte caráter tecnológico, sendo o lado científico relacionado, principalmente, com a caracterização fisicoquímica dos produtos, instrumentação de biorreatores para fermentação semi-sólida, seleção de linhagens mutantes e a otimização da produção de celulases. Nesta linha, há possibi-

lidades de geração de grandes quantidades de informações inovadoras sobre a aplicação das tecnologias propostas, para a bioconversão das matrizes de ligninocelulose (pirólise, pré-hidrólise ácida, oxidação parcial, produção de enzimas em biorreatores instrumentados, hidrólise enzimática e fermentação alcoólica). O processo de geração de conhecimentos e tecnologias para o aproveitamento da biomassa como fonte energética deve atentar às questões ambientais e de sustentabilidade social, onde o uso de biomassa florestal contribuirá para a minimização da emissão de gases do efeito estufa e balanço neutro entre emissões e captura de gases poluentes. Destaca-se a possibilidade real do envolvimento de produtores familiares e empresariais no processo de produção de biomassa, produtos energéticos e participação ativa no mercado de crédito de carbono, além dos efeitos que as tecnologias de transformação mais eficientes deverão exercer na manutenção dos recursos naturais e na promoção de trabalho, empre-

go e renda, pelo estabelecimento de cadeias produtivas viáveis e competitivas. A reunião de multicompetências nacionais e multinacionais em torno do tema Florestas Energéticas deverá, ainda, indicar processos que permitam ao país a definição de modelos de produção-industrialização de energia da madeira, em escalas regionais. A estratégia é o desenvolvimento de redes otimizadas de pesquisa, onde se busca o desenvolvimento de uma inteligência coletiva, com o cuidado de preservação da inteligência individual, tanto em relação aos recursos humanos, como às instituições envolvidas. O Brasil ocupa uma posição privilegiada, em termos de biodiversidade e de capacidade de gerar recursos renováveis em grande escala. As condições climáticas e ambientais favorecem altas produções agrícolas e florestais. Além disso, existe uma forte tendência mundial em priorizar pesquisa e desenvolvimento, na direção de tecnologias que contribuam para conferir maior sustentabilidade ambiental, maior qualidade de energia e segurança de fornecimento, como, por exemplo, as oportunidades para a produção de etanol por hidrólise de material lignocelulósicos, utilizando a hidrólise ácida e a enzimática, a partir da biomassa florestal.

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Visão Estratégica

Jayme Buarque de Hollanda Diretor Geral do INEE

Jayme Buarque

Uma política para o uso energético da madeira Segundo os historiadores, o processo civilizatório começou na Era do Fogo, quando o homem aprendeu a usar a madeira como fonte de energia. Quando aprendeu a fabricar o carvão vegetal - CV, um subproduto energético da madeira, pôde evoluir da Era da Pedra Lascada para a Era do Bronze. Pela facilidade como pode ser obtida, a madeira é, em grande parte, destinada ao uso doméstico e rural, na sua maioria, de forma não comercial. Nas economias avançadas, esta fonte pode atender a até 5% das necessidades de energia; a dependência elevada desta é, normalmente, associada a subdesenvolvimento. No Brasil, porém, vivemos uma situação muito especial, pois a maior parte da energia da madeira é usada pela indústria para produzir calor pela queima direta (indústrias cerâmicas, papel, gesso), ou para converter carvão vegetal, usado como fonte de energia e redutor na produção de ferro-gusa. Nestas funções, ele substitui fontes fósseis, notadamente o carvão mineral, o óleo combustível e o gás natural, usados em outros países para a mesma finalidade. Segundo o Balanço Energético Nacional, a “lenha” forneceu 14% da energia primária do Brasil, uma participação quase igual à da cana-deaçúcar e das hidrelétricas. Desse total, 10% de toda a energia usada no país é utilizada industrialmente. O uso energético da madeira no Brasil justapõe experiências exemplares, como a exploração cíclica de florestas particulares, permitindo a regeneração das áreas plantadas, e desastrosas, como a extração predatória da madeira nativa e o emprego de técnicas primitivas de termoconversão, que, via de regra, atuam na ilegalidade.

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A aquecida demanda por ferro-gusa, nos últimos quinze anos, aumentou de forma acentuada a demanda pelo carvão vegetal, contribuindo para acelerar a devastação na Amazônia, de extensas áreas de cerrado e, mais recentemente, com a instalação de guseiras no Mato Grosso, do bioma do Pantanal. O carvoeiro “limpa” a terra para atividades agropastoris que, em áreas onde o solo é pobre, em pouco tempo dão início a um processo de savanização. A extração de madeira no cerrado já causou a “morte” de alguns rios e está assoreando o São Francisco. Na caatinga, a retirada de madeira para uso pela indústria gesseira é uma das causas da desertificação no Vale do Gurguéia. A energia produzida de forma predatória aumenta as distâncias de transporte, pressionando os ganhos dos carvoeiros, que reduzem os custos na mão-de-obra que trabalha na floresta, elo final e mais fraco da cadeia. Em pleno século XXI, a indústria de gusa assinou uma carta-compromisso de não mais comprar o CV de produtores que utilizam mão-de-obra escrava. Esta é uma dimensão do processo de desmatamento, geralmente desconhecida dos brasileiros. O mesmo vale para o Estado, que não possui marcos regulatórios ou políticas públicas que orientem a utilização dessa fonte de energia. A dependência da lenha nativa ilegal tem dias contados, seja pelas pressões ambientais, seja pelas distâncias crescentes. Embora possível em alguns casos, é pouco provável que a substituição do CV por fontes fósseis tenha viabilidade em longo prazo. A sobrevivência econômica deste setor está, portanto, condicionada ao aumento da oferta de biomassa plantada e sustentável e da produtividade na cadeia de produção, permitindo o uso da lenha em bases aceitáveis. Tem sido um erro tratar o tema apenas pelo aspecto ambiental, ignorando sua dimensão econômicoenergética. A política ambiental não se mostrou capaz de deter a destruição. Além de combater a lenha ilegal, o Brasil precisa montar uma agenda positiva, que valorize as conquistas que já fez, que organize e aperfeiçoe as cadeias de uso energético da lenha, indo da produção da madeira até o produto final, mediante seu uso energético otimizado, garantindo a sustentabilidade desta fonte. Para tanto, é muito importante que o país tenha uma política energética para a madeira, a única fonte de energia

importante do país, para a qual não existe uma política definida. Tudo isto é potencializado em um cenário único: somos, hoje, um dos poucos países a dispor de cobertura florestal nativa extensa, que precisa ser preservada. Possuímos um ativo energético e um potencial gerador de energia renovável extraordinários, principalmente por conta dos fatores climáticos. O Brasil tem insolação elevada, produtividade florestal alta e base industrial que depende do carvão vegetal para produzir um gusa de alta qualidade. Reunindo, portanto, as condições necessárias para dar um novo impulso ao uso dessa fonte renovável, com expectativa de custos decrescentes, na contramão dos combustíveis fósseis. É preciso montar uma agenda positiva: que organize e aperfeiçoe as cadeias de uso energético da madeira, mediante uso otimizado com tecnologias mais eficientes; que garantam a sustentabilidade desta fonte entre a produção da biomassa e o uso final; que recupere, inclusive, os bio-óleos, um subproduto para uso energético e não energético, que pode ser recuperado no carvoejamento. Para tanto, faz-se necessária a instituição de uma política energética para a madeira, que incentive todos os atores desse processo a buscarem soluções que permitam atingir esse objetivo. A falta de uma política nessa área traduz a perspectiva das economias desenvolvidas, localizadas em regiões com baixa isolação, onde a produtividade da biomassa é baixa e o custo dessa fonte é muito elevado. Lá, evoluem as tecnologias para usar combustíveis fósseis, enquanto as voltadas para usos energéticos da biomassa estagnaram há mais de um século. Uma rara exceção ocorreu no setor de papel e celulose, pois usa resíduos florestais para gerar energia elétrica, com baixo custo de produção. Os potenciais teóricos de aperfeiçoamento são muito elevados, no entanto, enquanto avançaram a ciência e a engenharia, ao longo de mais de um século, o estudo dessa cadeia ficou, praticamente, abandonado. Uma mobilização da comunidade científica e tecnológica brasileiras, orientada para aperfeiçoar esta cadeia, vai apresentar resultados muito rapidamente. A produção de álcool seria um paradigma. Antes do Proálcool muitas usinas usavam lenha nativa nas caldeiras por falta de tecnologia para usar o bagaço, que era queimado em piras. A política do álcool levou as usinas a aumentarem a eficiência na cadeia produtiva, tornando-o competitivo, suprindo suas próprias necessidades de energia. Além disso, começam a se tornar supridoras de energia elétrica para a rede pública.



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Visão Estratégica Eduardo de Souza Martins

Diretor da E.labore Assessoria Estratégica em Meio Ambiente

Eduardo Martins

Por uma Agenda Sociambiental para o agronegócio

Nunca o agronegócio brasileiro enfrentou um desafio tão complexo e importante na conjugação da busca por competitividade e desempenho socioambiental. A globalização impõe não só custos competitivos, mas também processos produtivos capazes de atender a requerimentos ambientais e trabalhistas verificáveis. Ao mesmo tempo em que ocorre o aumento da demanda por produtos agrícolas no Brasil e no mundo, nossas commodities sofrem questionamentos socioambientais crescentes. A dificuldade de adequação para a nova realidade é imensa, sobretudo nas condições brasileiras, onde convivem, e muitas vezes integram-se, realidades díspares, em geral determinadas por diferenças regionais e de setores produtivos. O desafio pode ser anunciado, utilizando o difundido conceito de sustentabilidade: Que sentido e como o agronegócio irá tratar os limites ambientais? Qual é a capacidade do setor de promover e compartilhar prosperidade? Que paisagem a agricultura no Brasil vai deixar de legado para as próximas gerações? O tema da sustentabilidade cresceu nos últimos vinte anos, mas veio para fincar raízes e alterar o funcionamento da vida moderna. Mesmo que o conceito, muitas vezes, seja controverso e utilizado em função das conveniências das partes envolvidas, parece inevitável lidar com os limites do uso de recursos e os comprometimentos dos bens comuns, em escalas nacional e mundial, como os recursos hídricos e a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Diante da possibilidade de crises e a necessidade de controle, o conceito de sustentabilidade, que, no início, funcionou como formulação política,

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facilitando entendimentos da diplomacia internacional, hoje se torna operacional, por vários caminhos. Os mecanismos de controle e comando criaram os licenciamentos e autorizações, os instrumentos econômicos e de mercado vão desde exigência de avaliações independentes, até classificações diferenciadas por índices, nos principais mercados de ações do mundo. Para a área agrícola, o tema expressa-se de forma diversa, por exemplo, a produção orgânica, que antes era tratada com desprezo no Ministério da Agricultura, hoje dispõe de estrutura institucional dedicada, está regulamentado, mobiliza uma economia importante e crescente e seus produtos podem ser encontrados na maioria dos supermercados do país. Mas, o conjunto dos temas que somam o ambiental e a produção rural está longe de solução satisfatória. Dispomos de uma capacidade competitiva nos agronegócios, difícil de ser superada, sobretudo se diminuirmos internamente nossa dependência por insumos, melhorarmos a logística de transportes e continuarmos investindo em tecnologia. No entanto, estas vantagens, sempre destacadas e comemoradas, são ofuscadas, quando entra em cena a agenda socioambiental. O alcance do agronegócio sinaliza ainda para um papel estratégico, sobretudo se considerarmos sua importância na pauta de exportações, na contribuição para o PIB e no processo de integração produtiva de novos espaços econômicos do país. Porém, as dimensões econômica e estratégica não são suficientes para alterar a contradição com a agenda socioambiental. As explicações podem ser várias, mas uma deve ser considerada com atenção: o ambientalismo brasileiro, diferente dos países desenvolvidos, tem origem e prosperou no contexto urbano e pouco criou relação com o mundo rural. Não tivemos chance de construir uma matriz de entendimento dos problemas ambientais, a partir da perspectiva do campo, como aconteceu na Europa, no início da industrialização. Somente uma divisão como esta pode explicar nossa

incapacidade de gerar entendimentos entre ruralistas e ambientalistas, em temas tão óbvios – por exemplo, em quase todos os biomas do país, os ruralistas são os maiores detentores dos remanescentes de áreas naturais, mesmo assim são raros os esforços conjuntos entre aqueles que querem preservar e os que esperam algum retorno pela preservação. Na realidade temos, como sociedade, uma profunda dificuldade recíproca de entender e fazer entender as razões e possibilidades dos ambientalistas e ruralistas. O processo tem se agravado nos últimos tempos, com as freqüentes derrotas do setor ruralista, nas tentativas de reverter normas no Congresso Nacional, consideradas como conquista dos ambientalistas. E também com a criminalização dos ruralistas, como os responsáveis pelo desmatamento da Amazônia e com as disputas pela liberação dos transgênicos. Os ruralistas reclamam, em alguns casos com razão, que as normas ambientais carecem de razoabilidade. Não podia ser diferente se, por exemplo, olharmos para o vai-evem das disputas para a mudança e revisão do Código Florestal. Como resultado das normas sem referência de realidade, da incapacidade de convergência política e da impossibilidade do controle pelo Poder Público, o agronegócio é um dos setores de menor aderência ao arcabouço legal ambiental brasileiro. Para a reversão da situação, a primeira providência é assumirmos que a continuidade do cenário, de amplos conflitos entre ambientalistas e ruralistas, não é interessante para a sociedade brasileira. Enfraquece um dos setores mais competitivos que dispomos. Depois, é relevante descobrir que somos capazes de construir soluções, que são favoráveis para os dois lados. Sobram exemplos que demonstram a possibilidade, como no caso do plantio direto ou da defesa da moratória do desmatamento da Amazônia, por parte da cadeia da soja. Por fim, é necessário construir uma Agenda Socioambiental do Agronegócio e sinalizar, de forma clara, o sentido que daremos ao futuro da nossa produção agrícola – o Brasil é um dos poucos países que pode oferecer uma contribuição civilizatória, capaz de conciliar produção rural, desenvolvimento e manutenção da integridade ambiental.



Visão Estratégica

Opiniões jun-ago 08

Philip Martin Fearnside

Pesquisador Sênior do Inpa, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

Philip Fearnside

Florestas energéticas

Florestas energéticas têm um papel para desempenhar no combate ao efeito estufa, mas se for desejado que estas florestas tenham o efeito de mitigação de emissões, sem causar perda de biodiversidade, isto requer mudanças significativas no sistema de avaliação e contenção de impactos ambientais. A biomassa de madeira produzida de forma renovável pode ser usada para substituir fontes de carbono fóssil na geração de eletricidade, assim como no uso direto do calor pela combustão e como agente de redução na fundição de ferro-gusa. O termo “florestas energéticas” é comumente usado, tanto para plantações silviculturais (como de eucalipto, por exemplo), como também para o manejo de florestas nativas. Os impactos ambientais dos dois são bastante diferentes. Plantações representam uma área na qual o Brasil tornou-se um dos principais atores globais e o país tem um grande corpo de profissionais qualificados (diferentemente do caso de manejo de florestas nativas, na Amazônia). Quando substituem a vegetação natural, as florestas plantadas po-

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dem gerar severos impactos sobre a biodiversidade. Causam também, de forma indireta, idêntico impacto, quando provocam o deslocamento da agricultura e da pecuária para as áreas de vegetação nativa. Até agora, as plantações têm avançado, principalmente, às custas do Cerrado e de algumas sobras de Mata Atlântica. A maior parte destas plantações é dedicada à produção de celulose, e não à geração de energia. Embora, deva ser esperado que o uso de madeira oriunda de florestas plantadas, para este propósito, aumente, independente de considerações sobre as emissões de gases de efeito estufa. Isto também é verdade para a produção de plantações voltadas a atender à demanda de mercados domésticos para madeira serrada e para outras formas de madeira maciça, que hoje têm origem, principalmente, da floresta amazônica. Como a área que pode ser dedicada a plantações fora da Amazônia está se aproximando do esgotamento, é lógico esperar um grande deslocamento futuro da atividade de estabelecimento de novas plantações para a Amazônia: o “pulo da onça”.

Até agora, plantações silviculturais na Amazônia têm sido de área limitada. A plantação de Jari, na fronteira entre Pará e Amapá, e a plantação Amcel/Champion, no Amapá Central, são as maiores, mas nenhuma dessas é dedicada à produção de energia. Há muito tempo, foram planejadas grandes plantações na área da Estrada de Ferro de Carajás, dedicadas à geração de energia, mas a continuada disponibilidade de madeira “grátis”, a partir do desmatamento, limita a competitividade de florestas plantadas, enquanto existirem florestas nativas acessíveis, e o esforço de fazer cumprir os regulamentos ambientais for fraco. Embora as usinas de ferro-gusa aleguem que o carvão vegetal que utilizam do desmatamento não causam nenhum impacto, a demanda para este carvão representa uma parte representativa do lucro, o que torna o desmatamento uma melhor opção financeira e empurra para adiante uma modificação do presente cenário. A indústria de carvão vegetal no corredor de Carajás é notória por suas violações ambientais, assim como também pelo uso de trabalho infantil e de escravidão de adultos por dívidas. É esperada que a produção de ferro-gusa aumente enormemente, o que, juntamente com o esgotamento da floresta nativa, fará com que as plantações silviculturais tornem-se as principais fontes de madeira para carvão vegetal, no futuro. Dentre as vantagens deste cenário, está a perspectiva de redução dos abusos trabalhistas. O manejo florestal também pode produzir biomassa para energia, mas requer cuidados especiais para assegurar a sustentabilidade e para limitar os impactos ambientais. Quando a floresta tropical é manejada para a produção de carvão vegetal, as árvores pequenas são as preferidas, diferentemente do manejo para a madeira de lei, onde as grandes árvores são as mais valiosas. A preferência por árvores pequenas significa que a sustentabilidade de produção em longo prazo pode ser prejudicada, se estas classes de idade forem eliminadas. Também aumenta a tentação para simplesmente explorar toda a área, pois a mesma floresta pode atender aos mercados de carvão vegetal e de madeira de lei.



Opiniões jun-ago 08

A CVRD - Companhia Vale do Rio Doce, executou uma série de ensaios (hoje abandonados), visando testar o manejo da floresta amazônica para produção de carvão vegetal, em Buriticupu, Maranhão. Os tratamentos a respeito dos quais os pesquisadores da CVRD estavam mais entusiasmados foram aqueles onde a mais alta porcentagem da área basal foi cortada, deixando apenas algumas árvores espalhadas, em uma área que, de outra forma, foi desmatada. Embora oficialmente chamada de “manejo”, para os olhos da maioria das pessoas, e também para um satélite, seria chamado de corte raso. A biomassa da floresta amazônica tem sido usada para energia em vários contextos, onde poderia ser obtida madeira de desmatamento, sem a necessidade de manter uma floresta energética sob manejo. Quando o projeto Jari estava desmatando para ampliar as suas plantações, foi queimada madeira das derrubadas, como fonte de energia para a usina de celulose. Da mesma maneira, a mina de bauxita da Mineração do Norte, em Trombetas, no estado do Pará, usou madeira nativa objetivando prover calor para secar a bauxita antes de carregar o minério em navios para

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exportação. Fazer cavacos e queimar madeira de floresta tropical não é tão fácil quanto pode parecer, em função de que algumas espécies têm alto conteúdo de sílica e podem danificar a maquinaria. Na hidrelétrica de Balbina, a madeira dos 2% da área do reservatório, onde a floresta foi derrubada antes de inundar, foi transformada em cavacos e queimada em uma termoelétrica, para fornecer energia às operações de construção. Várias cidades na Amazônia, tais como Manacapuru, Amazonas, e Ariquemes, Rondônia, tiveram usinas termoelétricas, queimando madeira, quando estas cidades eram menores e mais floresta estava disponível. Hoje, estas cidades trocaram madeira por outras fontes de energia, e as “florestas energéticas”, que foram planejadas, por exemplo, no caso de Manacapuru, não se desenvolveram. O avanço da tecnologia poderia tornar o futuro diferente do passado, no caso da Amazônia. O trabalho para o desenvolvimento de processos economicamente viáveis, para a produção de etanol celulósico, a partir de qualquer forma de biomassa, inclusive madeira, está acontecendo em um ritmo febril. Isto é motivado pelo fato dos Estados Unidos terem uma nova “lei de

energia”, aprovada pelo Congresso e assinada pelo Presidente George W. Bush, em 17 de dezembro de 2007, que declarou um “mandato”, requerendo, até 2022, uma produção anual de 136 bilhões de litros de etanol (5 vezes a produção atual dos EUA), dos quais 44% virão de fontes celulósicas. A provisão deste volume tem um impacto direto em potencial sobre a vegetação nativa dentro dos Estados Unidos. Se já são preocupantes os efeitos nos preços globais de alimentos pelo atual uso de 23% da safra de milho dos Estados Unidos para a produção de etanol, pode-se imaginar que os esforços para cumprir o “mandato” do etanol poderão gerar um significativo aumento deste problema. Caso se torne lucrativo triturar uma floresta e convertê-la em álcool, as implicações para a Amazônia são claras. Atualmente, ela está protegida pela inviabilidade econômica de colheita de florestas inteiras, mas o fato do setor madeireiro na Amazônia, hoje, operar, em grande parte, de forma ilegal é uma indicação de que um nível de governança muito maior será realmente necessário, se a região for resistir ao impacto em potencial de futuros desenvolvimentos em florestas energéticas.


Elesier Lima Gonçalves

Diretor Superintendente da ArcelorMittal A floresta energética

O atual momento em que vivemos no setor de florestas plantadas, com novo ciclo de expansão em todos os segmentos de produção, dentre os quais cito a siderurgia a carvão vegetal, celulose e painéis de madeira, faz parte do ciclo maior de crescimento, que é o da economia nacional. O crescimento da demanda vem sendo atendido por madeira de origem de florestas plantadas de alta produtividade, fruto dos investimentos de longo prazo, realizados pelas empresas privadas e públicas, técnicos, universidades e instituições de pesquisa. As áreas de florestas plantadas no Brasil (Eucalyptus e Pinus), segundo o Anuário Estatístico de 2008 da Abraf – Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas, são de 5.560.203 ha, apresentando um crescimento de 3,4%, em relação a 2006. O setor tem importância expressiva e crescente nos indicadores econômicos, sociais e ambientais do Brasil. Tem sido reconhecido pela sua efetiva contribuição na geração de empregos, rendas e tributos. Tem trabalhado dentro dos princípios fundamentais de sustentabilidade, com respeito ao meio ambiente e com responsabilidade social. Há mais de 100 anos, o país tem investido na atividade, sendo com expressão maior a partir da década de 60, com o advento dos incentivos fiscais e, nos anos recentes, conduzido pelas demandas nacionais e internacionais, nos diversos segmentos industriais, que utilizam a madeira como matéria-prima. O Brasil tem vocação natural para a produção de florestas. Tem especiais condições para o plantio: terra, sol, chuva, pessoal qualificado, investiu e continua investindo milhões em desenvolvimento tecnológico, meio ambiente, saúde, segurança e aplicando as melhores práticas de gestão. Os resultados são visíveis e estão disponíveis, mostrando nossa capacidade competitiva nos mercados globais. Com a evolução alcançada até aqui, fruto do árduo trabalho das últimas décadas, acredito, estamos preparados para enfrentar novos desafios, que já se apresentam, sendo, um dos mais significativos, o suprimento de matéria-prima, para atender à crescente demanda por produtos originados de florestas renováveis, e que, como exemplo, podemos citar o Brasil, a Índia e a China. Por outro lado, o setor florestal brasileiro tem sido visto como alternativa para atender às novas demandas.

Os especialistas indicam que, no máximo em 100 anos, teremos o esgotamento das reservas dos combustíveis fósseis, principalmente, o petróleo. A atual crise energética, a demanda da sociedade por fonte mais limpa e renovável, a necessidade de redução do efeito estufa, dentre outras coisas, coloca-nos o desafio como oportunidade. Dentro dessa realidade, nosso país tem demonstrado a capacidade efetiva e potencial de contribuição, apresentando a alternativa das florestas energéticas. Florestas de que temos pleno conhecimento tecnológico, conhecemos seus resultados e disponibilidade de recursos para crescimento, incluindo terras. Florestas com elevada produtividade e que são manejadas de forma sustentável, com vantagens competitivas, no cenário mundial. As aplicações da energia, gerada pela biomassa florestal, são muitas: lenha, madeira, carvão vegetal, briquetes e bio-óleo. Do ponto de vista energético, biomassa é todo recurso renovável, oriundo da matéria orgânica, origem vegetal ou animal, que pode ser utilizada para geração de energia. Em maior ou menor escala, muitos países estão promovendo ações para mudanças em suas matrizes energéticas, privilegiando as energias alternativas renováveis, pois é necessário reduzir o uso de derivados de petróleo e a dependência energética. Das tecnologias existentes, com possibilidades comerciais, somente a biomassa possui flexibilidade de suprir energéticos para energia elétrica e para biocombustíveis; além de sua contribuição para o balanço próximo de zero entre emissão e captação de carbono. Temos certeza de estarmos vivendo uma nova e especial oportunidade de desenvolvimento do setor florestal brasileiro e temos, agora, que transformar essa oportunidade em realidade. O tema florestas é item de pauta nas principais discussões mundiais. A importância das florestas renováveis tem crescido, a cada dia, em razão da sua real capacidade de contribuição econômica, social e ambiental. Barreiras existem, mas também existem soluções; dependem de nós. No caso específico da siderurgia brasileira, estão ocorrendo investimentos em novas unidades industriais e na expansão das existentes. Prevêse elevar a produção anual de 33 milhões, para 57 milhões de toneladas, nos próximos 10 anos.

Opiniões

jun-ago 08

A maioria utiliza o coque como redutor, porém, o preço está elevado e com tendência de altas. O setor siderúrgico a carvão vegetal fez crescer o consumo desse insumo fundamental, nos últimos 10 anos, em mais de 50%. Apesar do crescimento dos plantios na ordem de 3% a.a. é ainda insuficiente para atender à demanda crescente. O déficit tem sido, em parte, compensado pelo aumento da produtividade das florestas plantadas e através dos programas fazendeiros florestais. Não há, no presente, carvão vegetal de florestas energéticas renováveis para atender à demanda, a curto e médio prazos. Aí se apresenta uma nova oportunidade para investimentos no setor, que exige planejamento de longo prazo. Estamos prontos para esse novo cenário. Precisamos continuar atuando unidos, com todos os agentes da sociedade civil organizada, para aprimorarmos os mecanismos que regem o setor, fortalecendo e tornando-o cada dia mais competitivo. Com os avanços conseguidos pelo setor brasileiro de florestas renováveis, temos a certeza de nossa competência para crescer no ritmo requerido. É necessário maior conscientização da sociedade, para entender que temos condições, de forma sustentável, de suprir as necessidades de produtos de origem florestal, sem competir com a produção de alimentos. A união de esforços permite-nos assegurar um presente e um futuro melhores. Floresta energética renovável, sinônimo de planeta limpo e de me lhor qualidade de vida.

Elesier Gonçalves

Siderúrgicas

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Opiniões jun-ago 08

Siderúrgicas Mário Eugênio Lobato Winter

Superintendente Geral da Vallourec & Mannesmann Florestal

Mário Winter

O potencial energético das florestas

A madeira sempre representou para a raça humana uma fonte de sobrevivência, sendo, ainda hoje, a principal fonte energética, atendendo cerca de 33% das nossas necessidades. No contexto mundial, observa-se que uma pessoa consome o equivalente a 0,67 metros cúbicos de madeira por ano de vida, sendo que no Brasil este número atinge a cifra de 0,87 metros cúbicos, por ano. A vocação florestal brasileira está clara, quando analisamos os dados da evolução da silvicultura em nosso país. O incremento médio anual das florestas no país chega a ser superior a 7 vezes, quando comparado ao dos países de clima temperado do hemisfério norte, grandes produtores de madeira. A diferença está na característica dos solos brasileiros, no

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clima e regime de chuvas, no elevado desenvolvimento da tecnologia de plantio de florestas e na capacidade empreendedora dos silvicultores brasileiros. Dentro deste cenário, desenvolveu-se a tecnologia de formação das florestas energéticas, capazes de fornecer, em regime de sustentabilidade plena, um termorredutor renovável, o carvão vegetal, único, em escala mundial, capaz de substituir, com vantagens econômicas e ambientais, o uso de combustíveis fósseis, pois é o único modelo que tem balanço zero de emissões de CO2 na fabricação do aço bruto, propiciado pela absorção do CO2 na fase de formação das florestas, para a produção do biorredutor carvão vegetal. A evolução da silvicultura, focada, assim, na formação dessas florestas, propiciou a elevação tanto do rendimento florestal, com a consequente redução da demanda por áreas de plantio, como na melhoria físicoquímica do termorredutor, favorecendo equilíbrio e aumento de produtividades dos altos fornos, ou seja, maior competitividade do setor. No âmbito da tecnologia de carbonização, dos primórdios da fabricação de carvão, através de medas, evoluímos para os fornos de alvenaria circulares, retangulares e já iniciamos

os primeiros passos dos processos de carbonização contínua, com controle pleno de todo o processo, garantindo, assim, uma homogeneidade singular ao produto final, dentro de parâmetros preestabelecidos, melhorando o desempenho dos altos fornos. Uma ampla gama de alternativas vislumbra-se com a recuperação do alcatrão vegetal no processo de carbonização, podendo ser utilizado na cogeração de energia (queima de alcatrão e gases de alto forno), na présecagem da madeira para a posterior carbonização, ou mesmo na destilação de seus subprodutos químicos de alto valor agregado. Porém, a maior virtude deste termorredutor é a de propiciar a fixação da mão-de-obra no campo, destacando-se, regiões sem aptidões agrícolas. Leva a estas comunidades o aprendizado pelo respeito ao meio ambiente, com a criação de reservas ecológicas, que funcionam como abrigos da biodiversidade das regiões onde estas florestas estão inseridas. E, com o advento da mecanização das atividades florestais, novos postos de trabalho são criados, agregando conhecimento, desenvolvimento e renda à população, ampliando, assim, a fixação das pessoas pela geração de renda e desenvolvimento nas comunidades, medidos pelo incremento do IDH, onde se situam os projetos florestais, como ilustra a tabela em destaque. Face a todas as vantagens agregadas ao uso da madeira, como fonte energética para a siderurgia, restavanos comprovação final de sua economicidade, já que apenas 1,3% do gusa fabricado no mundo, exatamente o fabricado no Brasil, tem como origem o termorredutor carvão vegetal, sendo o restante produzido com coque, a partir do carvão mineral. A recente crise no mercado mundial de carvão mineral está trazendo como contrapartida positiva para os produtores nacionais de carvão vegetal, que não é só ambiental ou social, o apelo pelo uso do termorredutor renovável, que se trata de uma fonte economicamente rentável e que permite sustentabilidade plena do termorredutor, através do plantio de florestas.



Celulignina

Opiniões jun-ago 08

Rosa Ana Conte e Daltro Garcia Pinatti

Professora de Engenharia de Materiais da USPLorena e Consultor da Probem, respectivamente

Rosa Ana Conte & Daltro Pinatti

Refinaria de biomassa viabiliza florestas energéticas As tecnologias atuais para gerar energia a partir de fontes renováveis são biunívocas, ou seja, cada biomassa gera apenas um produto principal, que tem de pagar todos os custos (matéria-prima, investimento, insumos, mão-de-obra). Os principais exemplos são etanol da cana, biodiesel de óleos vegetais, queima de biomassa em caldeira para geração de vapor e energia elétrica. A RB - Refinaria de Biomassa, é um paralelo da Refinaria de Petróleo, constituída de 11 tecnologias, gerando 13 produtos básicos. Pode ser implantada por etapas, com geração simultânea de 4 a 11 produtos, dependendo do tipo de biomassa. O fracionamento da biomassa permite valorizar as frações nobres, possibilitando que a cogeração de energia elétrica seja competitiva com energias fósseis e hidrelétricas. Na RB, as biomassas são agrupadas em lignocelulósicas ou lenhosas (floresta, bagaço/palha da cana, resíduos agrícolas, babaçu, pinhão manso, bambu, manejo sustentado de floresta natural, resíduo orgânico municipal), e oleosas, contendo proteínas e lipídeos (tortas, farelos, dejetos, graxarias, pneus usados). As lenhosas são, inicialmente, craqueadas por préhidrólise ácida diluída, que converte 80% da biomassa em celulignina sólida, com porosidade nanométrica e baixo teor de potássio, e 20% em solução líquida de açúcares, chamado pré-hidrolisado. A solução de açúcares de qualquer biomassa permite gerar furfural ou etanol e gesso agrícola com K, P (reciclagem de fertilizante para floresta ou lavoura). As oleosas são craqueadas por CBT - Conversão em Baixa Temperatura, gerando óleos com frações esterificáveis a biodiesel e frações aromáticas para combustíveis e carvão vegetal. Neste artigo, os dados apresentados referem-se a florestas energéticas de curta rotação (2 a 3 anos de corte), produzindo 40 TBS/ha/ano (TBS - Tonelada de Biomassa Seca), mostrando a geração de alguns produtos, na ordem crescente de investimentos. A celulignina é um volumoso para ração de ruminantes, com digestibilidade de 58%, similar à silagem de milho ou alfafa. Com uma dieta de 7 kg seco/cabeça/dia, pode-se alimentar até 14 cabeças/ha de floresta. Como a

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conversão em carne e respiração é de 1 kg/cabeça/dia cada uma, sobram da ordem de 5 kg/cabeça/dia de esterco que, processados por CBT, geram óleo e carvão, recuperando 60% da energia contida na biomassa original. Infelizmente, o setor sucroalcooleiro abandonou os confinamentos e os americanos vêm fazendo álcool de milho. A celulignina pode ser peletizada, alcançando densidade de 1.250 kg/m2 e densidade energética de 23 MJ/m3 (PCI = 4.400 kcal/kg ou 18,4 MJ/kg), próxima do carvão betuminoso (26 MJ/m3) e 60% da densidade energética do óleo combustível (39 MJ/m3). É uma commodity que, na entressafra, usa a mesma logística de transporte de grãos (caminhões, vagões, portos e navios) para abastecimento mundial de energia, componentes de ração animal e de materiais. A pré-hidrólise é a melhor tecnologia para preparação da biomassa para produção do etanol de celulose pelo processo enzimático, gerando, aproximadamente, 330 L/TBS (por volta de 13.300 L/ha). A celulignina pode ser convertida por reforma autotérmica em syngas, com composição em %-volume de 37 H2, 41 CO, 16 CO2, 4 CH4 e PCI = 11,2 MJ/m3, substituindo gás natural na geração de energia elétrica, combustíveis, produtos químicos e materiais. A geração de energia elétrica dáse pela queima do syngas, pelo ciclo combinado composto de turbina a syngas e caldeira de recuperação, e turbogerador a vapor, alcançando rendimento termelétrico de 41%. Baseado nos parâmetros 40 TBS/ha/ano, 80% de conversão em celulignina, PCI = 18,4 MJ/kg, 330 dias/ ano de operação, gera-se uma potência específica de 8,5 kWe/ha. A maioria das hidrelétricas não alcança esta taxa, quando se divide sua potência pela área inundada do reservatório. Os 100 GW de consumo elétrico

nacional poderão ser gerados com 118.000 km2 de florestas energéticas, apenas 1,4% do território nacional. A cana só perde para o petróleo como vetor energético e o aproveitamento das florestas energéticas, através da RB, poderá ultrapassar o do petróleo. Por último, a geração de metanol, cru sintético, diesel e outros monômeros da petroquímica poderão ser gerados pelo syngas, pela tecnologia GTL - Gas to Liquid (processo FisherTropsch), utilizando diferentes tipos de catalisadores. Para esta etapa de complementação ou substituição integral das energias fósseis, a biomassa tem deficiência de hidrogênio, que a RB suprirá com a geração de silício solar, obtido a partir da sílica da casca do arroz (cf. www.geea.com.br, primeira RB que está sendo instalada em Alegrete, RS). Utilizando a energia elétrica fotovoltaica na eletrólise da água, supre-se a deficiência de H2 e o O2 é utilizado na reforma autotérmica, para a geração do syngas. A fazenda energética deve conter 80% da área em floresta energética e 20% em painéis fotovoltaicos, para abastecer a maioria das necessidades das atividades humanas. O investimento da RB, processando acima de 1000 TBS/dia, é da mesma ordem que as termelétricas convencionais (US$ 1500.00/kW) e os custos dos produtos são inferiores ao dos produtos fósseis: celulignina – US$ 35.00/t (US$ 2.00/MBTU), syngas - US$ 3.00/MBTU, comparados com US$ 6.00/MBTU do gás natural, e energia elétrica US$ 80.00/MW (R$ 140.00/MWh). A RB é a melhor resposta às críticas de organismos governamentais internacionais e dos ambientalistas, pois é técnica, econômica e ecologicamente possível maximizar a geração de energia, simultaneamente com a maximização da produção de alimentos.


OpiniĂľes

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Opiniões jun-ago 08

Etanol celulósico Sonia Couri

Sonia Couri

Pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos Processo enzimático na produção de etanol, a partir de celulose

A qualidade de vida de um país e a robustez de sua economia requerem a segurança, a disponibilidade e a sustentabilidade no suprimento de alimentos e de energia. Desta forma, a produção de alimentos, a conversão de energia e os acessos aos mesmos estão entre os grandes desafios de nosso tempo. Um dos caminhos leva à continuidade da dependência de combustíveis fósseis e o outro, aliado à competência existente na produção do etanol, às diversas fontes de biomassas disponíveis e factíveis de serem processadas, por serem sustentáveis e ambientalmente amigáveis. Levando-se em conta a estabilização na produção de etanol a partir de cana-de-açúcar, o sucesso do crescimento deste setor dependerá do desenvolvimento de um novo sistema, envolvendo o uso de resíduos agroindustriais e urbanos, madeiras excedentes e resíduos de florestas plantadas, plantas energéticas e outros. Para que se alcance um grande avanço tecnológico, os programas de pesquisa, desenvolvimento e inovação deverão abranger toda a cadeia do biocombustível, visando à obtenção de processos viáveis técnica e economicamente. Muitas áreas do conhecimento estão sendo demandadas para responder a esses desafios e uma das mais poderosas é a biotecnologia, que é capaz de originar os mais importantes e inovadores processos de conversão de energia, entre eles o etanol a partir da celulose, material biológico mais abundante da Terra.

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A celulose é uma molécula que consiste em 3.500 a 10.000 unidades de glicose, unidas por ligações 1,4glucosídica, que a torna a matériaprima com maior potencial para a indústria de fermentação, na produção de biocombustível. Na natureza, o material celulósico é hidrolisado pela ação de enzimas produzidas por bactérias, actinomicetes e fungos, sendo, porém, este processo de desarranjo estrutural, muito lento. Quando o interesse é comercial, a conversão bioquímica da celulose a etanol envolve três etapas básicas: 1. o pré-tratamento, que causa o rompimento da hemicelulose, a transformação da lignina e o aumento do potencial de hidrólise da celulose; 2. a hidrólise da celulose por enzimas celulolíticas para a obtenção de uma solução rica em glicose e, 3. a fermentação alcoólica. As principais pesquisas em andamento, em todo o mundo, estão sendo direcionadas, principalmente, para a conversão bioquímica da celulose. Os entraves técnicos estão associados, em primeiro lugar, à hidrólise enzimática e o principal desafio é reduzir o custo relativo ao uso das enzimas de US$ 0,30 – 0,50 por galão de etanol produzido nos Estados Unidos, para menos de US$ 0,05. Com este objetivo, a primeira etapa para o desenvolvimento do processo de produção de enzimas é a seleção de um microrganismo com alto potencial de síntese destas enzimas. Em seguida, deverá ser buscado um melhoramento genético, seja através de técnicas de DNA recombinante ou mesmo através de técnicas de indução de mutação por agentes químicos e físicos, tendo em vista o aumento da atividade específica da enzima, da termotolerância e um melhor entendimento do sistema de regulação da síntese de celulases. Atualmente, o mecanismo mais aceito para a hidrólise enzimática descreve sinergismo de, pelo menos, três enzimas, que são as endoglucanases (β-1,4-D-glucan-glucanohidrolase), exoglucanas (β-1,4-D-glucan-celobiohidrolase) e β-glucosidase ou celobiase (β-D-glicoside-glucohidrolase). O pré-tratamento da biomassa também tem sido alvo de vários estudos, uma vez que os processos atuais

são onerosos e impõem condições severas para o rompimento da hemicelulose e da lignina, durante a exposição da celulose. Para esta etapa, estão sendo investigadas novas enzimas, que sejam capazes de aumentar o rendimento do pré-tratamento e reduzir o custo deste processo. Na fermentação, a eficiência da conversão, pelo microrganismo, do açúcar em álcool pode ser comprometida por compostos formados durante o pré-tratamento e pelo aumento da concentração de etanol e sólidos. Pesquisas em andamento podem contribuir para a eliminação da etapa de separação sólido-líquido, na cofermentação de açúcares de carbono 5 e 6, no aumento da tolerância e resistência aos inibidores e, por último, no aproveitamento dos resíduos formados, retornando os minerais para o solo. As etapas de destilação, separação e desidratação terão que ser adequadas ao novo processo, uma vez que a composição do mosto fermentado será diferente para cada tipo de biomassa utilizada. Hoje, o maior desafio para viabilizar economicamente a produção de álcool, através da hidrólise da fibra de celulose em açúcar fermentável, é fazer com que as quatro etapas, [1. a produção de enzimas sacarificantes (celulases, hemicelulases); 2. a hidrólise dos carboidratos componentes presentes na biomassa pré-tratada à açúcar; 3. a fermentação das hexoses (glicose, manose, galactose), e 4. a fermentação de pentoses (xilose e arabinose)] ocorram em uma simples etapa, chamada CBP - Bioprocesso Consolidado. Neste contexto, a Embrapa Florestas lidera um projeto de pesquisa em rede, criado recentemente, denominado “Florestas Energéticas na Matriz da Agroenergia Brasileira”, no qual a Embrapa Agroindústria de Alimentos coordena um PC - Projeto Componente, que tem como objetivo geral a obtenção de produtos de alto valor agregado da biomassa florestal, destinados à geração de energia. Para isso, serão aprimoradas tecnologias e/ou processos para a obtenção de um extrato enzimático rico em atividade celulolítica, para a hidrólise de uma matriz lignocelulósica pré-tratada.



Opiniões jun-ago 08

Carbonização José Otávio Brito

Professor Titular da Esalq-USP e Especialista em madeira para energia e carvão vegetal

José Otávio Brito

Os principais desafios da prática de produção de carvão vegetal no Brasil

O volume mundial de madeira, anualmente consumida, tem se situado na mesma ordem de grandeza que o de grãos alimentícios e é superior ao de plásticos e de cimento, sendo que a metade desse valor é destinada para finalidades energéticas. No Brasil, temos uma situação muito parecida, com o uso energético, superando o somatório de todas as demais aplicações da madeira, sobretudo considerando-se o seu uso como carvão vegetal. Maior produtor mundial, o Brasil tem gerado, anualmente, em torno de 10 milhões de toneladas de carvão vegetal, representando o consumo de, pelo menos, 60 milhões de metros cúbicos de madeira. Se, no passado, essa madeira era proveniente de florestas sem nenhuma proposta de renovabilidade, hoje, a maior parte dela é oriunda de florestas plantadas sustentáveis. Pelo menos 75 % do carvão vegetal produzido em nosso país é destinado para a indústria siderúrgica e metalúrgica, concentrada, sobretudo, em MG, PA e MA, onde é usado na produção de ferro-gusa, aço e ferroligas, sendo tal aplicação considerada como irreversível junto ao setor. Para tanto, contribuem fortes elementos estratégicos, sobretudo associados à total possibilidade das empresas usuárias alcançarem suas auto-suficiências e independências em relação a esse termorredutor. Além disso, há elementos de ordem econômica e de qualidade dos produtos industrialmente obtidos, além dos ganhos ambientais que podem ser alcançados, comparativamente, por exemplo, ao uso do coque mineral. Nesse último aspecto, os Mecanismos e Desenvolvimento Limpo, direta e indiretamente atrelados às regras do Protocolo de Kyoto, são estímulos adicionais à intensificação do uso do carvão vegetal na siderurgia nacional. Se o Brasil é o maior produtor e consumidor mundial de carvão vege-

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tal, a expressividade dos números envolvidos refletem-se na grandeza dos desafios existentes nas atividades. A primeira e talvez a mais importante questão atualmente ligada ao carvão vegetal refere-se à oferta de matéria-prima, para sua produção. Ainda que em declínio, é sabido que uma boa parcela da madeira usada na obtenção do produto ainda é originária de florestas não-renovadas e em regime não-sustentado. Independentemente de qual seja o argumento, a produção siderúrgica brasileira não pode continuar sendo atrelada ao carvão obtido dessa maneira. É por conta desse fato, que as principais indústrias do setor têm se empenhado no estabelecimento de programas de plantios florestais, visando, em breve futuro, ter nessa produção, a única fonte de madeira para a obtenção de carvão vegetal. O segundo grande desafio ligado ao carvão vegetal diz respeito à tecnologia empregada na sua produção. O nosso carvão vegetal ainda é obtido, na sua maior proporção, da mesma forma como era séculos atrás. A tecnologia é antiga, o controle operacional dos fornos de carbonização é pequeno, e muito pouco se pratica em termos de controle qualitativo e quantitativo da produção. Além disso, por conta da emissão de gases durante a carbonização, são descartados milhões de toneladas de co-produtos, que poderiam ser economicamente aproveitados, trazendo, conjuntamente, enormes benefícios ambientais. Preocupadas com a emissão gasosa de seus processos, já há alguns anos, as mais importantes empresas do setor vêm conduzindo ações para a implantação de sistemas de recuperação dos gases da carbonização, na forma de produtos químicos e/ou energéticos. Algumas delas já fazem, rotineiramente, a recuperação do alcatrão para uso combustível, do mesmo modo que a utilização do licor pirolenhoso, como insumo para a agricultura, também tem se mostrado presente.

É evidente que a adoção de soluções de mais amplo espectro, junto ao setor de carvão vegetal no Brasil, implica em alterações na sistemática hoje utilizada. São alterações que exigem, em primeiro lugar, a adoção de modernas tecnologias e modernos conceitos agroindustriais, fugindo, assim, da definição que ainda se dá à atividade produtiva, como sendo algo marginal e secundário da atividade rural. Além disso, exigem a disponibilização de recursos financeiros, sobretudo destinados aos milhares de micro e pequenos produtores. Sabemos que, hoje, a sociedade não mais admite, qualquer que seja a situação, a não agregação de esforços relacionados à necessidade da minimização dos impactos ambientais nos processos industriais. Dentro desse mesmo contexto, a atividade de produção de carvão vegetal apresenta-se totalmente disponível para ações. Se existe a necessidade de investimentos, os ganhos ambientais e o potencial de agregação de novos valores econômicos à atividade poderão ser muito significativos. Desse modo, ao lado da convicção de que o nosso país continuará a manter sua forte atividade de produção e consumo de carvão vegetal, fica a certeza de que são irreversíveis as demandas por transformações de conceitos e práticas a elas vinculadas. As respostas tecnológicas para a maioria dos questionamentos estão disponíveis, havendo apenas necessidade de uma estratégia política para o setor e do incentivo e da disposição para colocá-los em prática.


Opiniões Paulo Fernando Trugilho

Professor de Industrialização da Madeira da Universidade Federal de Lavras A carbonização da madeira No Brasil, a atividade de carvoejamento da madeira está intimamente ligada ao setor siderúrgico. Este setor, grande produtor e consumidor de carvão vegetal, utiliza-o como termorredutor, na redução do minério de ferro para produção do ferro-gusa. Segundo a AMS - Associação Mineira de Silvicultura, em 2006, o consumo de carvão vegetal no Brasil foi da ordem de 35 milhões de m³ (mdc). Minas Gerais participou com 60% desse total, tendo a produção de ferro-gusa sido responsável por 65% desse consumo. Apesar da expressiva participação da siderurgia no consumo do carvão vegetal, este produto também é matéria-prima de outros setores industriais. A elevação do consumo, aliada à valorização do carvão vegetal, têm contribuído para a retomada da discussão por diferentes segmentos, seja acadêmico, técnico ou industrial, sobre os entraves relativos à sua produção. O que será benéfico para o aprimoramento da produção e devida valorização tanto da madeira, como do carvão vegetal, um produto sempre marginalizado da cadeia produtiva. Para resolver essa situação desfavorável, os produtores e utilizadores do carvão vegetal devem investir em tecnologia, tanto na seleção de matériaprima de alta qualidade, como em sistemas ou processos mais eficientes e que, ao mesmo tempo, não provoquem conseqüências desfavoráveis ao homem e ao ambiente. Isto requer, inicialmente, um entendimento de alguns pontos da cadeia produtiva envolvida com esse importante biocombustível. A carbonização pode ser definida, como sendo a operação de decomposição térmica que a madeira sofre na ausência ou presença controlada de ar (oxigênio), gerando um resíduo sólido, chamado de carvão vegetal, além de gases. Trata-se, especificamente, de uma reação de combustão incompleta ou indireta da madeira. Este fato indica que a eficiência da carbonização está diretamente ligada ao controle sobre a combustão incompleta, ou seja, sobre o manejo e o controle eficiente, em relação à admissão de ar (oxigênio) no sistema. Vários fatores exercem influência sobre a eficiência da carbonização da madeira, dentre eles, destacam-se a matéria-prima e o sistema ou processo de carbonização utilizados. Com relação à matéria-prima, sabese que características químicas, tais como o teor de lignina e certos extra-

tivos, exercem importante papel nesse contexto. É interessante que a matéria-prima tenha elevado teor desses componentes químicos, para que se obtenha a máxima eficiência do processo de carbonização. Além dessas outras características, são também importantes a densidade básica, a taxa de crescimento volumétrico, a produção de massa seca, entre outras. Sempre que possível, deve-se conciliar o incremento volumétrico da madeira, com as características desejáveis e sua conversão em carvão vegetal. Dessa forma, podem-se criar as condições necessárias para a implantação da Floresta Energética, com material selecionado, de alta qualidade. Em relação à matéria-prima, muitos estudos já foram realizados por diversos pesquisadores, no Brasil. Outro fator muito importante é relativo ao sistema ou processo de carbonização utilizado. Dentro desse contexto, pode-se dizer que existem diversos tipos de sistemas, os quais podem ser usados para a produção de carvão vegetal. Com relação ao sistema de produção, a taxa de aquecimento, a temperatura final de carbonização e a pressão de trabalho são as variáveis mais importantes e que definem tanto a quantidade, como a qualidade do carvão vegetal produzido. Os sistemas de carbonização da madeira podem ser classificados, quanto à evolução, em: primitivos, descontínuos e contínuos. Os sistemas primitivos são os mais rudimentares sistemas utilizados. São compostos pelas medas ou caieiras, sendo ainda utilizados em algumas regiões do Brasil. Este sistema caracteriza-se pela ineficiência, desperdício e heterogeneidade do carvão vegetal produzido. O sistema descontínuo surgiu da necessidade de se melhorar a eficiência da carbonização, facilitar a sua operação, fixar as frentes de carbonização (formação das baterias e carvoarias) e dar melhores condições de vida aos carvoeiros. O sistema é formado pelos fornos de alvenaria e metálicos, indo desde o forno de encosta ou barranco, até o de superfície, com câmara de combustão externa. Atualmente, outros tipos de fornos estão em evidência, fornos retangulares de grande porte, os quais permitem a mecanização da carga e descarga, reduzindo o trabalho braçal do ho-

mem. Entretanto, este sistema ainda provoca grande desperdício de material, uma vez que a conversão é baixa, cerca de 25 a 27%, em relação à matéria seca utilizada, e dificultando o aproveitamento dos gases energéticos gerados. Além disso, devido à grande dimensão dos fornos, ocorre uma distribuição não uniforme da temperatura no seu interior, o que contribui para a produção de um carvão vegetal mais heterogêneo. O sistema contínuo constitui o ponto máximo de desenvolvimento da tecnologia de carbonização de madeira. É formado pelas retortas, que são vasos em forma de reatores. A grande vantagem deste sistema é o controle completo da combustão incompleta, gerando produção de carvão vegetal mais homogêneo, alto rendimento da carbonização, aproveitamento dos gases energéticos pelo sistema e, conseqüentemente, ausência de poluição. Apesar de todas essas vantagens, possui como desvantagem o alto investimento inicial. Este pode ter sido o fator determinante pelo seu não desenvolvimento no Brasil, tendo em vista o relativo baixo custo de construção dos fornos de alvenaria. Atualmente, uma empresa multinacional está investindo em um sistema contínuo de produção de carvão vegetal, a Valourec & Mannesmann. O sucesso desse empreendimento pode mudar toda a perspectiva da discussão sobre a produção de carvão vegetal no Brasil. Logicamente que o valor de mercado do carvão vegetal pode influenciar positivamente a retomada e incremento da discussão sobre esse jeito todo tecnológico de produzir carvão vegetal, adotando os princípios da sustentabilidade, onde os vértices socialmente justo, ambientalmente adequado e economicamente viável, deverão ser respeitados, para promover um desenvolvimento mais integrado.

Paulo Trugilho

jun-ago 08

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Bio-óleo

Opiniões jun-ago 08

José Dilcio Rocha

Pesquisador da Embrapa Agroenergia

José Dilcio Rocha

O bio-óleo e as rotas termoquímicas de produção de agroenergia

As chamadas rotas termoquímicas são muito conhecidas, há muito tempo. A principal delas é a combustão. Porém, não é a única. Além da combustão, que é o processo no qual todos os combustíveis são usados, também existe a gaseificação e a pirólise. Ambas ganham notoriedade nessa época de escassez e busca frenética por inovação tecnológica, na corrida por combustíveis limpos. O principal produto da pirólise rápida é o bio-óleo. Da forma bruta como sai do processo primário de transformação, o bio-óleo é um combustível não veicular, mas serve para alimentar caldeiras e fornalhas, com altos ganhos em termos energéticos e de emissões de poluentes, quando comparado ao óleo combustível de origem fóssil. O refino do bio-óleo e o seu processamento secundário, aos moldes do que se faz hoje nas refinarias de petróleo, é uma opção de fonte de energia renovável e sustentável e também de matéria-prima. Temos que lembrar que o petróleo não é somente energia e combustíveis, mas também materiais, insumos, etc., e a sua falta trará grande impacto em várias cadeias produtivas. A indústria de fertilizantes, por exemplo, que é profundamente dependente dos combustíveis fósseis e da extração de minerais, passará por profundas transformações energéticas e de fontes de matérias-primas. A biomassa deverá suprir várias dessas cadeias, substituindo as matérias-primas tradicionais, baseadas em fontes fósseis. Como biomassa pré-processada, o bio-óleo tem toda a facilidade logística de estar no estado líquido. O bio-óleo é a própria biomassa liquefeita e constituída de seus com-

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ponentes estruturais, como é o caso das celuloses e da lignina fragmentadas. A biomassa no seu estado natural apresenta baixa densidade energética e, por isso, seu transporte não deve ser feito por longas distâncias, para não inviabilizar seu uso. O bio-óleo concentra a energia da biomassa. A aplicação em larga escala da pirólise rápida e a produção de bioóleo, a partir de biomassa residual, poderão transformar o Brasil no celeiro mundial dos biocombustíveis, juntamente com o álcool e o biodiesel. A gaseificação centralizada de bio-óleo, usando oxigênio pressurizado, é uma rota viável para a produção de gás de síntese e a subseqüente produção de hidrocarbonetos sintéticos, por catálise. Esses novos bio-hidrocarbonetos sintéticos levariam à substituição gradativa dos combustíveis fósseis e à completa renovabilidade da matriz energética mundial dos transportes. A transição das refinarias de petróleo, como conhecemos hoje, seria, gradativamente, mudada para as futuras biorrefinarias de bio-óleo, provenientes da transformação de resíduos das culturas de alimentos agrícolas. A produção agrícola de alimentos e de agroenergia não são concorrentes, como erroneamente se propaga, mas sim complementares e ecologicamente desejáveis. Isso tudo dito, parece um sonho inatingível, mas, na verdade, é um grande sonho possível de ser implantado, nas condições brasileiras. A agricultura deverá substituir a maioria dos produtos de origem mineral que a humanidade consome nos dias atuais, com grande vantagem econômica, social e ambiental, e sonhadores serão aqueles que não acreditam nisso. Os biocombustíveis brasileiros apresentam grande atratividade para os investidores e abrem um caminho promissor para o desenvolvimento e a aplicação de variada tecnologia na sua produção, ao longo de toda a cadeia produtiva. Historicamente, os programas de biomassa no Brasil são estudados e reconhecidos mundialmente pelo seu grande êxito. Isso deve ser a nossa força para continuar desenvolvendo e melhorando o desempenho do setor. Tanto

a produção de florestas energéticas, quanto o programa do etanol de cana são modelos para o mundo. A produção eficiente de matéria-prima é uma etapa fundamental para o sucesso de qualquer programa de biocombustíveis. O conhecimento de processos industriais de altos rendimentos, baixo índice de geração de resíduos, menos poluentes e inovadores, constitue-se na outra etapa, igualmente fundamental, nesse ciclo virtuoso de uso sustentável e renovável da biomassa. Também devemos nos lembrar do importante setor siderúrgico a carvão vegetal. Esse setor necessita de mudanças tecnológicas e substancial aumento de sustentabilidade e renovabilidade na sua fonte de biomassa. A manufatura de ferro-gusa, um precursor do aço, que usa o carvão vegetal de lenha, deverá usar o carvão de resíduos agrícolas, na sua forma pulverizada, briquetada ou peletizada. Somente desta forma a siderurgia brasileira a carvão vegetal conseguirá manter sua produtividade e continuar transformando o minério de ferro em produtos e divisas para o país. Para atingir todas essas novas metas da agroenergia será necessário investir pesadamente na força inovadora e empreendedora dos brasileiros. A grande disponibilidade de biomassa não é sinônimo de sucesso, no mercado competitivo da agroenergia. Devemos ter a capacidade empreendedora de desenvolver as tecnologias mais apropriadas para produzir e transformar essas matérias-primas do campo em bens comercializáveis e geradores de renda e postos de trabalhos. Para isso, os profissionais e as universidades estão todos convocados a contribuir. As incubadoras de empresas de base tecnológica darão contribuição no âmbito do empreendedorismo, da mesma forma que a transformação de idéias dá em empresas rentáveis. Se a agroenergia tem um papel fundamental no futuro da humanidade, e eu acredito que tem, o Brasil é o lugar onde as maiores taxas de viabilidade serão alcançadas, devido às suas condições naturais, excepcionalmente favoráveis, e à sua capacidade humana.


Briquetes

Opiniões

Waldir Ferreira Quirino

Analista Ambiental do Serviço Florestal Brasileiro Podemos exportar biomassa para uso energético? Acredito que o Brasil tem uma grande oportunidade de produzir mais alguns combustíveis de interesse internacional, além do etanol e do biodiesel. Temos vários tipos de resíduos vegetais, além dos resíduos madeireiros e florestais. Toda cadeia agroindustrial é grande produtora de diversificados resíduos vegetais, tais como resíduos de colheita, resíduos do beneficiamento, cascas, palhas, caroços, etc. Primeiro, falta-nos uma estatística sobre a disponibilidade dos resíduos, assim como sua distribuição geográfica e suas características físicas e químicas. Para estabelecermos políticas públicas e estratégias para seu aproveitamento, são necessários dados sobre os resíduos, atualizados de forma dinâmica e continuada. Que organismo nacional poderia se ocupar desse trabalho e centralizálo? O importante é que tenhamos esses dados e possamos atacar um dos maiores problemas relativo à valorização dos resíduos, qual seja, sua logística de coleta, processamento e distribuição dos combustíveis, além de alguns desenvolvimentos tecnológicos e gargalos, para produção de energia em escala. Segunda consideração, os resíduos necessitam de tratamento, de forma a evoluírem para a categoria de “combustível limpo” de biomassa. Uma característica marcante dos resíduos vegetais é sua heterogeneidade, umidade elevada, baixa densidade e dispersão geográfica. Todas essas características em conjunto exigem uma estratégia bem elaborada para viabilizar sua valorização e n e rg é tica.

Além disso, alguns resíduos podem estar contaminados com produtos químicos, tais como resinas sintéticas, produtos preservativos, colas, produtos de acabamentos ou excesso de produtos inertes (cinzas). Alguns processos podem promover um tratamento de homogeneização dos resíduos vegetais. Um processo mais simples de homogeneização é picar, peneirar e secar. Permite obter cavacos ou resíduo particulado, facilitando transporte, estocagem, movimentação e alimentação mecanizada de caldeiras industriais. Outro procedimento, que difundimos há vários anos é a compactação, seja na forma de peletes ou briquetes. Esses processos de compactação proporcionam combustíveis com densidades energéticas importantes, se comparados com lenha, carvão vegetal ou mesmo cavacos de madeira. São secos e muito adensados. Aqui, vem uma terceira consideração. Como são inúmeras fontes de resíduos vegetais, em conseqüência, serão diferentes produtos compactados, com diferentes características. Então, pensando em grandes mercados, precisamos estabelecer classes de qualidade para nossos briquetes e peletes, assim como podemos estabelecer classes de qualidade para resíduos particulados ou em forma de cavacos. Acredito que teremos possibilidade de atender diferentes exigências, para diferentes utilizações energéticas. A quarta consideração é com referência aos mercados interno e externo, relativamente aos nossos resíduos vegetais compactados. Ainda temos um grande mercado interno não atendido. Existe uma lacuna imensa entre demanda de biomassa tratada e/ou compactada e ofertada no mercado nacional. Com a crescente fiscalização sobre o comércio de lenha, aumentam as possibilidades de sua substituição por briquetes, ou mesmo peletes em caldeiras industriais. Muitas indústrias não substituem suas caldeiras a óleo por biomassa tratada, unicamente por falta de garantias de fornecimento desses combustíveis alternativos. Naturalmente, o BTU gerado por biomassa tem preço inferior ao BTU gerado por combustível fóssil, além do impacto am-

biental muito mais positivo e capitalizável com marketing verde. Mas, também, é inegável que existe um mercado internacional ávido por energia limpa. Essa energia, sem sombra de dúvida, pode ser nossa biomassa tratada e compactada, na forma de briquetes, peletes, ou até cavacos. Hoje, temos experiência, por parte de algumas empresas brasileiras, com exportação de cavacos, de briquetes e, em breve, com exportação de peletes. Os especialistas europeus reconhecem que não possuem biomassa suficiente para atender às suas políticas de substituição, propostas pelo “livro branco” da Comunidade Européia. Vejo, em um futuro próximo, empresas integradas, especializadas em ofertar combustíveis de biomassa, de diferentes tipos: lenha, resíduos particulados, em forma de cavacos, secos ou torrados, compactados na forma de briquetes ou peletes, com diferentes classes de qualidade e para diferentes tipos de utilização (queima direta, gaseificação, ou em co-combustão com outros tipos de combustíveis, geração de eletricidade, produção de vapor industrial e outros). Esse tipo de empresa terá capacidade para atender aos mercados interno e externo, além de poder atender também ao consumo doméstico e comercial. Para isso, é importante a classificação desses produtos e a organização de seus produtores. É necessário estabelecer normas de qualidade para os combustíveis sólidos de biomassa, principalmente briquetes e peletes e também que os produtores organizem-se em uma associação, que se defenda da “contrapropaganda” de pessoas ou empresas oportunistas, incompetentes ou inescrupulosas. Essa associação permitiria o atendimento a contratos de grandes volumes e por longos prazos, geralmente para abastecimento de termelétricas. Em contrapartida, defendo ações de estímulo e facilitação de empreendimentos, para valorização dos resíduos vegetais, e da biomassa em geral, para produção de energia limpa. Defendo também maior apoio aos centros de pesquisa e desenvolvimento, para estudos e difusão das tecnologias de conversão da biomassa em energia. Dessa maneira, podemos até não mudar o perfil de consumo energético mundial, mas, sem dúvida, contribuiremos enormemente para atenuar o nível de emissões poluentes no planeta.

Waldir Quirino

jun-ago 08

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Opiniões jun-ago 08

Geotecnologias Moacir José Sales Medrado

Pesquisador da Embrapa Florestas

Moacir Medrado

Florestas energéticas: visão territorial e geotecnologias

Tem sido crescente a participação da EFR - Energia de Fontes Renováveis, na matriz energética mundial. No Brasil, a EBF - Energia de Biomassa Florestal, deverá ser uma das principais alternativas de EFR, destinada ao atendimento de demandas residenciais urbanas e rurais e do setor industrial, em especial a siderurgia. Estima-se que para uma produção de gusa da ordem de 27 milhões de toneladas, necessita-se de 17,5 milhões de toneladas de carvão, que podem ser produzidas a partir de 3,3 milhões de hectares de eucaliptos. Portanto, as florestas energéticas, serão, certamente, uma ferramenta importantíssima, evitando, inclusive, a utilização ilegal de produtos extraídos de florestas naturais (Amazônia e Mata Atlântica), da caatinga e do cerrado brasileiro. O Brasil é um dos países que melhor poderá se beneficiar do aproveitamento de madeira para fins energéticos. Suas vantagens são enormes. Possui: a) cerca de 90 milhões de hectares disponíveis para novas alternativas; b) clima e solo propícios para o desenvolvimento de espécies florestais de rápido crescimento; c) silvicultura avançada; d) milhões de hectares de florestas manejadas, com resíduos aproveitáveis para geração de energia; e) o SFB - Serviço Florestal Brasileiro, recém criado, e f) o FNDF - Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal, para financiamento do setor florestal.

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As áreas de plantações florestais comerciais no Brasil concentram-se nas regiões Sudeste e Sul, com destaque para os estados de Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Paraná. As plantações florestais de Minas Gerais e Espírito Santo são para celulose, as de São Paulo e dos estados sulinos são para produção de chapas de madeira e celulose, e as de Mato Grosso do Sul são, em grande parte, vendidas para fabricação de celulose. Nas outras regiões, destaque para Bahia, no Nordeste; Mato Grosso do Sul, no Centro-Oeste; Pará e Amapá, no Norte. Esta situação indica a possibilidade de problemas em algumas regiões. Falhas no planejamento de médio e longo prazos poderão fazer com que: na Amazônia, prevaleça a utilização de resíduos florestais da industrialização de madeira extraída de florestas naturais e de derrubadas, para fins de produção agropecuária, devido às plantações florestais com espécies exóticas, feitas no Pará e Amapá, serem para produção de celulose; e ainda pelo fato de serem escassos os sistemas de produção monoculturais ou mistos para espécies florestais nativas, com potencial para produção de energia. No meio-norte, tem-se visto que, no Maranhão, houve a expansão de siderúrgicas, após o início da exploração de minério de ferro da Serra de Carajás, e o carvão vegetal é insumo para a transformação de minério de ferro em ferro-gusa; no Nordeste, a maioria da biomassa florestal utilizada para produção de energia continua proveniente da degradação da vegetação natural, inclusive da caatinga; e no Centro-Oeste segue a destruição do cerrado de forma ilegal e como meio de solucionar a necessidade de madeira, para secagem dos grãos produzidos na região. A produção de carvão vegetal no Brasil ainda é dependente da exploração de matas nativas, embora esteja crescendo a importância do carvão vegetal, oriundo de plantações florestais comer-

ciais. Os principais estados produtores de carvão vegetal no Brasil são Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Bahia e Goiás. Essa concentração regional da produção de carvão vegetal ocorre devido ao estabelecimento, nesses estados ou em seus vizinhos, de siderúrgicas, que consomem o carvão vegetal. Uma outra questão importante a ser considerada é que as plantações florestais localizamse em poucos estados, estão concentradas em poucas áreas dentro de cada estado e próximas das empresas que demandam a madeira para fins industriais. Considerando os aspectos anteriores, torna-se evidente que a integração de geotecnologias (topografia, base cartográfica, sistemas de informações geográficas e sistemas de posicionamento global) será de fundamental importância para o planejamento e gerenciamento das empresas florestais envolvidas no programa de produção de energia. Elas também serão imprescindíveis no planejamento e na gestão nacional do programa de produção de biomassa florestal. O uso de sistemas de georefenciamento - SIG, em especial, será fundamental para a avaliação do suprimento de biomassa, estimativa dos custos de transporte para plantas existentes e mesmo para localização de plantas novas. Eles têm a importância de adicionar ao processo de planejamento a dimensão espacial, podendo ser usados, em primeiro lugar, para a análise da distribuição espacial das florestas energéticas; em segundo, para impor restrições espaciais, relacionadas ao uso adequado da terra; e em terceiro lugar, para calcular a capacidade e o teto de geração de energia, baseado nos locais disponíveis. O uso de SIG como ferramenta para análise temporal e espacial pode, também, prover meios para identificar e quantificar os fatores espaciais e climáticos, afetando a disponibilidade de energia de biomassa florestal potencial. Por fim, as geotecnologias poderão auxiliar o governo, os empresários e os produtores na obtenção de informações necessárias ao desenvolvimento das florestas energéticas, de forma mais rápida, precisa e com menor custo, quando comparadas às geradas pelas técnicas subjetivas, tradicionalmente utilizadas.


QUESTÃO CHAVE PARA O FUTURO

Como investir em energias renováveis pode se tornar uma grande oportunidade para você e o planeta?

Os 32 anos de experiência da AREVA KOBLITZ têm a melhor resposta. Subsidiária da AREVA e reconhecida, nacional e internacionalmente, no mercado de geração e co-geração de energia, a AREVA KOBLITZ destaca-se pelo seu pioneirismo em buscar alternativas para integrar sistemas de energia em sintonia com as questões ambientais, possibilitando o desenvolvimento sustentável e a preservação das gerações futuras. A expertise da AREVA KOBLITZ na produção de energia a partir de resíduo de madeira permite que sua indústria, além de produzir a energia necessária para o processo industrial, possa comercializá-la. Modernize a sua madeireira. Fale com a AREVA KOBLITZ. www.arevakoblitz.com AREVA KOBLITZ – Av. Cônsul Vilares Fragoso, 291, Bongi. CEP 50760-540 - Recife-PE Fone: (81) 2122.2300


Opiniões jun-ago 08

Alimento x Combustível

Eduardo Pires Castanho Filho

Pesquisador Científico do Instituto de Economia Agrícola Florestas e Bioenergia

Eduardo Castanho

* Com colaboração de Francisco Graziano Neto, Secretário do MA-SP

A utilização de florestas como fonte de energia é tão antiga quanto a história da humanidade. O enfoque bioenergético procura resgatar essa característica, dando-lhe um cunho mais atual e propondo utilizações mais racionais, já que, tradicionalmente, a madeira foi e ainda é usada, basicamente, como lenha para a produção de energia. E o que é mais surpreendente é que há uma complementaridade muito grande entre produção florestal e produção de alimentos. Basta que se use a terra de forma racional, utilizando como base a classe de capacidade de uso do solo. Acrescente-se a isso o fato de ainda haver um enorme espaço para usos adicionais no leque de alternativas energéticas, como, por exemplo, a complementação da geração de eletricidade, por meio de usinas termoelétricas das agroindústrias sucroalcooleiras, através de madeira produzida pelo manejo sustentado de florestas; utilização de óleos vegetais combustíveis, extraídos de plantas florestais, resultando no bio-óleo; o uso de gasogênios à lenha ou a carvão vegetal para produção de calor ou acionamento de motores; o incentivo à utilização da lenha para cocção nas áreas rurais, bem como a criação de uma rede de usinas de carbonização produtoras de carvão vegetal, ácido pirolenhoso e outros produtos. Propostas para o setor florestal, como produtor de bioenergia, são calcadas na perspectiva da utilização das florestas não só como insumo energético, como também fixador de carbono na biomassa. No estado de São Paulo, recentemente, foi produzida uma série de estudos, visando à proposição de uma política de bioenergia articulada e de longo prazo. Ficou patente que a utilização tanto da madeira, quanto de seus resíduos, como fonte de energia em território paulista, atualmente, ainda é pequena e tem um perfil “tradicional”. Tal característica, no entanto, apresenta um potencial de crescimento diferenciado, seja pelo desenvolvimento ou adoção de novas tecnologias, seja pela utilização de terras que não são adequadas à produção de alimentos, seja ainda pelo baixo custo de produção de uma unidade energética, comparativamente a outros pro-

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dutos bioenergéticos ou aos atuais preços do petróleo. Uma tonelada de lenha substitui 33% de uma tonelada de óleo combustível, que também pode ser substituída em 67%, por uma tonelada de carvão vegetal. O estado possui mais de 3,5 milhões de hectares de terras com aptidão florestal – aquelas que não competem com a produção agropecuária, ou seja, basicamente de alimentos – os quais podem ser usados para o plantio de até 800 mil hectares, visando à produção florestal bioenergética, cujo potencial de produção por hectare rivaliza com o da canade-açúcar. Tais plantios deverão ser realizados através de projetos, sob o tríplice enfoque de: a) cadeia produtiva; b) uso múltiplo e, c) prestação de serviço ambiental - principalmente, quanto à manutenção da biodiversidade, à produção de água e à fixação de carbono. O estado possui 4,14 milhões de hectares utilizados com florestas e outros tipos de vegetação nativa. Para se atingir um índice de equilíbrio, seria preciso plantar florestas naqueles outros mais de 3,5 milhões de hectares, liberando terras hoje com florestas, para produção alimentar. Esse parâmetro foi obtido através do procedimento científico da aptidão florestal das terras, levando-se em conta, fundamentalmente, a sua capacidade de uso para fins agrícolas, que determina que se tenha floresta onde é adequado existir floresta, que se preservem os locais que precisam ser preservados e que se utilizem agropecuariamente as áreas indicadas para isso. A superfície necessária para fins energéticos, foi calculada através de projeções de crescimento da demanda, tomando por base taxas anuais, verificadas nas últimas décadas. Projetando-se para 25 anos, com uma produtividade média estimada em 40 m3/ha/ano, resultou em 780 mil hectares, as necessidades de florestas para energia. É importante considerar que durante esse período e com a adoção de uma política oficial de bioenergia, esse cenário pode ser bastante modificado. Por exemplo, a produção de energia elétrica para

cogeração, feita por cavacos de madeira – plantadas em áreas de reserva legal, com aptidão florestal – em usinas de cana-de-açúcar, durante o período de entressafra, poderia redundar em um acréscimo de demanda de quase 13%. Outro parâmetro considerado foi a comparação entre estimativas de custo de produção médio de uma unidade de energia gerada pelas culturas da cana-de-açúcar e do eucalipto, que em uma primeira análise apresentam potencial semelhante de produção de bioenergia por área e são muito eficientes na produção energética. Assim, as florestas, notadamente as de eucalipto, podem vir a ser uma opção interessante para a produção de bioenergia, pela agropecuária paulista. A existência de uma considerável extensão de terras com aptidão florestal, localizadas em várias regiões do estado, aliada a uma rentabilidade atraente por unidade de área, são elementos importantes no fomento da atividade. O desenvolvimento de tecnologias que aproveitem mais intensivamente o potencial energético da floresta poderá, em um futuro não muito distante, gerar novos pólos de desenvolvimento, baseados na utilização de madeira como matéria-prima. A estruturação de uma proposta nesse sentido deve, portanto, englobar atividades como zoneamento, regionalização, suporte político institucional e desenvolvimento científico e tecnológico, sustentadas por ações, como assistência técnica, fomento, produção de sementes e mudas, alternativas produtivas e substituição de fontes energéticas.


Balanço de Carbono

Opiniões

jun-ago 08

Ederson Augusto Zanetti

Pesquisador da Embrapa Florestas

Com o acirramento da disputa global por mercados bioenergéticos, ganha importância o estudo da capacidade que as culturas agrícolas, incluindo florestais, têm em transformar luz e CO2 em energia, acumulada nas diferentes partes das plantas, disponível para produção de combustíveis alternativos aos fósseis. As florestas energéticas têm um grande potencial para participar dessa disputa: o balanço energético do milho nos EUA é de 1:1,15, o da beterraba na Alemanha é de aproximadamente 1:2,5, o da cana-de-açúcar brasileira é de 1:8 (campeão mundial), e o do Eucalyptus benthamii no Brasil chegou a 1:81. No último caso, a energia foi utilizada diretamente pela queima, sem passar por processos industriais. Não obstante, as expectativas são de que, para o etanol celulósico, o balanço energético chegue até a 1:36. O termo “Florestas Energéticas” surgiu nas décadas de 70/80 para definir plantações florestais de alta densidade de plantas por unidade de área (2.500 a 3.333 plantas/ha), destinadas à produção de carvão vegetal, para a indústria siderúrgica. Para o cálculo do balanço energético das florestas energéticas, é preciso encontrar a relação entre o total de energia contida no biocombustível e o total de energia fóssil investida em todo o processo de produção florestal e industrial. O balanço energético tem todo um arcabouço técnico que lhe dá suporte e comparabilidade, tratando-se de uma ferramenta de sistemas de suporte de decisão, permitindo escolher os tratamentos silviculturais mais adequados, assegurando que os ingressos em energias fósseis e de outras origens sejam empregados de forma coerente e buscando reduzir os impactos ambientais adversos. Para realizar um estudo de balanço energético, é fundamental definir os limites do processo a ser avaliado, estabelecendo as rotas percorridas pela produção, desde a semente, até o resultado em energia, passando por práticas culturais, transporte e industrialização. As práticas culturais envolvem escolha de maquinário, fertilizantes e herbicidas, tratamentos e suas formas de execução, para as diferentes culturas. Para essa etapa, são necessários levantamentos de dados, como tipo de energia utilizada em cada maquinário (em diferentes situações de topografia e solos), quantidade, tipo e tempo de vida de fertilizantes e her-

bicidas e maquinário e pessoal envolvido, desde o plantio até a colheita. O transporte ocorre em etapas e está relacionado aos limites do processo analisado. Normalmente, vai ser iniciado pelo transporte de maquinários e pessoal até o local de preparo dos solos, e finalizado quando a forma de energia final a ser utilizada atinge o seu público consumidor. As culturas podem ser utilizadas em forma de lenha, carvão, etanol, biogás, ácidos ou bio-óleo. O processo industrial de cada uma delas deve ser contabilizado em todas as suas etapas, evidenciando o consumo energético dentro das instalações industriais. A produção de energia vai ser resultado direto das práticas culturais e do potencial de produtividade de cada espécie florestal utilizada, considerando os diferentes tipos de terreno trabalhados, o maquinário e os tratamentos silviculturais dispensados, gerando a possibilidade de uma mesma espécie ter balanços energéticos diferentes, em função das condições e infra-estrutura disponíveis. O balanço energético é, então, o resultado da soma de todas as entradas de energia, incluindo insumos (mudas, fertilizantes, combate a pragas, etc), operações manuais (administração, carregamento, descarregamento, roçada, desbrota, limpezas, corte, plantio, replantio, capinas, etc) e operações mecanizadas (diesel – subsolagem, aceiros, estradas, roçada com trator, transporte de mudas e pessoal, aplicação de fertilizante, equipamentos, manutenção, transporte até a indústria, da indústria para o consumidor, gasolina – deslocamentos técnicos, cortes, etc), e as saídas resultantes da produtividade florestal (por ha e por ciclo). Todas essas variáveis devem ser convertidas, utilizando fatores de conversão específicos, para Giga Joules – GJ, unidades de comparação de balanço energético. Por conta da realidade representada pela disputa de espaço entre comida e combustíveis na produção rural, tem sido preconizado o uso de padronização, que permita identificar práticas sustentáveis da produção de energia das mais variadas fontes, incluindo a florestal. Para realizar estudos que permitam avaliar o comportamento de toda a cadeia produtiva das florestas energéticas, podem ser empregados instrumentos de Avaliação de Ciclo de Vida - ACV, que são ferramentas para avaliar o impacto

ambiental potencial, associado a um produto ou serviço, durante o seu ciclo de vida. A ACV é normatizada pelo sistema ISO, através do sistema ISO 14040 e, no Brasil, pela norma ABNT/CB-38. Vale lembrar que, do ponto de vista de emissões de Gases do Efeito Estufa - GEE, o uso de biomassa florestal para produção de energia é considerado nulo e, quando alocado em produtos florestais madeiráveis, o carbono fica retido por períodos de tempo, que podem chegar a alguns séculos. Cortar árvores não significa emitir carbono, pois a produção de madeira pode servir a diversos fins (energia, móveis, construção, etc), além de liberar a área para, novamente, seqüestrar o carbono. O Brasil, com 14% das florestas mundiais, tem cerca de 3% do total mundial de plantações florestais (hoje 200 milhões ha), enquanto apresenta 28% da biomassa total, contida nas florestas mundiais. As florestas nativas brasileiras estão sendo subutilizadas, e isso tem reflexos no seu balanço energético, já que ele depende, como evidenciamos, da produtividade final. Ora, em áreas com excesso de vegetação, o crescimento e a produtividade das florestas aproximam-se da nulidade, enquanto aumentam os riscos, com espalhamento de doenças, perda de biodiversidade e incêndios florestais. É preciso alertar o público para o fato da madeira ser um produto renovável, que envolve baixas quantidades de energia para sua transformação, se comparada, por exemplo, com o aço, o ferro, os plásticos ou o cimento. O uso de produtos florestais no Brasil e na América Latina está entre os menores do mundo. Promover o uso da madeira como fonte de produtos florestais, principalmente para energia, é uma forma de contribuir para o desenvolvimento sustentável.

Ederson Zanetti

Florestas energéticas: balanço energético

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Biodiesel

Opiniões jun-ago 08

Suani Teixeira Coelho

Secretária Executiva do Cenbio Produção de óleos vegetais para fins energéticos no Brasil

Suani Coelho

* Com colaboração de Orlando Cristiano Silva

Apesar dos recentes progressos no uso de óleos vegetais e biodiesel no país, desde a década de 70, este assunto vem sendo discutido, devido aos choques internacionais do petróleo. Entretanto, posteriormente, com os reduzidos preços internacionais, estes programas foram desativados. Apenas no século XXI, devido aos elevados impactos ambientais do óleo diesel e com a nova elevação nos preços do petróleo, o assunto voltou à discussão no país. O marco regulatório do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel, lançado em janeiro de 2005, através da Lei N° 11.097, estabeleceu, como um dos pilares básicos, a inclusão social, através da geração de emprego e renda, especialmente no campo, com a produção de matériaprima oleaginosa, diversificada e regionalizada, como fator da diminuição das disparidades regionais. A entrada em vigor, em janeiro de 2008, da obrigatoriedade da adição de 2% do biodiesel no óleo diesel consumido em todo o Brasil representa um desafio de produção adicional de 840 milhões de litros/ano de óleo vegetal. A recente proposta do governo de elevar o percentual a 3%, a partir de julho de 2008, e de antecipar a meta de 5%, de 2013 para 2010, implicará em uma demanda de 1,3 e 2,5 bilhões de litros/ano, respectivamente, de biodiesel. Atualmente, cerca de 80% da demanda atual de biodiesel é suprida através de óleo de soja, sendo o restante proveniente de sebo animal e de outras oleaginosas, como a mamona, o dendê e o girassol. Considerando uma das premissas básicas do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel - a inclusão social, através da participação da agricultura familiar na cadeia produtiva do biodiesel - este perfil participativo das oleaginosas não é o mais adequado, porquanto a sojicultura é pouco intensiva em mão-de-obra, não obstante a sua prática por todo Brasil, atualmente. Esta realidade pode ser explicada pelo fato do complexo-soja ser um setor agroindustrial consolidado e com infra-estruturas implantadas, contrariamente a outras oleaginosas. Espera-se que outros setores também consolidem sua participação na oferta de óleos vegetais para o programa do biodiesel, principalmente o de oleaginosas oriundas de cultivo permanente, como as palmáceas. Existem, na região amazônica, dezenas de palmáceas de origem nativa,

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potencialmente produtoras de óleos vegetais, que podem ser usadas para a produção do biodiesel, contudo, carecendo de um processo de domesticação, para viabilizar seu aproveitamento comercial em grande escala. Por outro lado, existe uma espécie oleaginosa de origem africana, o dendê – ou palma (Elaeis guineensis), adaptada às condições de solo e clima da região amazônica, intensiva em mão-de-obra e que apresenta a mais alta produtividade de todas as oleaginosas conhecidas. Um programa de incentivo à produção em larga escala do dendê na Amazônia, dentro de um plano estratégico de recuperação de áreas degradadas e inserido no zoneamento econômico ecológico, resultaria em benefícios ambientais e sociais, e no aumento da capacidade de oferta de óleo vegetal, para o programa do biodiesel. Ocupando 61% do território nacional, a região amazônica é portadora de um dos menores índices de desenvolvimento humano e de eletrificação rural, em virtude de fatores determinados pelas suas características fisiográficas e pelo tipo de ocupação demográfica. Não obstante a sua enorme diversidade biológica e disponibilidade de recursos naturais, as opções e políticas de desenvolvimento adotadas ao longo dos tempos não têm se mostrado adequadas, resultando na perpetuação do statu quo, do ponto de vista socioeconômico, e em uma crescente degradação ambiental. Estima-se que vivam na Amazônia cerca de 500.000 pequenos agricultores, cultivando roçados anuais de aproximadamente dois hectares/ família, utilizando o método tradicional de corte e queima da cobertura vegetal, como forma de remover a vegetação original e, simultaneamente, liberar os nutrientes contidos na biomassa. Após dois anos consecutivos de exploração, o roçado perde, aproximadamente, 92% de sua capacidade produtiva, tornando imperioso seu remanejamento para outro local; a área abandonada volta a ser utilizada em um período de 2 a 8 anos, obviamente com uma fertilidade abaixo da existente no ciclo anterior. Os bens produzidos no roçado (arroz, milho, feijão, mandioca, maxixe, entre outros) são destinados, parcialmente, ao consumo familiar, sendo também comercializados, de forma a facultar à família que os produziu a

aquisição de produtos não gerados no estabelecimento (açúcar, sal, massa, querosene, roupas, ferramentas, etc). A comercialização dos produtos da agricultura familiar desenvolve-se sob intensa intermediação entre a zona de produção e o consumidor urbano, admitindo que até 80% do preço final seja formado depois que o produto sai do estabelecimento agrícola. Observa-se uma tendência de agravamento do quadro de pobreza das famílias agricultoras, ao mesmo tempo em que são impelidas, cada vez mais, contra a floresta remanescente, na busca incessante de uma produção quantitativamente capaz de reequilibrar o orçamento familiar, na medida em que o rendimento de suas atividades econômicas tem ficado cada vez mais aquém das suas necessidades, face ao aumento desproporcional dos preços dos produtos manufaturados, indispensáveis às suas necessidades básicas. O incremento da participação do óleo de dendê no quadro do programa brasileiro de biodiesel abre possibilidades para a implantação de programas de agricultura familiar, voltados para a produção de dendê na Amazônia, recuperação de áreas degradadas e promoção do desenvolvimento regional, além de contribuir para a diversificação da matéria-prima, base da produção do biodiesel no Brasil. Algumas barreiras, porém, opõemse ao desenvolvimento da dendeicultura na Amazônia, entre as quais: • o fato de o dendezeiro ser uma cultura pouco conhecida; • falta de zoneamento econômicoecológico; • falta de infra-estruturas básicas na região, e • falta de um programa de pesquisa e desenvolvimento. A remoção dessas barreiras representaria a inclusão de milhares de famílias no processo econômico e a preservação anual de alguns milhares de hectares de floresta.


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Opiniões jun-ago 08

Capim-elefante

Vicente Nelson Giovanni Mazzarella

Coordenador Geral de Projetos Especiais do IPT

Vicente Mazzarella

Capim-elefante

Recentemente, em função da possível escassez de energia para projetos de expansão industrial, ocorreram freqüentes consultas sobre capim-elefante como biomassa, para alimentar essa geração de energia. O que tem chamado à atenção para o capimelefante são aspectos como alta produtividade (em torno de 40 toneladas de massa seca, por hectare por ano) e ciclo curto (colheita seis meses após o plantio). Além desses pontos fortes, há menor necessidade de áreas, melhor fluxo de caixa, é um energético renovável e ambientalmente amigável, tem maior assimilação de carbono (vantajoso em projetos MDL) e prováveis custos competitivos com outras fontes. Seu balanço energético, recentemente levantado pela Embrapa, mostra-se excelente para combustão direta (até 24:1). Os números disponíveis do custo por hectare, custo por tonelada de massa verde ou custo da massa seca, também indicam ser competitivos, embora necessitem de validação em grandes áreas, com cultivo mecanizado. As consultas recebidas englobam geração de energia elétrica para venda, geração de eletricidade e vapor para uso próprio, calor para secagem e queima (cerâmicas estruturais), produção de carvão para processos metalúrgicos, produção de briquetes e peletes para mercado interno e exportação. Essas aplicações demandarão, desde áreas pequenas (40 hectares para uma cerâmica vermelha) até milhares de hectares, para geração de energia elétrica em UTEs - Usinas Termoelétricas, de 30 megawatts, que tem sido o patamar com maior freqüência de consultas. As terras deverão ser mecanizáveis e ter declividade limitada a 10%. Parece haver um paralelismo acentuado entre a cultura

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da cana-de-açúcar e a cultura intensiva, em grandes áreas, do capim-elefante, no que diz respeito ao plantio, colheita, transporte e tratamento para redução da umidade. O elevado teor de água do capim-elefante – até 80% - constitui um dos seus problemas, solúvel até por mais de uma rota, principalmente nos casos de alimentação de UTEs, onde tem que haver regularidade, confiabilidade e, tanto quanto possível, homogeneidade nas características do bagaço a ser queimado. Outro problema, igualmente solúvel, é o da logística do capim após a colheita, o que envolve seu transporte e armazenagem intermediária, aguardando processamento. Uma técnica aplicada ao capim-elefante, desenvolvida pela Embrapa-CNPAB, é a FBN - Fixação Biológica de Nitrogênio, que consiste na substituição da adubação nitrogenada química, pela fixação do nitrogênio do ar, por bactérias existentes no solo e nas plantas. A Embrapa vai começar a trabalhar no desenvolvimento de inoculantes, para abreviar o ciclo de formação e crescimento das colônias de bactérias. O capim-elefante é uma designação genérica, que reúne mais de 200 variedades de capim. É fundamental encontrar, para a microrregião onde se vai plantar o capim, variedades compatíveis com tipo de solo, regime de chuvas, grau de insolação, altitude, latitude, tipo de vegetação e outras características de interesse. Daí a importância, antes de fazer um projeto de monta, da realização de um piloto para testes das alternativas de tipo de colheita – colhedora, forrageira, segadora, época e duração da colheita, seleção de algumas variedades de capim, tipo de transporte, etc. Uma definição mais precisa no universo de variedades e que envolveria FBN, portanto de média duração, requereria ainda um projeto paralelo para se achar as variedades consideradas ótimas para a microrregião. Projetos como o piloto e o de otimização custam menos de 1% do investimento global, e eliminam o risco de baixos rendi-

mentos, equipamentos mal selecionados e rotas equivocadas na cadeia produtiva integrada. Em projetos para geração termoelétrica, a secagem da biomassa não pode ficar na dependência exclusiva do fator insolação. Para essa escala, estima-se que a melhor rota inclua a extração mecânica do caldo, reduzindo a umidade do bagaço de capim de 80% para 50% (retirada de 75% da água contida no capim). Secagem para valores abaixo de 50% requereriam trocas térmicas, com os gases de saída das turbinas, em processo e equipamento ainda a serem desenvolvidos. Para projetos de menor porte, da ordem de 40 a 60 ha, como cerâmicas, já estão em desenvolvimento processos de secagem solar, em estufas, com revolvimento contínuo, que em 30 horas, sem insuflação de calor externo, reduzem a umidade a 10%. O bagaço com 50% de umidade tem poder calorífico aproximado de 1.700 kCal/kg, enquanto o com 30% sobe para 2.700 kCal/kg, o que faz pensar sobre a conveniência da secagem térmica ulterior. Como o período de colheita do capim será curto, a quantidade de material colhido e beneficiado, muito maior que o consumo nesse período, gerará um saldo de matéria-prima, que deverá ser armazenado em fardos, minimizando o tamanho dos galpões e facilitando seu manuseio interno. Cambridge, UK, de 36 MW, que trabalha com capim e palha em fardos, é exemplo disso. As aplicações do capim-elefante, para a geração termoelétrica e venda, devem observar princípios, como: terras baratas e mecanizáveis, próximas a subestações ou linhões das geradoras ou concessionárias. A geração de energia e vapor para uso próprio deve procurar localizar a unidade beneficiadora do capim e geradora dentro da área do plantio, para simplificação da logística. Dentro de poucos anos, o próximo salto na indústria sucroalcooleira e do capim será o desenvolvimento de processo e equipamentos para secagem térmica do bagaço, reduzindo sua umidade de 50%, para algo em torno de 30% ou até menos, utilizando gases de saída das turbinas. Isto já é objeto de estudo de grupos universitários com empresas de equipamentos. Outra utilização do bagaço do capim é como matéria-prima para o gás de síntese, que, por diferentes rotas, será transformado em etanol, como no projeto Coskata - processo bioquímico em fase de demonstração piloto em Warrenville, Illinois, EUA.


Melhoramento

Opiniões

jun-ago 08

Estefano Paludzysyn Filho

Pesquisador da Embrapa Florestas

Na atualidade, o Brasil conta com milhares de novos tipos de eucaliptos, criados pelo melhoramento genético, o que o coloca como recordista mundial na produtividade média de madeira, que atinge, em alguns casos, 80 metros cúbicos de incremento médio anual por hectare. O melhoramento do eucalipto vivencia a segunda fase, enquanto aguarda a chegada da seleção genômica ampla. A primeira, iniciada nos anos 70, foi centrada na busca de sementes de matrizes em países da Oceania. Do mutirão Governo-Empresas, resultou uma rede experimental com, pelo menos, 172 testes, em nove estados. A ampla base genética introduzida permitiu a seleção de matrizes em cerca de 15 espécies, que apresentaram maior adaptação, qualidades silviculturais e produção de madeira. Nessa fase, ainda foi desenvolvido o sistema de clonagem de árvores selecionadas, que revolucionou a silvicultura, propiciando quatro grandes vantagens: maior homogeneidade dos produtos florestais, maximização da intensidade de seleção e do ganho genético, fixação de combinações híbridas heteróticas, propagação de genótipos resistentes a doenças. Na segunda fase do melhoramento do eucalipto, iniciada nos anos 90, busca-se desenvolver materiais genéticos, com características desejáveis em um único indivíduo, que se adapte a novos locais de plantio e atenda às necessidades industriais. Os híbridos resultantes, adequadamente avaliados e selecionados por poderosas ferramentas computadorizadas, que combinam a estatística e a genética, possibilitam o plantio comercial e o uso da madeira direcionada a cada segmento industrial – celulose, papel, chapas de fibras, sólidos madeiráveis e produtos energéticos – com o mínimo de desperdícios e resíduos. Nessa fase, foi também eliminada a morosidade na recombinação de árvores, pelo desenvolvimento da polinização controlada, dando origem aos pomares indoor e milhares de híbridos, com diferenças nas suas propriedades químicas e físicas da madeira. Essas, analisadas em laboratórios, permitem qualificar aquelas que apresentam a melhor qualidade

da matéria-prima. Na produção da celulose dos eucaliptos atualmente cultivados, o conteúdo de lignina é o vilão do processo industrial, devido à sua baixa reatividade, o que dificulta a sua remoção e aumenta os custos industriais. Busca-se no globulus – um eucalipto adaptado ao cultivo na Europa e não produtivo no Brasil – genes que conferem aos eucaliptos nacionais menor teor de lignina, maior densidade da madeira e maior rendimento de celulose. Para fins energéticos, o melhoramento enfatiza eucaliptos com elevado potencial produtivo, madeira densa e alto teor de lignina. Depois da lenha, o segundo produto energético mais consumido é o carvão, usado na siderurgia como termorredutor do minério de ferro, razão porque o Brasil detém o título de maior produtor mundial de carvão vegetal. O rendimento nos alto-fornos é maximizado com o uso de carvão obtido de madeira mais densa, de maior poder calorífico e com teor de carbono de, ao menos, 75%. Para detectar clones com madeira que resulte em carvão de alta qualidade, os laboratórios analisam as propriedades da madeira e do carvão, atendo-se, principalmente, ao rendimento de carvão, teor de carbono fixo, teor de cinzas, material volátil, friabilidade e resistência mecânica. Análises com equipamento de absorção atômica e espectrofotômetro na região UV/VIS para os compostos inorgânicos da madeira e do carvão, ao lado de análises convencionais, como o teor de lignina, extrativos totais e teor de celulose, podem ser complementadas em espectrofotômetro, na região do NIR, face ao elevado número de amostras que os programas de melhoramento florestal utilizam e da premência do tempo. O germoplasma prioritário de eucaliptos para produção de carvão siderúrgico está centrado em E. urophylla e E. urocam (híbrido de E. urophylla e E. camaldulensis), melhorados por estratégias como a Se-

leção Recorrente Recíproca (SRR) e a SRR Intrapopulacional, em População Sintética (SRIPS), híbrida entre clones elite. No geral, ênfase maior tem sido dada a SRIPS, para o principal objetivo do melhoramento para carvão, que é a PCF - Produção de Carbono Fixo, representado por PCF = volume de madeira x densidade x rendimento gravimétrico. O rendimento gravétrico é dado, aproximadamente, por RG = teor de lignina x 0,60 + teor de celulose x 0,30 + teor de hemicelulose x 0,10. Assim, o programa de melhoramento visa aumentar o volume de madeira, a densidade e o teor de lignina e diminuir o teor de hemicelulose. Para fatores bióticos e abióticos adversos são enfatizados também a maior resistência à seca (usando, para isso, a hibridação com o E. camaldulensis) e, recentemente, a resistência ao fungo patogênico Ceratocystis. Segue-se a esses procedimentos a seleção genética na experimentação com clones e famílias híbridas, em delineamentos estatísticos, que permitem o uso de softwares do tipo Selegen-Reml/Blup. A terceira fase do melhoramento será impulsionada pela seleção genômica ampla - GWS. Esse método será utilizado, face ao desenvolvimento dos marcadores moleculares tipo SNP - Single Nucleotide Polymorphism, e permitirá alta eficiência, rapidez e baixo custo na seleção, quando comparada à seleção por dados fenotípicos. A seleção genômica terá grande utilidade no melhoramento genético, via métodos do tipo BLUP/GWS, que equivalem ao procedimento BLUP, aplicado sobre dados moleculares, permitindo a predição de valores genéticos genômicos.

Estefano Paludzysyn

Melhoramento de eucalipto para produção de energia

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Opiniões jun-ago 08

Biorrefinarias

Jorge Luiz Colodette

Jorge Luiz Colodette

Professor Titular da Universidade Federal de Viçosa Biorrefinaria ou Biomania? O termo biorrefinaria é relativamente novo e refere-se à conversão da biomassa em uma gama de produtos, com pouco desperdício e mínimas emissões. É aplicado à indústria que transforma materiais brutos de fonte renovável (bagaço de cana, bambu, palha de cereais, madeira, licor negro Kraft, etc), em produtos de maior valor agregado (energia, materiais e produtos químicos). Fabricando produtos múltiplos, a biorrefinaria permite maximizar o valor derivado da matéria-prima. Entretanto, esse conceito tem sido muito debatido na atualidade, tendo em vista seus possíveis impactos na agroindústria e, particularmente, na indústria de celulose e papel. Em relação à indústria de celulose e papel, existem duas estratégias de biorrefinaria: 1. processamento completo da biomassa, com geração de produtos de alto valor agregado, espelhando nas refinarias petroquímicas, e 2. conversão eficiente de algumas frações da biomassa em combustíveis, energia, materiais e/ou produtos químicos, sendo as demais utilizadas para fabricação de polpa celulósica. O conceito de biorrefinaria tem sido aplicado, há décadas, pela indústria de celulose ao sulfito, onde o licor residual é utilizado para geração de produtos de alto valor, tais como lignossulfonatos,

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ácido acético, etanol, furfural, etc. Em menor extensão, também na indústria de celulose ao sulfato (Kraft) aplica-se esse conceito pela recuperação do licor negro (vapor/energia), da teribintina e do tall oil. Recentemente, em face ao crescente aumento de preço da energia e dos combustíveis fósseis, o conceito de biorrefinaria evoluiu grandemente. Estudos realizados pelo USA Federal Energy Council indicam que o aumento anual de consumo de petróleo tem sido superior às novas descobertas dessa matéria-prima. Esse fato concreto tem gerado uma avalanche de esforços, no sentido de tornar realidade o conceito de biorrefianaria, com investimentos milionários em P&D, especialmente na América do Norte e Europa. Na verdade, estamos vivendo um momento que poderíamos chamar de biomania, já que todo mundo está trabalhando no assunto, i.e., grande parte dos esforços científicos, outrora dedicados à indústria de celulose e papel e de produtos sólidos da madeira, estão sendo dedicados à biorrefinaria. O Departamento de Energia dos EUA - DOE, define as plataformas termoquímicas e dos açúcares, para as futuras biorrefinarias. Nos EUA, o foco tem sido maior na plataforma dos açúcares, enquanto que na Europa, a termoquímica tem sido mais estudada. Dentro destas duas plataformas, existem inúmeros caminhos que podem ser seguidos, alguns destes já em fase avançada de projeto e/ou de implantação, como bem descreve o estudo de Ben Thorp, Compelling case for integrated Biorefineries, Nordic Wood Biorefinery Conference, de março passado, em Estocolmo: 1. Termoquímica 1: gaseificação da biomassa ou licor negro Kraft, com subseqüente conversão dos gases gerados (syngas) em biocombustíveis líquidos (Fischer-Tropsch catalytic reactor), tais como biogasolina, biodiesel, etc, com recuperação de calor. 2.Termoquímica 2: gaseificação da biomassa ou licor negro Kraft, com subseqüente fermentação do syngas e produ-

ção de etanol e outros produtos químicos. 3. Açúcar 1: hidrólise ácida da biomassa e/ou lixo municipal selecionado, seguida de fermentação e produção de etanol. 4. Açúcar 2: hidrólise enzimática da biomassa, seguida de fermentação e produção de etanol. 5. Açúcar 3: polpação organosolve da biomassa, com recuperação de polpa e de lignina e hemiceluloses do licor negro, sendo esta última fermentada a etanol. 6. Açúcar 4: extração das hemiceluloses dos cavacos e fermentação para produção de etanol, com subseqüente polpação dos cavacos extraídos, para produção de polpa e licor negro. Açúcar 5: polpação organosolve da biomassa, com recuperação da lignina e fermentação de toda a fração de carboidratos para etanol. O conceito de biorrefinaria está alicerçado em muitos tipos de biomassa, que incluem amiláceos, madeira, resíduos de madeira, bambu, gramas, resíduos agrícolas (palhas de cereias, bagaço de cana, etc) e até mesmo em lixo municipal selecionado. Existe muito debate, na atualidade, em relação à biomassa mais adequada, do ponto de vista econômico, da competição em relação à produção de alimentos e da neutralidade, em relação ao balanço de CO2. Nesse particular, a madeira e os resíduos de madeira apresentam-se como excelentes fontes de biomassa. Enquanto não competem com a produção de alimentos, 1 hectare de floresta pode produzir 9.500 litros de etanol, enquanto que a mesma área cultivada com milho produz apenas 3.400 litros desse combustível. Por outro lado, a produção de biomassa florestal exige manejo muito menos intensivo que os produtos agrícolas (fertilização, irrigação, colheita, etc), atendendo melhor à neutralidade de CO2. Deve ser destacado que um hectare cultivado de cana-de-açúcar pode produzir até 13.000 litros de etanol, se for considerada também a produção advinda do bagaço. Naturalmente, o cultivo da cana-de-açúcar é privilégio de poucos países, estando o Brasil em uma posição muito favorável, em relação a esta biomassa. É provável que o avanço da biorrefinaria no Brasil se dê, inicialmente, com a cana-de-açúcar, em vez da madeira. A maioria dos esforços em biorrefinaria estão focalizados na área de produção de energia, aqui incluídos os biocombustíveis. Deve ser ressaltado que a biomassa anualmente produzida no planeta é insuficiente (< 30%) para atender à demanda de energia hoje proveniente do petróleo.


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Opiniões jun-ago 08

Grandes investimentos terão que ser realizados no aumento da produção de biomassa. Embora a demanda mundial de biomassa para a produção de materiais e de produtos químicos seja muito pequena, não mais que 6% daquela necessária à produção de energia, existe muito interesse também nestes produtos, dado os seus elevados valores agregados, em alguns casos. Exemplos destes incluem os chamados produtos químicos verdes, já usados em larga escala (xilitol, ácido succínico e seus derivados), produtos bioativos, utilizados nas indústrias de alimentos saudáveis (sitostanol), farmacêutica e cosmética (flavonóides, estilbenos, lignanas e outros antioxidantes). Dentre os materiais, destacam-se os bioplásticos, resinas furânicas, derivados de hemiceluloses, fibras de carbono, carbono ativo, resinas fenólicas e emulsões betuminosas derivados de lignina, e outros biopolímeros, tais como ácido poliláctico, nanocristais, etc. Um estudo recente (não publicado) indica que, considerando os preços atuais de mercado da madeira, do petróleo e do bioetanol, a utilização mais lucrativa da madeira em grande escala é ainda para a produção de polpa Kraft branqueada. Neste estudo, foi determinada a seguinte relação re-

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Biorrefinarias

lativa de lucratividade, para o uso da madeira: 100% (produção de polpa Kraft branqueada) > 7% (queima em caldeira de biomassa, para produção de vapor/energia) > -46% (produção de bioetanol). Porém, a produção de ácido succínico, a partir da madeira, apresentaria lucratividade de 800%, isto é, 8 vezes maior que a produção de polpa branqueada. Deve ser ressaltado que o mercado mundial de ácido succínico não excede a 2 milhões de toneladas anualmente. Naturalmente,

todos esses cálculos econômicos são baseados no preço de US$ 110/barril de petróleo. Em sumário, pode ser dito que estamos vivendo o momento da “biomania”, porém com os crescentes aumentos no preço do petróleo e a potencial exaustão desse recurso natural não renovável, a biorrefinaria tornarse-á uma realidade, a menos que encontremos uma forma mais efetiva de capturar a energia solar, que não seja através da fotossíntese.


Opiniões Augusto Fernandes Milanez Especialista Sênior em P&D da Suzano Papel e Celulose

Substituição da matriz fóssil por matriz renovável O uso globalizado das matériasprimas fósseis para a produção de energia, como o petróleo, carvão mineral e o gás, tem fornecimento finito. O petróleo é, sem dúvida alguma, a matéria-prima de maior uso nesta matriz, tendo aumentado o seu custo de US$ 15/barril, para US$ 130/barril, nos últimos 10 anos, e o mercado aponta para o custo de US$ 200/barril, até o final de 2008. Portanto, a situação atual demanda alteração da matriz energética, o que vem sendo acelerada pelas pressões socioambientais, principalmente ligadas ao efeito estufa, ocasionado pelo aumento de poluição e temperatura do planeta, principalmente pela emissão de gases de queima, lançados na atmosfera. O consumo mundial de matériasprimas fósseis está ao redor de 10 bilhões de toneladas/ano, e, apenas 3% destes materiais são fixados na conversão de produtos químicos. Cerca de 97% destes são utilizados na geração de energia, sendo os residuais de CO2 despejados na atmosfera. A agricultura contribui com 7 bilhões de toneladas/ano de biomassa, enviando, aproximadamente, 95% desta para fins alimentícios e apenas 5% para a indústria química, incluindo a biomassa para a produção de celulose e papel. Portanto, com maior potencial de fixação de carbono e um sistema auto-sustentável por plantios regulares, a biomassa torna-se uma atraente matéria-prima, substituta dos combustíveis fósseis, podendo gerar, também, polímeros interessantes para diversos usos. As novas tecnologias de produção de químicos orgânicos derivados de biomassa inovam consistentemente o mercado de produtos, nas linhas bioplásticos, cosméticos, aromáticos, combustíveis, etc. O petróleo tem a sua formação fundamentada na fixação de CO2, há milhares de anos. Composto, essencialmente, pela modificação de substâncias orgânicas derivadas das plantas, a madeira tem em sua composição básica o mesmo potencial de produção de quase todos os derivados do petróleo. Por que então ainda utilizamos o petróleo? As razões eram justificadas como, principalmente, econômicas e tecnológicas. Com a significativa elevação do preço do petróleo e as novas tec-

nologias de biorrefinarias, a biomassa florestal é uma das mais atraentes fontes de matéria-prima para a produção dos mais variados produtos poliméricos e na aplicação com fins energéticos. Os materiais lignocelulósicos, vindos de florestas plantadas de crescimento rápido ou de resíduos agrícolas (palhas de milho, cana-de-açúcar, etc), são mais atrativos do que aqueles que competem diretamente com a matriz alimentar, como o milho, beterraba e outros. A explicação para isto está no fato de não competirem com os alimentos e terem alta produtividade: 1 hectare de madeira de floresta plantada pode produzir, no Brasil, 9.500 litros de etanol, enquanto que o milho produz apenas 3.400 litros. A fixação do CO2 pela fotossíntese nas árvores e a transformação das mesmas em bioplásticos também agrada a todos, pois se trata de uma das mais interessantes formas de buscar a redução do CO2 da atmosfera, podendo ser biodegradável e socioambientalmente corretos. As tecnologias de produção de biocombustíveis de primeira geração, como a fermentação do suco da canade-açúcar para a produção de álcool, já se encontram à disposição, há muitos anos. O uso do bagaço da canade-açúcar para também produzir álcool é uma tecnologia de segunda geração, a qual já está fundamentada na aplicação de enzimas e hidrólises ácidas, aumentando a capacidade das fábricas em produzir o álcool, pelo uso da biomassa dos resíduos. Plantas em demonstração já se encontram funcionando no Brasil. O crescimento da linha dos biocombustíveis de primeira geração tem a tendência exponencial em produção, alavancados, principalmente, para a produção do etanol e, em menor escala, para o biodiesel. No Brasil, a cana-de-açúcar segue em liderança absoluta, produzindo um dos biocombustíveis de menor custo no mundo. Conhecidas como substâncias não desejáveis nas fábricas de celulose, a lignina e os extrativos da madeira podem tomar novos rumos e serem desejados nos novos processos de biorrefinarias. A lignina

pode, agora, ser importante fonte de matéria-prima na fabricação de bioplásticos, produtos aromáticos, cosméticos, farmacêuticos, e aplicada como biocombustível, visto que tem poder calorífico em torno de 26 MJ/ kg. Portanto, alterações na seleção de clones florestais podem ser esperadas em um futuro muito próximo, visto que as biorrefinarias devem levar a essas necessidades. As hemiceluloses da madeira sempre foram desejadas para o aumento da capacidade de ligação interfibras, na formação dos papéis. Na biorrefinaria, pode tomar um novo rumo e seguir para a produção de filmes bioplásticos, cosméticos (importante na hidratação da pele), aditivos, filmes nanocompositos, etc. O eucalipto é uma das plantas mais atraentes de crescimento em biomassa florestal no mundo, tendo concentrações de xilanas na ordem de 14 a 18%. A celulose tem, hoje, aplicação na fabricação de papéis para variados fins, bioplásticos como o acetato de celulose ou fibras rayon, carboxi metil celulose e outros. Na biorrefinaria, continuará a ter as mesmas aplicações, oferecendo a vantagem do processo ser conduzido para os produtos desejados. As fábricas de celulose e papel podem ser integradas com a biorrefinaria e a bioenergia, e levar à produção de biocombustíveis, celulose, eletricidade, bioplásticos e outros produtos de maior valor agregado, como fibras de carbono, ácido succinico, etc.

Augusto Milanez

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Opiniões jun-ago 08

Biorrefinarias Ayrton Figueiredo Martins

Professor Associado do Programa de PósGraduação em Química da UF de Santa Maria

Ayrton Martins

Biorrefinaria: um novo paradigma

Nos últimos meses, a atenção de países mais desenvolvidos, por razões geopolíticas, econômicas e ambientais, está se voltando para fontes alternativas energéticas mundiais e, em especial, para o etanol combustível. Preocupados com o seu próprio bem-estar e, por que não, com o futuro da humanidade, estas nações vêm encarando nosso país como o grande fornecedor de matérias-primas renováveis, de fontes recicláveis. As razões para isto podem ser sumarizadas em apenas duas, muito simples: a disponibilidade de clima favorável, sob todos os aspectos, e de uma imensa área para a expansão da produção agrícola. Porém, o interesse dos governos, instituições e pesquisadores do mundo não se restringe tanto ao agora (injustamente) polêmico álcool combustível, mas tende a se estender ao etanol grau químico – matéria-prima para produtos químico-petroquímicos – levando à súbita redescoberta da alcoolquímica, muito discutida em nosso país na década de 70, do século passado. A previsão de elevação da demanda de etanol nos países desenvolvidos (conseqüência do petróleo a US$ 130/barril) permite projetar um brutal incremento de sua produção mundial, que já está desencadeando, além de uma intensa atividade de P&D, uma busca incansável por fontes alternativas de matérias-primas. Por esta razão, as propostas de utilização da biomassa lignocelulósica para a produção de álcool e de construção de biorrefinarias integradas vêm dominando as discussões e as estratégias de planejamento político-tecnológico, internacionalmente. No Brasil, as atenções também começam a se voltar para a alcoolquímica, como estratégia para superar a carência de nafta petroquímica. Contudo, não mais contando apenas com a rota sucroquímica, desenvolvi-

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da com sucesso nos últimos 30 anos, mas investindo no desenvolvimento de novas tecnologias, com base na biomassa residual. As biorrefinarias propostas até o momento, no país, entretanto, privilegiam o viés estratégico da indústria da cana e não propriamente o das indústrias de celulose e agroindústrias, outras potenciais gigantes para a refinação de biomassa residual, em diversos pontos do país. Ademais, não podemos esquecer a tecnologia das biorrefinarias térmicas, onde os processos de pirólise, gaseificação e combustão (e combinações diversas) podem, direta e muito rapidamente, transformar a biomassa lignocelulósica residual (ou não) em bioprodutos, biomateriais, bioenergia, insumos químicos-petroquímicos e, logicamente, biocombustíveis e substitutos de derivados do petróleo também. A necessidade de pesquisa e desenvolvimento nesta rota também é grande, embora tais tecnologias venham sendo pesquisadas e aperfeiçoadas há mais de 30 anos. No Brasil, temos alguma experiência em processos térmicos que, certamente, precisa ser ainda comprovada e consolidada em escala-piloto. No estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, o panorama é diferente. As iniciativas de investimento apontam para futuras biorrefinarias, com um viés mais eclético, e para um variado leque de matérias-primas lignocelulósicas. Os grandes investimentos em reflorestamento e em produção de celulose sinalizam para grandes biorrefinarias de base florestal, no futuro. Por outro lado, sendo o maior produtor de arroz do país, o RS dispõe de 1,4 milhão de toneladas anuais de casca de arroz, que podem ser convertidas não apenas em bioenergia, mas também em produtos de maior valor agregado, em biorrefinarias específicas. Da mesma forma, vale mencionar outros subprodutos da agroindústria e da indústria de alimentos, que estão disponíveis para serem refinados e convertidos em produtos com valor agregado, deixando de constituir um problema ambiental. Os especialistas em refinação de biomassa acreditam que as futuras biorrefinarias constituirão a indústriachave para o presente século, promovendo o que se pode designar como uma nova revolução industrial, tamanha é a importância de que se reveste em termos de tecnologia e dos seus efeitos sobre o atual paradigma indus-

trial, tão dependente da matriz energética dominada pelo petróleo e seus derivados. Já estamos vivenciando as estratégias de segunda geração, em termos de refinação da biomassa, e muito mais ainda está por vir, em um curto espaço de tempo, modificando tudo que tivemos até o momento. Há como que uma sensação de se estar à beira de uma revelação ou descoberta tecnológica de refinação para canade-açúcar, milho e as mais diversas biomassas, residuais ou não. Contudo, é necessário que se reafirme: estamos no início de um novo século e a tecnologia de biorrefinarias está apenas em sua infância. Ao longo dos próximos 100 anos, aprenderemos a trabalhar a biomassa, como aprendemos a trabalhar o petróleo, no último século. Tudo o que ele representa e fornece, hoje, poderá e deverá ser parcialmente provido pela biomassa – nossa única fonte de carbono e hidrogênio – alternativa ao petróleo, ao gás natural e ao carvão. Para maior clareza da situação, pode-se acrescentar, também, que ainda não existem padrões internacionalmente aceitos para os desejados produtos da biorrefinaria e, possivelmente, por um largo período de tempo ainda não existirão. Nem mesmo se sabe, se o padrão dominante nas futuras biorrefinarias será o de produtos de grande volume de produção, que poderão servir de matérias-primas para as atuais refinarias e plantas industriais químicas, ou, ao contrário, o de produção de produtos finos, de alto valor agregado. O certo é que, sem dúvida, as biorrefinarias de biomassa do futuro deverão constituir sistemas integrados e (mais) sustentáveis, que irão se adaptar às limitações da realidade planetária e procurar tirar proveito da infra-estrutura tecnológica pré-existente (da base petrolífera). Em nosso país, os investimentos dos governos em biorrefinarias ainda são bastante modestos, mas crescentes, e o setor privado tem acenado com as primeiras iniciativas de peso. Só nos resta esperar, agora, que governos e empresas unam-se em torno deste novo paradigma, a exemplo da maioria dos países desenvolvidos, detentores de grandes avanços e experiências tecnológicas. Com as vantagens que dispomos, em termos de clima e área agriculturável, certamente, estaremos, muito em breve, falando de uma nova disciplina no Brasil: a bioeconomia.



Opiniões jun-ago 08

Biorrefinarias Antonio Aprigio da Silva Curvelo

Professor de Química Orgânica da USP-SCarlos

Antonio Curvelo

Biorrefinaria: a matéria-prima definindo o processamento

A utilização crescente de etanol como combustível em veículos automotores e a revalorização da alcoolquímica trazem à luz debates e trabalhos, visando o aproveitamento integral de matérias-primas vegetais. Neste contexto, a comparação com o petróleo e seu processamento em refinarias é quase imediata, propondo-se o termo biorrefinaria para o processamento de biomassa vegetal. O conceito refinaria aplica-se ao aproveitamento integral de matéria-prima abundante e de baixo custo, empregando-se tratamentos físicos e/ou químicos para a produção de produtos comerciais, de maior valor agregado. Pode-se, ainda, acrescentar que uma refinaria opera pela sucessão de diferentes etapas, iniciando-se por operações de fracionamento, visando à separação de diferentes substâncias, seguindo-se etapas de conversão destas substâncias em produtos de uso imediato ou a serem disponibilizados como matéria-prima para futuras transformações, pela indústria química. A biomassa vegetal atende aos requisitos de abundância, custo e de diversidade de produtos oriundos de seu processamento. Entretanto, diferenças marcantes separam a biomassa vegetal do petróleo. Dentre estas, destacam-se a maior complexidade química e estrutural da biomassa vegetal e o processo de obtenção da mesma. Enquanto o petróleo é matériaprima não renovável, já estocada em reservas, a biomassa vegetal, para fins industriais, deve ser cultivada continuamente, sendo, portanto, renovável.

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Do ponto de vista físico, as reservas de petróleo fornecem matériaprima nos estados líquido e gasoso, enquanto a matéria-prima vegetal encontra-se no estado sólido. Estas diferenças implicam em diferentes etapas nos processos de extração/ colheita e de transporte aos centros de processamento. Considerando-se as características químicas, o petróleo é, majoritariamente, uma mistura de hidrocarbonetos (substâncias contendo apenas carbono e hidrogênio); a matéria-prima vegetal contém substâncias pertencentes a diferentes classes de compostos (óleos, polissacarídeos, compostos fenólicos, proteínas, etc). Além destas diferenças, as substâncias presentes nas plantas estão distribuídas em tecidos estruturados (células vegetais). Dentre as diferentes opções de matéria-prima vegetal, mais adequada ao processamento industrial em biorrefinarias, a escolha por espécies já cultivadas ganham destaque especial. A agricultura intensiva já conta com espécies de elevada produtividade e métodos de cultivo e colheita plenamente estabelecidos. Em geral, estas espécies são cultivadas, visando, direta ou indiretamente, à alimentação humana, sendo que raramente se utiliza toda a biomassa vegetal desenvolvida pela planta. Os excedentes de produção e, principalmente, a fração não comestível dos vegetais podem ser destinados ao processamento em biorrefinarias. De forma complementar, diferentes espécies podem ser cultivadas, visando, exclusivamente, ao fornecimento de matéria-prima para as biorrefinarias. A biorrefinaria começa na lavoura, em particular, na colheita da produção agrícola. As modernas colheitadeiras separam e transportam apenas partes específicas da planta, dispersando sobre a terra grande quantidade da biomassa produzida. Do material encaminhado para usinas de beneficiamento, apenas uma parte constitui o objeto principal de comercialização, sendo o restante subproduto da atividade agroindustrial. A produção de grãos não disponibiliza a parte de sustentação da planta; a produção de açúcar e álcool não recolhe as folhas (ou palha) e a maior parte do bagaço é utilizado in natura, para produção exclusiva de energia em caldeiras;

a obtenção de óleos, por prensagem de grãos e sementes, gera importantes volumes de “tortas”, utilizadas apenas para geração de energia e/ou ração animal. Outros exemplos igualmente importantes poderiam ser citados, porém deve se considerar que o tratamento em biorrefinarias levaria à produção de commodities e de produtos de maior valor agregado. A fração lignocelulósica dos vegetais é um dos principais subprodutos da agroindústria. Presente, principalmente, em folhas e nas estruturas de suporte das plantas, esta fração é constituída, majoritariamente, pela mistura física e química dos polissacarídeos hemiceluloses e celulose, impregnados por ligninas. Estas substâncias constituem as paredes das células, que compõem o tecido vegetal. Destes três componentes, a celulose tem despertado maior atenção, por ser a matéria-prima para a produção do bioetanol ou etanol celulósico. Partindo-se de um dos princípios da refinaria, neste caso biorrefinaria, a fração lignocelulósica deve ser fracionada, visando liberar e isolar seus constituintes, para posterior tratamento. A hidrólise química ou enzimática da celulose leva à produção de glicose, a qual, por fermentação, produz etanol. O processamento em biorrefinaria deve utilizar não somente a rota do etanol, mas também rotas para a transformação das hemiceluloses e das ligninas, em produtos e/ou energia. Considerando-se, finalmente, as etapas de fracionamento da porção lignocelulósica, as indústrias de produção de celulose (no Brasil, empregando quase que exclusivamente madeira de eucalipto) deveriam ser vistas como possíveis fornecedoras de tecnologia (processos e equipamentos) para a produção de celulose, neste caso a partir de subprodutos da agroindústria. Assim, um bom começo para a implantação de biorrefinarias seria a integração das indústrias (e suas tecnologias), que, tradicionalmente, operam com biomassa vegetal. A valorização desta matéria-prima deveria contar, ainda, com novos processos, visando ao aproveitamento integral e à obtenção de produtos de alto valor agregado, a partir da biomassa vegetal.


Biochar

Opiniões

Etelvino Henrique Novotny Pesquisador da Embrapa Solos Biochar

Imagine uma tecnologia verdadeiramente carbono-negativa, onde há a efetiva remoção do gás carbônico atmosférico, mitigando, assim, as emissões antrópicas, e que esse carbono seqüestrado esteja em uma forma extremamente útil, melhorando a fertilidade do solo e, conseqüentemente, aumentando a produtividade deste, produzindo-se mais alimentos, com menor uso de fertilizantes em uma mesma área, reduzindo, assim, a pressão por desmatamentos. Imagine ainda que essa tecnologia tenha como co-benefícios a produção de energia renovável e seja aplicável em qualquer escala, do pequeno agricultor familiar, aos grandes empreendimentos agroindustriais. Uma tecnologia que pode utilizar, como matéria-prima, resíduos de difícil descarte, alguns deles importantes passivos ambientais, e ainda tenha o apelo de recuperar conhecimentos indígenas précolombianos de tribos amazônicas desaparecidas e agregá-los à nossa realidade, com o ferramental científico moderno. Utopia? Acreditamos que não. Esse é o cenário que se apresenta com a proposta de se utilizar na agricultura os resíduos da pirólise, a baixa temperatura, e de biorrefinarias. Esses processos são a produção de energia (calor, eletricidade e/ou biocombustíveis) e de substitutos a petroquímicos (polímeros, plásticos, agro e farmoquímicos, aditivos para combustíveis, etc), obtidos a partir do aquecimento de biomassa, na ausência de oxigênio. Esses processos têm como resíduos materiais parcialmente carbonizados (biochar), normalmente de granulometria fina, com elevado teor de carbono, em uma forma recalcitrante, ou seja, apresentam um longo tempo de residência no solo. A matéria orgânica do solo é formada pelos resíduos vegetais e animais, em diferentes estágios de decomposição, sendo estabilizada pelo processo chamado humificação, e é, em grande parte, responsável pela manutenção da exuberância da floresta amazônica, para ficar apenas em um exemplo bem conhecido. A matéria orgânica do solo, a despeito do conhecimento leigo, é o maior reservatório superficial de carbono, correspondendo a três ou quatro vezes a quantidade de carbono existente na

biomassa, sendo assim, ações que visem aumentar o estoque de carbono no solo são mais efetivas e factíveis que alterações no conteúdo de biomassa, tais como o plantio de florestas, com vistas ao seqüestro de carbono. Adicionalmente, a matéria orgânica do solo desempenha papel primordial na qualidade deste. Isso decorre da influência que a quantidade e qualidade da matéria orgânica exercem sobre as propriedades físicas, químicas e biológicas dos solos. Esses efeitos são particularmente importantes nos solos tropicais, que devido à sua gênese, geralmente apresentam baixa capacidade para reter os nutrientes das plantas. Assim sendo, um aumento do conteúdo de carbono no solo aumenta sua fertilidade e, com isso, o conteúdo de biomassa vegetal que esse solo é capaz de suportar. As Terras Pretas de Índio, encontradas na Amazônia, são solos extremamente férteis e ricos em carbono, e essa fertilidade mantém-se no tempo, a despeito do uso agrícola desses solos. Essas características devemse, principalmente, às propriedades da matéria orgânica desses solos, de caráter pirogênico (rica em biochar). Esses solos especiais foram formados pelos índios pré-colombianos, embora não esteja claro se foi um processo intencional de melhoria do solo, ou subproduto das atividades agrícolas e de habitação desses povos. Mas, enfim, essa atividade humana no passado pré-colombiano resultou no acúmulo de resíduos vegetais e animais, assim como grandes quantidades de cinzas e carvão. As lentas alterações químicas naturais desses resíduos carbonizados geraram um material recalcitrante e reativo, pela sua oxidação parcial, dando origem a grupos químicos capazes de reter os nutrientes das plantas, evitando, assim, sua lixiviação pelas intensas chuvas, nesse ambiente amazônico. E assim, o estudo desses solos possibilitou a definição de um modelo de material orgânico a ser reproduzido, visando à melhoria da fertilidade do solo, de forma sustentável, e o seqüestro de carbono. Para isso, se pode utilizar resíduos parcialmente carbonizados (biochar) e gerar os desejados grupos químicos reativos, de forma expedita e econômica, utilizando-se técnicas moder-

nas em um perfeito casamento entre o conhecimento tradicional indígena pré-colombiano, com respeito à natureza, e o conhecimento científico moderno. Finalmente, cabe ressaltar que não se propõe competir por recursos energéticos, tais como carvão e bagaço de cana-de-açúcar, mas sim otimizar o seu aproveitamento na geração de energia ou químicos, por métodos modernos de pirólise e pela utilização de resíduos de difícil descarte, que, muitas vezes, correspondem a passivos ambientais, tais como: resíduos da indústria madeireira e de papel e celulose, da produção de carvão, resíduos da indústria de biocombustíveis (biodiesel e via celulósica, para produção de etanol), lodo de esgoto, casca de arroz e outros resíduos da agroindústria. Conciliando, assim, a produção de energia e alimentos, com o aumento da fertilidade do solo e seqüestro de carbono. Essas características fazem dessa tecnologia uma das poucas ferramentas disponíveis com o potencial de responder à convergência de temas com os quais nos defrontamos no início deste século: degradação dos solos, escassez de alimentos e fertilizantes, competição por biomassa e escalada das emissões de gases do efeito estufa. Talvez, estejamos diante de uma segunda revolução verde, onde se irá substituir e aprimorar tecnologias mais do que “balzaquianas”, pelo reaproveitamento de resíduos e produção de novos insumos “tropicalizados”.

Etelvino Novotny

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Opiniões jun-ago 08

Produtos da Fumaça

Fernando Carazza

Professor de Química Orgânica da UF-MG

Fernando Carazza

As riquezas das fumaças do carvão vegetal As crises geradas pelos constantes aumentos dos preços do petróleo trouxeram para a humanidade uma consciência aguda da precariedade do nosso modus vivendi, fundamentado sobre fontes energéticas não renováveis. Na esteira dos problemas energéticos surge também preocupações com os insumos para a indústria química. De novo, a biomassa é lembrada como uma fonte alternativa renovável a ser explorada e, como pontos proeminentes desta alternativa, ressaltam as florestas cultivadas. As plantas lenhosas são constituídas, principalmente, pela celulose, hemicelulose e lignina, concentrados de tal modo, que é fácil recolhê-los sob a forma de troncos das árvores. Os troncos podem ser guardados e constituem uma forma adequada de armazenar energia solar e matériaprima orgânica. O primeiro processo químico desenvolvido pelo homem para o aproveitamento desta energia foi a fabricação do carvão vegetal, usado pelos primitivos como combustível, sem fumaça. A carbonização é fundamentalmente um processo de decomposição térmica dos constituintes da madeira, na ausência de oxigênio. No início do aquecimento, a madeira é apenas secada. Com o aumento da temperatura, as estruturas da celulose, hemicelulose e lignina começam a se decompor, dando origem a uma grande variedade de substâncias voláteis e um sólido - o carvão vegetal. Em média, apenas 30% da massa é convertida em carvão e os 70% restantes são lançados na atmosfera, sob a forma de fumaças. A recuperação e utilização de subprodutos presentes nas fumaças remontam aos tempos do Egito dos faraós. A carbonização da madeira era utilizada não só para produzir carvão, mas também o alcatrão e o ácido pirolenhoso, sendo este usado nos embalsamamentos. Houve um tempo em que produtos, como ácido pirolenhoso, alcatrão, ácido acético, metanol, acetona, etc., foram produzidos industrialmente, por destilação da madeira, e comercializados com bons lucros, apesar das instalações primitivas das indústrias. Após o início da produção do metanol e do ácido acético sintéticos, houve um grande esforço no desenvolvimento dos processos de recuperação e purificação eficiente dos subprodutos; entretanto, foi impossível vencer a concorrência.

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Atualmente, o metanol e o ácido acético, oriundos da carbonização, não têm expressão comercial. O Brasil, com uma produção anual de 35 milhões de m3 (8,75 milhões de toneladas) de carvão vegetal (AMS/ 2006), tem, neste processo, um potencial significativo para o uso racional da biomassa. Para isto, bastaria recuperar os subprodutos, principalmente o alcatrão, que pode ser usado como insumo energético renovável. À proporção de 200 kg/t de carvão vegetal produzida, poderiam ser geradas 1.750 mil toneladas de alcatrão/ano. Considerando a densidade do alcatrão igual a um, a produção seria de 1.750 milhões de litros, ou seja, cerca de 11 milhões de barris de alcatrão/ano. Sendo que a energia contida no alcatrão, 65% daquela apresentada pelo petróleo, poderia ser obtida em uma quantidade de energia equivalente a 7,15 milhões de barris de petróleo, os quais gerariam uma receita de 858 milhões de dólares/ano, nos preços praticados ultimamente (US$ 120). Embora os dados do exercício acima sejam animadores e o uso do alcatrão como combustível seja de fácil desenvolvimento, a produção de carvão vegetal é bastante dispersa e a cultura de recuperação do alcatrão é muito pouco difundida e incentivada. A idéia do uso do alcatrão vegetal como combustível exigirá a criação de plantas, onde fosse concentrada a produção e realizada a desidratação do mesmo. Com a produção de 8,75 x 106 t de carvão, poderiam ser recuperados o alcatrão (1.750 x 106 t) e, aproximadamente, 2,6 milhões de toneladas de ácido pirolenhoso. O ácido pirolenhoso é uma solução aquosa, contendo cerca de 10% de compostos orgânicos ácidos, carbonílicos e fenólicos. Com composição comparável a uma solução de matéria (ácidos húmicos e fúlvicos) orgânica ultradecomposta, vem sendo usado como insumo agrícola. De fato, estudos confirmam as atividades quelante, fungicida, aleloquímica etc., do ácido pirolenhoso. Sendo ácido, é recomendado como redu-

tor de pH de caldas e seu uso correto é uma forma possível para minimizar custos na agricultura. O alcatrão in natura praticamente não tem outra aplicação, a não ser o uso como insumo energético. Entretanto, como o petróleo, pode ser fracionado e utilizado como insumo químico pelas indústrias químicas, farmacêuticas e de alimentos. Os primeiros fracionamentos do alcatrão levaram a cinco frações: uma aquosa, três oleosas e uma residual, denominada piche vegetal. A primeira contém o ácido pirolenhoso, com acidez controlada, permitindo uma formulação mais adequada dos produtos destinados à agricultura. As frações oleosas, com seus aromas característicos, pungente, adocicado e “bacon”, vêm sendo utilizadas na formulação de aromas de fumaças, usados em produtos com sabor de defumado. Com uma das frações oleosas, é preparado o “creosoto vegetal”, usado no Japão no tratamento distúrbios intestinais; em laboratório, foram obtidas quase uma centena de substâncias novas, a partir de constituintes do alcatrão. Já o piche vegetal vem sendo usado como veículo em produtos veterinários e na produção de refratários. Pesquisas mostram que o piche pode ainda ser utilizado no preparo de elastômeros, espumas flexíveis, revestimentos e fibras de carbono. Os fatos relatados mostram que os esforços para introduzir a recuperação de subprodutos, iniciados em Minas Gerais, durante primeira crise do petróleo, e mantidos até hoje pela V&M do Brasil, Biocarbo e UFMG, podem, neste novo momento de crise, ser aplicados para o uso mais racional da biomassa.


Maragogi


Opiniões jun-ago 08

Produtos da Fumaça

Maria Emilia Antunes de Rezende Diretora da Biocarbo

Maria Emilia Rezende

Carvão vegetal: potencialidades por realizar O Brasil é líder na produção de carvão vegetal, com cerca de 9 milhões de toneladas, no ano de 2006. A produção de metálicos - ferro-gusa, aço e ferro-ligas - absorve mais de 90% deste montante. Para fazer frente à crescente demanda mundial por metais, as perspectivas são de duplicação da produção de carvão vegetal, nos próximos 10 anos. Em meus 30 anos de atuação no setor, nunca percebi cenário tão favorável. Entretanto, cabe perguntar: O que está sendo feito neste período de bonança, para garantir a sustentabilidade e o crescimento dos ganhos futuros? Nos anos 80, o que mais se escutava era que, no Brasil, o uso do carvão vegetal iria ser inviável e substituído pelo coque, como tinha acontecido nos países desenvolvidos. Na esteira deste preconceito, conjugado a um cenário de valorização cambial e de depreciação das commodities, vivemos o pior no início dos anos 90. Empresas líderes trocaram carvão vegetal pelo coque, cortaram projetos e investimentos e equipes técnicas foram esfaceladas. Reuniões entre empresários e autoridades discutiam outros usos para as florestas de Eucalipto do estado de Minas Gerais, pois a produção de carvão vegetal iria ser drasticamente reduzida, na visão dos estrategistas daquela época. Aconteceu o contrário, a produção de carvão vegetal vem crescendo continuamente e não aconteceu sobra de florestas plantadas; elas continuam insuficientes. Tanto que a participação de origem nativa saltou de 1,45 milhão de toneladas em 1987, para 4,2 milhões de toneladas em 2006. Condições para o plantio de florestas passaram a ser o principal pleito dos

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empresários. As autoridades vêm fazendo movimentos nesta direção, seja ao disponibilizar linhas de crédito em bancos oficiais, seja ao reprimir e denunciar o uso de madeira de origem nativa não legalizada. Isto é uma significativa diferença de postura; há anos não escuto ninguém falando no fim do carvão vegetal no Brasil. Mas, para um futuro sustentável, isto é pouco. A mesma ignorância dos estrategistas dos anos 90 ainda se faz presente. Não percebo ações conjugadas com abordagens sistêmicas, que avaliem e atuem em toda a cadeia produtiva. Plantamos e melhoramos a floresta, mas pouco tem sido feito para melhorar e para modernizar o processo de produção do carvão vegetal. Com base em trabalhos que estou coordenando, está demonstrado que é possível aumentar a oferta de carvão vegetal em 2,5 milhões de toneladas ao ano, sem enfornar uma única tonelada de madeira a mais. A atual eficiência na conversão da madeira em carvão é vergonhosamente baixa. Para cada tonelada de madeira isenta de umidade, são obtidos cerca de 220 kg de carvão. Uma meta de 300 kg de carvão é bastante razoável, com a substituição dos fornos tipo raboquente, por fornos de alvenaria melhorados, e um programa de difusão de conhecimento e treinamento da mão-de-obra operacional e gerencial. Para os operários, seria uma oportunidade de acoplar programas de alfabetização e inserção social. É muito resultado para pouco investimento, basta disseminar e aplicar conhecimentos técnicos e gerenciais. O meu sonho é ver acontecer a modernização, via processos de carbonização, que aperfeiçoem as atividades de colheita florestal e transporte da madeira e permitam a recuperação de subprodutos, com investimentos moderados. A realidade, com suas inovações, parece ir tomando o lugar do sonho. A tecnologia DPC de carbonização, já apresenta custo de produção similar ao dos ineficientes fornos rabo-quente. O principal trunfo é a

eficiência, ao produzir 360 kg de carvão por tonelada de madeira, obtidos com relativa facilidade, em um processo instrumentado e controlado. Ao carbonizar toras de 6 metros, que são levadas diretamente da floresta ao forno, de forma inteiramente mecanizada, o processo DPC também reduz custos operacionais e racionaliza a logística da indústria. Por sua vez, a Biocarbo, empresa piloto, com quase 15 anos de vida, sem investidores e verbas públicas, vem fazendo o P&D possível, com receitas da venda de derivados do beneficiamento de fumaças condensadas. Em termos potencias, os números são grandiosos. Cada tonelada de carvão vegetal pode gerar um barril equivalente de petróleo, na forma do biocombustível alcatrão vegetal. Aos preços atuais do petróleo e tomando o todo da produção brasileira, é um potencial de negócio para mais de um bilhão de dólares. Mas, não é tudo, outros derivados, como o extrato pirolenhoso, atuam sobre as plantas, como bioestimulante: acelerando o crescimento, auxiliando na absorção de fertilizantes e na maior eficiência de defensivos agrícolas. Para o Grupo Plantar e outros, a insistência em transformar poluição em produto já dá bons resultados, com a comercialização de créditos de carbono. Na floresta, a maior eficiência na carbonização e a substituição do coque de origem fóssil ajudam a combater o efeito estufa. Grupos com presença mundial percebem que as suas operações com carvão vegetal no Brasil permitem melhorar a face ambiental do negócio siderúrgico, contribuindo para o melhor posicionamento do seu marketing global. O tempo passou e o carvão vegetal calou preconceitos, mostrou sua competitividade econômica e ambiental e continua a nos convidar para um baile de potencialidades. Pessoalmente, tenho participado, com grande prazer, apesar de quase sempre “dançar conforme à música”. Em tempos tão favoráveis, como o atual, a minha expectativa é que a turma de convidados cresça e que possamos, atuando de forma coordenada, desenvolver um belo exemplo de entrelaçamento entre siderurgia e floresta, assemelhando este processo industrial a uma cadeia alimentar dos processos naturais. Ali, plantas e animais interagem-se, para criar um conjunto harmonioso e sem poluição; o resíduo de um é o alimento para outro. Não tenho dúvidas que o uso industrial do carvão vegetal e subprodutos seja uma ótima plataforma para esta grande aventura.


Opiniões

jun-ago 08

Túlio Jardim Raad

O Brasil é o único país no mundo que produz, em larga escala, produtos metalúrgicos, utilizando como termorredutor o carvão vegetal. Do ponto de vista ambiental, não se pode contestar a enorme diferença entre o uso de um insumo totalmente renovável e o uso de recursos de natureza fóssil (coque). A boa notícia é que, desde a última década, esta participação vem aumentando: em 1998, a produção de ferro-gusa foi de 25 Mton, sendo 26% a carvão vegetal e, em 2006, a produção de gusa aumentou para 32,5 Mton, sendo 35% a carvão vegetal, segundo a AMS, Anuário 2007. Mas, isto não é suficiente. Para cada tonelada de madeira utilizada no processo de produção de carvão, é lançada na atmosfera 0,65 tonelada de gases. Há algumas décadas, poderíamos afirmar que, do ponto de vista técnico-econômico, não tínhamos como agregar valor a estes gases, mas, hoje, com as tecnologias atuais disponíveis de menor custo e totalmente nacionalizadas, não temos como fugir da urgente necessidade de avançar nesta questão. Gases que ontem eram resíduos, hoje são produtos derivados. Vamos a alguns números básicos: ao utilizarmos uma tonelada de madeira (base seca), em processos convencionais de produção de carvão (fornos de alvenaria), temos, atualmente, com uma carbonização eficiente, cerca de 350 kg de carvão vegetal, 300 kg de água (pirolenhoso), 130 kg de óleo (alcatrão vegetal) e 220 kg de gases (CO2, CO, CH4). Quando falamos em produto derivado, temos que falar da tecnologia que o faz como tal e seu respectivo uso comercial. Começamos pela água destilada, denominada pirolenhoso: esta fração é obtida por equipamen-

tos que recuperam, dos gases da carbonização, o líquido condensado, via lavadores de fumaça (mais simples) ou condensadores em série (mais sofisticados). Considerado como biofertilizante natural de alta performance, o pirolenhoso pode ser empregado na adubação foliar e/ou radicular, no preparo do solo e na aplicação de defensivos agrícolas. Resultados positivos já foram publicados na literatura para culturas de arroz, cana-de-açúcar, feijão e café. O segundo produto, o óleo destilado (alcatrão vegetal), é recuperado pelas mesmas tecnologias usadas para o pirolenhoso. Quanto à sua aplicação, podemos citar, em primeiro lugar, seu uso como combustível, em substituição aos de origem fóssil (petróleo, gás natural e carvão mineral) e para geração de energia (uso em fornos de produção de cimento ou termogeração, para produção de eletricidade). Deste óleo, utilizando-se de destiladores apropriados, podemos ainda produzir plásticos e resinas, ligantes e aglomerantes, medicamentos para a saúde animal, aromatizantes para uso alimentício e outros em desenvolvimento. O terceiro produto são os gases não condensáveis. Através de queimadores, já disponíveis no mercado, é possível queimar os gases combustíveis não condensáveis (monóxido de carbono, CO, e metano, CH4), para, em conjunto com geradores de vapor e turbina, produzir eletricidade. Não podemos esquecer aqui a importante contribuição deste processo para a redução do efeito estufa. O Brasil consome, anualmente, cerca de 9 milhões de toneladas de carvão vegetal. Assim, o potencial anual de produção dos derivados

é de: 7,7 Mton de pirolenhoso, 3,3 Mton de óleo destilado e 5,7 Mton de gases GNC. A tabela em destaque estima os termos de faturamento, por mercado potencial. Com o preço do carvão, em média, a R$ 500/ton (base 2007), temse, anualmente, R$ 4,5 bilhões para este produto, versus o potencial de faturamento dos derivados, com cerca de R$ 2,5 bilhões, uma expressiva fatia de 56%, em relação à base do mercado de carvão vegetal. Falamos de bilhões de reais, mas não podemos esquecer dos milhares de empregos. Segundo a AMS, somando-se empregos diretos, indiretos e fator renda, temos quase 700 mil trabalhadores beneficiados pelo setor de produção de carvão vegetal. Bem, com os investimentos necessários e mobilização dos setores da sociedade para assimilar os produtos “verdes” não será exagero estimar que este número passe da casa do milhão de trabalhadores. É sempre bom lembrar dos resultados deste empreendimento no aumento da fixação do homem no campo e da melhoria correspondente do IDH - Índice de Desenvolvimento Humano, nas diversas regiões distantes dos grandes centros urbanos. Dados da Fundação João Pinheiro e IPEA mostram que, de 1990 a 2001, o crescimento percentual médio do IDH de diversas cidades do Vale do Jequitinhonha (grande pólo de produção de carvão vegetal) foi de 17%, contra 11% do estado de Minas Gerais e 6% de Belo Horizonte. Neste cenário promissor, temos que destacar que grandes empresas produtoras de carvão vegetal, principalmente em MG, onde 60% dos insumos são produzidos, já vêm se mobilizando para recuperar o tempo perdido e partir para uma nova era de aproveitamento da biomassa. A solução para o sucesso deste empreendimento já está escrita: repetir o modelo adotado por estas empresas, que se uniram já, há algumas décadas, para desenvolver, em conjunto, o parque florestal de alta produtividade e de invejável processo tecnológico, totalmente nacional, que temos hoje.

Túlio Raad

Gerente de P&D em Carbonização da V&M Florestal Produtos derivados da produção de carvão vegetal: uma nova visão

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ONGs

Opiniões jun-ago 08

Carlos Souza Júnior

Pesquisador Sênior do Imazon

Carlos Souza Júnior

Florestas energéticas sustentáveis A queima de combustíveis fósseis é o principal fator que contribui para as emissões de gases estufa para atmosfera e tem como conseqüência o aquecimento global do planeta. A corrida por fontes de energia renováveis e não-poluentes começou. Em 2007, no Brasil, segundo relatório preliminar da EPE - Empresa Brasileira de Energia, 46,4% da matriz energética brasileira foi de fontes renováveis: energia hidráulica e eletricidade respondem por 33,4%; lenha e carvão vegetal, por 12%; produtos da cana-de-açúcar, por 16%; e os 3% restantes provêm de outras fontes. A princípio, a matriz energética brasileira seria motivo de orgulho e comemoração, não fosse o fato de que essas fontes de energia renováveis podem contribuir, direta ou indiretamente, para poluir a atmosfera. Ilustro abaixo um caso de produção não-sustentável de bioenergia e apresento uma reflexão sobre o potencial para reverter esse quadro. É importante, inicialmente, entender alguns conceitos. Biomassa é a matéria orgânica que contém a energia solar armazenada, via fotossíntese, ou seja, é o combustível em forma bruta. Bionergia é a energia extraída da biomassa para diversos propósitos – produção de calor, eletricidade, por exemplo. Bioenergia e biocombustível são, de fato, sinônimos. A produção de energia, a partir de lenha e carvão vegetal, segunda fonte renovável da matriz energética do Brasil em 2007, não é, em geral, ambientalmente sustentável. Na Amazônia Oriental, a indústria siderúrgica do pólo de Carajás é abastecida por carvão vegetal produzido, principalmente, a partir do desmatamento de florestas nativas. Um estudo da Embrapa Amazônia Oriental, estimou que, somente em 2005, 100 mil hectares de florestas foram desmatados para produzir carvão vegetal, para geração de ferro-gusa na região. O exemplo do pólo siderúrgico de Carajás coloca em xeque a sustentabilidade ambiental e econômica da produção de energia a partir de florestas. Mas, essa situação pode ser revertida com reflorestamento, melhor aproveitamento dos resíduos de madeira e desenvolvimento de tecnologia para aumentar a eficiência e reduzir os custos de produção de bioenergia. Em relação ao reflorestamento, o governo do Pará lançou, no final de maio, um programa ambicioso, com a meta de plantar um bilhão de ár-

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vores. A ONG Conservação Internacional também lançou um programa semelhante em abril, com a meta de plantar um bilhão de árvores na Mata Atlântica. Até o lançamento dessa edição, mais de 300 mil árvores foram plantadas na Mata Atlântica. Essas iniciativas de reflorestamento fazem parte do PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que tem a meta de plantar um bilhão de árvores no planeta. Só no Brasil, a meta proposta foi duplicada. O reflorestamento será dedicado à recomposição das florestas nativas. que foram desmatadas. Mas, essas iniciativas criam as condições favoráveis para propostas de reflorestamento de florestas energéticas sustentáveis. O reflorestamento para produção de bioenergia deve ser entendido como uma iniciativa paralela à recomposição de florestas nativas e deve ser liderada pelo setor produtivo. Além do reflorestamento, a bioenergia também pode ser produzida a partir dos resíduos da exploração madeireira, oriunda de planos de manejo florestal. Na Amazônia, foram produzidos 24 milhões de m³ de madeira em tora, em 2004, dos quais 4060%, virou lixo. Esses resíduos não têm sido aproveitados na geração de energia – poucas serrarias da Amazônia utilizam as sobras de madeira nos fornos de estufas. As florestas plantadas para produção de celulose e de móveis também geram muito resíduo, que pode ser aproveitado para produção de bioenergia. Somando-se todas essas fontes potenciais de energia renovável, o

cenário é bastante otimista para florestas energéticas. Contudo, é preciso garantir, com políticas públicas, que esse tipo de energia renovável não seja produzido em áreas de produção de alimentos – o que ocorre nos Estados Unidos, com a produção do etanol a partir do milho, e em algumas áreas no Brasil, onde plantações de cana-de-açúcar substituem pastagens e áreas de produção de grãos, que, por sua vez, avançam sobre as florestas. É preciso também garantir que a plantação de florestas energéticas não gere impactos na biodiversidade, nos solos e nos recursos hídricos locais. A grande vantagem do Brasil nesse cenário é a possibilidade de produzir bioenergia, a partir de florestas energéticas plantadas em áreas já degradadas, que geralmente possuem baixa produtividade ou estão abandonadas. Essa iniciativa pode também ser incluída em projetos de seqüestro de carbono, gerando CERs - Certificados de Emissões Reduzidas, via Protocolo de Kyoto. As condições políticas e econômicas, e o histórico da matriz energética do Brasil, com forte ênfase em energia renovável, favorecem a produção de energia, a partir de florestas energéticas. Cada um de nós pode plantar a sua árvore e ajudar na meta de dois bilhões de árvores no Brasil, criando uma sociedade que valoriza as florestas; o setor produtivo pode puxar a agenda para plantação de florestas energéticas; e o governo pode apoiar essas iniciativas e fomentar pesquisa e desenvolvimento de tecnologia, para produzir bioenergia, a partir de resíduos de madeira. Somente com florestas energéticas sustentáveis, poderemos ter orgulho de nossa matriz energética.



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John Deere Forestry / Tel: +55 (11) 4196-3999 / jdeb@johndeere.com


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