Primeira Infancia em primeiro lugar

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71 PRIMEIRA INFÂNCIA EM PRIMEIRO LUGAR Experiências e Estratégias de Advocacy

sociais. Evidencia-se, assim, a sua dimensão histórica o que explica as interfaces com outras práticas sociais, tais como a econômica, a cultural e a política de cada local. A realidade que se conforma a partir de todas essas práticas é dinâmica, não um conjunto pronto e acabado, e o movimento a ela inerente não só conserva, mas questiona e transforma o que existe. Como prática social e tendo nas instituições educativas o seu lócus privilegiado, a educação tem como missão precípua a transmissão dos saberes coletivos, sejam eles conhecimentos, valores, técnicas, habilidades ou crenças. Nesse sentido, funciona como guardiã da sociedade, colaborando com a manutenção do statu quo. Por outro lado, ao lidar com a produção do conhecimento, sua disseminação e com a formação das novas gerações, a educação acolhe também o novo que desequilibra e pode transformar. Por ser assim, a educação oferece um terreno de práticas e campo teórico ricos para o pensamento complexo, oscilando sempre entre o “desenvolvimento da pessoa, a constituição do sujeito, sua autorização (capacidade conquistada para tornar-se coautor de si mesmo), mas, por outro lado, ela prossegue nos objetivos que lhe são atribuídos devido à sua função social, à adaptação ao que existe, à iniciação e submissão às regras, o que permite a entrada na sociedade”4. Destarte, a educação é portadora do contraditório, contribuindo simultaneamente para a manutenção e para a transformação da ordem estabelecida. Com esta concepção é possível depreender que o conceito de qualidade da educação é também um conceito histórico o que implica contextualizá-lo e identificar sua variação no tempo e no espaço, vinculando-o às demandas e exigências sociais de um dado processo. Aceitando, pois a qualidade como um conceito derivado de múltiplos fatores, deve-se renunciar à tentação de criar um padrão único para medi-la. Ao contrário, o esforço a ser feito dirige-se à definição de dimensões que possam lhe dar concretude, ao reconhecimento dos fatores que a condicionam, sejam eles os valores nos quais as pessoas acreditam, as tradições da cultura, os conhecimentos científicos disponíveis, o contexto no qual as instituições educativas estão inseridas. Deve-se ainda buscar a identificação de indicadores que possibilitem aferir a distância entre o que existe e o que deveria ser e que funcionem como um instrumento para o alcance do que se estabeleceu como devido. Um episódio que ilustra de forma exemplar o conceito de qualidade aqui apresentado pode ser apreciado pela leitura de uma correspondência dos chefes de povos indígenas em agradecimento pela oferta de educação feita pelos governantes dos estados de Virginia e Maryland ao assinarem um tratado de paz. Embora não se possa afirmar a autoria, esta carta foi objeto de ampla divulgação por Benjamin Franklin e dela transcrevemos o seguinte trecho: “...Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa. ...Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar veado, matar o inimigo e construir uma tenda, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virginia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos 5

tudo o que sabemos e faremos, deles, homens. ”

4 In: MORIN, E. A Religação dos Saberes – O Desafio do século XXI p.556 5

In BRANDÃO, Carlos Rodrigues, O que é educação.


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