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Rever para não esquecer: Um histórico da Lei da Anistia e análise dos votos dos ministros na ADPF 153 Por Veridiana Domingos

Toda ideia de anistia tem a ver com reconciliação, apesar de significar, na verdade, esquecimento. É um ato pelo qual o Poder Legislativo declara impuníveis aqueles que cometeram determinados delitos, em geral “crimes políticos”. Assim, o Estado, a partir da anistia, suprime a execução da pena, sem suprimir os efeitos da condenação, anulando a punição e o fato que a causa. Cada país tem o poder de anistiar aqueles que contrariam suas leis – e isto está determinado na Constituição –, de modo que o Brasil já passou por várias anistias. A anistia política concedida em 1979, contudo, teve um caráter polêmico e controverso que perdura até os dias atuais. Desta maneira, a partir de uma reconstrução do contexto histórico e político que envolvia a promulgação da Lei n. 6.683, de 8 de agosto de 1979, a Lei da Anistia, busca-se, aqui, compreender as demandas da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153 – mobilizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que pedia uma revisão da constitucionalidade da Lei da Anistia – e interpretar os principais argumentos presentes nos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

O histórico da Lei da Anistia e seus desdobramentos Ao tomar posse, em março de 1979, o general João Figueiredo tratou de tomar decisões sobre a anistia, a qual se constituía como uma questão vital para que o Brasil abandonasse o regime autoritário e passasse a integrar uma série de exilados políticos, perseguidos, banidos ou presos políticos que se acumularam desde 1964. A preocupação de Figueiredo advinha da forte pressão que havia no país para a concessão da anistia; pressão esta que esteve presente desde o começo do regime e que se intensificou, principalmente nos anos 1970, quando se começou a anunciar internacionalmente a presença da prática de tortura no país. Entretanto, foi apenas no final de 1976, no velório do ex-presidente João Goulart, que se presenciou a primeira manifestação pública de clamor pela anistia, ao se colocar sobre o caixão de Goulart uma faixa branca na qual estava inscrita em vermelho a palavra “anistia”. Este episódio foi o estopim para que o grito preso na garganta da população se liberasse pelos expatriados. Desta data em diante, até 1979, o país acompanhou uma série de movimentos em prol da anistia, como o Movimento Feminino pela Anistia, Dias Nacionais de Protestos pela Anistia, Comitê Primeiro de Maio pela Anistia e o Comitê Brasileiro pela Anistia. Da mesma forma, uma parte da sociedade civil – principalmente aquela que tinha familiares condenados por crimes políticos – passou a se movimentar pela anistia: jogadores de futebol entravam em campo com faixas que reivindicavam a anistia e também pronunciamentos de grandes líderes da Igreja Católica e movimentações de mães, irmãs e filhas apelavam sobre o tema de maneira latente. O fato de o presidente americano Jimmy Carter “inverter” a posição dos Estados Unidos em relação aos regimes militares latino-americanos e sua insistente defesa dos direitos humanos também contribuíram para chamar atenção para a causa da anistia. A promulgação da Lei da Anistia, em 1979, trouxe ao país os ex-presos políticos, os exilados e os clandestinos, enquanto muitos dos familiares de pessoas desaparecidas 65


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