28º edição de O Espectro

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02 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO

EDITORIAL Bandeira de uma só cor

Linda bandeira

Tens infinito valor,

O teu nome alguém ganhou,

Sem distinção das fronteiras

E foram homens de valor e de nobreza

No mundo de lés a lés,

Bem conhecida em todo mundo ficou,

Que bonita que tu és

Verde e encarnada a Bandeira portuguesa

A mais linda das bandeiras. Nunca de ti me retiro Linda bandeira,

Entre todas te prefiro,

O teu nome alguém ganhou,

Ao ver que paixão me dás

E foram homens de valor e de nobreza

Queria ver-te imaculada,

Bem conhecida em todo mundo ficou,

Sempre nos mastros içada

Verde e encarnada a Bandeira portuguesa

Linda bandeira da paz.

Tens apenas por vontade A força da União, Brotas amor pelo mundo Com um clamor tão profundo, Que dá luz ao coração.


03 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO

FICHA TÉCNICA Coordenação

Redação

Adriana Santos, Madalena Branco e

Em todos os textos serão utilizados

Patrícia Mouta

pseudónimos, no sentido de que to-

Vice Coordenação

das as fontes sejam protegidas.

Filipa Fiunte e Teresa Almeida Revisão Adriana Santos, Madalena Branco e Patrícia Mouta Edição Patrícia Mouta Plataforma de Comunicação Patrícia Mouta

Facebook: Facebook.com/OEspectro E-mail: revisaojornalcp@gmail.com


04 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO

AMOR AO PAÍS A vida minha querida, a vida sempre foi ruim para

numa cadeira de sala de aula, há coisas que só se

quem não tem poder.

aprendem vivendo. Acho que para mim o 25 de

As minhas origens e as do meu marido são as

abril foi uma dessas coisas.

mais humildes que pode haver. Toda a nossa vida

Passarei agora a contar as minhas lembranças

trabalhos de sol-a-sol a pensar nos nossos filhos e

desse dia.

nos netos que haveriam de nascer.

Eu estava a lavar a loiça e a ouvir a rádio como

É uma coisa que gosto muito no nosso povo (…)

era já minha mania. Até que de repente a emissão

este sentimento de solidariedade intergeracional

parou do nada. Eu cheguei a pensar que o apare-

(…) algo que se está a perder infelizmente. Esta

lho se tinha avariado…mas mais tarde decidi ir

altivez que caracteriza muito a vivência da sua

falar com a minha vizinha.

geração, de que se sabe de tudo e no fundo não

Foi quando percebi que lhe tinha acontecido exa-

se sabe de nada.

tamente o mesmo. Dizia-se que lá para os lados

Há escolas, universidades, formações…bem há

de Lisboa havia uma Revolução. Não posso falar

tudo e mais alguma coisa. Mas depois não existe

do que sentiram aqueles que estavam lá….mas

sabedoria em nada, nem se estabelecem laços

posso falar com algum conhecimento de causa

para se passar essa sabedoria.

sobre o que viveram os que ficaram por cá.

A minha neta foi a primeira da nossa família a ir

As pessoas saíram à rua na ânsia de saber o que

para a universidade, algo que me deixa radiante

estava a acontecer por Lisboa e num esfregar de

porque lhe reconheço muita inteligência. A coisa

olho a aldeia estava reunida para conversar sobre

que mais gosto que ela me diga é: “avó tu és a

o assunto. Havia uma fraternidade muito grande

pessoa mais sábia que conheço.”

entre todos nós, muitos eram meus camaradas de

É verdade que eu não sei essas coisas todas que

infância, tínhamos feito o juramento de bandeira

ela sabe…, mas mesmo assim ela reconhece-me a

juntos.

sabedoria para a ensinar as coisas da vida.

E não se caia no erro de pensar que a tradição de

A verdade é que há coisas que não se aprendem

juramento de bandeira era uma coisa do regime, uma imposição fascista.


05 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO Ah…não era nada disso era muito mais que isso

era bom…sabe Deus o que passaram os meus

era um gesto de puro amor, amor ao país, amor

queridos pais para criar uma família de sete ir-

ao irmão filho da outra mãe, amor aos portugue-

mãos. Havia muita miséria…mas havia também

ses acima de tudo. Num desfile com roupas do-

muita entreajuda.

mingueiras, as crianças e as famílias juravam

O regime salazarista de tanto ser repressor, criou

amor eterno à bandeira e, por essa via, amor

nas pessoas divisas morais, o sentimento de sofri-

eterno ao país. Se nós falarmos destas coisas com

mento partilhado.

alguém deste tempo somos logo uns fascistas, uns nacionalistas e uns radicalistas.

Hoje sofremos todos de forma individualizada. Quanto ao 25 de abril…eu não considero que te-

Disparates! Disparates e mais disparates.

nha sido a revolução do povo. Foi um golpe mili-

Sabem lá o que era a vida do mundo naqueles

tar que resultou em muitas coisas boas para a

tempos. Havia respeito, havia união e havia ami-

geração dos meus filhos e dos meus netos, mas

zade. O juramento de bandeira nada mais era do

resultou também em grandes dívidas.

que uma cerimónia de respeito. Não havia cá ex-

tremismo, nem meio extremismo. Agora sim é tempo de extremos. Extremos de desrespeito, extremos de libertinagem e de falta de compaixão. Hoje já não se divide a sardinha em cabeça, corpo e rabo. Somos egoístas comemos uma sardinha por inteiro. Eu não estou a dizer que o Regime do Dr. Salazar

Maria Teresa.


06 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO

O PINTAR DA HISTÓRIA O 25 de abril é pintado de muitas cores e manei-

tar, qual é a diferença entre os dois? Não foram

ras, as que forem mais convenientes para o pin-

ambas sublevações militares? Não foram ambos

tor, afinal a data é usada para legitimar tudo, des-

depois apropriados pelos regimes que instaura-

de medidas de esquerda e de direita, mas enfim,

ram? Não foram ambos mistificados e os seus

como muitos outros, venho pintar o 25 de abril à

executores transformados em heróis sem par na

minha própria maneira, e como todos os outros a

nossa história? Caro leitor, as repostas a estas

minha pintura serve uma função em particular. O

perguntas, são infelizmente, irrelevantes, pois

25 de abril ora é visto como um golpe militar, ou

quando a república cair de podre, também essa

como uma revolução, eu proponho que não foi

data será um totem para o regime que se seguir.

nem um nem o outro, mas sim que foi um regime

Do mesmo modo, para esse regime, Portugal terá

que caiu de podre, o próprio Salazar não previa a

iniciado o seu caminho em direção a (introduzir

sobrevivência do regime após a sua morte, eu

valor perfilhado pelo regime aqui), onde a nossa

pergunto a vós caros leitores, qual a diferença

marcha pelo progresso e a (introduzir outro valor

entre o 25 de abril e o 28 de maio? Para quem

perfilhado pelo regime aqui) livre do julgo dos

não sabe o 28 de Maio foi o dia em que a primeira

(introduzir membros do anterior regime que não

república caiu, também de podre, face a um golpe

subscrevem ao novo). Em suma, caro leitor, estes

militar, que tal como no 25 abril, teve a sua ori-

dias só tem o significado e o valor que o regime

gem no descontentamento dos militares por ra-

quer que tenham.

zões exclusivamente corporativas. O 28 de maio também foi usado para legitimar tanto a ditadura

militar como o estado novo e era até mesmo celebrado, numa maneira em nada diferente do que hoje se faz com o 25 de abril, eu volto a pergun-

O homem que vê a história passar.


07 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO

MEMÓRIAS DE UM EX COMBATENTE Numa viagem no barco “Niassa” que referiu de-

zona que dominavam. Ia com amigos, ou do Sul

morar 20 e tal dias, onde muitos homens morri-

(de onde é oriundo) ou do Centro, referenciando

am, o ex-combatente refere que esteve em África

que existiam grupos de acordo com as zonas do

2 anos e mais alguns meses, durante os fervoro-

país, e os do Norte não se juntavam ao resto e

sos anos da sua juventude (partiu com 20 anos).

faziam troça dos outros. As madrinhas de guerra,

Primeiro, em Mocímboa de Rovuma (um dos pio-

recorda-as em lágrimas, diz terem sido importan-

res locais) e depois em Vila Junqueiro. Integrante

tes para passar o tempo e para ajudar a distrair.

do Batalhão 2848 de Cavalaria, era o responsável

Quando chegou a altura de deixar Moçambique,

pelo armamento, “só havia o sargento acima de

lembra-se de tremer, pois estava magrinho e car-

mim.”, contudo, como todos os outros, tinha que

regar tanta coisa era complicado, mas não ficou

ficar de vigia todas as noites, sem dormir e era aí

com saudades, quando do barco observava cada

que o medo se instalava. Além do medo, assistia

vez mais longe a terra árida africana, tal como

ao choro diário de muitos soldados com saudades

quando tinha deixado a terra portuguesa e fixado

da família e com o sentimento de que a morte

o ponto onde estava a sua família, que só parou

chegaria a ele um dia, “sempre pensei nisso.”

de olhar, quando o mar o deixou de permitir, só

O pior momento, recorda, foi quando caiu de

que com um sentimento diferente. Já em territó-

uma carrinha de caixa aberta e ficou 2/3h em co-

rio português, o pai e alguns familiares espera-

ma. Quando acordou, a primeira frase que ouviu

vam-no apenas para dar um beijinho, pois ainda

foi “já temos homem.” (proferida por um enfer-

tinha que ir a Estremoz para entregar o fardamen-

meiro). Foi assistido no Hospital de Nampula, on-

to. Após 2/3 dias em Estremoz, lembra-se da des-

de refere que os cuidados médicos foram bons e

pedida eterna dos amigos, muitos não os chegaria

que existiam mais brancos do que pretos a traba-

a ver mais. Deu um abraço a todos e desejou boa

lhar lá. Para além deste, a notícia de que um ami-

sorte, recorda, em lágrimas.

go partia passou a ser quase diária, e sempre que

O processo seguinte seria o pior, o de reconstru-

a recebia “Pensava que me ia calhar o mesmo.”.

ção pessoal. “Vinham todos meio malucos.”, com

O melhor momento, era o de poder à piscina

medo de estarem rodeados de pessoas, devido a

sempre que queria, pois era perto e dentro da

tanto tempo de isolamento, cercados com arame


08 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO farpado “igual aos animais.”. A nível físico sentia

para entrar na Lisnave (um bom emprego para a

fraqueza (o estomâgo estava pequeno) e só após

altura), onde tinha sido dos melhores e após o 25

2/3 anos conseguiu recuperar a sua forma. Quan-

de abril não admitiram a entrada de ninguém.

to ao nível psicológico, tinha nervos, medo de noi-

Quanto ao atual, se pudesse, revela que daria

te, sendo que qualquer barulho o fazia acordar

mais força à autoridade, para não haver tanto

sobressaltado. Esta última batalha tomou-lhe

vandalismo e tanta falta de respeito. Em relação

mais tempo, mas hoje, apesar de evitar falar, de-

ao futuro, acha que o pós-25 de abril não é algo

monstra-se confortável quanto ao assunto.

tão positivo, aliás, considera que se vai revelar

Quando se deu o 25 de Abril, este encontrava-se

“cada vez pior.”.

já na sua terra-natal e assistiu através da televisão, lembrando a frase do seu pai: “O meu pai

.

disse logo que ia ser mau, pois já tinha passado por uma democracia.”. Pensou ter-se safado da guerra e que iria haver paz, nunca pensou que

arrasassem com o país, “A Liberdade em sendo demais, já não presta. Tem limites! É Liberdade e Respeito.”. O 25 de abril di-lo como algo que só lhe retirou privilégios, pois tinha feito os testes

Carméns de Souza. Publicidade


09 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO

OS DOIS LADOS Não há um português que nunca tenha ouvido

influência, deram origem à guerra colonial, que se

falar no 25 de Abril. Tanto as pessoas que passa-

traduziu na perda de vidas e no desvio de uma

ram pela revolução, tanto os jovens que desde

grande fatia do orçamento do país.

cedo tomam conhecimento do acontecimento

Algo pelo qual devemos agradecer aos obreiros

pelos pais, avós e professores.

do 25 de Abril é a liberdade de expressão. Se pos-

A grande maioria conhece o 25 de Abril como

so criticar o que aconteceu e dar a minha opinião

uma revolução pacífica, a “revolução dos cravos”,

livremente é devido ao 25 de Abril. No entanto,

uma revolução que veio tirar o país de uma dita-

nem tudo foi um mar de rosas. Após o 25 de Abril,

dura com cerca de 45 anos. Ditadura esta que co-

surgiram duas fações principais que tentavam

meçou em 1926 e que veio a estabilizar um país

“conquistar” e manter-se no poder. Uma ala era

em crise, com défice excessivo e sem estabilidade

composta por antigos membros da União Nacio-

governamental.

nal, que representavam agora uma ala mais con-

Se por um lado o estado económico do país me-

servadora, de direita, e outra mais liberal, de es-

lhorou, por outro a população continuava na mi-

querda. O partido mais à esquerda, chefiado por

séria, e o descontentamento aumentou quando

Mário Soares, uma figura muito controversa, mas

uma série de movimentos separatistas nas diver-

também emblemática para o povo português,

sas colónias africanas, alimentadas por grandes

acabou por tomar a liderança e estabilizando o

potências estrangeiras, nomeadamente a URSS e

país. Rapidamente reconhecemos a independên-

os Estados Unidos da América, que tinham inte-

cia das diversas colónias espalhadas em redor do

resses e procuravam aumentar o seu leque de

mundo. No entanto, devo salientar, na minha opi-

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Faz

na nossa página

www.facebook.com/ncpiscsp


10 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO nião, que a transição terá sido extremamente mal

rios ultramarinos.

feita, deixando para trás os interesses portugue-

Foi um processo pouco ponderado, brusco e feito

ses e dos movimentos separatistas, mergulhando

à imagem do que viria a ser o governo nos anos

as antigas colónias em guerra civil e conflitos in-

seguintes.

ternos, alguns que chegam aos dias de hoje e que no caso de Angola foram substituídos por outras ditaduras. Também milhares de portugueses ficaram presos, sem meios para voltar à metrópole, outros que deixaram para trás toda a sua vida e os bens, sem tempo e meios para os trazer ou garantir a sua estadia de forma pacifica nos territó-

Corto Maltese.

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11 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO

OS PORTUGUESES Estava calor, abafado, húmido. O odor a terra e à

pele branca eram espetadas em estacas e coloca-

natureza circundante era intenso. Os animais sel-

das ao longo das avenidas como troféus. O exérci-

vagens da reserva próxima faziam sentir a sua

to há muito que havia sido abandonado à sua sor-

presença sob várias formas. Era, tudo fazia crer, o

te – tinha armas, mas não munições. O caos e a

amanhecer de um dia como qualquer outro. Mas,

anarquia estavam instalados. A resistência possí-

não foi. De todo. Num ápice tudo mudou. A tran-

vel apenas contou com aqueles que, sendo civis e

quilidade e a harmonia entre homens, mulheres,

vivendo do seu trabalho, numa terra que amavam

crianças e idosos de diferentes raças e etnias fo-

como sendo sua, tinham tudo a perder. E por ela

ram substituída pela guerra e pela perseguição. O

(ainda) tentaram lutar e resistir, na esperança de

conflito agudizou-se e os horrores da intolerância

que o bom senso dos Homens prevalecesse e ga-

depressa se instalaram. O ritmo da vida transfor-

nhasse. Mas perderam. Foram obrigados a deixar

mou-se e a rotina passou a ser a da sobrevivência.

tudo para trás. Muitos conseguiram fugir e salvar

As brincadeiras na rua e nos jardins, em liberda-

a pele. Nada mais. Mas, mais do que qualquer

de, inocência e felicidade foram transformadas na

valor material, aquilo que abandonaram quando

permanência dentro de espaços que se esperava

regressaram a Lisboa foi, na verdade, a si pró-

poderem garantir (alguma) segurança. Confinadas

prios... Não mais voltariam a ser os mesmos... O

entre paredes, crianças, idosos e mulheres aguar-

seu espírito ficara lá, e não passaria mais um dia

davam notícias de que tudo o que perturbava a

sem que recordassem com a mágoa, o sofrimento

paz e prosperidade outrora vivenciadas havia ces-

e a resignação que só a saudade exprime, o facto

sado. Que ilusão!!!.... Tiros, explosões, gritos e

de terem sido despojados da vida que haviam

aflição passaram a constituir a ‘ementa’ do dia-a-

construído e também daquelas que haviam ajuda-

dia, repetidos de forma incessante, até à exaus-

do, em muitos casos, a erigir.

tão. Famílias amigas barricadas dentro das suas

No Boeing 747 da TAP, ultra-lotado, viajavam inú-

casas para tentar fugir à chacina das múltiplas

meras crianças sozinhas, em fuga da guerra e do

perseguições eram queimadas vivas, sem que na-

terror que, subitamente se instalara e mudara

da nem ninguém pudesse alterar tal status quo.

para sempre as suas vidas. Ao cuidado da tripula-

Cabeças de recém-nascidos e crianças de colo de

ção, com um documento de identificação pendu-


12 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO rado ao pescoço, embarcaram na expectativa de

qualquer nome próprio, o ‘retornado’ foi trans-

encontrarem familiares à sua espera no aeropor-

formado no responsável quer pela má e incompe-

to de Lisboa. Não sei quantas terão tido essa feli-

tente decision-making e consequente igualmente

cidade. Eu tive – e ainda contei com a companhia

deplorável decision-taking quer, sobretudo, pela

da minha mãe, apesar de o meu pai ter ficado pa-

ausência e demissão relativamente a ambas e ao

ra trás, na esperança de que ainda houvesse a

Interesse Nacional. Ontem como hoje, na hora da

esperança que não houve... Nunca esquecerei o

decisão, as pessoas, os cidadãos, os contribuintes

apoio dos tios e avós. Nunca. Mas também nunca

não contam para nada. Não passam de ‘danos

esquecerei a angústia vivida, o medo sentido, o

colaterais’. Exceptuam-se os momentos em que a

terror das noites incontáveis em que se “dormia”

Política antevê a possibilidade de ganhos acresci-

com uma arma debaixo da almofada... E nunca

dos. E aí, transformam-se em ‘activos insubstituí-

esquecerei os ‘vendilhões’. Tantos. Imensos. De

veis’. No caso da África Portuguesa pós-25 de

todos os lados. Não esquecerei que o Estado, por-

Abril de 1974, o Estado Português pôs em prática

tuguês, esse ente de que tanto se esperava, este-

uma política de ‘humanismo selectivo’ cujos des-

ve, à época e depois disso, sempre ausente. Mas,

tinatários eram os seus próprios cidadãos. Em no-

entretanto e depois, aos olhos de todos quantos

me da Liberdade e da Democracia, esqueceram o

haviam permanecido na – até então – metrópole,

essencial: Portugal e os Portugueses.

os “retornados” que fugiam da guerra, das perseguições, do racismo, ... tornaram-se numa espécie de ‘bode expiatório’ ... para tudo. E, ao contrário do que hoje se defende para os refugiados sírios (de entre outros), aqueles portugueses que outrora viveram e trabalharam nas ‘províncias’ ul-

tramarinas, pagaram os seus impostos e contribuíram para a riqueza nacional (como qualquer outro, em qualquer ponto do, até então, Império), encontraram no seu país de origem não apoio nem preocupação mas, sobretudo, os seus principais opositores e perseguidores... Destituído de

Sofia.


13 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO

A LIBERDADE Minha senhora,

povo é aquilo que Nixon descreveu da melhor for-

O que é a liberdade?

ma, a maioria silenciosa.

A liberdade é um vocábulo que de tanto uso caiu

A maioria silenciosa que se mantêm silenciosa no

em desuso.

regime da liberdade de expressão. Nesta socieda-

Caímos na futilidade de utilizar as palavras sem conhecer a sua etimologia, de usar só por usar e de as degastar só pelo desgaste. Isso foi tudo o que sistema me ensinou, a usar um mote sem sa-

de em que se valorizam os gritos e se desprezam os silêncios…. perde-se muito. A menina ainda é jovem…ainda tem muito para viver, mas fique ciente de uma coisa:

ber de facto o que era. Sabe o que é mais curio-

- Nesta sociedade de seres não pensantes somos

so? É cair no erro de generalizar tudo o que nos

todos peões de xadrez.

rodeia. Esta política de generalizações é a chaga

Sabe qual é o facto mais lamentável deste nosso

da sociedade livre. Confesso ser um antissistema

breve diálogo?

que acompanha a paro e passo os movimentos do

A concordância de ambos a usar um pseudónimo

sistema. Ao ler as declarações do Prof. Marcelo

a quem atribuir estas declarações.

Rebelo de Sousa, na Associação 25 de Abril sobre a democracia, admito ter ficado ainda mais descrente no discurso político. Discordo totalmente do Senhor Presidente da Re-

O mais lamentável é na sociedade da liberdade de expressão ainda existirem assuntos críticos. Se estas declarações não dizem muito sobre o 25 de abril, não sei o que diz.

pública quando sua excelência diz que empatar numa democracia é perder. Para mim o empate pode ser o resultado mais positivo, porque ninguém fica a perder. De facto, a Democracia Portuguesa é tudo menos um empate, uma vez que os vitoriosos são os do costumo e o povo, menina? O

Pedro d´ali e de nenhuma parte.


14 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO

A QUE PREÇO NOS ENCONTRAMOS Para mim, o dia da revolução foi passado em casa.

que acontecesse qualquer coisa. Mas com o 25 de

Foi-nos informado que era mais aconselhável não

abril, abriu-se as portas ao mundo, abriu-se as

sairmos, pois, as ruas estavam carregadas de mili-

portas à libertinagem, e agora toda a gente rouba

tares. Confesso que a minha principal preocupa-

tudo a todos.

ção (e do meu marido também) era que iríamos

O tempo logo a seguir àquele dia foi muito confu-

perder um dia de trabalho, ou seja, um dia do

so cá em Lisboa, começaram logo a formar comis-

nosso ordenado.

sões de trabalhadores e sindicatos. Ou seja, aque-

Se me perguntarem o que foi este dia…a minha

les que nunca tinham mexido uma única palha na

resposta será sempre a de que foi um golpe mili-

vida, passaram a mandar nesse tipo de assuntos…

tar e não uma revolta do povo. Sim, claro que

era assim nesta altura, e é assim agora. Nisso, na-

agora vivemos melhor do que antes, porque já

da mudou. Vejo os meus netos a estudarem para

temos mais liberdade para falar…mas a que pre-

ter oportunidades na vida, quando tenho noção

ço? Hoje, com esta idade, vejo pessoas a desres-

que esses gandulos, por terem dinheiro, vão logo

peitarem-se umas às outras. Crianças mal-

ficar com cargos que não deveriam ter. Mas pron-

educadas, em que os pais em vez de as chamarem

to, acho que já estão todos habituados a isso…se

à atenção, ainda são capazes de as incentivar a

não estivessem, não estavam calados. Ou então

fazer pior. No tempo de Salazar, este tipo de situ-

não estão, mas sabem que não vale a pena falar.

ações não era sequer tolerado. Não é que eu fos-

Ao menos o Salazar ensinava-nos que para co-

se a favor da PIDE, porque não era, mas ao me-

mermos, tínhamos de trabalhar. Tal como ele di-

nos, as pessoas sabiam respeitar o espaço de ca-

zia “quem não trabuca, não manduca”.

da um, viver a vida de cada um. Lembro-me que quando estava imenso calor, dor-

Triste é também a falta de pertença que se sente

míamos no quintal…e pensam que alguém nos

hoje em dia pelo próprio país. Lembro-me que

fazia mal? Podíamos até sair de casa e deixar a

antes, qualquer papel que assinássemos do Esta-

porta aberta, que não tínhamos qualquer medo

do, dizia sempre “a bem da nação”. Agora? Cada


15 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO um rema para seu lado, pensam que a liberdade

mas era muito, mas muito mais o dinheiro.

é significado de cada um puxar o rabo à sua serin-

A nível de qualidade de vida, está realmente me-

ga. Acho que é o que melhor descreve esta de-

lhor, mas a nível de pessoas, não.

mocracia. Depois do 25 de abril, muito se falava que agora era a altura da democracia, mas nunca nos chegaram a dizer, ao certo, o que era realmente. Então, decidi comprar todos os livros que encontrei sobre isso…e foi aí que perdi o gosto pela leitura. Aí percebi que daquele momento em diante, o que lhes interessava até poderiam ser as pessoas,

Louise. Publicidade


16 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO

A MUDANÇA Tenho poucas memórias daquele dia e as que te-

Naquele dia voltei para casa na companhia dos

nho o tempo já esfumou.

meus amigos, a confusão era imensa e nós sabía-

Tinha apenas doze anos, a minha mãe tinha me

mos lá o que era a “revolução” …caminhamos

ido

levar

ao

liceu,

como

era

hábito.

apenas sem saber o que daquele dia resultaria.

O meu pai ia para os lados de Setúbal, levar o cha-

Como lhe digo, as memórias são vagas…mas exis-

ruto que era a fonte do nosso pão de cada dia e a

te uma particularmente que não se apaga. A me-

nossa guarida.

mória que tenho da minha mãe perguntar ao meu

Não havia coisa que mais me alegrasse do que a escola, não só pelos meus bons resultados… porque a escola não deveria ser sobre resultados, mas pela riqueza que transponha dos seus alicer-

ces. De toda a pobreza que era a nossa vida, a escola era a nossa maior riqueza. Hoje sei que os conteúdos que aprendia, eram aquilo a que chamam hoje a escola do sistema. Mas para uma mera criança, não existe essa consciência do que é o sistema ou até onde vai o sistema. Mas não me querendo desviar do assunto. Esse dia, era só mais um dia, um dia comum para

a minha vida de criança. Tinha me encontrado com os meus colegas perto da entrada da sala e falava com eles sobre algumas banalidades. A

pai: “Oh Manuel, mas o que é isto da Revolução? Só espero que não nos traga problemas. Ainda por cima o Salgueiro é aqui da nossa zona!” O meu pai nada disse, ficou apenas a pensar nas palavras que minha mãe acabara de pronunciar e assim fiquei eu, com aquelas palavras sonantes que nunca me saíram da cabeça. “O que é isto da revolução?” esta é a pergunta para a qual nunca encontrei resposta. Uma revolução só pelo sentido de revolução nunca será revolução. Não pense que sou contra as liberdades do 25 de abril, porque não sou. Contudo, a democracia foi o sistema que se impôs aquando a queda de outro.

professora chamou para entrar e todos nos sentamos nas nossas cadeiras…até que a professora

Não sei se as pessoas entenderam o que era a De-

nos deu a dispensa dizendo que os militares fazi-

mocracia ou se entendem, hoje em dia o que ela

am uma revolução em Lisboa.

é, a verdade é que ficou um vazio, uma indefini-


17 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO ção, um silêncio perturbador no povo português.

zação da vida humana.

E isso…bem, isso é afligível.

O que os meus olhos captam é a maior Democra-

Eu fui militar, cumpri o meu dever para com a pá-

cia do mundo pronta a usar os seus homens como

tria, vivi tempos de grande tensão no exército

carne para canhão.

português em que os meus camaradas de regi-

As mentalidades mudaram é um facto, mas al-

mento e eu nos preparávamos para entrar a qual-

guns enclaves do sistema permaneceram e estão

quer momento na guerra das Malvinas.

mais fortes do que nunca.

Eu sei bem o que é estar num sistema repressor… não estou a dizer que este seja o caso do exército nos nossos dias, mas de facto era o que era. O mais perigoso é esta mania que nós temos que mudar o nome aos sistemas provoca uma valori-

O Militar.

UM COMENTÁRIO AO 25 DE ABRIL O fenómeno do 25 de Abril de 1974 corresponde

num beco sem saída, no que toca à questão da

tecnicamente a um golpe de estado militar, feito

chamada Guerra do Ultramar ou Guerra Colonial,

por oficiais superiores das Forças Armadas portu-

em primeiro lugar. A sociedade portuguesa apre-

guesas no activo contra o governo reconhecido

sentava um atraso muito evidente em termos

do Estado português. Todas as características,

gerais, e ultimamente gritante, desde logo com-

sem excepção, permitem qualificar o evento co-

parando com a vizinha Espanha. Em 1974 não

mo um golpe de Estado. A sua origem próxima

havia uma única auto-estrada concluída. Vivía-

parece estar em fenómenos de natureza corpora-

mos num país de pobreza e de emigração siste-

tiva militar. Todavia, o Governo do Estado Novo,

mática e com um crescimento desinteressante

depois da morte do Doutor Oliveira Salazar,

para a generalidade da população. O regime ha-

anunciou uma abertura para, depois, se enfiar

via falhado na criação duma grande classe média


18 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO dominante e na progressiva democratização do

(Açores e Madeira) não o era.

Estado. Era evidente a pressão externa para a

O segundo evento foi o chamado PREC, ou seja o

descolonização e democratização da parte dos

processo revolucionário em curso.

nossos aliados. Desde o malogrado presidente Kennedy que os Estados Unidos da América, nossa potência directora na NATO em plena guerra fria, havia feito um ultimato a Portugal para descolonizar e democratizar.

3. O PREC construído paulatinamente em 1974 e entronizado oficialmente pelo golpe de Estado de

11 de março de 1975, constituiu uma folia colectiva em que só não foram proibidos e ilegalizados partidos de esquerda e um do centro, em que a

2.Depois da festa urbana da chamada liberdade,

Assembleia Constituinte foi cercada e sequestra-

iniciaram-se dois eventos que mudariam a histó-

da pelas massas populares organizadas, em que

ria mundial: em primeiro lugar a chamada

se ocupou maioria do Alentejo e da Beira Baixa

“descolonização exemplar” que consistiu exclusi-

com a Reforma Agrária, confiscando as proprieda-

vamente na entrega sem quaisquer votações das

des, o gado, as alfaias agrícolas, as instalações, a

antigas colónias aos movimentos marxistas-

terra, e os seus produtos, aos legítimos proprietá-

leninistas respetivos, provocando a catástrofe dos

rios, sem qualquer indemnização, ao mesmo tem-

retornados, a desgraça de centenas de milhar de

po que se confiscavam as empresas privadas de-

famílias que haviam optado pela vida noutro con-

signadamente toda a banca, todas as segurado-

tinente e que, de um momento para o outro, se

ras, todas as empresas de industriais pesadas,

viram despojados de praticamente tudo. Foi as-

sem contar com um conjunto enorme de empre-

sim que o império colonial português transitou

sas detidas por estas. A função pública e as em-

para a esfera marxista, representada desde logo

presas privadas foram sujeitas depurações e sa-

pelo PAIGC, MPLA,UNITA, FRETILIN e em 1999

neamentos, despedimentos e expulsões políticas

para o Partido Comunista da China.

sem direito a contraditório e indemnização de

Como o critério era exclusivamente político, nin-

milhares e milhares de pessoas por suspeita de

guém explicou, nem era preciso, porque é que

ligações ao antigo regime. As prisões encheram-

um território outrora totalmente vazio, desco-

se de presos políticos acusados de” ligações a re-

berto por Portugal, de natureza insular, coloniza-

acção”. Criaram-se movimentos armados clandes-

do por nós, com povos mestiços (Cabo Verde, ou

tinos de direita, designadamente o ELP, Exército

S. Tomé e Príncipe) era considerado colónia e o

de Libertação Portugal, e o MDLP Movimento

outro, colonizado por mestiços mais claros

Democrático para a Libertação de Portugal, que


19 | 26 de maio de 2017 O ESPECTRO actuavam sobretudo no norte. Foi criada uma es-

taríamos agora com resultados em tudo idênticos.

pécie de fronteira em Rio Maior e o Verão quente

É funcionamento do princípio da força normativa

de 1975 caracterizou-se pelo avanço da revolução

dos factos. Mas isso dava outro artigo, eventual-

no Centro e Sul e o avanço violento da contrarre-

mente bem mais interessante.

volução no Norte. Estava instalado o caos E o caminho para uma guerra civil. Um pequeno grupo de militares adiantou um contragolpe em 25 Novembro de 1975 para pôr fim ao governo comunista do General Vasco Gonçalves, primeiroministro afecto ao PCP, restaurar o liberalismo, impedir guerra civil, e abrir caminho a democratização do Estado em termos ocidentais. 4. Daquilo que sei hoje, se o processo histórico não tivesse ocorrido desta maneira acredito es-

O Professor.


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