O Design da Ilustração no Livro Ilustrado Brasileiro Contemporâneo

Page 1

O design da ilustração no livro ilustrado brasileiro contemporâneo


O Design da Ilustração no Livro Ilustrado Brasileiro Contemporâneo


O Design da Ilustração no Livro Ilustrado Brasileiro Contemporâneo © Jorge Paiva Os direitos desta edição reservados. Este livro está disponível no website LINK ISSU. Os leitores poderão imprimir as páginas para leitura pessoal. Os direitos desta obra não foram concedidos. EDITORA NUVEM Av. Roque Petroni Junior, 630 – Morumbi, São Paulo – SP – CEP: 01310-200 Tel: (11) 4004-0000 – Fax: (11) 3456-9876 www.editoranuvem.com.br – contato@editoranuvem.com.br Coordenação Geral: Tadeu Costa Editorial: Marcella Agatelli Capa: Maria Luisa Sousa Produção: Marcella Agatelli, Marcelo Maciel Martins, Maria Luisa Sousa e Tiago Silva Comercial: Marcella Agatelli e Maria Luisa Sousa Administrativo: Tiago Silva Projeto Gráfico: Marcelo Maciel Martins 1ª edição: junho de 2017 CIP – BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS – SP C873d 1.ed. Costa, Jorge Alberto Paiva da O design da ilustração no livro ilustrado brasileiro contemporâneo. / Jorge A. Paiva da Costa – 2012. 192f.: 21x23 cm. Inclui bibliografia Orientador: Jofre Silva Dissertação (Mestrado em Design) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo – SP, 2012. ISBN 123-45-6789-001-X 1. Design. 2. Ilustração. 3. Livro - Ilustração 4. Arte. I. Título.

CDD: 741.6



O Design da Ilustração no Livro Ilustrado Brasileiro Contemporâneo

Jorge Paiva



Sumário Introdução ............................................................................................................................................ 7 1. O Design da Ilustração no Livro Ilustrado ................................................................................ 1.1 Alguns Aspectos Históricos do Livro Ilustrado .................................................................. 1.2 O Livro Ilustrado no Brasil ................................................................................................. 1.3 Um Público, Diversos Alvos ................................................................................................. 1.4 Algumas Características do Livro Ilustrado ......................................................................... 1.5 A Tipologia do Livro Ilustrado ...........................................................................................

13 19 27 34 37 51

2. O Tempo, a Montagem e o Imaginário no Design da Ilustração do Livro Ilustrado ......... 2.1 A Montagem no Design da Ilustração Narrativa ................................................................. 2.2 Tempo e Espaço no Design da Ilustração Narrativa .......................................................... 2.3 O Design de Mundos Imaginários ........................................................................................ 2.4 O Design da Ilustração Ornamental Narrativa ...................................................................

59 63 74 88 95

2.4.1 O 2.4.2 O 2.4.3 O 2.4.4 O

Design Design Design Design

de da da do

Padrões Ornamentais ............................................................................................... Letra Capitular e da Vinheta ................................................................................. Moldura .................................................................................................................... Rébus .........................................................................................................................

96 98 100 103

3. Elementos do Design da Ilustração ............................................................................................. 107 3.1 O Ritmo no Design da Ilustração ........................................................................................ 108 3.1.1 Autores .............................................................................................................................................. 3.1.2 Capa e Embalagem ......................................................................................................................... 3.1.3 Enredo ............................................................................................................................................... 3.1.4 O Ritmo ...........................................................................................................................................

110 113 116 117

3.2 O Imaginário Popular no Design da Ilustração................................................................... 125 3.2.1 Autor .................................................................................................................................................. 3.2.2 Capa ................................................................................................................................................... 3.2.3 Enredo ................................................................................................................................................ 3.2.4 O Imaginário Popular .....................................................................................................................

128 135 138 139

3.3 A Montagem no Design da Ilustração ................................................................................. 148 3.3.1 Autores ............................................................................................................................................... 3.3.2 Capa ................................................................................................................................................... 3.3.3 Enredo ............................................................................................................................................... 3.3.4 A Montagem .....................................................................................................................................

149 150 151 157

Considerações Finais .......................................................................................................................... 171 Bibliografia ......................................................................................................................................... 183



INTRODUÇÃO


O tema deste estudo é o design da ilustração no livro ilustrado. Parte-se do princípio de que a concepção de uma ilustração exige a criação de uma estrutura de elementos visuais para comunicar uma ideia, valendo-se, assim, dos conceitos etnológicos da palavra design, o desígnio e a estruturação. Portanto, o design da ilustração é a estrutura e a organização de elementos visuais construídas com o intuito comunicar uma ideia, de ilustrar. O design no livro ilustrado mostra-se indispensável por exigir uma organização da informação visual e textual, etapas e escolhas de processos de produção e reprodução, o que também envolve escolhas estéticas. A ilustração, neste caso, pode ter a função de narrar e descrever; já em outros momentos possui a função de criar questionamento e até de ornar o livro. Para exercer seu papel dentro do livro ilustrado, a ilustração pode criar relações com o texto, com outras imagens, interagir

10

com a materialidade do livro e com os processos de impressão. Assim, este estudo busca compreender como se comporta o design da ilustração dentro do livro ilustrado. Nas últimas décadas, o livro ilustrado tem recebido influências do cinema, das histórias em quadrinhos e da arte contemporânea. Impulsionados pela disponibilidade de processos e materiais de impressão, os ilustradores são cada vez mais ousados. O livro ilustrado do nosso século mostra-se como um objeto sempre aberto a novas possibilidades. Ao lidar com a complexidade do mundo contemporâneo que atinge os livros ilustrados, o pesquisador encontra um desafio que pode assumir os mais diferentes formatos e configurações, tanto no conteúdo impresso quanto em sua materialidade. Embora Nikolajeva (2011), Oliveira (2008), Linden (2011), Powers (2008), Loomis (1947), Cademartori (2010) nos forneçam caminhos e ferramentas para analisar o livro ilustrado, a maioria destes autores ainda sofre dificuldade em encontrar uma tipologia para estes objetos. O problema em compreender o livro ilustrado contemporâneo é a dificuldade em formalizar um conceito capaz de abarcar todos os livros que possuam ilustrações, o livro pop-up, o livro de imagens, as enciclopédias ilustradas, os livros didáticos que desenvolvem narrativa etc. Verifica-se, então, que a dificuldade demonstra um problema típico da contemporaneidade, que é encontrar um conceito capaz de envolver um objeto em sua totalidade. Por toda diversidade, a análise do livro ilustrado continua como assunto em desenvolvimento


para pesquisadores do mundo inteiro. Assumindo a complexidade do mundo contemporâneo, temos nosso recorte no livro ilustrado em que se desenvolve um discurso narrativo por meio da mútua interação entre texto e ilustrações. São livros em que o uso da página dupla e o encadeamento coerente de páginas são preocupações para o desenvolvimento da narrativa. Aqui, o objetivo é estudar os elementos do design da ilustração, como o ritmo, o imaginário e a montagem de enunciados verbais e visuais. Por meio de uma discussão teórica, pretende-se compreender a estrutura de elementos que compõe o design da ilustração, tendo em vista que o conhecimento sobre os elementos do design da ilustração pode auxiliar a concepção e execução de projetos da área. A presente investigação resulta de uma pesquisa teórica e os dados do estudo foram coletados de fontes literárias. A compreensão da visualidade, por exemplo, está

apoiada em Arnheim (2008), Santaella (2008) Gombrich (1999; 2007); enquanto Flusser (2007) orienta a questão do imaginário e das peculiaridades da leitura da escrita e da imagem. Por outro lado, Loomis (1947; 1951; 1961) torna-se um referencial importante para ampliar o entendimento sobre o ritmo e o design na ilustração. Já Linden (2011), Nikolajeva (2010) e Oliveira (2008) fornecem elementos para conhecer melhor a natureza do livro ilustrado. A análise qualitativa dos resultados identifica as características do design da ilustração no livro ilustrado brasileiro contemporâneo. Através da abordagem descritiva, busca-se ampliar a compreensão da dinâmica do design no desenvolvimento da ilustração e a estrutura gráfica das publicações selecionadas para estudo. Dessa forma, a pesquisa é exploratória ao aplicar os resultados da análise teórica para entender a natureza do design da ilustração. O primeiro capítulo aborda a dificuldade do pesquisador em encontrar uma tipologia para o livro ilustrado. Passamos pela história destes objetos para apresentar aspectos do design da ilustração e de sua tradição. Ao entrarmos no período contemporâneo, vemos que, para compreender o design da ilustração no livro ilustrado, é preciso notar que artistas, fotógrafos, designers gráfico, ilustradores, quadrinistas e produtores de imagem de diferentes formações podem trabalhar no design da ilustração. Pode-se afirmar que o design da ilustração no livro ilustrado é um assunto pluralista, sempre aberto a diferentes configurações de pensamento e desafios, mesmo após séculos de existência.

11


No segundo capítulo buscamos, por meio de estudos de caso de livros ilustrados, compreender a estrutura de elementos do design da ilustração, tais como: o enquadramento, o ponto de vista, o ritmo, o imaginário, as diferenças entre a leitura do texto e da imagem, os diferentes níveis de interação entre texto e imagem, e a montagem entre os enunciados verbais e visuais. Neste processo, percebemos que os recursos citados são sempre presentes no design da ilustração do livro ilustrado, os quais assumem maior ou menor importância dentro do projeto gráfico de acordo com a relação que assumem com a narrativa. O terceiro capítulo debruça-se sobre o objeto deste estudo, que são três livros ilustrados: Ismália (2006), do ilustrador Odilon Moraes; Lampião e Lancelote (2006), de Fernando Vilela; e Um outro pastoreio (2010), de Indio San e Rodrigo Dmart. As obras foram escolhidas pela importância da ilustração no projeto gráfico e em sua narrativa. Também foi um requisito a nacionalidade das obras. Cada uma delas destaca-se por alguma característica de ousadia no uso de recursos e configurações visuais. Esses destaques são o foco de cada uma das análises. Ao analisar obras com publicação recente, espera-se aprimorar a visão e o estudo sobre o design da ilustração no livro ilustrado contemporâneo brasileiro. Ismália chama atenção, primeiramente, pelo formato do livro que se abre em sanfona. Tal peculiaridade é o reflexo do ritmo visual e fictício desenvolvido pelo ilustrador Odilon Moraes, que teve como base de seu trabalho o poema simbolista de Alphonsus Guimaraens. Portanto, o estudo de caso de Ismália nos oferece um campo de

12

análise para compreendermos uma forma de como pode ser articulado o ritmo no design da ilustração. Lampião e Lancelote mostra um embate cultural entre a cavalaria medieval e o Zcaso, Lampião e Lancelote nos oferece a chance de ampliarmos nossa percepção sobre o imaginário cultural e as capacidades de dar sentido às praticas e processos de impressão no design da ilustração. Os autores de Um outro pastoreio também são inspirados pelo imaginário cultural ao compor a narrativa entre orixás, entidades das religiões afro-brasileiras, e o Negrinho do pastoreio, lenda gaucha. Entretanto, o que mais destaca o livro de outros tantos é a complexidade do roteiro com foco narrativo em muitos personagens e as diversas linhas temporais, o que é atípico nos livros ilustrados. Como a narrativa no livro ilustrado acontece por meio da palavra e da imagem, o que se sobressai em Um outro pastoreio é como são utilizados os recursos ilustrativos para


contar uma história tão complexa e labiríntica. Para tanto, são utilizados recursos de montagem entre enunciados verbais e ilustrativos. Assim, o estudo de caso de Um outro pastoreio nos mostra uma maneira de unir diferentes recursos para montar enunciados verbais e ilustrativos com um enredo complexo de uma narrativa épica. Portanto, este estudo utiliza-se das ferramentas do design para compreender a dinâmica da ilustração, apresentando uma visão de que o design e a ilustração estão integrados. Pela riqueza da articulação visual e verbal no livro ilustrado, os resultados podem ser enriquecedores para profissionais interessados no meio gráfico e no design da ilustração.

13



1 - O DESIGN DA ILUSTRAÇÃO NO LIVRO ILUSTRADO


Ilustrar é design. A frase parece até mesmo óbvia para aqueles familiarizados com o termo design, uma vez que é comum utilizar-se do termo em inglês para se referir tanto à estrutura e projeto quanto ao desenho de imagens. A adoção de uma palavra importada tem causado grandes discussões no sentido de tentar criar fronteiras entre o campo do design e outras áreas, e até de definir caminhos para o futuro da profissão. Cardoso (2008) nos fala que a palavra design deriva do inglês e refere-se tanto a ideia de plano, desígnio, intenção, quanto à ideia de configuração, arranjo e estrutura. A origem mais remota está no latim designare, verbo que abrange ambos os sentidos, o de designar e o de desenhar. A maioria das definições concorda que o design opera na junção desses dois níveis, atribuindo forma material aos conceitos intelectuais. Trata-se de uma área que gera projetos, no sentido objetivo de plano, esboços ou modelos. Encontramos, no dicionário Houaiss (2001), a etimologia da palavra ilustração, deriva do latim illustrare, que significa iluminar uma ideia ou um texto, ornar ou elucidar um texto por meio de estampa, figura, gravuras e desenhos. Se ilustrar é iluminar uma ideia ou um texto, podemos pensar que a ilustração pode funcionar em dois âmbitos, o das imagens mentais e o das imagens como representações visuais. Essa divisão foi apresentada por Santaella (2008). As imagens mentais, segundo a autora, são as imagens da nossa mente, que aparecem como visões, fantasias, imaginações, esquemas, modelos, ou, em geral, como representações do nosso meio ambiente visual. As imagens como representações visuais são as pinturas, gravuras,

14

fotografias; e as imagens cinematográficas, televisivas, holo e infográficas. Comumente, utilizamos a palavra ilustrar para nos referirmos a algo que ilumine a ideia de outro algo, como, por exemplo, na frase ‘a ficção ilustra a vida’, ou ‘a expressão no rosto da personagem ilustra suas reais intenções’ (grifo do autor). Vemos, então, que ilustrar exige apresentar imagens que representem conceitos e ideias, e que isso envolve imagens mentais evocadas pela linguagem verbal. Neste estudo, é abordado apenas o conceito das imagens como representação visual. Cruzando o significado das palavras ilustrar e design, podemos ver que o design está implícito em ilustrar. Afinal, ilustrar requer a criação de uma estrutura de elementos visuais a partir da concepção de uma ideia, como afirmou Loomis (1951). Portanto, ilustrar retém ambos os conceitos da palavra design, o de dar desígnio e o de estruturação. A fotografia, a pintura, o


desenho de formas e figuras, colagens, tipografias, texturas, cores, pinceladas e todas as formas de representação visual podem vir a ser ilustrativas se carregarem em si a função de ilustrar uma ideia ou um texto. Loomis (1947, p.178, tradução nossa) deixa esta questão nítida ao dizer que uma imagem sem uma ideia ou propósito definido dificilmente pode ser pensada como uma ilustração. Algumas vezes, a função e o propósito da ilustração não são claros. Exemplo disso é que, muitas vezes, chamamos um desenho ou uma fotografia de ilustração apenas quando são veiculados por um impresso, ou quando queremos nos referir a uma separação entre a palavra e a imagem. Frequentemente, “o que é ilustração” vira uma questão que deve ser analisada caso a caso pelo especialista, que pode ser o ilustrador, o crítico de arte, historiador ou o designer. A análise deste especialista será guiada pela compreensão do discurso.

Segundo Santaella (2009), todo discurso fala sobre algo, de um falante para um ouvinte. Coli (2010) afirma que o discurso é um instrumento para decidir o que é e o que não é arte em nossa cultura. Coli (2010, p.18) comenta que este tipo de julgamento costuma ter a influência da afinidade entre a cultura do crítico e do artista, de coincidência (ou não) com os problemas tratados, de conhecimento mais ou menos profundo da questão e mil outros elementos podem entrar em cena para determinar tal ou qual preferência. Portanto, uma imagem, para ser considerada ilustração, deve conter um discurso de ilustração reconhecível para seus avaliadores. A concepção do livro ilustrado tem como ponto de partida a dinâmica de um projeto de design. A feitura das ilustrações, a organização coerente de textos e imagens no espaço da página e as escolhas decorrentes do processo de produção e reprodução do livro, como tipo de papel, impressão e acabamento, são questões comum do design. Mesmo que a concepção do trabalho aconteça apenas na mente do criador do livro ilustrado, ainda assim é possível perceber a existência de um projeto. Na verdade, o design pode ser tratado como uma atividade ou produto que tem como ponto de partida o projeto e como ponto final o receptor ou usuário, passando pelo processo de criação, produção e reprodução, que envolve materiais, técnicas e tecnologias diversas, e escolhas estéticas (Campos: 2009, p.68). O suporte de impressão dos livros ilustrados é o papel. Já o suporte utilizado na produção das ilustrações pode ser matérico, químico ou eletromagnético e imatérico como definiu Santaella

15


(2009). Autora apresenta que os suportes matéricos referem-se ao método de produção manual das imagens, como o desenho e a pintura que se utilizam da tela de tecido, de papel, vidro, madeira etc. A fotografia tem como suporte um fenômeno químico ou eletromagnético, que reage mediante o estimulo da luz. O terceiro suporte, imatérico, é aquele em que o ilustrador não age sobre o real, mas transmuta-o através de uma máquina. São as imagens que tem como suporte a computação gráfica, mediadas através de programas, modelos e cálculos. As imagens produzidas pelos dois primeiros suportes, quando digitalizadas, sofrem influência do terceiro. Ao serem digitalizadas, as imagens produzidas manualmente ou através de um processo fotográfico podem perder qualidades próprias do seu suporte de produção, bem como adquirir novas qualidades do suporte imatérico. Caso o processo de trabalho da produção das ilustrações seja manual, ao digitalizar suas imagens, o profissional pode corrigir erros do processo, fazer alterações estruturais na imagem e até recomeçar um novo processo criativo. Para expressar-se visualmente é preciso não apenas conhecimentos dos elementos do design, mas também domínio sobre as ferramentas de trabalho, seja o desenho, colagem, fotografia, gravura ou a computação gráfica. Cada uma dessas técnicas irá, ao seu modo, compor a imagem ilustrativa. É na composição da imagem ilustrativa que o design está sempre implícito. As escolhas decorrentes do processo de composição da imagem não partem do acaso, o ilustrador controla sua criação com o objetivo de comunicar ou interagir com o assunto de sua

16

narrativa. Assim, é importante não apenas ter o domínio prático das ferramentas de trabalho, mas também tentar prever os efeitos psicológicos que a imagem terá no público. Usualmente, os livros possuem uma grade que determina suas divisões internas. Ao trabalhar sobre essa grade, o designer cria um layout e, por aspectos formais, estabelece a posição a ser ocupada pelos elementos. Busca-se criar uma hierarquia na informação, para guiar a atenção do leitor. No caso do livro ilustrado, dificilmente, a grade aparece como elemento formal. Como aponta Haslam (2007), na maioria dos livros ilustrados, uma vez definido o tamanho e o formato, as ilustrações são produzidas na proporção da página. O formato pode ser definido tanto para adequar-se a uma coleção como para ajustar-se ao conteúdo da narrativa e das ilustrações, como poderemos ver no caso do livro Les Larmes de crocodile, na página 24. Uma vez que


as ilustrações são produzidas para um formato específico, tornase difícil ou impossível mudar radicalmente o formato destes livros em novas publicações. O design do livro ilustrado está diretamente relacionado à narrativa que se desenvolve dentro de um objeto físico, composto de uma série de elementos, como a capa e quarta capa, lombo, guardas, folhas e caderno. Segundo Haslam (2007), a capa e quarta capa são o revestimento de papel, cartão ou outro material que é colado, grampeado, ou costurado ao miolo, sendo a capa localizada na parte frontal do livro e a quarta capa no verso. As guardas são folhas de papel encorpado, dobradas, formando quatro ou oito páginas, sendo uma colada na placa de cartão na frente e a outra no final do livro de capa dura. A finalidade é prender o miolo à capa dura, aumentando a durabilidade do livro. As folhas são um conjunto de duas páginas, geralmente, numeradas com algarismo ímpar na frente e

par no verso. O caderno é formado por folhas impressas e dobradas em múltiplos de quatro páginas para formar uma sessão do livro. O lombo, ou lombada, é onde as páginas do miolo são grampeadas coladas ou costuradas. Haslam explica que a página dos livros costuma ser definida pelos formatos retrato ou paisagem. O primeiro corresponde ao formato, em que a altura da página é maior que a largura. O segundo, ao formato no qual a altura da página é menor que a largura. Haslam cita componentes de divisão do espaço da página como fólios, calha, página única é página espelhada. Os fólios referem-se à linha que define a posição dos números de página. A calha é a margem interna entre as duas páginas, a dobra do caderno. A página única, ou simples, é aquela em que o conteúdo impresso está separado das outras páginas. Na espelhada, o material impresso ocupa duas páginas como se fosse uma única. É também chamada de página dupla. Dentro dessa estrutura de elementos físicos que compõe o livro, o designer cria a organização dos elementos que serão impressos. A narrativa do livro ilustrado acontece por meio do texto e de ilustrações. Porém, além das ilustrações que têm o intuito de narrar e descrever ações, temos ilustrações que ornam para valorizar o todo narrativo, como capitulares, padrões ornamentais, vinhetas, molduras e rébus. Assim, o designer do livro ilustrado precisa lidar com a complexidade de integrar uma grande quantidade de elementos para dar forma à narrativa. Haslam (2007) comenta que o designer costuma definir uma série de regras internas para cada elemento, as quais são aplicadas em todo o livro.

17


O intuito deste processo costuma ser a criação de uma coerência no projeto gráfico. Cria-se não apenas uma hierarquia na leitura de elementos, favorecendo a leitura e o impacto de alguns em relação a outro, mas também busca-se acumular estímulos visuais que gerem emoções e sentimentos. Farbiarz (2008) comenta que é preciso que o escritor, designer e ilustrador do livro ilustrado tenham em mente a sensibilidade de seu público, uma vez que o livro participa de uma sociedade e interfere nela por meio de repertórios culturais que se concretizam no discurso. Também é preciso levar em conta o contexto em que se insere a obra literária, já que esta pertence a determinado espaço geográfico, cultura e época. Toda essa demanda irá refletir no projeto gráfico, o que faz com que os profissionais envolvidos sigam uma metodologia, um projeto. Em geral, é necessário que os envolvidos na produção do livro ilustrado trabalhem a partir de um briefing que aponta necessidades e objetivos específicos. Muitas vezes torna-se preciso realizar pesquisas sobre referências históricas e contextos relevantes para inspiração. Embora os profissionais possam realizar seu trabalho sem uma pesquisa prévia, tomando como base o conhecimento que já tenham armazenado, a própria demanda do nosso contexto contemporâneo exige uma diversidade cada vez maior de repertório e precisão nas referências visuais, o que frequentemente impossibilita este tipo de atitude. Zeegen (2009) descreve que a concepção do livro ilustrado realizado dentro de uma editora pode ser gerenciada pelo designer gráfico ou

18

diretor de arte, que irá avaliar todo material produzido e direcionar o processo. Este profissional tem como princípio de seu pensamento o design. Em uma ilustração, uma ideia pode ganhar existência por infinitas formas, o papel do designer é encontrar a melhor forma de comunicar-se com o seu público. O livro também pode ser concebido inteiramente por um artista ou por um profissional não consciente de todas as etapas do processo de produção industrial como: técnicas de impressão, escolha de papel, tipografia e acabamento. Na criação de seus originais ilustrados, o profissional pode perceber uma inviabilidade na reprodução de seu livro. Esse profissional terá que adaptar sua obra em prol de viabilizar a reprodução de seu trabalho. O processo irá exigir projeto, pesquisa e muito provavelmente escolhas de tecnologias de impressão que implicarão também em escolhas estéticas. O profissional pode até mesmo decidir que o seu


trabalho final será o próprio original, agregando valor de peça única, ou de uma tiragem limitada, através de cópias manuais. Tanto no caso do diretor de arte quanto do artista, houve a necessidade em coordenar diferentes conhecimentos e disciplinas. Isso demonstra a natureza transdisciplinar do design, como explica Campos (2009, p.67), isto é, o trânsito necessário entre disciplinas diversas. Dessa maneira, o design está implícito no ato de ilustrar por exigir uma organização de elementos visuais com o propósito de comunicar uma ideia. Conforme apontado anteriormente, o livro ilustrado abrange autores com diferentes formações e repertórios. Porém, ao observar as escolhas relacionadas ao design da informação visual e verbal, bem como aos procedimentos presentes na coordenação de etapas e processos de produção, a concepção do livro ilustrado torna-se indissociável do design. Então, nos próximos capítulos, pretende-se ampliar a compreensão das características do design da ilustração nos livros ilustrados.

1.1 Alguns Aspectos Históricos do Livro Ilustrado Cardoso (2008) comenta que, no século XIX, a disponibilidade de novas técnicas de impressão, tais como a litografia e a gravura em metal, possibilitou que os ilustradores trabalhassem com maior

facilidade a inserção de texto e imagem impressos na mesma página. No mundo ocidental, o desenvolvimento no meio gráfico aliado ao crescimento das elites urbanas permitiu maior produção e veiculação de imagens. Heller (2008) nos fala que os primeiros livros ilustrados com narrativa não possuem data precisa de origem. O autor comenta que na Inglaterra, por volta de 1800, começaram a surgir livros destinados à crianças e jovens, com narrativas folclóricas e contos de fada, onde as imagens eram produzidas para complementar o texto. A temática dos contos de fada inicia-se um pouco antes, como apresenta Cademartori (2010). No século XVII, o francês Charles Perrault coletou contos e lendas da Idade Média e os adaptou para literatura infantil, iniciando os chamados contos de fada. Exemplos da obra de Perrault são os contos de Cinderela e Chapeuzinho vermelho. No século XIX, os Irmãos Grimm também fizeram coletas de

19


contos populares como João e Maria e Rapunzel, que se adicionaram ao gênero de contos de fadas. Contos de outros autores também foram incluídos ao gênero infantil, como, por exemplo: Christian Andersen com O patinho feio e Os trajes do imperador; o italiano Collodi com Pinóquio; o inglês Lewis Carroll com Alice no país das maravilhas; e o americano Frank Baum com O Mágico de Oz; e o escocês James Barrie com Peter Pan. Alguns exemplos dos primeiros livros ilustrados são apresentados por Linden (2011). Nas Figuras 1 e 2 (a seguir), vemos como os ilustradores do século XIX estavam empenhados em explorar a relação texto e imagem no espaço da página. Oliveira (2008A) comenta que no chamado período vitoriano (1837-1901), acontece a popularização do livro ilustrado como conhecemos hoje, seja do ponto de vista gráfico ou conceitual. Oliveira (2008A, p.14) explica que é o momento em que o livro ilustrado começa a estabelecer códigos – e até mesmo convenções em sua linguagem visual – que permanecem até hoje. Por volta da primeira metade do século XX, os ilustradores passam a explorar cada vez mais o espaço narrativo do livro, como o seu formato e a relação entre o texto e a imagem, o que se torna um conjunto narrativo indissociável. A ilustração cada vez mais predomina sobre o texto. Como aponta Linden (2011, p.15), este é o período do livro ilustrado moderno, no qual a diagramação está a serviço da expressão, manifestando-se por meio de uma grande flexibilidade, e é concebida de forma coerente em função do encadeamento de páginas.

20

Um exemplo de livro ilustrado desta época, publicado pela primeira vez em 1893, é Topsys and turvys, de Peter Newell. O livro apresenta um texto rimado, poético e bem humorado, que é impresso no topo da ilustração e abaixo da ilustração. A leitura do topo segue da esquerda para direita, e para encontrar o sentido da leitura do texto abaixo da ilustração, é necessário que o leitor gire o livro em 180o. Ao girar o livro, ele percebe que a imagem permite uma nova leitura. O que era uma figura, aparentemente se transforma em outra. Podemos perceber esta dinâmica na Figura 3 (abaixo), na capa do livro de Peter Newell, e na Figura 4 (a seguir), página do miolo. Topsys and turvys nos mostra que o livro ilustrado desenvolve uma narrativa não apenas por meio da dualidade entre palavra e imagem, mas também explora as possibilidades de leitura da imagem e sua relação com o formato do livro. Entre 1950 e 1960 o projeto gráfico do livro ilustrado ganha cada


Figura 1 – João Felpudo, Heinrich Hoffmann. Livro ilustrado, 1858. Fonte: LINDEN, 2011, p.13.

Figura 2 – As aventuras do Barão de Münchausen, Rodolf Erich Raspe (escritor) Gustav Doré (ilustrações) Livro ilustrado, 1860 Fonte: LINDEN, 2011, p.13.

21


Figuras 3 – Topsys and turvys, Peter Newell. Livro ilustrado, 1989. Fonte: NEWEL, 1989.

vez mais importância, como apontou Linden (2011). Há então uma preocupação crescente com a materialidade do livro, com o conjunto de todos os seus componentes e sua relação com o espaço narrativo. Exemplo deste momento é o livro Les Larmes de crocodile, de André François, como podemos ver nas Figuras 5 e 6 (a seguir). Linden, sobre o livro de François, destaca o cuidado do autor com a tipografia e com o formato da embalagem. O livro vem em uma caixa de formato comprido,

22

imitando o formato do crocodilo representado nas páginas internas. Les Larmes de crocodile é um exemplo de como o formato do livro ilustrado pode se relacionar ao conteúdo. Linden (2011) comenta que, a partir de 1970, pequenas editoras começaram a explorar novos caminhos para o livro ilustrado, com o uso da fotografia, estilos pictóricos ousados, livros de imagens e livros com estruturas não narrativas. A autora declara a década de 1990 como marca do surgimento do livro ilustrado contemporâneo, tanto pelas iniciativas editoriais inovadoras quanto pelo diálogo entre o livro ilustrado e a arte contemporânea. Linden afirma que o livro ilustrado contemporâneo é, a priori, um objeto visual, sem limites em termos de tamanho, materialidade, estilo ou técnica, e toda sua dimensão visual, inclusive tipográfico.


Poderíamos citar como exemplo de livro ilustrado contemporâneo Pinocchio (2009), da ilustradora Sara Fanelli e do escritor Carlo Collodi. Para narrar a história do clássico Pinocchio, a ilustradora utiliza uma abordagem visual inusitada. Na Figura 8 (a seguir), podemos ver que é criada uma dinâmica entre a retirada da caixa do livro e o crescimento do nariz dos personagens. Na Figura 7 (a seguir), verificamos colagens de diferentes materiais e composições tipográficas, que possuem fortes características do período contemporâneo. Afinal, como define Cardoso (2008), a marca registrada do período contemporâneo é o pluralismo, em que já não há espaço para pretensão de encontrar uma única forma correta de fazer as coisas. Pinocchio apresenta um discurso de técnica mista, ou seja, o uso diferentes técnicas em uma mesma ilustração.

Assim como os outros exemplos, Topsys and turvys e Les Larmes de crocodile nos mostram a relação do formato do livro com o conteúdo da história. Os exemplos apresentados remontam a história do livro ilustrado demonstrando algumas de suas principais características, passando pelas origens, pelo período moderno, até o enfoque deste estudo: contemporâneo. No próximo tópico: um pouco da história do livro ilustrado no Brasil.

Figuras 4 – Topsys and turvys, Peter Newell. Livro ilustrado, 1989. Fonte: NEWEL, 1989.

23


24


Figuras 5 e 6 – Les Larmes de crocodile, André François. Livro ilustrado, 1956. Fonte: PIXEL CREATION, 2011.

25


Figura 7 – Pinocchio, Sara Fanelli. Livro ilustrado, 2009. Fonte: PINOCCHIO, 2010.

Figura 8 Pinocchio, Sara Fanelli Livro ilustrado, 2009 Fonte: PINOCCHIO, 2010.

26


1.2 O Livro Ilustrado no Brasil

Os historiadores (MELO, 2006; CARDOSO 2005, 2008 e 2009) apontam uma lacuna no registro histórico do livro ilustrado e fazem algumas menções importantes diante do que já foi produzido no país. Seus textos, muitas vezes, têm enfoque em demonstrar a importância que muitos ilustradores tiveram como designers. O estilo no traço dos ilustradores também é abordado, porém apenas as ilustrações de capa dos livros entram no estudo, e quase não há distinção entre livros sem ilustrações no miolo e livros ilustrados. Cardoso (2005) comenta que os livros brasileiros passaram a ser projetados a partir de uma perspectiva industrial nas primeiras

décadas do século XX, devido à nítida modernização das práticas e produtos. Cardoso (2009) diz que, até o final da Primeira Guerra Mundial, o livro ilustrado no Brasil seguia uma configuração visual dos padrões da Europa, e que houve uma grande mudança a partir de 1920. Essa mudança deve-se aos talentosos ilustradores Belmonte, Fritz, J.Carlos, Luiz Sá, Voltolino e Yantok e, principalmente, a atuação de Monteiro Lobato, tanto como editor e autor dos maiores clássicos da literatura infantil brasileira. Na Figura 9 (abaixo) podemos perceber a ilustração dos livros de Lobato, que preenche toda a página dupla, o que caracteriza uma inovação, já que até então os processos de impressão tornavam este tipo de recurso trabalhoso ou inviável. Tal ação foi possível em 1924 devido ao aprimoramento das técnicas de impressão e a

Figura 9 – A caçada da onça, Monteiro Lobato. Livro ilustrado, 1924. Fonte: CARDOSO, 2009, p.151.

27


renovação no parque gráfico que ocorreu no início do século XX, como apresentou Cardoso (2008). A composição da página dupla demonstra a visão de Monteiro Lobato em utilizar os novos meios disponíveis para compor livros ilustrados cada vez mais sofisticados.

Entre 1940 e 1970, alguns dos destaques da ilustração apontados por Melo (2006) e Cardoso (2005) são: Santa Rosa, Oswaldo Goeldi, Carybé, Gian Calvi, Eugenio Hirch, Jayme Cortez, Clovis Graciliano, Di Cavalcanti, Ziraldo. Nas Figuras 10, 11 (abaixo) e 12 (a seguir), podemos observar Santa Rosa utilizando de três técnicas diferentes de ilustração, o que demonstra a versatilidade do ilustrador ao trabalhar com a demanda de um tema, ou texto literário.

Figura 10 Vidas secas Graciliano Ramos (escritor) Santa Rosa (ilustrador) Capa de livro, 1938 Fonte: CARDOSO, 2005, p.230.

Figura 11 Lampião Rachel de Queiroz (escritora) Santa Rosa (ilustrador) Capa de livro, 1950 Fonte: CARDOSO, 2005, p.230.

28


Podemos ver nas figuras de 10 a 16 (a seguir) a coexistência de diferentes estilos da ilustração nos anos 60. Como aponta Melo (2005), muitas vezes o estilo de um ilustrador marca a identificação de um escritor ou de uma editora. Nas Figuras 15 e 16 podemos ver

Figura 13 Arara Vermelha José Mauro de Vasconcelos (escritor) Jayme Cortez (ilustrador) Capa de livro, 1960 Fonte: MELO, 2006, p.86.

Figura 12 Sagarana Guimarães Rosa (escritor) Santa Rosa (ilustrador) Capa de livro, 1952 Fonte: CARDOSO, 2005, p.231.

Figura 14 Os tempos de Dillinger John Tolano (escritor) Eugenio Hirch (ilustrador) Capa de livro, 1960 Fonte: MELO, 2006, p.87.

29


as capas com projeto gráfico de Ziraldo, costumeiramente inserido na história das artes gráficas apenas como ilustrador. Alguns dos ilustradores que podemos destacar a partir de 1970, e que continuam a serem publicados, são: Eva Funari, Marilda Castanha, Odilon Moraes, Graça Lima, Gonzalo Cárcamo, Ziraldo, Fernando Vilela e André Sandoval. A importância destes profissionais pode ser explicada pela capacidade de ilustrar idéias, criar

Figura 15 A inglesa deslumbrada Fernando Sabino (escritor) Ziraldo (ilustrador) Capa de livro, 1963 Fonte: MELO, 2006, p.80.

Figura 16 A mulher do vizinho Fernando Sabino (escritor) Ziraldo (ilustrador) Capa de livro, 1967 Fonte: MELO, 2006, p.80.

30

personagens cativantes e, principalmente, contar histórias por meio de imagens integradas ao projeto gráfico. Entre 1980 e a primeira década do século XXI, podemos notar que o projeto gráfico do livro ilustrado passa por mudanças, tanto de linguagem quanto de


qualidade de papel e impressão. Como comenta Cardoso (2008), os motivos variam entre a utilização da computação gráfica, as novas tecnologias de impressão e a popularização dos cursos de design gráfico no país. Na Figura 17 (abaixo) podemos ver Flicts (2005),

Figura 18 A bruxinha atrapalhada, Eva Funari Livro ilustrado, 1982 Fonte: FUNARI, 2000.

Figura 17 Flicts, Ziraldo Livro ilustrado, 1969 Fonte: ZIRALDO, 2005

Figura 19 Meninos do mangue, Roger Mello Livro ilustrado, 2001 Fonte: MELLO, 2008

31


Figura 20 – A mãe d’água, Graça Lima. Livro ilustrado, 2005. Fonte: GOMES, 2005.

32


de Ziraldo, lançado em 1969, que conta a história da cor Flicts à procura de seu lugar no mundo das cores. O livro é citado por Moraes (2008) como a primeira obra brasileira em que a imagem é dominante no espaço narrativo. Na Figura 18 (ao lado), temos uma página do livro A bruxinha atrapalhada (2000), publicado pela primeira vez em 1982, de Eva Funari, apontado por Moraes (2008) como primeiro livro de imagens brasileiro. No design da ilustração dos livros ilustrados contemporâneos encontramos o uso de diferentes técnicas de produção de imagem. Roger Mello, ilustrador e artista plástico influenciado pelo artesanato, costuma explorar colagens de papel e tecidos, como em Meninos do mangue (2001), na Figura 19 (página anterior). Na figura 20 (ao lado), vemos a ilustração do livro A mãe d’água (2005), de Graça lima, que explora uma técnica mista de colagem de tecidos, pintura com guache, tinta Suvinil e canetinhas. Esta pequena sequência entre as Figuras 17 e 20 apresenta o livro ilustrado brasileiro contemporâneo.

Com eles, podemos perceber que o Brasil tem ilustradores com os mais diferentes estilos, com talento também como escritores e designers gráfico. Pela lacuna histórica, e pelo local onde o estudo é realizado, damos aqui enfoque ao livro ilustrado produzido e publicado no Brasil.

1.3 Um Público, Diversos Alvos

Falar de livro ilustrado não é o mesmo que falar de livro infantil. O livro ilustrado

33


pode ser concebido para públicos de diferentes idades. Entre os pesquisadores que estudam o livro ilustrado, alguns costumam trabalhar com os livros infantis (LINDEN, 2011; NIKOLAJEVA, 2011), outros incluem no estudo também os livros com público juvenil e adulto (POWERS, 2007; CADEMARTORI, 2010). Cademartori (2010) inclui em sua pesquisa tanto livros infantis quanto juvenis. A respeito dos leitores mais novos, a autora comenta que a narrativa oferece às crianças em fase de alfabetização a oportunidade de experimentarem a potencialidade linguística, o que favorece sua exploração e entendimento do mundo. A apresentação dos códigos visuais por meio das ilustrações busca preparar a criança para lidar com a convenção do código das letras. A linearidade do livro induz a criança a associar a temporalidade do som a um sinal espacial, a letra. A mútua interação entre texto e imagem estimula a capacidade

34

expressiva da linguística. Ponderando sobre este processo de desenvolvimento da criança, os autores levam em consideração a idade dos leitores em suas diferentes etárias. Isso inclui a escolha dos elementos que compõe a narrativa, os quais devem estar de acordo com as competências de leitura que o leitor previsto já alcançou. O tema e a forma de comunicação visual e verbal também é uma preocupação importante, e devem atender as exigências do público. Entretanto, a questão do público no livro ilustrado algumas vezes não fica clara, como demonstram Linden e Nikolajeva. Nikolajeva (2011) aponta que no livro ilustrado do século XX, a relação entre palavra e imagem envolvia técnicas de enriquecimento da compreensão por meio do detalhe, da criação de impacto afetivo, tanto pelo uso de palavras como pelo design das imagens. Isso abrange a apresentação de diferentes pontos de vista entre texto e imagem, e interação irônica entre as duas. À medida que o século avançava, a perspectiva e os eventos da dupla narrativa cada vez mais desafiavam o leitor ao introduzir uma ambiguidade às vezes tão intensa, que o mesmo era forçado a chegar às suas próprias respostas. Toda esta crescente complexidade da linguagem do livro ilustrado contradiz o conceito principal de simplicidade para comunicação com o público infantil. Neste panorama em que muitos autores são questionados sobre o problema, vários assumem que não escrevem para crianças, mesmo que seus livros sejam publicados na categoria de literatura infantil. Outra questão abordada pelos autores de livros ilustrados é a dupla audiência cabível a este produto. Embora muitos livros ilustrados sejam produzidos para um público


infantil ainda em processo de alfabetização, quem lê estes livros para a criança são os adultos. Assim, muitos autores, para enriquecer a experiência do livro, preocupam-se em tornar o livro um produto atrativo tanto para os adultos quanto para as crianças. Sobre este panorama, Linden (2011) argumenta que na leitura compartilhada, adultos e crianças podem descobrir elementos diferentes na narrativa. E que muitos dos livros ilustrados produzidos para crianças são consumidos por adultos, e que editoras francesas como a Møtus começaram a criar coleções de livros ilustrados voltados especialmente para o público adulto. Nesta problemática de definir um público limítrofe para os livros ilustrados, devemos considerar que o planejamento dos autores de um livro nem sempre se concretiza na prática. Afinal, nada impede que adultos venham interessar-se por livros infantis. Para o designer gráfico é importante encontrar a comunicação

ideal para cada autor e seu público. Como o livro ilustrado possui esta abrangência de públicos, torna-se necessário analisar caso a caso para definição do público-alvo, para algumas vezes chegar à conclusão de que há mais de um alvo para atingir. O pesquisador Powers (2007) é flexível ao tratar do público dos livros ilustrados, incluindo em sua pesquisa não apenas os livros ilustrados infantis, mas também livros ilustrados juvenis. O autor comenta que o projeto gráfico e as ilustrações podem ser responsáveis pelo sucesso destes livros entre o público de diferentes idades. Heller (2008) comenta que a temática de muitos livros ilustrados juvenis, frequentemente, é semelhante aos livros infantis, envolvendo poesias, universos de fantasia, contos de fada, lendas e mitologia. Devemos, porém, perceber que a ilustração é utilizada de maneira peculiar dependendo do público, do projeto gráfico e da narrativa. Com temáticas semelhantes ao livro ilustrado infantil, os juvenis muitas vezes não são inseridos nos estudos do livro ilustrado por não possuir a ilustração como predominante nas páginas. O que faz com que as autoras Linden (2011) e Nikolajeva (2011) não considerem estes livros como livro ilustrado, mas como livro com ilustrações. Como exemplo de livros com ilustrações podemos citar A espada na pedra (2004), do escritor T. H. White e do ilustrador Alan Lee. O livro reconta a lenda do rei Arthur, que é chamado de Wart. Como primeiro livro de uma série, A espada na pedra conta toda a educação e formação de Wart antes de ser rei. Em relação às imagens, o texto é dominante na narrativa e nas páginas do livro. As ilustrações aparecem no final dos capítulos, criando relações entre o

35


Figura 21 – A espada na pedra, T. H. White (escritor) / Alan Lee (ilustrador). Livro com ilustrações, 2004. Fonte: WHITE, 2004 p.33.

texto do capítulo que passou e o texto do capítulo que virá. Abaixo das ilustrações há sempre um olho de texto, que repete um trecho do texto de um dos capítulos, dando coordenadas ao leitor à qual momento da narrativa se relaciona a ilustração. O olho de texto é um recurso mais utilizado em revistas e é descrito por Samara (2011) como um recurso de apoio, um parágrafo curto que esclarece o conteúdo do

36

texto. O exemplo de como acontece a interação entre texto e imagem em A espada na pedra, que pode ser visualizado na Figura 21 (acima). Em White (2004, p.33), final do Capítulo II do livro, abaixo da ilustração da Figura 21, vemos o seguinte texto: No começo, apenas mergulhou sob a superfície do sono e deslizou como um salmão em água rasa, tão perto da superfície que se imaginava no ar. Pensou que estivesse acordado quando já estava dormindo. O mesmo texto aparece no início do Capítulo III. Vemos que este texto narra o momento em que o menino Wart adormece no abrigo onde está o recentemente conhecido rei, Pellinor. Relacionando o texto à imagem, podemos deduzir que a


cena fora da moldura mostra o que Wart está vendo antes de dormir, ou seja, o rei Pellinor em repouso com o escudo do lado. Já a cena dentro da moldura mostra a memória de Wart sobre o que aconteceu no Capítulo II. Ou seja, o momento em que Pellinor avança agressivamente na floresta e encontra Wart. A ilustração, ao misturar o momento passado com o presente, cria uma relação de confusão e conflito entre o real e o irreal, entre o tempo presente e a memória. Portanto, podemos perceber que mesmo quando o texto é dominante na narrativa, a ilustração não precisa ser uma redundância do texto, podendo aparecer para expandir a informação e as sensações apresentadas no texto. Embora haja distinções na comunicação visual voltada tanto para o público infantil quanto para o público juvenil, também há aproximações. Em um estudo com o olhar do designer gráfico, que busca compreender as soluções visuais para

comunicar-se com diferentes públicos, seria injusto não tratar de determinados livros por não atingirem um público com limiar específico de idade. Assim, o parâmetro de seleção dos livros ilustrados abordados neste estudo foi a importância da ilustração no projeto gráfico e na narrativa.

1.4 Algumas Características do Livro Ilustrado Como demonstrou Farbriarz (2008), os autores do livro ilustrado são todos os profissionais que são mediadores da narrativa tendo em vista o seu público. O livro ilustrado evoca duas linguagens, a visual e a verbal, e sua narrativa acontece pela interação entre ambas. Isso implica, na maioria das vezes, na existência de uma dupla autoria de escritor e ilustrador. Nesse caso, muitas vezes o livro ilustrado surge a partir da interpretação do ilustrador sobre o texto. Oliveira (2008) comenta que o que se espera do ilustrador é que ele seja um interprete do texto. Porém, há sempre a dificuldade em saber o ponto exato dessa interpretação, uma tensão entre o que está escrito e as visões pessoais do ilustrador. Outro caso acontece quando o ilustrador é também autor do texto e tem o poder de controlar todo o processo de interação entre texto e imagem, e não necessariamente o texto precisa aparecer antes das imagens.

37


A preponderância visual no livro ilustrado demanda que seus autores trabalhem com a linguagem visual, que foi descrita por Campos (2009, p.67) como uma construção complexa e autônoma,capaz de emitir mensagens, pensamentos e visões de mundo a partir da composição de seus elementos plásticos constituintes. Para Campos (IBID., p.67), são elementos da linguagem visual as cores, as formas, as linhas, as texturas, a tipografia, a criação e a representação de figuras, os estudos de composição e a pesquisa de materiais. Estes elementos que estruturam a visualidade também costumam ser chamados de elementos do design por Lupton (2008) e Dondis (2007). No design da ilustração e no design da página do livro ilustrado, os profissionais utilizam-se do mesmo conhecimento dos elementos do design. Por exemplo, buscando destacar um título, ou uma parte importante do texto, pode-se escolher aumentar o corpo do texto. Para destacar um personagem dentro de uma ilustração, pode-se utilizar o mesmo recurso através da inserção do personagem em primeiro plano, ocupando, assim, um espaço maior dentro da cena. Na massa de texto, pode-se utilizar a cor para dar destaque a uma palavra específica, como, por exemplo, uma palavra em vermelho no meio de um parágrafo criará um ponto de atenção. Na ilustração pode-se criar um ponto de interesse ou de destaque ao pintar de vermelho um objeto da cena. É através da composição dos elementos do design que nasce o livro ilustrado. Uma das dificuldades enfrentadas pelo pesquisador do livro ilustrado é perceber que profissionais

38

de diferentes áreas como, designers, fotógrafos, escritores, poetas visuais, pintores, artistas em geral, podem aventurar-se na produção destes objetos. Cabe ao pesquisador aceitar que o livro ilustrado é um objeto diversificado, capaz de ganhar vida por meio de diferentes caminhos do pensamento. Ao dizermos que profissionais com tantas possibilidades de formações e conhecimentos podem produzir livros ilustrados, devemos alertar as divergências entre o livro ilustrado e o livro de artista. Segundo Linden (2011), a partir de 1960, Dieter Roth, Marcel Broodhaers e outros artistas plásticos de vanguarda adotam como espaço criativo o livro enquanto objeto, ou o também denominado livro de artista. Nesse tipo de livro desenvolve-se um ato plástico e poético, que abre o livro para os domínios da estética, da história fragmentada e de uma narrativa sem fio condutor. Há, portanto, uma separação entre dois objetos distintos, o livro de artista e o livro ilustrado.


Silveira (2008) apresenta que o termo livre d’artiste surgiu na França no século XIX para designar as edições de luxo dos livros ilustrados ou ornamentados. No Brasil, segundo Silveira, o termo livro de artista costuma referir-se a um campo artístico específico, e seu produto deriva das experiências conceituais que surgiram a partir dos anos 60. Porém o autor afirma que o termo é problemático, não havendo um consenso entre os pesquisadores. Embora o livro ilustrado e o livro de artista tenham uma abertura poética e plástica, o livro ilustrado se mantém mais conservador, sem transgredir os aspectos que capacitam sua publicação. Entretanto, como comenta Linden (2011), os livros de artista também podem vir a ser publicados e reproduzidos. Nesse caso, a história dos livros ilustrados mistura-se à história da arte. Quando acontece essa fusão, o resultado pode ser questionador, principalmente sobre a capacidade ilustrativa de algumas imagens.

Habitualmente, quando pensamos em ilustração de livros, a relação direta que chega a mente são as imagens figurativas, ou seja, aquelas que representam personagens, objetos e cenários. Ou, como definiu Santaella (2009), são imagens que transpõem para o plano bidimensional ou criam no espaço tridimensional réplicas de objetos do mundo visível, ou seja, apontam com maior ou menor ambiguidade para objetos ou situações reconhecíveis. Entretanto, podemos encontrar exemplos de ilustrações que não se utilizam das figuras para ilustrar. Como aponta Linden (2011), em 1922, o artista gráfico El Lissitzsky, representante do movimento construtivista, publica A história de dois quadrados (Figura 22, a seguir), destinada ao público infantil e de todas as idades. Argan (2008) comenta que o construtivismo foi uma das correntes modernistas revolucionárias que emergiu na Rússia no início do século XX. Foi marcado pela racionalidade, funcionalismo e pelo pensamento de que a arte deveria ter uma função social e política. Para narrar sua história, El Lissitzsky transformou quadrados em personagens, que atuam no espaço da página juntamente com palavras, números e formas visuais. A história de dois quadrados busca conduzir a narrativa compondo elementos puros ou formas não representativas. As imagens não representativas foram definidas por Santaella (2009) como as imagens que comumente são chamadas de abstratas por reduzirem a declaração visual a elementos puros como tons, cores, manchas, brilhos, contornos, movimentos, ritmos etc. A autora afirma que, a priori, as imagens não representativas são incapazes de representar algo

39


Figura 22 – A história dos dois quadrados. El Lissitzsky. Livro ilustrado, 1922. Fonte: LINDEN, 2011.

40


fora delas. Entretanto, também complementa dizendo que estas formas possuem um alto grau de sugestão que fisga a imaginação do leitor por meio das semelhanças. Assim, podemos pensar que as formas abstratas podem nos fazer perder o referencial sobre aquilo que estamos vendo, mas também podem instigar nossa capacidade de relacionar o que vemos com dados já conhecidos, como experiências ambientais e vivências. Arnheim (2008) comenta que a arte abstrata é incapaz de deixar de representar, uma vez que uma linha, uma cor, uma forma ou movimento, por mais simples que sejam, não oferecem abstrações intelectuais, possuindo um significado simbólico. Quando uma imagem atinge um simbolismo, são chamadas de imagens simbólicas e necessitam do aprendizado de um código estabelecido por convenção para serem

compreendidas, como apresentou Santaella (2009). Deste modo, podemos sintetizar que as imagens funcionam em três níveis que se misturam e se sobrepõem, imagens não representativas ou abstratas, imagens figurativas e imagens simbólicas. Para ilustrar por meio de elementos puros, o ilustrador cria um design a partir da combinação de elementos e das relações espaciais entre eles, criando símbolos que possam descrever, narrar, ou sugerir ações e conceitos. O ilustrador de livros trabalha com a criação de imagens que possam ser compreendidas juntamente com à narrativa. Na produção destas imagens, como demonstrou e descreveu Gombrich (2007, p.117), o ilustrador é levado à exploração de efeitos visuais, e a interpretação desses efeitos. Esses efeitos visuais comumente adquirem um sentido de metáfora. Santaella (2009) salienta que há dois conceitos centrais embutidos na noção metafórica. “O primeiro reporta-se ao conceito abrangente de metáfora como sinônimo de qualquer figura de linguagem. Enquanto o segundo referese à metáfora em um sentido estrito, como uma figura de linguagem entre outras.” Neste estudo, quando falarmos de metáforas, estamos nos referindo ao primeiro conceito. Gombrich (1999 p.14) define que as metáforas são um código de símbolos que constantemente são associados à maturidade emocional e cultural, e que podem ser tanto de uso regional, como universal. Gombrich Gombrich (IBID., p.14) explica

41


que a metáfora decorre da infinita elasticidade da mente humana de perceber e assimilar que experiências novas são modificadas de outras mais antigas, a aptidão de descobrir equivalências nos fenômenos mais disparatados e de substituir um por outro qualquer. Ele afirma que quando estes efeitos visuais relacionam-se diretamente ao tema da narrativa, podem ser considerados como metáforas visuais, porém: Desse ponto de vista, as metáforas não são, basicamente, sentido ‘transferidos’, vinculações estabelecidas, como o entende a teoria clássica da expressão metafórica. São indicadores de vinculações ainda não rompidas, de pombais suficientemente amplos para abarcar tanto o azul de um céu de primavera quanto um sorriso de uma mãe (GOMBRICH, 1999, p.48). A partir de Gombrich, podemos notar que o observador de uma ilustração pode criar interpretações amplas sobre os significados das formas da visualidade. A cor vermelho, por exemplo, em uma mancha, pode ser relacionada ao sangue, que pode simbolizar tanto a vida quanto a morte. Com um outro referencial, linhas fluidas da cor vermelha podem simbolizar amor ou paixão. Em linhas horizontais, o vermelho pode simbolizar o nascer ou pôr do Sol. Ao perder todo e qualquer referencial, a cor vermelho pode ser relacionada a todas as coisas citadas, ou a coisa nenhuma. Ao perder completamente o referencial, uma imagem deixa de ser ilustrativa, por não comunicar ideia alguma, ou por comunicar todas as ideias. Para evitar que a imagem perca seu referencial, no design da ilustração o ilustrador costuma utilizar-se

42

da criação de metáforas ou símbolos extraídos das recorrências culturais e universais, que sejam diretamente relacionados à narrativa. Assim, consideramos que uma composição de elementos puros ou abstratos é ilustrativa quando esta representar conceitos e ideias. Afinal, como vimos na página 18, todas as formas de representação visual podem vir a ser ilustrativas se carregarem em si a função de ilustrar uma ideia ou um texto. Não basta apenas que o ilustrador tenha a intenção de comunicar algo, é preciso que ele se submeta aos códigos culturais e universais no design de sua obra. Isso implica a criação de símbolos e metáforas acessíveis ao seu público. O ilustrador, portanto, está subordinado ao seu assunto, seu discurso se relaciona ao propósito da narrativa e de seu tema. Como apontou Oliveira (2008), a finalidade de uma ilustração de livro não é apenas comentar o texto literário, mas também favorecer a criação de uma nova


leitura da narrativa, interpretada pelo ilustrador. A ilustração abre caminho para interpretações que o texto não proporciona, para, assim, construir novos sentidos à narrativa. Como interprete do texto, o ilustrador não é um médium que psicografa imagens ao bel prazer. O verdadeiro ilustrador, mesmo quando o assunto gera dúvidas, busca, através de suas imagens, comunicar a essência de seu assunto, tendo em vista o repertório de seus leitores. Algumas vezes, a compreensão sobre a ilustração envolve um mergulho subjetivo dentro do diagrama de relações internas que o leitor possa criar entre o enredo da narrativa e a ilustração. Isso acontece por que a narrativa do texto abre tantos caminhos de interpretação e de visões pessoais sobre um mesmo assunto, que a capacidade de sugestionar dos elementos puros torna-se um recurso ilustrativo mais eficiente do que a literalidade das imagens figurativas. Exemplo disso está em O alienista (1994), do escritor

Machado de Assis, ilustrado pelo artista plástico Candido Portinari em 1948. O enredo do alienista conta a história do Dr. Simão Bacamarte, médico conceituado da Vila de Itajaí no século XIX. Ao decidir estudar os limites da loucura, o médico funda a casa verde, hospício onde o alienista utiliza seus pacientes como cobaias de seu estudo, para tentar catalogar os gêneros da loucura. No início, o Dr. Bacamarte é apoiado pela população, até que pessoas que aparentemente não apresentam os males da loucura começam a ser recolhidas pela casa verde. O alienista passa a recolher todas as pessoas da cidade que ele julga loucas, o vaidoso, os com mania de grandeza, outros com manias de discurso, o bajulador, a supersticiosa e a indecisa. Os exageros de Simão Bacamarte desencadeiam a revolta das Canjicas, liderada pelo barbeiro Porfírio. O barbeiro utiliza-se da revolta para tornar-se senhor de Itaguaí. Após conseguir seu intento, Porfírio reconhece a necessidade da casa verde, deixando que o alienista continue seu estudo. A partir deste momento, o alienista começa a recolher cada vez mais pessoas à casa verde, sem poder mais ser questionado. Até que, inusitadamente, o alienista chega à conclusão de que 4/5 dos pacientes internados na casa verde são casos a repensar. O alienista resolve inverter os critérios de reclusão psiquiátrica. Deste momento em diante, para o alienista, o louco é aquele que exibe um perfeito equilíbrio das faculdades mentais. São recolhidos então, os simples, modestos, leais, verídicos, magnânimos e os sinceros. Após poucos meses de tratamento, estes pacientes são liberados ao apresentarem algum tipo de desequilíbrio

43


ou perda de virtude, sendo considerados curados. Com a casa verde vazia, Bacamarte tem a epifania de que o único louco de Itaguaí é ele próprio, por não possuir defeito ou desequilíbrio algum. O alienista recolhe-se na casa verde como paciente e médico para estudar e encontrar sua própria cura. O livro termina com o narrador criando dúvidas sobre quem realmente é louco na cidade, ou se há verdadeiramente um limite entre a loucura e a sanidade. O texto fica aberto à interpretação pessoal do leitor. Com tantas dúvidas criadas pelo texto de Machado de Assis, Portinari encontrou nos elementos puros sua maneira de ilustrar a dúvida, as possibilidades de muitos pontos de vista e a subjetividade de cada ponto de vista. Na ilustração de Portinari, na Figura 23 (a seguir), temos nas manchas em preto o maior peso visual, para onde o olhar é atraído. O preto, como aponta Pedrosa (2010), não é uma cor, seu aparecimento indica privação ou ausência de luz. O preto misturado as outras cores rebaixa-as, criando

44

tonalidades desagradáveis, cores sujas, que se costuma interpretar psicologicamente como um dano negativo. As manchas em preto na ilustração de Portinari invadem agressivamente o espaço ocupado por outras cores, o que podemos interpretar como uma metáfora visual aos danos negativos causados durante toda a jornada do alienista. As manchas em preto apresentam linhas conflitantes na horizontal, vertical e diagonal. Essas linhas se apresentam como se tivessem sido produzidas em um acesso de fúria, que com velocidade espalhou a tinta sobre a superfície do papel. O conflito das formas visuais


Figura 23 – Sem título, Candido Portinari. Ilustração do livro O alienista de Machado de Assis, 1948. Fotografia, tirada no Museu Nacional de Brasília em 2011. Fonte: PORTINARI, 1948.

45


pode adquirir um caráter metafórico em relação aos conflitos gerados dentro da narrativa. O marrom, segundo Pedrosa (2010), não existe enquanto luzes coloridas, por serem amarelos sombrios. Na pintura, pode ser utilizado para rebaixar o tom das cores. Em heráldica, é visto como sinônimo de penitência, sofrimento, aflição e humildade. O marrom, portanto, pode ser lido como uma metáfora dos dramas terrenos e do sofrimento causado pela causa verde. O azul é descrito por Pedrosa como a mais imaterial das cores, e nesse aspecto poderia ser relacionada a todo contexto de mistério sobre a psique humana apresentada em O alienista. As manchas em azul são grosseiras, talvez denotando a imperfeição da psique humana. O verde descrito por Pedrosa é uma cor contraditória, uma vez que sua formação depende da junção de uma cor quente e de uma cor fria, do amarelo e do azul. Quando a junção das duas cores atinge um perfeito equilíbrio, pode também, segundo Pedrosa, representar um estado de calma. Também pode atingir o simbolismo de medicina e de esperança. Pela dualidade que o verde permite, e pelo seu significado com a medicina, podemos ver que não por acaso a cor foi escolhida por Machado de Assis para seu hospício. O verde não aparece na ilustração de Portinari; ao que parece, o ilustrador tentou fugir da objetividade da palavra para fisgar o observador para subjetividade da imagem. Vemos então, através da análise de O alienista, que o ilustrador que utiliza a composição de elementos puros caracteriza seu assunto por meio do poder destes elementos de sugestionar símbolos e ideias. Assim, a ilustração não é um delírio

46

imaginativo do ilustrador, e muitas vezes não se refere ao que o texto fala, mas ao que o texto sugere. Podemos também destacar que a obra de Portinari sem o texto de Machado de Assis poderia adquirir outras interpretações. A cor, o traço, as formas, os tons, as texturas e as manchas são elementos do design com os quais trabalhamos para estruturar construções de imagens ilustrativas ou tipográficas. Estes elementos também compõe o próprio objeto livro em sua materialidade, como, por exemplo, a cor, textura e transparência do papel, seu formato e tamanho. Toda construção visual, seja figuras de personagens, cenários, tipos, ou a própria materialidade do objeto livro, como a cor, a textura e a forma das folhas de papel, podem absorver dos elementos do design sua capacidade de sugestionar símbolos. Sabendo das capacidades do livro ilustrado, e das infinitas possibilidades da articulação dos elementos do design, muitos profissionais ao longo da


história exploraram seus recursos. Bruno Munari foi um destes profissionais, podendo ser visto como uma referência no assunto. Na Figura 24 (abaixo), capa do livro Na noite escura (2007), de Munari, publicado pela primeira vez em 1956, podemos ver como a cor pode sugestionar simbolicamente tanto na figura do gato quanto na tipografia. O azul foi descrito por Pedrosa (2010) como a cor mais escura dentre as primárias, tendo uma analogia com o

preto e com a ausência de luz. Por estas razões, o azul na pintura costuma ser utilizado como sombra. Embora mesmo na mais escura das noites seja impossível vermos um gato azul, a simplificação de Munari parece referir-se a como o azul se comporta na natureza misturando-se as outras cores no ar atmosférico. Como o azul é visto como sombra, quanto mais escura a noite, mais azul, teoricamente, teríamos no ambiente através do emprego de um tom azulado aos objetos. Parece complexo explicar este tipo de código, mas, para os ilustradores, costuma ser uma linguagem familiar. A figura do gato é, por si só, simbólica, já que é um animal que tem fama noturna e por ser um animal doméstico, introduz que a história do livro irá acontecer em um ambiente urbano. Para analisarmos a tipografia do

Figura 24 – Na noite escura, Bruno Munari. Livro ilustrado, 1956. Fonte: MUNARI, 2007

47


Figura 25 – Na noite escura, Bruno Munari. Livro ilustrado, 1956. Fonte: MUNARI, 2007, p.15

título do livro de Munari, devemos primeiro dizer que quando falamos em texto, nos referimos ao texto escrito. Como definiu Santaella: “Texto” é considerado como unidade complexa de significação de um nível superior à frase, apresentando uma coesão que o distingue de uma mera soma de frases. Essa coesão não depende da extensão, pois uma simples palavra já pode ser considerada como texto, dependendo da situação (SANTAELLA, 2009, p.283) O grande desafio dos designers e ilustradores de livros é que a palavra, quando impressa na forma de registro de fala, perde sua expressividade. Entretanto, como nos mostrou Santaella (2008), o espaçamento, os tamanhos, as cores e as formas da tipografia possuem qualidades que

48

podem vir a mimetizar a fala; desse modo, o texto é visto como imagem. Assim, os profissionais trabalham com a exploração dos elementos do design na tentativa de transformar os tipos na voz do texto. Ao buscar a expressão da voz através da tipografia, o designer explora o lado emocional do leitor. Este tipo de abordagem é comum nos livros ilustrados que tentam integrar o visual do texto com o visual das ilustrações. O


objetivo é que enquanto o leitor capta as emoções do design da imagem e dos tipos, também absorve seu conteúdo. Visto a possibilidade dos aspectos emocionais que podem adquirir os tipos, podemos analisar como pode ser lido o título da capa do livro de Munari. A tipografia com corpo grosso poderia ser traduzida por uma voz grave, forte. Por ter características um pouco agressivas principalmente nas pontas,

poderíamos dizer que há distorções na voz que buscam causar terror e medo sobre o tema: a noite escura. O azul parece valorizar o tom noturno na voz, que surge da ausência de luz e do silêncio que o preto proporciona. O livro de Munari possui três cenários por onde se desenrola a narrativa. O primeiro é um ambiente urbano, onde transitam gatos e ratos. Na Figura 25 (página anterior), vemos manchas que descrevem três mágicos e um palhaço tentando equilibrar três escadas. Ainda utilizando-se do par preto e azul, Munari também recorre ao recurso de um recorte circular no meio das páginas para sugerir a existência de uma luzinha bem longe. Deste modo, ao passar das páginas, temos a impressão de estarmos nos aproximando

Figura 26 – Na noite escura, Bruno Munari. Livro ilustrado, 1956. Fonte: MUNARI, 2007, p.21

49


Figura 27 – Na noite escura, Bruno Munari. Livro ilustrado, 1956. Fonte: MUNARI, 2007, p.40

desta luzinha. O segundo cenário apresenta o nascer do dia em meio à relva. Na Figura 26 (página 49), podemos ver que Munari utiliza a transparência do papel vegetal para descrever uma manhã nublada. Assim, por meio das sobreposições de transparência do papel, temos a sensação de profundidade. Podemos ver através das páginas as imagens das páginas seguintes em um tom esmaecido, leitoso, como a distorção de uma neblina. O efeito pode ser visto como uma metáfora visual que busca, no passar das páginas, nos aproximar da sensação de estar caminhando no meio do mato pela neblina. Ao virarmos as páginas, podemos ter a sensação de estarmos nos aproximando cada vez mais

50

dos animais que são apresentados pelo texto, e que outrora estavam nublados pelo efeito da transparência. No terceiro cenário, na Figura 27 (acimar), Munari nos convida a adentrar nas profundezas de uma caverna. Neste trecho do livro existem recortes de tamanhos diferentes no meio das páginas que criam a ilusão, ou a metáfora, de que, no passar das mesmas, estamos cada vez mais nos aprofundando na caverna. O fundo preto nos


dá a sensação de que estamos nos aproximando da ausência total de luz. No topo da página, temos animais pintados, imitando figuras desenhadas nas paredes das cavernas, que ambientam a narrativa. Mediante a observação do livro de Munari, podemos perceber que os elementos do design são utilizados tanto na composição da ilustração quanto na composição do objeto livro, a partir das formas, cores, texturas e transparência dos materiais. Pudemos perceber que pela sequência de ilustrações e o uso de recortes e de papéis, Munari cria a metáfora visual de que o leitor, ao virar as páginas do livro, percorre um lugar no espaço. Percebemos, portanto, que o design da ilustração pode estar intimamente ligado ao design da materialidade do objeto livro.

1.5 A Tipologia do Livro Ilustrado

Muito há o que se ponderar quando nos embrenhamos na desafiadora e ampla tarefa de analisar o livro ilustrado. Desafiadora, porque a materialidade do livro ilustrado é por natureza variada: em formatos, materiais, em técnicas de ilustrar, em tipos, em cores etc. Ampla, porque o livro ilustrado pode desenvolver inúmeros discursos, o que cria dificuldades para o pesquisador classificar o material analisado.

Linden (2010) comenta que, na tentativa de separar as enciclopédias ilustradas dos livros que desenvolvem uma narrativa, os pesquisadores classificam o livro ilustrado como ficção ou informativo. Porém a definição se torna imprecisa quando encontramos livros informativos que desenvolvem em paralelo um discurso ficcional. Outro tipo de classificação apontado pela autora é a separação entre livros de ordem utilitária e livros de ordem literária e artística, porém muitas vezes estes títulos vistos como utilitários acabam por desenvolver um trabalho original de criação, seja plástico ou poético. Assim, a tipologia do livro ilustrado torna-se impossível, com grandes dificuldades para demarcação de fronteiras. Diante todas as barreiras criadas na tentativa de delimitar o livro ilustrado, que se dissolvem com o lançamento de livros ilustrados inovadores, fica claro que o pesquisador lida com um universo complexo. E que a

51


análise do livro ilustrado deve ser feita levando-se em consideração caso a caso, obra a obra, o que demanda atenção especial do pesquisador. Para uma delimitação precisa do objeto deste estudo, precisaremos abordar mais alguns assuntos, como o livro de imagens, o livro pop-up e as histórias em quadrinhos. O livro de imagens costuma ser tratado como uma categoria de livro ilustrado (LINDEN, 2011; NIJOLAJEVA, 2011; CADEMARTORI, 2010). Neste gênero, mesmo composto apenas de imagens, há o desenrolar de uma narrativa visual linear ou fragmentada. O livro intitulado, Onda (2008), da ilustradora Sul Coreana Suzi Lee, é um exemplo de livro de imagens. Podemos observar nas Figuras de 28 a 30 (ao lado) que a narrativa acontece apenas por meio das ilustrações, sem o auxílio de texto. Durante todo o livro as ilustrações mostram a visita de uma

52

menina à praia e sua brincadeira com as ondas. As ilustrações possuem um encadeamento página a página, com eventos que não perdem a linearidade. O livro pop-up foi descrito por Linden (2011, p.25) como aquele que no espaço da página dupla acomoda sistemas de esconderijo, abas, encaixes, permitindo a mobilidade dos elementos, ou mesmo um desdobramento em três dimensões. Na Figura 31 (a seguir), vemos o livro pop-up, Peter Pan (2009), de Robert Sabuda. O livro conta a


história de Peter Pan que convida Wendy e seus irmãos a voar para uma terra fantasiosa. A narrativa do livro acontece por meio do texto e da imagem, e da exploração do espaço das páginas do livro. As páginas possuem colagem de encartes e abas que revelam textos sobre a narrativa e um mapa do tesouro. Muitas vezes, os livros ilustrados agregam em sua narrativa elementos, recursos e soluções visuais aplicados em outras áreas como a história em quadrinhos, o cinema, a arte e a fotografia. Troula (2008) comenta que a dinâmica também é frequente nas histórias em quadrinhos americanas de super-heróis. Naturalmente, os livros ilustrados podem assemelhar-se as histórias em quadrinhos. Basta dizer que em ambos os casos presenciamos o desenrolar de uma narrativa que acontece a partir de uma intrínseca relação entre texto e imagem. Linden (2011) Figura 28, 29 e 30 Onda, Suzi Lee Livro de imagens, 2008 Fonte: LEE, 2008.

53


Figura 31 – Peter Pan, Robert Sabuda. Livro pop-up, 2009. Fonte: SABUDA, 2009

54


comenta que, muito embora hajam páginas de livros ilustrados muito semelhantes às páginas dos quadrinhos, o livro ilustrado possui algumas especificidades, tais como: imagens maiores em tamanho e quantidade, e imagens mais subordinadas ao movimento de passagem das páginas, sendo a compartimentação do espaço menos importante do que nas histórias em quadrinhos. Como exemplo da afirmação de Linden, podemos ver na Figura 32 (a seguir), Os lobos dentro das paredes (2006), de Dave Mckean. Nesta dissertação vamos abordar livros ilustrados que contam uma história e que o fio condutor da narrativa é guiado por meio da mútua interação entre texto e ilustrações. São livros em que a disposição do texto e das ilustrações acontece de maneira coerente dentro da

página dupla e do encadeamento de páginas, contribuindo para a narrativa. A materialidade do livro, o formato e recursos de papelaria podem atender aos empregos particulares, aos reforço da mensagem da narrativa e às formas de expressão. Exemplos de livros dentro desta definição que já foram abordados aqui são: Topsys and turvys (p. 23), de Peter Newel; Les Larmes de crocodile (p. 24), de André François; Pinocchio (p. 25), de Sara Fanelli; A mãe d’água (p. 31), de Graça Lima; e Na noite escura (p. 41), de Bruno Munari. Os livros vistos neste estudo também podem vir a desenvolver relações com a linguagem das histórias em quadrinhos, que são estudadas caso a caso. Ficam excluídos, portanto, os livros de imagens, os quais não possuem texto em sua narrativa. Os livros pop-up também não são verificados, porque os títulos selecionados para análise não possuem o efeito de funcionamento. Neste primeiro capítulo são apresentadas as relações entre design, ilustração e o livro ilustrado, além de alguns aspectos históricos que nos possibilitam compreender melhor o tema abordado. O conhecimento obtido apresenta ao leitor uma forma de visualizar e estudar o design da ilustração dentro do livro ilustrado. Nos próximos capítulos, gradativamente, nos aprofundamos no estudo do design da ilustração, da sua relação com o texto e com o projeto gráfico.

55


56


Figura 32 – Os lobos dentro das paredes, Neil Gaiman (escritor) / Dave Mckean (ilustrador). Livro ilustrado, 2006 Fonte: GAIMAN, 2006.

57



2 - O TEMPO, A MONTAGEM E O IMAGINÁRIO NO DESIGN DA ILUSTRAÇÃO DO LIVRO ILUSTRADO


O design do livro ilustrado, por toda complexidade de organização de uma narrativa visual, pode ser visto como um problema de montagem. A montagem, como comenta Xavier (2005), é um termo utilizado no cinema, em que são filmadas pequenas unidades sequenciais do filme, chamadas de planos. Um plano é cada tomada de cena, um segmento contínuo da imagem filmada. Após a filmagem dos planos, é feita a montagem, ou seja, o encadeamento dos planos. A montagem implica em uma descontinuidade, já que ocorrem cortes para junção dos planos. Mediante uma montagem com continuidade lógica coerente, a sucessão de eventos e cenas é compreendida por meio das convenções. O termo plano também é usado para referir-se ao ponto de vista em relação ao objeto filmado. No caso do cinema, o ponto de vista está posicionado no foco da câmera. Nesse sentido de utilização do termo plano, é comum o uso de quatro termos técnicos para referir-se ao ponto de vista do observador da imagem. São eles: plano geral, plano médio, plano americano e primeiro plano ou close. O plano geral acontece em cenas localizadas em exteriores ou interiores amplos; a câmera toma posição de modo a mostrar todo o espaço da ação. O plano médio é principalmente utilizado em interiores onde a câmera procura mostrar um conjunto de elementos envolvidos na ação. A diferença entre o plano médio e o plano geral é que o primeiro abrange um campo de visual menor. O plano americano acontece quando as figuras humanas são mostradas até a cintura aproximadamente, por estarem mais próximas da câmera. O primeiro plano também é chamado de close; nesse caso, a câmera está bem próxima da

60

figura humana, exibindo apenas o rosto ou um detalhe. Refere-se também ao maior detalhamento de objetos. Diferente do cinema, o livro ilustrado não possui nenhuma maneira direta de retratar o fluxo de tempo, mas compartilha de sua descontinuidade e cortes de cena. Cada ilustração, como imagem fixa, presa a um suporte, capta um instante congelado, que possui seu tempo de duração sugerido. As imagens se utilizam de convenções para representar a passagem de tempo. Portanto, é importante estabelecer que quando falamos em imagens sequenciais no livro ilustrado, estamos cientes dos cortes que ocorrem entre uma imagem e outra. O que acontece nas imagens sequenciais do livro ilustrado é que sua contiguidade é compreendida por meio das convenções estabelecidas pela leitura da imagem estática. Por exemplo, se o personagem aparece em cima de uma árvore, podemos pressupor o curto espaço de tempo que a ação leva


para acontecer, porque sabemos que, por convenção, o tempo que se leva para subir em uma árvore. O cenário também pode ser um fator que demonstra a passagem do tempo, apresentando indícios como o nascer do dia e o anoitecer. O crescimento da criança, o envelhecimento dos adultos, tudo isso pode demonstrar passagem de tempo, de curtos ou longos de períodos. Portanto, o design do livro ilustrado tenta transmitir uma sensação de movimento e de tempo de duração nas ilustrações. Também se pressupõe que as lacunas entre uma imagem e outra possam ser completadas pela imaginação dos leitores. O encadeamento dos instantes congelados na ilustração podem sugerir o tempo que se passou entre uma cena e outra, embora, muitas vezes, seja necessária a intervenção do texto para situar o leitor no tempo fictício. Em um outro caso, as ilustrações podem não possuir uma linearidade de conjunto sugerida, por retratarem

eventos que acontecem em lugares diferentes, com personagens diferentes. Ou, ainda, ao abrir espaço para um discurso poético, as ilustrações possuem mais uma ligação plástica e estética do que narrativa. Nesses casos, a presença do texto torna-se imprescindível para uma montagem com coerência. Assim, o design de uma montagem coerente com continuidade lógica é um dos elementos fundamentais do livro ilustrado. O design da ilustração é influenciado por uma moldura. Como demonstrou Aumont (2002), o termo moldura pode ter dois usos. O primeiro uso se refere às molduras decorativas, que emolduram e adornam imagens, quadros, espelhos etc. Este caso é detalhado a seguir, no tópico 2.4 Ilustração ornamental narrativa, p. 95. O segundo uso, que iremos nos ocupar agora, refere-se à moldura como borda da imagem ou do suporte, o seu limite. A moldura é o que separa a imagem do que esta fora dela. Aparece como metáfora de uma janela que se abre para um mundo fictício, imaginário. No design do livro ilustrado, delimitar a moldura da imagem pode implicar em fazer escolhas sobre o formato do livro ou na divisão do espaço da página. Dentro destas possibilidades há uma grande gama de escolhas de formas e tamanhos da moldura. Tais escolhas costumam interferir na interpretação da imagem. Por exemplo, um formato longo em proporção horizontal pode facilitar a composição de uma imagem que descreva a passagem de um tempo longo, ou uma vista panorâmica de um ambiente. Entretanto, apenas a dimensão e a forma da moldura não expressam a passagem do tempo. A composição dos elementos e a criação

61


de símbolos dentro da moldura é o que guia o leitor a compreender o tempo fictício por meio das convenções. Assim, o design do formato e composição da ilustração caminham juntos. Decidir um formato para o livro ou para a moldura da imagem, consequentemente, restringe as escolhas do design da ilustração. Ao trabalhar na composição da ilustração, o ilustrador terá de escolher um ponto de vista. Esse ponto de vista pode procurar expressar sensações ou o modo particular com que a questão está sendo tratada pelo narrador. Como vimos, no cinema, o ponto de vista acontece a partir do posicionamento da câmera. Na ilustração, o ilustrador pode criar as próprias regras para compor os elementos do cenário, distorcendo a perspectiva ou a forma de ver os objetos e personagens representados dentro da moldura, ou seja, no enquadramento. Há a liberdade para posicionar o olhar do observador acima ou abaixo da linha do horizonte, promovendo a sensação de que

62

estamos voando ou de que somos pequenos em relação ao mundo que nos cerca. É, relativamente, a utilização dos termos do cinema como plano geral, plano médio, plano americano e primeiro plano ou close, para se referirem às escolhas sobre o ponto de vista dentro da ilustração. Nikolajeva (2011, p.155) descreve que em narratologia, o termo ponto de vista é empregado para denotar “a posição assumida pelo narrador, pelo personagem e pelo leitor implícito”. Os três tipos de pontos de vista podem ser fixos ou variáveis em um texto verbal. Nikolajeva comenta que a presença do narrador no texto pode ser reconhecida por meio de três traços mais evidentes, a descrição de cenário, a descrição do personagem, o resumo dos acontecimentos e os comentários sobre os acontecimentos ou ações dos personagens. No livro ilustrado, a descrição de cenários e personagens pode acontecer tanto por meio das ilustrações quanto do texto. A ilustração, por ter o poder de tornar presente cenários e personagens, costuma dominar esse tipo de descrição. Embora a ilustração possa apresentar e narrar ações e acontecimentos, não é capaz de fazer comentários diretos como o texto escrito. Assim, os comentários dos acontecimentos e das ações narradas acontecem sempre por meio da palavra, e enquanto o primeiro desacelera a narrativa, o segundo oferece um ritmo mais rápido de acontecimentos. As ilustrações também não são capazes de descrever de maneira objetiva o psicológico dos personagens assim como o texto faz. A ilustração trabalha com a criação de símbolos por meio de formas, tons, cores e recursos gráficos, para transmitir o mundo interno dos


personagens. Nesse caso, a interpretação sobre o mundo interno dos personagens fica sujeito ao critério subjetivo do leitor. Podemos, então, notar no livro ilustrado a presença de dois narradores: um visual e outro verbal. O ponto de vista dos dois narradores pode concordar ou pode fazer um contraponto, modificando a interpretação da narrativa. Desse modo, a montagem no livro ilustrado pode assumir diferentes configurações, como poderemos observar a seguir.

2.1 A Montagem no Designda Ilustração Narrativa No livro ilustrado, as ilustrações que possuem a função de narrar a partir da interação com o texto são chamadas de ilustração narrativa. O termo ilustração narrativa foi empregado por Gombrich (2007), e embora

o autor não expresse uma definição do termo, fica claro que ele refere-se às obras que contam uma história por meio de imagens. Oliveira define o gênero e diz que a ilustração narrativa está sempre associada a um texto literário. Segundo Oliveira (2008, p.44), o que fundamentalmente caracteriza a ilustração narrativa são o narrar e o descrever histórias através de imagens, o que não significa em hipótese alguma uma tradução visual do texto. A ilustração começa no ponto em que o alcance literário do texto termina, e vice-versa. Segundo Santaella (2009), a narrativa acontece pelo registro linguístico de eventos ou situações por meio da contiguidade linear ou não linear de fatos narrados, o que implica em um narrador e um leitor. A realização de ações determina a existência de personagens. Nos livros ilustrados, os personagens podem ser pessoas, objetos, animais, criaturas mitológicas, monstros etc. Ao abrir espaço para o poético, os personagens podem ser até mesmo sentimentos e cores. Para desenvolver discursos tão rebuscados, a ilustração narrativa precisa interagir com o texto. Segundo Linden (2011), texto e imagem podem ter três tipos de relacionamento narrativo: redundância, colaboração e disjunção. A redundância acontece quando a ilustração tenta reproduzir a mensagem dotexto. Embora a total redundância entre texto e imagem seja impossível, já que pertencem a linguagens distintas. Linden (2011, p.120) comenta que a redundância se refere à congruência do discurso, o que não impede, por exemplo, que a imagem forneça detalhes sobre os cenários ou desenvolva um discurso estético específico.

63


A colaboração acontece quando texto e imagem colaboram unindo na narrativa as forças e fraquezas próprias de cada código. E a disjunção ocorre quando há uma disjunção entre o conteúdo do texto e da imagem. A autora afirma que, quando há disjunção, podem existir duas linhas narrativas paralelas. A relação entre texto e imagem podem ser mantida ou alterada ao longo da narrativa. Flicts de Ziraldo, apresentado na página 30, conta a história da cor Flicts, protagonista, que busca seu lugar no mundo das cores. Na

Figura 33 (a baixo) podemos ver uma das páginas do livro onde o texto impresso diz: “Era uma vez uma cor/muito rara emuito triste/que se chamava Flicts” (ZIRALDO, 2005, p.5). O texto evoca a ilustração do personagem, a cor Flicts. Enquanto o texto conduz a narrativa, a ilustração descreve o que seria inviável ao texto reproduzir. Portanto, o texto e a imagem mantém uma relação de colaboração, unindo-se para expandir a compreensão da narrativa. Afinal, seria difícil descrever uma cor com precisão por meio da palavra. Por meio das ilustrações de Flicts, podemos observar também que a ilustração narrativa pode surgir tanto a partir de uma composição de elementos figurativos quanto de elementos puros. A diagramação de Flicts acontece por associação. Na diagramação associativa, temos sempre um enunciado verbal e um enunciado visual no espaço de cada página.

Figura 33 – Flicts, Ziraldo. Livro ilustrado, 1969. Fonte: ZIRALDO, 2005, p.5.

64


Assim, a leitura torna-se mais dinâmica por meio dessa rápida sucessão de imagens e textos curtos, como demonstrou Linden (2011). Na Figura 34 (abaixo), na primeira caixa de texto temos: “Na escola a caixa de lápis/cheia de lápis de cor/ de colorir paisagem/ casinha e cerca e telhado/ árvore e flor e caminho/ laço e ciranda e fita” (ZIRALDO, 2005, p.14). Ao invés de trabalhar com a vírgula, o autor preferiu pular de linha para reproduzir as pausas da fala. A ilustração nos apresenta as

cores que não foram diretamente mencionadas no texto, como o azul, o amarelo o roxo os tons de verde etc. Texto e imagem criam uma dinâmica de colaboração. Enquanto a imagem apresenta, o texto explica, um preenche a lacuna do outro. Na segunda caixa de texto ainda na Figura 34, temos: “não tem lugar para Flicts” (ZIRALDO, 2005, p.14). A distância entre a primeira caixa de texto e a segunda parece sugerir o tempo entre uma fala e outra. Na Figura 35 (a seguir), o texto diz: “UM DIA FLICTS PAROU/ e parou de procurar” (ZIRALDO, 2005, p.37). O texto em caixa alta busca imitar a ênfase da fala, praticamente um grito. A ilustração nos apresenta uma barra da cor Flicts, podendo ser visto como uma metáfora visual que pretende descrever o repouso da forma. A relação entre texto e imagem é de redundância, já que a ilustração tenta

Figura 34 – Flicts, Ziraldo. Livro ilustrado, 1969; Fonte: ZIRALDO, 2005, p.14.

65


Figura 35 – Flicts, Ziraldo. Livro ilustrado, 1969. Fonte: ZIRALDO, 2005, p.37.

66


reproduzir a mensagem do texto. A ilustração entre duas frases do texto parece representar uma pausa no meio delas. Assim, o design da página do livro ilustrado, além de preocupar-se em criar uma organização coerente e estética entre o texto e imagem, pode buscar relações com a sonoridade da fala e com o ritmo e de leitura. Como a protagonista é uma cor e, portanto, não mantém referenciais com a figura humana, fica inviável utilizarmos os termos de ponto de vista do cinema. A composição de Flicts acontece pelo agrupamento de objetos planos em um universo bidimensional. O ponto de vista do observador é sempre uma vista superior em relação ao universo bidimensional, que nunca ganha a ilusão de profundidade. Tanto o narrador visual quando o verbal passam a ideia de onipresença. As ilustrações são sangradas na página, ou seja, ocupam toda a superfície da mesma, com reserva de áreas em branco onde o texto é inserido. Este recurso da imagem sangrada sugere a sensação de que as imagens se estendem para além da folha. Desse modo, a escolha

de sangrar a página com a ilustração sugere que o nosso universo tridimensional pode ser sensorialmente afetado pelo universo bidimensional de Flicts. A montagem de Flicts não acontece pela sequência das imagens narrativas. O texto guia a narrativa, enquanto as ilustrações cumprem mais o papel de descrever do que de narrar eventos. Portanto, Flicts tem uma única linha de tempo guiada pelo texto, em que as imagens encarregam-se de expandir as descrições e dar novos sentidos a palavra. No livro A Dona da Festa (2011), da escritora Elisa Lucinda e da ilustradora Graça Lima, a personagem é o

67


sentimento da Alegria, manifestado por meio de uma menina, que aparece na Figura 36 (abaixo), capa do livro. No decorrer das páginas, a menina não aparece nas ilustrações. O texto é a voz da menina que evoca momentos e ações para referir-se ao sentimento da alegria. As ilustrações relacionam-se ao texto, apresentando cenas e ações que o texto sugere. No final do livro, a menina aparece apresentando-se como Alegria, demonstrando que o

Figura 36 – A dona da festa Elisa Lucinda (escritora) Graça Lima (ilustradora) Livro ilustrado, 2011 Fonte: LUCINDA, 2011

68

ponto de vista da narrativa verbal é de um narrador presente e em primeira pessoa. A última ilustração do livro é uma variação da ilustração da capa. Desse modo, a capa oferece indícios do final da narrativa. Na Figura 37 (a seguir), vemos um exemplo da relação de texto e imagem desenvolvida no livro. No texto de Lucinda (2011, p.2) temos: “Sou uma menina que vê primeiro/o lado bom da fruta./Pareço até meio maluca por achar/tanto divertimento em lugar de festa/e também em lugar de labuta,/em lugar de ordem e também em lugar de bagunça./Sou leve como uma borboleta e dou leveza a todos os assuntos./Moro no sorriso de Maria,/posso viver no olhar da vovó Constância./Eu caio bem em muitas circunstâncias/e combino com qualquer tempo:/chuva, sol calor e vento”. Na ilustração vemos um chefe de cozinha feliz em seu momento de trabalho, ação não citada no texto, mas sugerida. Isso caracteriza uma relação de disjunção entre o conteúdo do texto e o conteúdo da ilustração. Nesse caso, temos a coexistência de duas linhas narrativas. A primeira é linha narrativa do texto, que mantém uma sequência de ações e descrições ininterruptas. E a segunda é a linha narrativa da imagem que é fragmentada, pois apresenta eventos que acontecem em locais e tempos narrativos distintos. Essa linha narrativa da imagem, nesse caso, ganha coerência e sequência narrativa por meio do texto.


Esse padrão se mantém durante todo o livro. As imagens narram mais momentos de alegria do que ações apresentadas diretamente no texto, como podemos ver na Figura 38 (ao lado). Podemos notar que a montagem de A dona da festa acontece mediante uma linha narrativa contínua guiada pelo texto. A ilustração interfere na linha narrativa apresentando cenas que não são descritas no texto, mas que são evocadas, sugeridas. Como podemos observar nas Figuras 37 e 38, a composição das ilustrações apresenta sempre um plano médio, ou seja, busca representar um conjunto de pessoas ou objetos envolvidos em uma ação. Esse tipo de composição acontece em todas as ilustrações do livro, o que causa um ritmo visual monótono entre as páginas. A diagramação de A dona da festa ocorre por dissociação.

Figura 37 – A dona da festa, Elisa Lucinda (escritora) / Graça Lima (ilustradora). Livro ilustrado, 2011. Fonte: LUCINDA, 2011, p.2-3.

Figura 37 – A dona da festa, Elisa Lucinda (escritora) / Graça Lima (ilustradora). Livro ilustrado, 2011. Fonte: LUCINDA, 2011, p.10-11.

69


Como demonstrou Linden (2011, p.68), nesse tipo de organização, a imagem costuma ocupar aquilo que os tipógrafos chamam de “página nobre”, a da direita – aquela em que o olhar se detém na abertura do livro –, ao passo que o texto fica na página da esquerda. A dobra no meio do livro marca uma divisão de território entre duas linguagens. Esse tipo de diagramação resulta em um ritmo lento de leitura. No livro A rainha das cores (2003), de Jutta Bauer, a ilustração de capa, na Figura 39 (abaixo), é uma variação de uma ilustração do final da narrativa. Ela apresenta a rainha das cores em todo seu

esplendor, portanto, a capa antecipa o desfecho da história. A ilustração passa pelo lombo do livro e se estende da capa até a quarta capa. O livro conta a história da rainha das cores que invoca as cores ao seu bel prazer, até que as cores se revoltam contra o mau humor da rainha e tudo ao redor dela se torna cinza. A reviravolta acontece quando a rainha das cores se arrepende e começa a chorar cada lágrima de uma cor, e tudo volta a ser colorido; então ela começa a jorrar cor e alegria por todos os lados da página. O texto de A rainha da das cores é caracterizado sempre pela voz do narrador, que conta a história de cada uma das peripécias da rainha ao invocar as cores. Na Figura 40 (a seguir), do lado esquerdo da página dupla, temos no texto de Bauer (2003, p.12): “Ela ordenou que ele virasse um cavalo”. E na ilustração temos a rainha das cores ordenando o vermelho a virar um cavalo. Em seguida, do lado direito da dupla, temos o texto de Bauer (2003, p.13): “e assim galoparam pelo reino”. A ilustração que acompanha o texto mostra a rainha galopando no cavalo vermelho. A relação de

Figura 39 – A rainha das cores, Jutta Bauer. Livro ilustrado, 2003. Fonte: Bauer, 2003.

70


redundância entre o texto e a imagem se mantém durante todo o livro, o que ocasiona uma leitura uniforme, sem grandes surpresas. Há pouco espaço para dúvida ou questionamento sobre a relação entre o texto e a imagem. Embora sem surpresas, o ritmo de leitura de A rainha das cores é bem ligeiro devido à diagramação associativa que reúne uma ilustração e textos curtos em cada página. As ilustrações de A rainha das cores possuem uma grande variedade enquadramentos. Na capa, Figura 39, temos um plano geral. Ao abrir espaço para o cenário, reforça-se a ideia de amplitude, grandiosidade e o poder da rainha das cores. Na Figura 40, tanto na página da esquerda quanto da direita, temos duas composições em plano médio, que gera ao leitor a sensação de distanciamento do acontecimento para que ele possa julgar as ações da rainha. Na Figura 41 (a seguir), temos um plano médio que, unido à expressão corporal da rainha, aumenta o efeito dramático da cena. Na Figura 42 (a seguir), temos, no lado esquerdo da dupla, um close no rosto da rainha. Ao ampliar o tamanho da personagem dentro da página, altera-se a relação de espaço entre o observador e a imagem, o que, nesse caso, aumenta o impacto emocional da descrição das lágrimas da rainha. Do lado direito, ainda na Figura 42, temos uma espécie de plano geral. O ilustrador utilizou o recurso de esvaziar o fundo ao redor da rainha para dar amplitude a cena, enfatizando a sensação de vazio, solidão e desamparo da rainha. No momento da reviravolta da narrativa, quando a rainha das cores recupera seu reinado, o texto

desaparece e a ilustração dá sequência à narrativa, como podemos ver nas Figuras 43, 44 e 45 (a seguir). Esse recurso de desaparecer com o texto é comum em alguns livros ilustrados, porém não é por isso que as ilustrações não possuem relação com o texto. Em um todo narrativo, as ilustrações continuam sendo elementos ligados a um texto, mesmo que este tenha ficado nas páginas anteriores ou apareça nas páginas seguintes. Com este recurso, busca-se favorecer o impacto de um momento da narrativa por meio das ilustrações. O formato do livro é de 21x14 centímetros; aberto, o livro ganha a dimensão de 42x14 centímetros. Com essa amplitude longilínea, as composições em plano geral ganham grande impacto visual. Na sequência de imagens das Figuras 43, 44 e 45, as composições em plano geral mostram a rainha das cores percorrendo um grande espaço e espalhando cores para todos os lados. A amplitude do plano geral

71


enfatiza o quão longe o poder da rainha com as cores pode ir. As imagens sangradas intensificam o efeito de que os poderes da rainha podem saltar para fora do enquadramento da ilustração ou do universo fictício. A montagem de A rainha das cores acontece por meio de uma sequência de ilustrações. As lacunas entre uma ilustração e outra são preenchidas pela imaginação do leitor. Os eventos se desenvolvem linearmente, sendo o texto auxiliar no desenvolvimento deste tempo narrativo. Auxiliar, porque as ilustrações são suficientes para compreensão da trama narrativa, e, ao tornar os eventos e personagens presentes, a ilustração descreve muito mais detalhes que o texto escrito. Podemos perceber mediante a análise de Flicts (2005), A dona da Festa (2011) e A rainha das cores (2003) que, no design

Figura 40 – A rainha das cores, Jutta Bauer. Livro ilustrado, 2003. Fonte: BAUER, 2003, p.12-13.

Figura 41 – A rainha das cores, Jutta Bauer. Livro ilustrado, 2003. Fonte: BAUER, 2003, p.16-17.

Figura 42 – A rainha das cores, Jutta Bauer. Livro ilustrado, 2003. Fonte: BAUER, 2003, p.34-35.

72


Figura 43 – A rainha das cores, Jutta Bauer. Livro ilustrado, 2003. Fonte: BAUER, 2003, p.48-49.

Figura 44 – A rainha das cores, Jutta Bauer. Livro ilustrado, 2003. Fonte: BAUER, 2003, p.50-51.

da ilustração, o ilustrador trabalha na criação de relações entre o texto e a imagem que acontecem em diferentes níveis. Ao trabalhar no espaço da página, o ilustrador pode separar ou unir o texto e a imagem no mesmo espaço. Ao trabalhar no significado das mensagens do texto e da imagem, o ilustrador por criar redundância, colaboração ou disjunção na montagem dos enunciados verbais e visuais. O design coerente das informações verbais e visuais é o que dá fruição à narrativa. No próximo tópico veremos como o ilustrador trabalha no design da ilustração escolhendo os elementos de cenário e personagens, além do momento que deve ser ilustrado, para causar impacto visual e instigar a imaginação do leitor.

Figura 45 – A rainha das cores, Jutta Bauer. Livro ilustrado, 2003. Fonte: BAUER, 2003, p.52-53.

73


2.2 Tempo e Espaço no Design da Ilustração Narrativa Flusser (2007) aborda dois tipos de processos de leitura, um por linha e outro por superfície. A linha refere-se ao processo da leitura do texto; enquanto a superfície à leitura das imagens. O autor exemplifica o processo dizendo que precisamos seguir o texto se quisermos captar a mensagem, enquanto na pintura podemos apreender a mensagem primeiro e, depois, tentar decompô-la. Flusser (2007, p.105) comenta que essa é a diferença entre a linha de uma só dimensão e a superfície de duas dimensões: uma almeja chegar a algum lugar e outra já está lá, mas pode mostrar como lá chegou. Segundo Loomis (1947), o ilustrador se utiliza do poder da linha para criar um caminho para o olhar do

74

observador, guiando-o até o ponto focal, o ponto de maior interesse da ação narrativa. Loomis ainda argumenta que o design desta organização de elementos é o que favorece a imagem atingir seu objetivo. Para Flusser, a linha: arranca as coisas da cena para ordená-las novamente, ou seja, para contá-las, calculá-las. Ela desenrola a cena e a transforma em uma narrativa. Ela “explica” a cena na medida em que enumera clara e distintamente (clara ET distincta perceptio) cada símbolo isolado. Por isso a linha (o “texto”) significa não a circunstância diretamente mas a cena da imagem, que, por sua vez, significa a “circunstância concreta”. Os textos são um desenvolvimento das imagens e seus símbolos não indicam algo diretamente concreto, mas sim imagens. São “conceitos” que significam “idéias” (FLUSSER, 2007, p.132). Assim, a partir da citação de Flusser e dos argumentos de Loomis, podemos conceber que a linha é um elemento importante não apenas na leitura dos textos, mas faz parte de uma noção de processo, de continuidade. O design do livro ilustrado é pensado dentro da pressuposição de uma linearidade na leitura. Podemos até abrir o livro e começar a folhear as páginas sem nenhuma linearidade. Entretanto, a narrativa do livro ilustrado acontece por meio da sucessão linear da passagem de páginas, que tem seu início na capa e seu encerramento na quarta capa. O tempo da narrativa é um elemento complexo e importantíssimo no design do livro ilustrado. Primeiro, temos o tempo de leitura entre o texto e a imagem, que é pessoal, assim como o tempo que o leitor emprega em cada página e no passar de


páginas. Em processo de alfabetização, uma criança pode demorar mais tempo para ler o texto escrito. O leitor também tem o controle do tempo que irá empreender na leitura da imagem. Além do tempo de leitura, temos o tempo fictício. Como comenta Linden (2011, p.116) no design do livro ilustrado, tenta-se fazer com que o tempo da leitura coincida com tempo fictício. Por meio das relações entre texto e imagem, tenta-se criar um ritmo de leitura similar ao ritmo dos acontecimentos das cenas. Para comunicar a noção de tempo, a ilustração costuma alternar na representação de instantes que sugerem ritmos diferentes de leitura, como o instante qualquer, o instante movimento e o instante capital. Esses três tipos de instantes representados na ilustração foram abordados por Linden (2011). A ilustração de um instante qualquer é caracterizada pela ideia de desenvolvimento de tempo lento, relacionada mais a descrição de uma situação do que à figuração de uma ação. O instante qualquer, assim, parece ser pinçado de um evento casual. O instante movimento figura o momento característico de uma ação completa. Somos sugestionados a imaginar o que aconteceu para que os personagens chegassem ao momento apresentado e podemos também imaginar um desfecho ou continuidade para o conflito criado nas cenas. O instante capital condensa a essência de um acontecimento, concentrando todas as características necessárias para sua compreensão. Uma das características do instante capital é a justaposição de uma série de fragmentos de eventos e ações em uma única imagem, o que resulta em um ritmo denso e complexo. Assim, a narrativa costuma alternar entre ritmos de leitura mais ágeis e outros

mais lentos. O ritmo, portanto, é um elemento fundamental no design da ilustração e no encadeamento de páginas. Para o ilustrador, a composição dos elementos na página não é apenas uma preocupação estética, sua função é, principalmente, transmitir claramente a intencionalidade da história, criar um ritmo de leitura, gerar interesse pelas ilustrações e apreensão na narrativa. Portanto, o design da página no livro ilustrado está diretamente relacionado ao ato de contar histórias. Na criação deste ritmo de leitura, o uso da ilustração pode ser visto como uma pausa no texto, como demonstrou Nikolajeva (2011). Enquanto a leitura linear do texto nos emprega a noção de processo e incentiva a proceder, a imagem no convida a interromper uma linearidade. Devemos, porém, perceber que a linha aparece na imagem narrativa como noção de processo de leitura. Poderemos ver como a linha guia a leitura na imagem por meio da análise de Thapa Kunturi.

75


Thapa Kunturi (2007) é do escritor e ilustrador Gonzalo Cárcamo. Como aponta Cárcamo (2007), é um conto situado na época pré-hispânica, ou pré-colombiana, antes do chamado descobrimento da América por Colombo, em 1492. A narrativa é sobre o menino Wuayna Chacha e sua lhama de estimação, Wintata. Certo dia, perambulando pelas montanhas, Wuayna salvou um filhote de condor das garras de um gato montês. O menino então adota o pássaro como novo animal de estimação e o chama de Khuna. Em um determinado dia, durante um passeio de barco, a mãe do filhote de condor aparece e em um instante toma seu filhote de volta e o leva para longe. O texto narra que durante muito tempo o menino se sentiu deprimido perante o episódio e tentou chegar ao topo da montanha na esperança de reencontrar Khuna. Um dia, andando pela montanha, o menino avista uma caverna onde encontra uma relíquia dourada. Wuayna leva a relíquia para aldeia, onde os adultos ficam temerosos pelo mau agouro que a relíquia pode trazer para tribo. Os adultos decidem que o menino

76

deve ir até o bruxo da aldeia vizinha, para decifrar a estranha relíquia, e, assim, ele parte em nova jornada. Ir até a aldeia vizinha implicava em seguir viajem por um caminho estreito chamado Thapa Kunturi. Situado no ponto mais alto da montanha, o caminho era à beira do precipício e não havia espaço para manobras que o capacitasse retroceder depois de iniciado o trajeto. É quando o menino encontra um homem hostil vindo em direção oposta. Então, o impiedoso homem tira uma moeda e disputa o jogo de cara ou coroa com o menino, que perde. Nesse momento, o homem aponta uma lança para


Figuras 46 e 47 – Thapa Kunturi, Gonzalo Cárcamo. Marcação de planos por meio de vetores, sobre a página do livro ilustrado, 2011. Fonte: CÁRCAMO, 2007, p.12–13.

77


Wuayna, que se vê a beira da morte, sendo obrigado a retroceder o passo, o que o leva à beira do abismo. É então que um condor que espreitava a cena intercepta o menino e sua lhama no ar, salvando-os da morte certa. A história termina sem uma explicação clara, não sabemos qual condor salvou a vida do menino, a mãe condor, ou seu antigo animal de estimação que já havia crescido. Na Figura 46 (página anterior), vemos uma das primeiras ilustrações de Thapa Kunturi, que mostra uma composição em plano geral. No texto escrito temos um descritivo sobre as lhamas domesticadas, que servem de fonte de lã. A ilustração sugere um ritmo lento, caracterizando a representação de um instante qualquer que ilustra um momento do cotidiano da tribo de Wuayna. A ilustração mantém um aspecto de narração mais descritiva ao mostrar as lhamas pastando e os pastores em volta. Como demonstrou Arnheim (2008), a sobreposição

78

de planos é um recurso visual da imagem pictórica para criar a ilusão de profundidade no plano bidimensional. Arnheim afirma que a sobreposição de plano na pintura é como a adição de vozes na linha melódica simples, onde as várias vozes, embora relativamente independentes uma das outras, com a passagem do tempo, tornam-se interligadas. Na ilustração, através da sobreposição de planos, o ilustrador pode criar linhas de força que guiem o olhar a navegar pela imagem. Essas linhas de força, embora independentes, atuam em um conjunto dentro do espaço da página. Na Figura 47 (página 77), podemos ver a separação dos planos da ilustração de Cárcamo. Cada número assinalado na imagem corresponde à marcação de um plano. O número 1 corresponde ao primeiro plano, por que como Arnheim (2008, p.240) demonstrou, a orientação dos olhos em seu percurso da frente para trás é evidente. Portanto, vemos sempre o que está em destaque no primeiro plano. As linhas coloridas representam as diferentes linhas que podem guiar o olhar do leitor dentro da imagem. Embora o leitor seja sugestionado por este conjunto de forças perceptivas que direciona o olhar, ainda sim tem o poder de escolha. Estas linhas convergem em alguns pontos, influenciando-se, aplicando maior ou menor força ou resistência umas sobre as outras. Assim, o caminho do olhar é um passeio do leitor que busca compreender e apreciar a ilustração e a narrativa. O passeio pode ser repetido quantas vezes forem desejadas, e é possível que novas interpretações surjam deste processo. Portanto, no design da ilustração, além de organizar


a informação visual, as linhas que guiam o olhar têm como intuito conquistar o leitor para que ele busque o detalhe, o que há além da imagem, o que pode ser encontrado na imaginação. O texto de Cárcamo, com muitas descrições, sugere lirismo com linhas temporais que se desenvolvem em longas ondulações. O livro fechado possui a medida de 28,5x21,5 centímetros, atingindo 57x21,5 centímetros quando aberto. Este formato longilíneo sugere uma passagem de tempo lenta; já do ponto de vista dramático, o tempo da ilustração parece lírico, assim como o texto. Desse modo, texto e imagem compartilham desta sensação. Embora o tamanho do livro seja bem grande em relação às mãos para manuseá-lo, os personagens são sempre vistos de longe, sendo miniaturas comparadas ao tamanho e pessoas reais. Este fator nos dá a sensação de posse das imagens e transmite uma separação entre a amplitude do nosso mundo e a amplitude

do universo do personagem. A moldura em branco separa o texto da ilustração em dois níveis de leitura distintos, e também pode ser visto como uma metáfora visual, que separa o nosso universo do universo fictício. Toda essa distância criada pelo tamanho da imagem e da colocação da moldura é dissipada quando nos deixamos levar pela ficção, pela imaginação. A moldura, portanto, convida o leitor a entrar no universo fictício, enquanto as imagens sangradas sugerem que o universo fictício esta saindo do livro. Na Figura 48 (a seguir), vemos o momento em que a mãe condor aparece para recuperar o seu filhote. A captura de uma ação em movimento caracteriza a representação de um instante movimento, que cria impacto visual e acelera o ritmo da narrativa visual. O ponto de vista localizado no alto aumenta o apelo dramático da cena de separação inevitável entre Wuayna e Khuna. Ao distanciar o foco de Wuayna, o ilustrador expressa que ele está em segundo plano na cena; ele não é o foco neste momento. O condor saindo da moldura da imagem enfatiza a mensagem de que o amigo Khuna está longe do alcance de Wuayna. Na Figura 49 (a seguir), podemos ver as marcações das linhas de força que guiam o olhar. A leitura ocidental segue da esquerda da direita, de cima para baixo. Sabendo disso, o ilustrador usou no canto superior esquerdo da página o capim dourado, como elemento que aponta em direção ao ponto focal. Podemos ver isso na marcação em vermelho. A marcação em verde mostra que a imagem permite mais de um caminho até o ponto focal; entretanto, todas as linhas de força guiam para o

79


Figuras 48 e 49 – Thapa Kunturi, Gonzalo Cárcamo. Marcação de planos por meio de vetores, sobre a página do livro ilustrado, 2011. Fonte: CÁRCAMO, 2007, p.24–25.

80


Figuras 50 e 51 – Thapa Kunturi, Gonzalo Cárcamo. Marcação de planos por meio de vetores, sobre a página do livro ilustrado, 2011. Fonte: CÁRCAMO, 2007, p.34 – 35.

81


mesmo ponto de interesse. Tantas linhas confluindo para um mesmo ponto de interesse buscam enfatizar que estamos diante de um momento de importância fundamental para compreensão da narrativa. Assim, podemos perceber que a linha é capaz de criar diferentes ritmos de leitura dentro da imagem, os quais podem expressar as tensões da narrativa. Na Figura 50 (pagina anterior), temos a ilustração do momento em que a tribo se reúne para decidir o que irão fazer com a relíquia trazida por Wuayna Chacha. A justaposição de uma grande variedade de acontecimentos simultâneos caracteriza um instante capital. Neste tipo de ilustração, vários eventos parecem pinçados da linha temporal e são apresentados ao leitor, que é exposto a complexidade de eventos daquele momento da narrativa. Na Figura 51 (página anterior), podemos ver que há uma separação de núcleos de pessoas reunidas. O núcleo 1 pode ser definido como o foco principal de atenção. O núcleo 2 está observando atentamente o núcleo 1. O núcleo 3 sugere uma conversa paralela ao evento do grupo 1 e 2. O núcleo 4 parece estar mais distante do evento, aparenta uma conversa paralela entre as mulheres da aldeia. O núcleo 5 é composto pela sonolenta lhama distante dos eventos. Podemos notar também que o olhar e o posicionamento dos corpos dos personagens sugerem o direcionamento de uma linha que guia o olhar do observador sempre em direção do ponto focal. O design da ilustração do livro ilustrado é construído com a intenção de despertar a imaginação. Flusser (2007), ao tentar explicar a imaginação por meio de linhas e superfície, definiu dois tipos de ficção: a imagética e a conceitual. Segundo

82

Flusser, a ficção imagética relacionase com os fatos de um modo subjetivo e inconsciente, e a ficção conceitual faz o mesmo de maneira objetiva e consciente. A ilustração narrativa, portanto, utiliza-se da criação de símbolos para comunicar fatos. Ao depararse com a imagem, o observador, mediante um repertório de convenções, decodifica esta imagem subjetivamente. Essa subjetividade pode ser explorada na imagem, com intuito de despertar a imaginação do leitor. E este parece ser um dos grandes trunos da ilustração ao trabalhar mais com a sugestão do que vemos do que a representação tal qual vemos no mundo real. Segundo Oliveira (2008, p.118), o desenho tem como função tornar perceptíveis os objetos, e não dar formas acabadas a eles. Gombrich (2007) demonstra que a sugestão abre muito mais portas para a imaginação, uma vez que preferimos ajustarmos nossas expectativas para usufruir do ato de adivinhar, de projetar. Para Gombrich (2007,


p.326), racionalizamos essa preferência, pretendendo que o desenho deva estar mais próximo daquilo que o artista viu e do que sentiu do que a obra acabada. Assim, podemos pensar que o ato de estruturar satisfatoriamente a figura humana e representar cenários não são o suficiente para uma boa ilustração, é preciso, antes de tudo, que a ilustração estimule a imaginação. Independente da técnica ou do suporte de produção da imagem, a ilustração, ao representar deve buscar convidar o observador para uma visão de um mundo imaginário, ao invés de trazer ao observador uma visão do mundo real. Como comentou Oliveira (2008, p.118), sempre é visível na obra dos grandes ilustradores uma membrana de ilusão envolvendo o representado. No design da ilustração é possível criar diferentes relações entre texto e imagem para estimular a imaginação do leitor. A ilustração pode adiantar cenas que o texto não narrou, fazendo

com que o leitor imagine como os personagens chegaram ao conflito apresentado pela imagem. É possível também trazer ilustrações de cenas já narradas pelo texto para criar novas dúvidas. Quando a ilustração trabalha com a dúvida, pode promover muito mais riqueza à imaginação do que quando ilustra uma redundância do texto. o esconder personagens e objetos nas sombras, o ilustrador pode explorar o campo da dúvida, pode projetar sua própria visão das coisas. As sombras podem ser utilizadas como um recurso visual para criar suspense, e é o que acontece em Thapa Kunturi, quando o menino Wuayna Chacha encontra um homem misterioso que o incita a pular no precipício. Na Figura 52 (a seguir), vemos o menino, sua lhama e o homem montado no touro, no fundo. O texto de Cárcamo (2007, p.42), que descreve o homem, somente diz: o homem de aspecto hostil lhe dirigiu algumas palavras incompreensíveis com uma voz cavernosa. Ao esconder a figura do homem nas sombras, o ilustrador promove a imaginação, uma vez que sentimos mais medo do desconhecido e do que podemos imaginar do que se víssemos a figura do homem. Ao esconder uma imagem nas sombras, o ilustrador força o leitor a questionar-se sobre o que esta vendo. O leitor, então, busca respostas no texto ou completa as lacunas com a imaginação. Devemos perceber que nesta ilustração o que está em pauta não é apenas o jogo de luz e sombras, mas também toda ambientação do cenário. O cenário desfavorável é o que catalisa o impasse entre Wuayna Chacha e o homem. A neblina e a

83


Figura 52 – Thapa Kunturi, Gonzalo Cárcamo. Fonte: CÁRCAMO, 2007, p.42–43.

Figura 53 – Thapa Kunturi, Gonzalo Cárcamo. Fonte: CÁRCAMO, 2007, p.10–11.

84


luz do sol que ofuscam a nossa visão, escondendo o homem ameaçador nas sombras, são efeitos visuais que criam um ambiente de dúvida, de imaginação. Nikolajeva comenta que enquanto: o narrador verbal força o leitor a “ver” certos detalhes do cenário, ao mesmo tempo que ignora outros. A representação visual do cenário é “inanarrada” e, por isso, não manipuladora, dando ao leitor considerável liberdade de interpretação (NIKOLAJEVA, 2011, p.85). Podemos, então, pensar que, embora a ilustração seja capaz de sugestionar o clima de tensão, também é capaz de deixar o leitor livre para tirar conclusões subjetivas sobre o cenário. No cenário também podem ser criadas metáforas visuais que visam reforçar a personalidade de algum personagem ou a tensão do clima. É o caso do trovão sobre a cabeça do homem no plano de fundo da Figura 52, que parece sugestionar a agressividade da personalidade do homem. Portanto, no design da ilustração narrativa, o cenário é um importante elemento na construção da ambientação do clima e das emoções do momento narrativo. De fato, o cenário parece substancial para todo desenvolvimento do discurso narrativo de Thapa Kunturi. Ao descrever as dificuldades do clima de uma região, também nos apresenta características típicas de uma determinada época. Na Figura 53

(página anterior), podemos visualizar toda descrição da aldeia de Wuayna Chacha. Podemos acompanhar por toda a ilustração um dia típico do cotidiano da aldeia, perceber como as pessoas se vestem, se comportam, se movimentam, formam grupos, como constroem suas casas. A casa de pedra no topo da colina cercada de casas de palha demonstra o domínio de duas técnicas de construção diferentes. Também podemos observar que as casas foram construídas na beira do lago. O texto fala que a aldeia localizava-se nas margens do lago Titicaca. Enquanto o texto confere nomes às descrições, a imagem apresenta cores e sensações instantaneamente. A ambientação também colabora para a caracterização dos personagens. Ao

85


sabermos onde o personagem mora e com que tipo de pessoas e situações ele se relaciona, começamos a imaginar características possíveis de sua personalidade. Quando trabalha no design dos personagens de uma narrativa, o ilustrador está trabalhando na caracterização. Como comenta Loomis (1947), o ilustrador trabalha com fatos, por exemplo, o modo como o menino de uma aldeia Inca deve vestir, movimentar, e a dimensão de seu psicológico. Embora haja pesquisa e referências

históricas para o ilustrador realizar seu trabalho, sua criação é voltada principalmente para os propósitos da narrativa ficcional. Na Figura 54 (página anterior), podemos ver o menino Wuayna Chacha. Olhando para sua figura, podemos perceber características dos seus aspectos físicos e até psicológicos. Mediante a linguagem corporal, conseguimos notar que ele é ágil, tem equilíbrio e é disposto. As roupas o caracterizam como membro de sua tribo, já que a maioria das pessoas ao seu redor está trajando roupas semelhantes. A linguagem corporal dos outros habitantes da tribo sugere que ele é carismático, já que as pessoas parecem prestar atenção no garoto. Devemos atentar que os eventos em que o personagem se envolve, bem como suas ações, são um campo de indícios de sua descrição. Ao captar esses indícios, o leitor deverá fazer seu julgamento subjetivo

Figura 54 – Thapa Kunturi, Gonzalo Cárcamo. Fonte: CÁRCAMO, 2007, p.10–11.

86


sobre os personagens. Através da análise de Thapa Kunturi, pudemos notar que explorar os potenciais próprios de cada linguagem, visual e verbal, bem como a interação de ambas, está na essência do design da ilustração. A relação entre palavra e imagem é construída quando o ilustrador organiza e estrutura os elementos representados. Também quando escolhe os instantes representados na ilustração, quando cria efeitos visuais que tenham relações com a sensação expressa na linguagem verbal e quando cria um projeto gráfico ou o design da página.

2.3 O Design de Mundos Imaginários

Flusser (2007) comenta que a imaginação costuma ser

compreendida como uma faculdade humana que se manifesta como um gesto com o qual o homem se posiciona em seu ambiente mediante a criação de imagens mentais eventualmente exteriorizáveis. Flusser (2007, p.161) define que imaginação, é a singular capacidade de distanciamento do mundo dos objetos e de recuo para a subjetividade própria, é a capacidade de se tornar sujeito de um mundo objetivo. Isso demonstra que, na produção de imagens, o homem pode partir deste processo de distanciamento, de imaginação. Ao entrar em contato com imagens, um observador terá de intersubjetiva-las, ou seja, a imaginação é parte do processo de interpretação das imagens, compreendidas de maneira subjetiva. Vemos, então, que o ilustrador expõe sua subjetividade, a qual também é interpretada de forma subjetiva. O ilustrador, independente da técnica ou do uso de materiais, quando cria uma forma de representar personagens e cenários, não se limita a imitar o que está vendo. A ilustração, para representar, precisa manter certas semelhanças com seus referentes. Entretanto, a invenção da representação visual acontece não do aprendizado do artista em imitar o objeto a ser representado, mas da descoberta de uma forma de representação, de um conceito imaginado pelo artista, como demonstrou Arnheim (2008). Podemos conceber, portanto, que por meio da exploração dos elementos dos elementos do design, da observação do mundo e de um processo de interiorização abstrativa, o ilustrador busca um conceito de representação visual.

87


Uma ideia capaz de manter conexão com o mundo visível e com as convenções e estereótipos armazenados pelo seu público, mas que ao mesmo tempo expresse sua subjetividade e instigue a imaginação dos observadores. Portanto, podemos pensar que o design da ilustração implica na criação de um design de mundos imaginários que ambienta e pode construir novos significados entre a narrativa visual e textual. Esta discussão pode nos levar a questão do estilo. O termo é definido por Lessa (2005, p.1): Um estilo é, genericamente, definido a partir da busca de regularidades e constantes, seja nas obras de um grupo de indivíduos, seja na de um único indivíduo. Segundo o autor, as regularidades encontradas e aplicadas na categorização de estilos de época ou grupos são adequadas apenas aos períodos históricos anteriores à Revolução Francesa e a Revolução Industrial, como o gótico e o barroco. Assim, Lessa (2005, p.2) comenta

88

que, com o advento da sociedade industrial alteram-se de tal modo as condições de organização social, que passa a não mais haver a possibilidade de um estilo artístico historicamente orgânico. Ao falarmos de ilustração, o termo estilo pode demonstrar-se insuficiente, já que o ilustrador preocupa-se em criar para cada texto uma imagem adequada, que muitas vezes está de acordo, ou não, com os seus gostos pessoais. Como demonstra Oliveira (2008), o ilustrador, em seu processo criativo, está mais influenciado pelo texto do que por um estilo pessoal. Em virtude da anexação com o texto, a ilustração de livros ilustrados não possuí uma história no sentido estilístico, podendo, algumas vezes, se interligar com história da literatura. Parece sensato dizer que é possível falarmos do estilo pessoal de um ilustrador, mas que torna-se difícil discutir a questão do estilo histórico e orgânico dentro da ilustração, assim como muitas vezes fazemos com a história da pintura, das artes e da arquitetura. Pela carga histórica que a palavra estilo pode acarretar, os teóricos da ilustração costumam evitar o termo para referir-se às regularidades e recorrências no trabalho dos ilustradores. Em Zeegen (2009), encontramos uma solução para o impasse. Ele aborda o termo linha visual, que remete ao direcionamento, de escolhas de uma configuração, ou mesmo de uma forma de ilustrar para um determinado trabalho. Assim, o desenvolvimento de uma linha visual é uma questão de design. A linha visual costuma ser definida entre o ilustrador, o cliente, o editor ou diretor de arte. Zeegen (2009, p.35) descreve que são feitas discussões a partir


dos primeiros esboços trocados entre o ilustrador e o cliente, e que a partir dos primeiros esboços identificam uma abordagem estilística e aspectos do assunto em questão. Esses desenhos são estudos rápidos, um método para gerar ideias por meio da exploração visual. Desse modo, podemos nos referir à linha visual para denominar o design das ilustrações de um determinado livro. Ao trabalhar no design de uma linha visual, o ilustrador poderá ter como base a linguagem do texto. Parece um tanto complicado e às vezes indizível comparar a linguagem de um texto à linguagem de uma ilustração; entretanto, os ilustradores costumam tentar criar relações sensoriais entre a imagem e o texto. Nesse caso, o ilustrador irá se concentrar na sensação que o texto lhe transmite. Se o texto transmite lirismo, leveza, uma narrativa lenta ou rápida, objetividade, fuga da realidade etc. O ilustrador tentará captar a sensação do texto para expressa-las em suas imagens. Como comentou Gombrich (1999, p.55), toda cor, som ou forma tem um tom sentimental natural assim como toda sensação tem uma equivalência no mundo da visão e do som. Pressupondo as equivalências sensoriais entre a linguagem verbal e visual, o ilustrador pode utilizar-se da qualidade de técnicas ou materiais para representar sensações. Por exemplo, se um texto sugere aspereza nas palavras, o ilustrador pode usar o bico de pena para criar uma textura áspera. Se há transparência, leveza e sutiliza nas palavras, o ilustrador pode tentar representar essas características por meio da aquarela. Devemos, porém, enfatizar que a qualidade dos materiais e técnicas somente irão expressar as sensações

desejadas se o ilustrador utilizar seus recursos de maneira adequada e coerente. Sob o sol sob a lua (2007), da ilustradora e escritora Cynthia Cruttenden, utilizou-se da técnica dos carimbos em sua narrativa. O livro conta a história de dois personagens que se encontram: a cobra que amava o sol; e o lobo, que amava a lua. Para produzir os carimbos, a ilustradora talhou com goiva, utensílio para fazer xilogravura, em borrachas plásticas. Com os carimbos prontos, a tinta foi passada na borracha e carimbada sobre papel. O resultado nunca é igual por que a tinta se espalha de maneira diferente sobre o papel a cada carimbada. Cynthia comenta que utilizou apenas dois carimbos no livro todo. Para compreendermos a relação dessa técnica com o texto de Cynthia, é preciso citar o texto na integra: Sob o sol.../ ... sob a lua. /De dia, havia uma cobra /De noite, havia um lobo. /A cobra amava o sol. /O lobo amava a lua./ Mas quando o sol caiu... /... e a

89


lua subiu, / a cobra e o lobo... /... se encontraram.../ ... e lutaram./ Porém, daquela vez... /... o sol e a lua pararam./ O lobo e a cobra descansaram.../ ... e sonharam. /Então, naquele dia,/ não teve lua nem sol... /... teve lobo e cobra no céu. (CRUTTENDEN, 2007). No texto de Cynthia podemos notar um movimento de desconstrução e reconstrução. No início, temos o sol e a lua, amados pelo lobo e pela cobra, mas então o sol cai, e a lua sobe, temos aí a desconstrução dos dois elementos, o sol e a

lua. Então o lobo e cobra se encontram, até que, naquele dia, não temos mais sol nem lua, temos lobo e cobra no céu. Verificamos aqui o movimento de reconstrução em que o lobo e a cobra tomam o lugar do sol e da lua no céu. Podemos pressupor que o lobo e a cobra se encontraram em um dia de

Figura 55 – Sob o sol sob a lua, Cynthia Cruttenden. Livro ilustrado, 2007 Fonte: CRUTTENDEN, 2007, p.22–23.

90


Figuras 56 – Sob o sol sob a lua, Cynthia Cruttenden. Livro ilustrado, 2007 Fonte: CRUTTENDEN, 2007, p. 4-5.

Figuras 57 – Sob o sol sob a lua, Cynthia Cruttenden. Livro ilustrado, 2007 Fonte: CRUTTENDEN, 2007, p. 8-9.

91


eclipse, que morreram lutando, e que se uniram ao sol e a lua, como forças da natureza. Em uma outra linha de pensamento podemos supor que lobo e cobra são o sol e lua, personificados em animais, e que o eclipse é uma metáfora da união entre duas essências, uma masculina e outra feminina. O eclipse, embora seja comentado na narrativa textual de maneira sutil, é revelado na ilustração como podemos ver na Figura 55 (página 90). Podemos observar que o texto é aberto a interpretações e questionamentos, mas a poesia parece revelar-se na dúvida, e as ilustrações reforçam essa dúvida. Cruzando a Figura 56 com a 57 (página 91) podemos ver que as figuras da cobra e do sol são criadas a partir

92

do mesmo carimbo. Ao compor desta maneira, a ilustradora sugere que o sol e a cobra são feitos da mesma essência. O mesmo podemos concluir quanto ao lobo e a lua quando cruzamos a Figura 58 (página 93) com a Figura 59 (página 93). Ao vermos na ilustração que lobo e lua são feitos de um elemento, e cobra e sol de outro, isso reforça o questionamento sobre o que realmente eles são. É realmente o lobo que aparece no poema ou é a própria lua? É a cobra ou o próprio sol? Percebemos, então, que o design de um mundo imaginário surge a partir de um conceito de representação visual imaginado pelo ilustrador. Esse conceito relaciona-se de alguma forma com a narrativa. Se vários profissionais trabalharem para ilustrar o mesmo texto, o resultado será sempre diferente. E um único ilustrador pode criar diferentes linhas visuais para contar a mesma história. Isso acontece porque há muitas maneiras de se contar uma história e de criar relações entre textos e imagens. Ao apresentar um mundo imaginário ao leitor, a ilustração não impede que ele imagine a narrativa. A função do design de mundos imaginários por meio da ilustração é inserir o leitor em um mundo nunca antes imaginado, um ambiente aberto a interpretação de sensações.


Figuras 58 – Sob o sol sob a lua, Cynthia Cruttenden. Livro ilustrado, 2007 Fonte: CRUTTENDEN, 2007.

Figura 59 – Sob o sol sob a lua, Cynthia Cruttenden. Livro ilustrado, 2007 Fonte: CRUTTENDEN, 2007, p. 6-7.

93


Um lugar onde lobos, cobras, o sol e a lua, não são como conhecemos. Isso exige que o leitor se posicione no novo mundo apresentado. Ao fisgar a imaginação do observador, o resultado será sempre subjetivo.

2.4 O Design da Ilustração Ornamental Narrativa A ilustração ornamental narrativa é aquela que, no espaço do livro, aparece não com o intuito de narrar, mas de enriquecer a história, o projeto gráfico e o objeto livro. Como definiu Arnheim (2008), um ornamento é uma forma visual subordinada a um todo maior, que ele completa, caracteriza ou enriquece. Arnheim afirma que o todo é maior que a soma das partes, porém adverte que, sem o todo, as partes deixam de ser o são. E que qualquer parte depende em maior ou menor extensão da estrutura

94

do todo, sofrendo influência da natureza das partes. Prova do argumento de Arnheim é que, muitas vezes, ao retirarmos uma ilustração ornamental de um livro, ela descaracteriza-se, perde seu contexto e sua conexão com os significados da narrativa. Enquanto a ilustração narrativa cria uma mútua relação com o texto para contar história, a ilustração ornamental narrativa relaciona-se mais com a temática do o texto literário. Ao criar relações com a história, o design da ilustração ornamental valoriza a narrativa e o objeto livro, podendo construir novas relações e questionamentos sobre a história e sobre o conceito do projeto gráfico. Como comenta Speltz (1989, p.1), a forma do ornamento deve combinar com a forma e a estrutura do objeto que ele adorna, deve estar sempre subordinado a ele e nunca escondê-lo nem sufocá-lo. Portanto, o design da ilustração ornamental narrativa não se prende puramente nas questões da estética, mas também a uma organização funcional. Como afirma Speltz (1989, p.1), a arte da ornamentação, no entanto, guarda uma relação íntima com o material, com o objetivo, com a forma e com o estilo. As ilustrações ornamentais narrativas empregam a função de evocar sentimentos de uma época ou de uma temática e são elementos importantes na ambientação e caracterização de uma narrativa. São os padrões ornamentais, as capitulares, vinhetas, molduras e rébus.


2.4.1 O Design de Padrões Ornamentais

Os padrões ornamentais costumam aparecer principalmente nas guardas. Como vimos na página 17, a guarda tem a função de dar maior segurança e durabilidade ao livro. A abertura da capa do livro marca um momento importante, a passagem de um objeto de duas dimensões para uma terceira. As guardas podem ser coloridas ou preenchidas com padrões ornamentais. Buscam conduzir o leitor para uma determinada disposição de espírito e costumam se relacionar com a temática narrativa. Segundo Linden (2011), esses padrões possuem uma herança histórica com os papéis de parede, já que no século XVIII ambos eram fabricados pelos dominotiers, fabricantes de papel que revestiam jogos, como,

por exemplo, dominós. Linden (2011, p.59) afirma que é comum identificarmos os vestígios dos primeiros papéis estampados com motivos repetidos que revestiam os livros no século XVIII. No livro ilustrado contemporâneo, entretanto, nem sempre há uma preocupação em seguir referências estéticas históricas. As composições podem ser feitas com imagens figurativas ou abstratas. Na Figuras 60 e 61 (a seguir), podemos ver os padrões ornamentais impressos na guarda de O milagre dos pássaros (2008), do escritor Jorge Amado, e ilustrado por Joana Lira. O conto narra a história de uma fogosa esposa com um amante trovador apaixonado e mulherengo. Ambos são flagrados pelo marido, com fama de matador violento, que deseja castrar o amante em praça pública. No final, um milagre acontece, e o amante trovador é resgatado por pássaros, que, acidentalmente, são libertados de suas gaiolas onde eram comercializados em uma feira regional de Alagoas. Os pássaros carregam o amante segurando-o no bico pela camisola da esposa que ele vestira. Assim, ele se afasta, voando para longe. O padrão ornamental de Joana Lira é uma composição de figuras de pássaros e elementos gráficos. As cores complementares são aquelas que oferecem grande contraste entre si, assim como o verde e vermelho, presente na ilustração de Joana Lira. O verde e o vermelho, nesse caso, sugerem contraste e agitação à imagem. Ao mesmo tempo em que a composição das cores e das formas denota o clima de descontração, também expressa o tom da narrativa textual. O vermelho pode ser interpretado como metáfora de sexualidade. Segundo Pedrosa (2008), o verde é

95


adquirido a partir da junção do amarelo e do azul, e pode ser visto como equilíbrio entre a luminosidade e a obscuridade. As diferentes tonalidades de verde empregadas no padrão de Joana Lira podem ser lidas como um desequilíbrio de duas polaridades. Ao relacionarmos a narrativa a esse desequilíbrio, o verde pode ser entendido como uma metáfora à traição da esposa. As linhas fluidas da composição assemelham-se a um jorro de energia que se entrelaça entre os polígonos, além de dar movimento à composição, podendo ser lidas como uma metáfora de sexualidade. Os pássaros estão todos voando na mesma direção, da direita para a esquerda. O motivo deste direcionamento, oposto ao sentido de leitura, pode estar relacionado à narrativa. Como os pássaros são um veículo de fuga na narrativa, podemos imaginar que este seja o motivo de eles estarem em movimento contrário à leitura. Enquanto o leitor é obrigado a seguir a linearidade do virar das páginas, a imagem o

direciona para o sentido oposto, de fuga. Podemos, então, perceber que o design dos padrões ornamentais dos livros ilustrados possui uma forte ligação com a história contada, ampliando sensações e emoções da narrativa.

2.4.2 O Design de Letra Capitular e da Vinheta O livro Um beija-flor mora na lua (2002), do escritor Fernando Lobo, ilustrado por

Figuras 60 e 61 – O milagre dos pássaros, Jorge Amado (escritor) / Joana Lira (ilustradora). Guarda lateral do livro ilustrado, 2008 Fonte: AMADO, 2008.

96


Marilda Castanha, se passa no nordeste do Brasil e conta a história de pássaros que começam a se desesperar com o atraso da chegada do período de chuvas. Com o clima cada vez mais quente e a água cada vez mais escassa, os pássaros começam a traçar planos de eleger um pássaro que possa voar até as nuvens para bicar-las, criando buracos que façam a água cair. Após os grandes pássaros como a águia, o gavião e o urubu-rei não aceitarem a aventura, o beija-flor aceita o desafio. Assim, o beija-flor voa até o alto das nuvens e traz a chuva de volta ao sertão, porém com suas asas molhadas não consegue mais retornar à terra firme. O beija-flor, então, resolve continuar subindo, até se perder no espaço e entrar em órbita para sempre. Na Figura 62 (a seguir), vemos a primeira página do livro, em que temos uma única letra capitular que dá início a narrativa. As capitulares são descritas por

Alexander (1978) como letras do início de uma parte de algum texto, geralmente ornamentada. Além de um valor estético e decorativo, possuem um caráter de divisão das partes do texto, organizando assim o conteúdo. Os ornamentos das capitulares podem ser dos mais variados, de linhas sinuosas, florais, até animais e figuras humanas. A forma da letra capitular do livro de Marilda Castanha parece muito com a tipografia do texto corrido do livro. O passarinho desengonçado no topo da letra capítula inicia o livro com um toque de bom humor. Como podemos ver na Figura 62, os ornamentos seguem a mesma linha visual da ilustração narrativa que figura o cenário no fundo da página. Assim, podemos notar que o design de uma letra capitular deve combinar com a linha visual das ilustrações e com os outros elementos ilustrativos da página. Na Figura 63 (a seguir), temos a página de rosto de Um beijaflor mora na lua. No topo temos o nome do escritor. Um nível abaixo temos o título, cortado em duas partes por uma vinheta. Em seguida, temos o nome da ilustradora e o logotipo da editora. Segundo Schiavoni (2008), a vinheta é um elemento ornamental inserido no texto de um livro que tem suas origens nas iluminuras medievais, que são caracterizadas como padrões ornamentais que adornam textos e imagens. Porém, atualmente, também chamamos de vinhetas as ilustrações que desenvolvem uma cena que se relaciona a história do livro ou mesmo que desenvolvem uma pequena narrativa. Costumam aparecer na página de rosto,

97


nas entradas de capítulo e no final do livro. Ou seja, são ilustrações que aparecem ornamentando a narrativa do livro ilustrado. O que distingue as vinhetas na ilustração dos outros elementos é que estas possuem um tempo narrativo fechado, que não costumam desenvolver continuidade com outras ilustrações. Cumpre a função de introduzir uma temática ou uma sensação que mantenha conexão com a narrativa. Na prática, o tamanho que a vinheta ocupa pode variar, podendo ser uma ilustração pequena ou ocupar toda a página. A vinheta de Um beija-flor mora na lua, ao levar o título do livro na literalidade, mostrando um beija-flor que voa sobre uma árvore na Lua, cria uma metáfora que sugere o desfecho da narrativa. A vinheta e o título possuem o importante papel de fazer o leitor se questionar sobre como um beija-flor chegou na Lua. Portanto, podemos perceber que as ilustrações ornamentais narrativas, além

98

de introduzir uma temática, ou sensações, também podem induzir o leitor a certos questionamentos que visam criar um clima, ou suspense, na narrativa.

2.4.3 O Design da Moldura

No livro Desafios de Cordel (2009), do escritor César Obeid e com ilustrações de Fernando Vilela, as molduras aparecem ao redor das caixas de texto do sumário, introdução de capítulo e no título da capa. Nos livros ilustrados, as molduras costumam ser utilizadas para adornar textos e outras ilustrações. As molduras podem ser constituídas de linhas sinuosas trançadas, florais, animais, pessoas, repetição de formas; enfim, de todo tipo de forma ornamental. Como vimos, na página 61, existem dois usos para o termo moldura. O primeiro, utilizado como borda e limite da imagem, possui o papel de delimitar enunciados dentro do espaço narrativo. E o segundo, que é o de adornar as imagens, possui como função expressar sensações ou introduzir estilos de uma época ou temática. Como podemos observar no caso das Figuras 64, 65 e 66 (a seguir), a moldura separa o universo textual do universo da ilustração. As ilustrações na parte de fora da moldura, são vinhetas das entradas de capítulo do livro de Vilela. As imagens são sangradas, ou seja, ocupam toda a área de impressão da página. As molduras


Figura 62 – Um beija-flor mora na lua. Fernando Lobo (escritor) / Marilda Castanha (ilustradora). Livro ilustrado, 2002. Fonte: LOBO, 2002, p. 4-5.

Figura 63 – Um beija-flor mora na lua. Fernando Lobo (escritor) / Marilda Castanha (ilustradora). Livro ilustrado, 2002. Fonte: LOBO, 2002, p.1.

99


Figura 64 – Desafios de Cordel, César Obeid (escritor) / Fernando Vilela (ilustradora). Livro ilustrado, 2009. Fonte: OBEID, 2009, p.4-5

Figura 65 – Desafios de Cordel, César Obeid (escritor) / Fernando Vilela (ilustradora). Livro ilustrado, 2009 Fonte: OBEID, 2009, p.22-23.

100

de Desafios de cordel são produzidas pela técnica dos carimbos para imitar as xilogravuras da literatura de cordel. Como podemos ver nas Figuras 64, 65 e 66, ao apresentar um número variado de molduras produz-se um efeito dinâmico, de multiplicidade de estilo de ornamentos, típico deste tipo literatura. Assim, as molduras cumprem a função de ambientar o leitor na temática. Na Figura 64, que mostra o sumário, bem como na Figura 67 (a seguir) que mostra a capa, podemos ver quatro barras horizontais cruzando a página. Cada uma das seis cores de cada uma das barras corresponde à cor do plano de fundo das ilustrações de abertura de cada capítulo. O roxo, por exemplo, corresponde ao plano de fundo da abertura do primeiro capítulo, como vemos na Figura 65. Assim, o design das ilustrações de capa e da vinheta do sumário busca


apresentar um sistema de navegação dentro do livro. Vemos, então, que o design da ilustração pode criar regras para organização dos elementos, facilitando a leitura do livro.

2.4.3 O Design do Rébus

Os rébus são um enigma figurado, que consiste em exprimir palavras ou frases por meio de figuras e sinais, como aponta o dicionário Marshall (2010). Pode ser visto como um recurso para atrair a atenção do público e nem sempre é facilmente reconhecível. Limeriques do bípede apaixonado (2004), da escritora Tatiana Belinky e do ilustrador Andrés Sandoval, apresenta um rébus no título da capa

Figura 66 – Desafios de Cordel, César Obeid (escritor) / Fernando Vilela (ilustradora). Livro ilustrado, 2009. Fonte: OBEID, 2009, p.8-9.

Figura 67 – Desafios de Cordel, César Obeid (escritor) / Fernando Vilela (ilustradora). Livro ilustrado, 2009. Fonte: OBEID, 2009.

101


Figura 68 – Limeriques do bípede apaixonado, Tatiana Belinky (escritor) / Andrés Sandoval (ilustrador). Livro ilustrado, 2004. Fonte: BELINKY, 2004.

102


do livro, como podemos ver na Figura 68 (página anterior). O livro conta a história de um homem que faz de tudo para atrair a atenção da mulher amada. Nessa jornada, ele se veste de muitos bichos, como, por exemplo, de peixe dourado, de cão, de golfinho, leão zangado, lobo feroz, elefante, crocodilo, macaco, urso pardo, dromedário e ornitorrinco. Para conseguir se fantasiar de todos esses bichos, nem sempre o homem utilizase apenas de uma roupa; muitas vezes ele cria máquinas e engenhocas. E o rébus da capa é composto por partes dessas engenhocas, como a rodinha da letra q, as porcas e parafusos no pingo dos

i a alavanca da letra L, e a corda na letra S. Nesse caso, o design dos rébus tem função de expressar o quão atulhada de elementos e bagunçada podem ser os despautérios amorosos que o homem da narrativa é capaz de realizar. Portanto, o rébus no título de Limeriques do bípede apaixonado sugere o tom da narrativa por meio de um enigma que busca atrair a atenção do leitor por meio do enigma causado pelo enigma visual. Através das análises, podemos notar que o design do livro ilustrado requer uma organização de diferentes elementos ilustrativos que podem ser narrativos ou ornamentais. Podemos perceber que no design da ilustração, o ilustrador deve preocupar-se com a relação entre os diferentes elementos ilustrativos que compõe o projeto gráfico, buscando uma unidade, um design que expresse um conceito visual, de um mesmo mundo imaginário. Vimos que as ilustrações ornamentais podem ser utilizadas como recurso para introduzir temáticas e sensações, atrair o público, criar sistemas de navegação no livro e gerar novos questionamentos sobrea narrativa.

103



3 - ELEMENTOS DO DESIGN DA ILUSTRAÇÃO


No primeiro capítulo nos concentramos em entender o design e a ilustração do ponto de vista histórico e teórico, suas fronteiras e peculiaridade. No segundo capítulo entramos no universo do livro ilustrado e analisamos os recursos utilizados no design da ilustração. Percebemos que o design pode ser abordado dentro da ilustração por meio da configuração e estruturação de diferentes elementos, tais como o design de mundos imaginários, o design da ilustração narrativa, o design da ilustração ornamental narrativa, a montagem, o ritmo, as relações entre texto e imagem e a linha visual. No terceiro capítulo nos concentramos na análise do design da ilustração de Ismália (2006), Lampião e Lancelote (2006) e Um outro pastoreio (2010). Para cada uma destas obras, foi eleito um foco de análise que retrata a característica mais marcante de cada livro ilustrado, o que não descarta os comentários relevantes de outras questões relativas a cada uma das obras citadas. Em

106

Ismália, elegemos o ritmo; Lampião e Lancelote, o imaginário popular; e Um outro pastoreio, a montagem.

3.1 Elementos do Design da Ilustração

O ritmo nas artes visuais é uma repetição linear criada a partir do design e da organização de elementos no espaço, como aponta Loomis (1961). A linha, a forma, a cor e os tons apresentam


Figura 69 – Ismália, Alphonsus Guimarães (escritor) / Odilon Moraes (ilustrador). Livro ilustrado, 2006. Fonte: GUIMARAENS, 2006.

107


características que sugerem um ritmo visual. Assim, o ilustrador trabalha sua imagem para sugerir um ritmo que se relaciona com a ação ou a sensação de que sua imagem deve comunicar. Por exemplo, ao desenhar um vestido listrado de verde, rosa e preto, o ilustrador cria um ritmo de cores que se repetem. Ao criar uma composição de nuvens no céu, o ilustrador, por meio da presença ou ausência de nuvens no espaço do céu, cria um ritmo através das formas. Ao compor uma imagem com linhas retas e sinuosas, temos o ritmo da presença de diferentes elementos, constantes ou não. No livro ilustrado, o encadeamento entre uma ilustração e outra pode sugerir um ritmo que se desenvolve no passar de páginas, e pode criar relações com a narrativa textual. O livro Ismália (2006) surge a partir do poema simbolista de Alphonsus de Guimaraens, que ganhou a interpretação visual por meio de ilustrações e projeto gráfico de Odilon Moraes. A

108

publicação foi realizada pela editora Cosac Naify e teve sua primeira impressão com uma tiragem de três mil cópias. O livro foi lançado como categoria de livro-presente, ou seja, um livro que tem como principal foco o público que busca presentear alguém. O livro em formato sanfona, logo de cara, chama atenção por fugir do sentido de leitura horizontal tradicional dos livros.A narrativa desenrola-se no sentido vertical de cima para baixo, como podemos visualizar na Figura 69 (página anterior).

3.1.1 Autores

Odilon Moraes nasceu em 1966, em São Paulo, e passou a infância e adolescência no interior paulista, como aponta Moraes (2004). Cresceu desenhando com o pai que era pintor. Moraes (2011), em entrevista a revista eletrônica Entrelinhas, comenta que um bom ilustrador tem que ser um bom leitor, porque o desenho do ilustrador nasce da compreensão do outro. O ilustrador também descreve que criar ilustrações para um livro demanda um processo de pesquisa sobre a obra, os autores e os lugares em que se passa a obra. Moraes (2009), em entrevista a revista eletrônica Crescer, descreve que projeta seus livros criando bonecos, para pensar no livro como um objeto existente, finalizado. O boneco é uma espécie de réplica esboçada do livro, montada artesanalmente


para auxiliar o designer a visualizar como ficará seu projeto após o processo de produção. Moraes comenta que o boneco é utilizado na apresentação ao editor para guiar as discussões conceituais sobre o projeto. O ilustrador também descreve que pensa no projeto gráfico de seus livros como parte integrante do processo de criação das ilustrações. Segundo Moraes, o projeto gráfico participa da criação de relações entre a palavra e imagem ao invés de ser uma etapa em que se une texto e imagem no mesmo espaço. Mores (2011), em entrevista para o canal do YouTube da Univesp, comenta que o ritmo de leitura no poema ilustrado tem um peso muito forte e que fazer ilustração para um livro é organizar um tempo, é organizar um espaço que, na verdade, é um tempo. Com isso, podemos perceber que o ilustrador organiza o espaço da página pensando em sugerir um tempo e um ritmo de leitura. A organização desse tempo pode surgir do ritmo que o texto sugere, ou de como o ilustrador interpreta o ritmo da narrativa. Neste ponto, podemos lembrar que os simbolistas já encontravam relações entre a visualidade e os sons. O simbolismo foi um movimento subjetivista que aconteceu na literatura e na pintura por volta de 1885-1900. Os pintores deste movimento podem ser agrupados apenas porque todos rejeitaram as concepções realistas da arte que haviam dominado na geração anterior, como aponta Chipp (1996). Seguindo os poetas, os artistas se voltaram para o mundo interior dos sentimentos em busca de seu tema, com frequência motivos tradicionais, religiosos ou literários. Declararam que as qualidades emotivas vinham mais das cores

e das formas do que do motivo escolhido. Segundo Chipp (1996, p.45), o movimento foi, portanto, resultado de novas liberdades, possibilitadas pela rejeição da obrigação de ‘representar’ o mundo concreto, e dos estímulos proporcionados pela exploração do mundo subjetivo. Na pintura, alguns dos representantes do simbolismo foram Paul Gauguin, Maurice Denis e Odilon Redon. Os poetas simbolistas agruparam-se em torno de Stéphane Mallarmé (1842-1898) e acreditavam que a maior realidade estava no reino da imaginação e da fantasia. Muitos dos poetas simbolistas acreditaram que seus poemas não deveriam ser ilustrados, uma vez que a imagem tem o dom de revelar o que deveria estar oculto, coberto de mistério. Foram inspirados pelo Romantismo do poeta Charles Baudelaire e em sua teoria da correspondência, que afirmava que uma obra de arte deveria ser tão expressiva de sentimentos e tão evocativa de ideias e emoções a ponto de

109


se elevar a um nível no qual todas as artes estavam interligadas; os sons sugerindo cores, as cores sugerindo sons, e ideias seriam evocadas a partir dos sons e das cores. Não podemos dizer que Odilon Moraes seguiu os preceitos simbolistas para ilustrar Ismália. A princípio, não se voltou para dentro de si em busca de um tema, pois o ilustrador trabalha com um tema que lhe é dado, no caso, o poema de Alphonsus. Como todo ilustrador, Odilon Moraes teve seu processo subjetivo ao interpretar o poema ao seu modo e compor o design das ilustrações, mas, como todo ilustrador, tem em vista o seu público. Entretanto, podemos dizer que as ilustrações de Odilon possuem cores e formas que podem evocar sentimentos, ideias e sinestesias. Embora evocar sentimentos a partir de formas e cores seja da compreensão básica do código do ilustrador, podemos considerar que Odilon inspirou-se no simbolismo, porém sem aterse as características do movimento. Como aponta Muricy (1987), no Brasil, a poesia simbolista foi influenciada pelos franceses e teve como destaque Cruz e Souza e Alphonsus Guimaraens. Afonso Henrigues da Costa Guimarães, conhecido como Alphonsus de Guimaraens, nasceu em 1870, no Estado de Minas Gerais em Ouro Preto, filho de um português e uma brasileira. Sobrinho neto do romancista e poeta romântico Bernardo Guimarães, que tinha uma filha chamada Constança. Alphonsus Guimaraens escrevia versos à prima e noiva Constança, que logo faleceu tuberculosa, o que fez com que o poeta por um longo período se entregasse a boemia. Após recuperar-se, casou-se com uma jovem chamada Zenaide Alves

110

de Oliveira, filha do escrivão da Coletoria Estadual, com quem teve quatorze filhos. Em 1904, dirigiu o jornal político Conceição do Serro, que teve como colaboradores Cruz e Souza, Severino Rezende, Archangelus de Guimaraens (seu irmão), Horácio Guimarães e ainda: Raul Pompéia, Olavo Bilac, Coelho Neto e outros. Em 1905, foi nomeado juiz municipal de Mariana, cargo em que estacionou. O escritor levou uma vida humana de misticismo e sossego. Conhecido como o solitário de Mariana, Alphonsus Guimaraens ocupou-se como colaborador contínuo de A gazeta de São Paulo e de periódicos locais. Em 1921, foi encontrado morto aos 51 anos.

3.1.2 Capa e Embalagem

Na Figura 70 (a seguir), vemos a embalagem de Ismália


Figura 70

Figura 71 Figura 72

Figuras 70, 71 e 72 – Ismália, Alphonsus Guimarães (escritor) / Odilon Moraes (ilustrador). Livro ilustrado, 2006. Fonte: GUIMARAENS, 2006.

111


em formato de envelope, nas seguintes dimensões: 16,8x12,4x1,1 centímetros. A escolha do formato do envelope deve-se ao conceito do produto, um livro presente. O formato do livro aproxima-se ao tamanho clássico das revelações fotográficas de 10x15 centímetros ou dos cartões postais de mesmo tamanho, além de estar na proporção de 5x7, proporção utilizada pelos fotogramas da Kodak em 1920. Quando há moldura nas ilustrações, a parte de dentro da mesma adquire o formato de 10,7x15 centímetros e a página dupla, 15x21,6 centímetros. O formato 15x21 centímetros é tradicionalmente o formato da ampliação da revelação fotográfica. Assim, o livro parece criar uma relação com os postais e com a fotografia. Ao abrir este dialogo, o livro parece evocar a ideia da memória que se insere na cultura fotográfica, agregando valor ao

112

conceito de livro presente de Ismália. O formato que cabe na palma da mão também pode adquirir um valor de posse, fetichista, ou seja, investir os objetos com significados que não lhe são inerentes. Há, nesse caso, uma visão espiritual, ideológica, simbólica e mítica, do artefato material, como abordou Cardoso (1998). O designer pode sugerir essa visão mitificada, mas que vai se concretizar apenas no sujeito. A cor da embalagem é vermelho escuro, contrastando com o branco da tipografia. Ismália, o título, bem como o nome do autor, são escritos com tipografia serifada. A tipografia do título, embora um pouco mais rebuscada na serifa, é toda em caixa alta, assemelhase a tipografia usada no nome dos autores. No colofón, impresso na última página do verso do livro, não há informações sobre as tipografias utilizadas no projeto gráfico. Entre o título e o nome dos autores temos uma estrela, que pode ser considerada um ornamento e até mesmo uma metáfora que se relacionaria a Ismália envolta em uma aura luminosa e mística. Na Figura 71 (página anterior), vemos o topo da embalagem, em que temos na sequência a impressão do nome do autor do poema, o título da obra e o logotipo da editora Cosacnaify. A tipografia é a mesma da capa, o que dá unidade ao projeto gráfico. Como podemos ver na Figura 72 (página anterior), nas costas da embalagem, temos uma pequena


descrição sobre o poema, o escritor, o ilustrador e o novo projeto gráfico, além do código de barras. Na figura 73 (a seguir), retirando o envelope, temos o livro nas seguintes dimensões: 16,6x12,1x0,9 centímetros. O livro possui capa dura com revestimento de tecido, com cor quase idêntica ao envelope. Muito provavelmente a colagem do tecido sobre a capa foi manual. O título e o nome do escritor e do ilustrador estão com a mesma tipografia e estrutura do envelope, mbora agora emoldurados. A moldura, centralizada com o formato do livro, possui ornamentos nos cantos, os quais remetem a flor de lis, utilizada em brasões medievais. Assim, a moldura busca introduzir o tom ou a época da narrativa. O processo de impressão é o hot stamp, no qual uma fina camada metálica adere à superfície do suporte por meio do calor e da pressão. Na Figura 74 (abaixo), podemos visualizar a quarta capa, na qual temos o logotipo da editora

Cosacnaify localizado no final da página, também metálico, impresso pelo processo de hot stamp.

3.1.3 Enredo

Como aponta Muricy (1987), voltado para o próprio eu, em um ambiente contemplativo, a poesia de Alphonsus Guimarães foi marcada pelo desgosto da ação, a

Figuras 73 e 74 – Ismália, Alphonsus Guimarães (escritor) / Odilon Moraes (ilustrador). Livro ilustrado, 2006. Fonte: GUIMARAENS, 2006.

113


melancolia, pessimismo, cansaço intelectual e de pendor místico. A obsessão funérea tinge grande parte da obra de Alphonsus, assim como sua religiosidade cristã. Muricy argumenta que os simbolistas brasileiros, pela sobrevivência do romantismo de Varela, Castro Alves e Álvares de Azevedo, abusaram da temática cemitério, cipreste, flores roxas, mochos e goivos. Alphonsus Guimaraens, vivendo nas cidades mortas de Minas ao pé das velhas igrejas e cemitérios, foi talvez o único que não “escolheu” a temática, porque eles lhe eram impostos pela sua vida, pela paisagem e sua existência meditativa. A musicalidade é uma característica da poesia simbolista, tendo a obra de Alphonsus um tom elegíaco e solene. Ismália pode ser vista como a obra prima do movimento simbolista no Brasil. A versão abaixo foi publicada no livro de Muricy e contém o mesmo texto do livro Ismália (2006), ilustrada por Odilon Moraes.

114

ISMÁLIA Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar... Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar. No sonho em que se perdeu, Banhou-se toda em luar... Queria subir ao céu, Queria descer ao mar... E, no desvario seu, Na torre pôs-se a cantar... Estava perto do céu, Estava longe do mar... E como um anjo pendeu As asas para voar... Queria a lua do céu, Queria a lua do mar... As asas que Deus lhe deu Ruflaram de par em par... Sua alma subiu ao céu, Seu corpo desceu ao mar... (GUIMARAENS, 1987, p.464) Como podemos ver, o poema sugere um suicídio. Sem mencionar diretamente o fato, o autor deixa esta conclusão a cargo do leitor. Porém a cena de Ismália é embalada por uma loucura capaz de tirar da razão a capacidade de distinguir o certo e o errado, e até mesmo o medo da morte. É uma loucura poética, bela, sem agressividade, pura, entregue aos acontecimentos naturais, aos desejos e a própria insanidade. Não há


luta ou conflito que busque trazer de volta a razão, mas um desejo místico de transcender por meio da loucura. Já nos dois primeiros versos, temos o prenúncio da divisão, ou da dualidade de Ismália, que “pôe-se na torre” movimento do corpo físico, “a sonhar” movimento psíquico, ou espiritual. Podemos interpretar Ismália como uma visão de dois mundos, “a Lua no mar” representando o oceano de desejos carnais e a sensualidade. E a “Lua no céu” representando o desejo de encontro com o espiritual e com o divino que remetem a pureza da mulher caracterizada como anjo no poema. No verso das páginas do livro Ismália temos um breve histórico do autor e do poema escrito por Coelho (2006). Segundo Coelho, o poema teve 14 versões até chegar na que conhecemos hoje, sendo publicado pela primeira vez em 1910, no jornal A Gazeta de São Paulo, onde levou o título de Ofélia. A segunda versão apareceu ainda em 1910

em O Germinal e Jornal do Comércio, ambos diários mineiros. Em publicação póstuma, em 1923, organizada pelo filho do poeta, o escritor João Alphonsus, Ofélia dá lugar a Ismália. Ofélia é uma personagem de Hamlet de William Shakespeare (1564-1614), que, atormentada pela loucura de Hamlet, cai e afoga-se em um riacho, de propósito ou acidentalmente, dependendo da interpretação. Não é conhecido o motivo da mudança, especula-se que tenha sido a tentativa de ocultar a referencia da Ofélia de Shakespeare.

3.1.4 O Ritmo

Na Figura 75 (a seguir), vemos que Moraes, em sua representação de Ismália, optou por uma linha visual simples, que esconde os detalhes nas sombras, deixando as feições de Ismália a cargo da imaginação do leitor. Ismália possui um vestido longo e branco, que aponta para uma época passada, medieval. O cenário com a torre também ambienta a narrativa em um clima medieval. São utilizadas duas cores, vermelho-escuro e o branco, e suas variações de tons, nas ilustrações e no projeto gráfico de Ismália. O vermelho escuro das ilustrações de Ismália ambienta a atmosfera carnal do poema. O vermelho, segundo Pedrosa (2010), pode ser visto como a cor da líbido, do coração e do

115


conhecimento esotérico, além de possibilitar a relação com a guerra e ao calor. O vermelho escuro de Ismália sugere uma mistura com o preto, que, segundo Pedrosa, é visto como um dano a cor pura e também diminui a luminosidade da cor. Assim, o vermelho de Ismália parece sugerir a morte, a sexualidade e até mesmo o clima pesado, pouco luminoso do poema. Como o vermelho-escuro predomina nas páginas de Ismália, o lirismo do poema não se passa na luz da razão, mas nas sombras da loucura. O branco na impressão pode ser visto como ausência de cor, já que não é impresso, sendo uma área reservada, a própria cor do papel. Entretanto, o branco sugere um valor simbólico importante no projeto gráfico de Ismália e poder ser interpretado como a pureza e a espiritualidade da personagem.

Figura 75 – Ismália, Alphonsus Guimarães (escritor) / Odilon Moraes (ilustrador). Livro ilustrado, 2006. Fonte: GUIMARAENS, 2006.

116

O branco, segundo Pedrosa (2010), pode ser visto tanto no pensamento simbólico quanto como a morte, como a vida, isso porque o branco pode ser considerado o ponto inicial entre a luz e as trevas ou como ponto final, dependendo do ponto de vista. O branco também costuma ser relacionado à pureza, tanto no cristianismo quanto nas religiões agrárias dedicadas ao pastoreio, que vincula o branco a farinha e ao leite. No século XX, costuma ser sinônimo de paz entre


os povos. Enquanto o vermelho predomina nas páginas de Ismália, o branco é o contraste, a última fagulha de luminosidade que nos permite enxergar as figuras e os tipos. Assim, o branco e o vermelho-escuro se completam, um sendo o contraste do outro, um começa onde o outro termina. Se Ismália possui a sensualidade e as manchas sombrias que surgem da mistura entre o vermelho e o preto, também possui a pureza e a luminosidade que sugere o branco. Ainda na Figura 75, podemos notar que a técnica utilizada por Odilon Moraes foi a aquarela. A textura, ocasionada pelas pinceladas e a tinta misturada com água espalhada pelo papel, pode ser vista como fator que aumenta a sensação carnal das imagens. O vento no vestido de Ismália sugere o ritmo do balançar das dobras do tecido, enquanto o poema de Guimaraens (2006, p.19) evoca este ritmo ao dizer que “As asas que Deus lhe deu/ Ruflaram de par em par...”.

A passagem de tons, hora mais delineado pelo pincel e hora mais leitoso, pode ser lida como um contraste entre a dureza da torre e do mundo material e a sensibilidade psíquica de Ismália. As manchas e os tons de Ismália conferem um ritmo à ação. As manchas do cenário são grandes, ocupando grande parte da página. Esta amplitude emprega ao ritmo poucos elementos, mas de grande intensidade, podendo ser visto como um ritmo cerimonioso, majestoso. Nesse cenário, o suicídio de Ismália é um acontecimento pomposo, é um delírio glorioso. Os tons mais claros podem ser lidos como uma suavização do ritmo entre uma forma e outra; enquanto os recortes mais duros das manchas, que aparecem em poucos momentos, empregam mais força e peso no ritmo. Assim, o ritmo é uma combinação entre elementos leves e pesados, intensos e suaves. Enfim, o ritmo aparece como qualidades sugeridas na imagem, por meio do design e da organização de elementos criados pelo ilustrador. A marca do gesto das pinceladas do ilustrador apresentam um ritmo, quer seja controlado, quer aconteça ao acaso. O ritmo, como costuma ser nas formas visuais, é mais uma sugestão ao observador que irá subjetivar o que é visto ao seu modo. O livro Ismália abre-se em formato de sanfona e contém 23 dobras. No verso é possível perceber os pontos de cola, que unem as três partes impressas que compõe o livro. Cada parte possui 92,5x16,2 centímetros, sendo elas coladas uma às outras e dobradas para compor o formato de sanfona. A impressão é feita em papel alta alvura 150 g/m². Ao todo, são 24 páginas, das quais 20 são preenchidas pelas ilustrações do poema e as quatro restantes são completas pela guarda e página de

117


Figura 76 – Ismália, Alphonsus Guimarães (escritor) / Odilon Moraes (ilustrador). Livro ilustrado, 2006. Fonte: GUIMARAENS, 2006.

rosto, as quais também funcionam como páginas duplas. Podemos ver na Figura 76 (acima) a guarda colada na capa dura do livro, que possui a cor levemente mais clara que a cor da capa. Abaixo da guarda, após a dobra, temos a página de rosto. A estrutura da página de rosto é bem similar a da capa, com adição do logotipo da editora abaixo da moldura. O livro Ismália contém dez ilustrações, sendo que cada uma ocupa duas páginas do livro. Nessa estrutura,

118

a divisão de estrofes e versos do poema Ismália foi adaptada. Enquanto a versão original possui cinco estrofes com quatro versos, Odilon dividiu os 20 versos do poema entre as dez ilustrações, assim para cada dois versos temos uma ilustração e nenhuma divisão de estrofes. Esta mudança pode ser vista como uma mudança de ritmo, já que se altera a relação de pausas entre as estrofes e a divisão de versos do poema. Portanto, podemos notar que fazer um projeto gráfico de livro que nasce a partir de um poema pode implicar não apenas na construção de um ritmo de leitura, mas em uma reconstrução de um ritmo de leitura do poema já existente. Assim, o projeto gráfico emprega a narrativa um novo ritmo de leitura, uma nova interpretação do ritmo da narrativa, influenciada pela adição de ilustrações,


pela materialidade do suporte e pela visão do ilustrador. Em um livro como o de Muricy (1987), o poema Ismália ocupa menos que 20 centímetros na página. O poema Ismália, no livro de Odilon, tem a extensão de quase três metros. Podemos considerar que Odilon amplia o tempo que o leitor leva na leitura do poema ao lidar com o passar de páginas e com o formato sanfona. Assim, o ritmo em que o leitor percebe o acontecimento do suicídio de Ismália se dilata, podendo ser visto como ainda mais lírico e solene. Como podemos ver na Figura 77 (a seguir), primeira ilustração do poema, a diagramação de Ismália acontece por associação, ou seja, temos um enunciado verbal curto e um enunciado visual a cada página dupla. Isso torna o ritmo de leitura ágil. Texto e a imagem estão coexistindo no mesmo espaço, e, muitas vezes, a localização do texto pode sugerir significados simbólicos. No texto, temos antes da dobra a representação do

céu com a área do texto reservada pelo branco do papel. O texto diz: “Quando Ismália enlouqueceu, /Pôs-se na torre a sonhar...” (GUIMARAENS, 2006, p.2-3). Abaixo da dobra temos a representação da torre na ilustração. O texto localizado acima da torre sugere que o narrador de modo simbólico evoca Ismália, que irá aparecer em cima da torre. Poderíamos dizer também que o texto, por aparecer antes da torre, antecipa a ilustração. Embora quando há coexistência de imagem e texto em uma mesma página, a percepção da imagem costuma ser anterior ao texto. A moldura em branco da página, limitando o campo visual, pressupõe que o leitor está visualizando a cena através de uma janela. Na segunda página dupla, na Figura 78 (a seguir), a moldura é retirada, o que amplia o campo visual colocando o leitor dentro da cena. O movimento entre colocar e retirar a moldura da página acontece a cada dupla. Esse movimento de puxar o leitor para dentro e para fora do cenário pode ser lido como uma sinestesia da loucura de Ismália, como se o leitor fosse impelido a vivenciar o sentimento de confusão lancinante da loucura. Uma confusão psíquica que nos joga para dentro e para fora da consciência ou da realidade. A primeira dupla na Figura 77 apresenta um ponto de vista em close. Nesta segunda dupla, Figura 78, o ponto de vista é um plano geral. Essa mudança de ponto de vista entre uma dupla e outra, entre um close e um plano geral, se mantém em todas as ilustrações de Ismália. Tal escolha amplia a sensação de que somos puxados para dentro e para fora da narrativa. Enquanto na primeira dupla, Figura 77, há um distanciamento da

119


Figura 77 – Ismália, Alphonsus Guimarães (escritor) / Odilon Moraes (ilustrador). Livro ilustrado, 2006. Fonte: GUIMARAENS, 2006.

cena por causa da inserção da moldura, também há uma aproximação através do ponto de vista em close. Na segunda dupla, Figura 78, há uma aproximação na retirada da moldura, porém o ponto de vista em plano geral nos afasta. Assim, podemos ver que o ilustrador cria um ritmo constante de contrastes entre aproximação e distanciamento, para enfatizar a sensação de delírio, o que emprega na leitura do poema um ritmo perturbador. Além de poder ser lido como uma referência ao estado psíquico de Ismália, o ritmo delirante pode ser sentido também na musicalidade do poema de Alphonsus que possui sempre rimas cruzadas, ou seja, as rimas acontecem verso sim, verso não, assim como a moldura nas ilustrações de Odilon. Na primeira estrofe de Ismália, em Guimaraens temos “Quando Ismália enlouqueceu, /Pôs-se na torre a sonhar…

120

/“Viu uma lua no céu /Viu outra lua no mar” (GUIMARAENS, 1987, p.2-3). Como podemos ver na marcação, as rimas acontecem cruzadas, característica mantida em todo poema. O texto de Ismália, em relação com as ilustrações, intercala entre a redundância e a colaborativa. É redundante quando o texto evoca alguma ação de Ismália, como na Figura 75, em que o texto diz “E como um anjo pendeu / As asas para voar...” (GUIMARAENS, 2006, p.4-5).


E na ilustração temos Ismália prestes a pular da torre. Embora o texto seja subjetivo, podemos interpretar que o verso sugere que Ismália pulou da torre por meio de convenções. O texto é colaborativo quando descreve os sentimentos de Ismália como na Figura 79 (a seguir). O texto diz: “Queria uma lua no céu/Queria uma lua no mar...” (GUIMARAENS, 2006, p.18-19). E na ilustração temos Ismália pulando da torre. O texto fala do que Ismália

quer, ou seja, de uma questão interna psicológica da personagem, enquanto a ilustração mostra a ação da personagem. As ilustrações de Ismália são um registro poético da cena do suicídio da personagem, enquanto o texto funciona como uma voz que evoca imagens mentais. O texto funciona como uma voz poética que se sobrepõe a imagem onde a ação é encenada. Na primeira página da Figura 78 temos as figuras da torre e da Lua, com o seguinte texto: “Viu uma lua no céu” (GUIMARAENS, 2007, p.4). Na segunda página, da Figura 78, temos o reflexo da Lua e da torre no mar com o seguinte texto: “Viu outra lua no mar” (GUIMARAENS, 2007, p.5). O texto que fala do céu coexiste em cima da representação do céu da ilustração, e o texto que

Figura 78 – Ismália, Alphonsus Guimarães (escritor) / Odilon Moraes (ilustrador). Livro ilustrado, 2006. Fonte: GUIMARAENS, 2006.

121


fala do mar coexiste em cima da representação do mar da ilustração. Esta escolha da diagramação contribui para termos a sensação de que estamos presenciando o mesmo movimento da personagem Ismália, que está dividida entre o céu e o mar, o alto e o baixo, a loucura e a sanidade, o carnal e o divino. As dobras da página dupla, portanto, dividem não apenas o espaço, mas também enfatiza os reflexos de Ismália. A montagem de Ismália acontece por meio de imagens sequenciais que mostram o suicídio da personagem, assim como podemos observar na Figura 80 (a seguir). A diagramação de texto e imagem busca interpretar o ritmo do poema de Guimarães, mas pela adição das ilustrações e das qualidades do suporte cria-se um novo ritmo, que é mais inspirado no poema do que uma tradução literal do ritmo da palavra. O ritmo de leitura de Ismália é ditado por uma somatória de elementos e da interferência que cada elemento exercer sobre o outro. É uma combinação de vetores que acontecem no espaço bidimensional das imagens e no processo linear da leitura. As manchas do cenário oferecem amplitude ao ritmo, a figuração do vestido sugere um ritmo veloz e harmonioso, poético. O texto de Ismália, que poderia caber em uma página, dividido em 20 páginas, permite um tempo de leitura maior, o que favorece a apreciação do momento. A diagramação associativa com enunciados curtos oferece uma cadencia de leitura rápida. E o efeito de aproximar e afastar o ponto de vista das imagens emprega a qualidade de perturbador ao ritmo de leitura. Portanto, nesta análise de Ismália, podemos notar que o ritmo no design da ilustração é a interpretação

122

pessoal do ilustrador sobre a narrativa textual. Assim como o ilustrador cria o design de um mundo imaginário onde se insere o leitor, o design das ilustrações e de todo projeto gráfico coloca um ritmo nos acontecimentos deste mundo imaginário.

3.2 O Imaginário Popular no Design da Ilustração O design da ilustração, quando inspirado nos mitos ou no imaginário popular, tem no processo de criação a visão do ilustrador sobre os personagens abordados. Porém, comumente, essa visão costuma manter a essência dos personagens, para que eles possam ser facilmente identificados pelo seu público, e abrir a comunicação entre o narrador e o leitor. Os cavaleiros medievais são figuras do repertório de livros infantis, filmes, animações e narrativas conhecidas


em muitos países. Os cangaceiros do sertão nordestino são fonte de inspiração para literatura de cordel, filmes, seriados e movimentos artísticos que também ganharam repercussão internacional. O Lampião e Lancelote (2006), livro ilustrado de Fernando Vilela, fala do embate cultural entre os cangaceiros e os cavaleiros medievais e nos mostra como o imaginário popular pode ser uma fonte de inspiração para criar novas visualidades para o design da ilustração.

3.2.1 Autor

Fernando Vilela é artista plástico, curador, designer, professor, escritor e ilustrador de livros. Formado em artes plásticas pela Universidade Estadual de Campinas e mestre em Artes pela USP. Em 2009, publicou o livro Desafios de Cordel, analisado na página 88. Em entrevista publicada no site da editora Cosac Naify, Vilela (2011) comenta que Lampião e Lancelote é o livro mais vendido da editora, sendo um divisor de águas

Figura 79 – Ismália, Alphonsus Guimarães (escritor) / Odilon Moraes (ilustrador). Livro ilustrado, 2006. Fonte: GUIMARAENS, 2006.

123


em sua carreira, que o projeta e lhe abre portas para novos trabalhos. Vilela comenta que o encontro de Lampião e Lancelote não foi uma ideia totalmente inventada, mas que possui suas raízes históricas, já que a oralidade da poesia e seu registro por meio da xilogravura são heranças da Europa medieval, que chegaram até o Brasil juntamente com a colonização portuguesa. Filho (1985) comenta que o cordel pode ser encontrado em outros países com outros nomes; em Portugal, chama-se “folhas soltas”; na Espanha, “pliegos sueltos”; na França, como “littèrature de colportage”; e na Inglaterra é chamado de “catchpennies”. O cordel, segundo o autor, é toda poesia e narrativa popular impressa, em verso ou em prosa, que resulte em um folheto. Costumam ser constituídos de capa e miolo impressos em papel jornal, em tamanho aproximado de 10x16 centímetros.

124


Figura 80 – Ismália, Alphonsus Guimarães(escritor)/Odilon Moraes(ilustrador). Livro ilustrado, 2006. Fonte: GUIMARAENS, 2006.

125


Segundo Vasconcelos, o início da literatura de Cordel está ligado a implementação das práticas tipográficas no Brasil, tendo raízes ibéricas no medievalismo europeu. A tradição da poesia oral provém do feudalismo, em que menestréis e jograis ocorriam nas aglomerações de vassalos durante peregrinações religiosas e guerreiras, divulgavam notícias, relatos de guerra, romances de amor, de cavalaria, viagens marítimas etc. No Brasil, a oralidade foi trazida pela colonização portuguesa, sofrendo influências também dos imigrantes. Desse modo, no nosso cordel, temos as características da miscigenação de raças e tradições, o sincretismo religioso e as novas situações do cotidiano popular. Assim como nas trovas medievais, o tema caminha entre o real e o lendário, tendo como destaques os temas religiosos, a guerra de Canudos, os duelos, a figura de Lampião, o cangaço e política. A ilustração alia-se ao cordel para tornar o material

126

mais atrativo, apresentando visualmente os heróis da trama, e identificado sua temática, de cotidiano popular, crenças e valores de um povo. Segundo Moretto (1985), o Cordel não é apenas para ser lido, mas para ser cantado e ouvido. O vendedor do cordel, muitas vezes, tem o dom de cantar esse folheto, de declamar bem, podendo ser visto como um ator popular. A sonoridade e o ritmo dos versos do cordel contribuem para criação de versões cantadas comumente acompanhadas pela viola. Costumam aparecer em estrofes de seis versos (sextilhas), ou de sete (septilhas) e dez versos (décimas). Geralmente, seus versos possuem sete sílabas, embora hajam aqueles com número variado de sílabas, como seis ou oito. Vilela (2006) comenta que foi principalmente na musicalidade do cordel que ele se inspirou para compor seu texto. Servindo-se das ideias tanto no cordel quanto na poesia medieval, o texto Lampião e Lancelote pode ser dividido em três momentos. O primeiro é a apresentação de Lancelote, em que o texto segue o léxico medieval das palavras de cavalaria. O segundo momento é a apresentação de Lampião, no qual o texto das falas do cangaceiro possui a métrica tradicional do cordel em sextilha, ou seja, seis versos de seis sílabas. O terceiro são as falas de Lancelote sempre compostas em sextilha, sete versos de sete silabas, consagradas nos duelos escritos por José Costa Leite, um dos nomes mais conhecidos da literatura de cordel. Desse modo, podemos notar que Vilela inspirou-se não apenas na visualidade da cultura popular para compor seu livro, mas também na musicalidade e nas convenções do texto medieval e da literatura de cordel. No caso de Vilela, que


assume o papel de escritor e de ilustrador, há uma maior liberdade para pensar em um design para comunicar um conceito que amarre o texto e as ilustrações do livro. A relação de texto e imagem é de colaboração; o texto evoca o enunciado, mas não descreve as ações mostradas das ilustrações, permitindo a linguagem visual expandir o conteúdo da informação. Isso acontece tanto nos momentos em que temos a prosa quanto nos momentos em que temos os versos. Assim, a montagem de Lancelote e Lampião acontece através do texto que evoca os acontecimentos e são expandidos pelas ilustrações. A diagramação do texto de Vilela, na maioria das vezes, sugere um ritmo de leitura ou das ações da narrativa. Na Figura 81 (página anterior), o texto foi organizado na página par com uma inclinação de um ângulo positivo, enquanto na página impar da dupla a inclinação do texto é um ângulo negativo. Esse recurso sugere o conflito entre as armas apontadas entre os dois exércitos. Na Figura 82 (página anterior), podemos ver os versos do poema de Vilela espalhados pelo chão, na tentativa de imitar o ritmo dos passos de dança que mistura os ritmos medievais e os ritmos do sertão. E na Figura 84 (a seguir), podemos ver as estrofes do texto tentando mimetizar o movimento das placas de metal que balançam enquanto Lancelote cavalga em seu cavalo. Esses recursos sugerem ritmo, conflito e movimento na página e no texto, favorecendo que o leitor percorra com o olhar toda a página em busca de mais detalhes e informações. A técnica utilizada para impressão do cordel costuma ser a xilogravura, que permite uma produção em larga escala e de baixo custo. Como

aponta Nori (1985), a xilogravura foi inventada na China no século IX, chegou até a Europa onde realizou a proeza de imprimir os primeiros livros da história, os quais, posteriormente, chegaram até nós. Após o século XV, com a invenção da impressão por meio de tipos móveis, a xilogravura passou à função de imprimir principalmente as ilustrações. No Brasil colônia, a gravura apenas engatinhou, tendo seu maior desenvolvimento após a vinda da família real para o Brasil em 1808. O cordel ilustrado com xilogravura mais antigo de que se tem notícia é de 1907 e trata da vida do cangaceiro Antônio Silvino. Nas décadas seguintes, o cordel se populariza até que em meados do século XX ganha dimensões nacionais, embora seja produzido e comercializado principalmente na região nordeste do país. Vilela percebeu que a xilogravura foi um método de impressão que coexistiu tanto na época do desenvolvimento das narrativas de cavalaria

127


quanto na época em que se desenvolveu o mito do Lampião e utilizou a técnica para ilustrar seu livro que trata do encontro entre as duas épocas. Assim, a xilogravura em Lancelote e o Lampião não é um mero acaso, expressando um valor simbólico ao criar um elo da visualidade entre duas épocas distintas. Vilela (2008), em entrevista filmada à revista eletrônica Crescer, conta sobre seu processo de trabalho, que parte de uma abordagem experimental das técnicas e dos procedimentos, combinando a utilização de carimbos, que é um tipo de xilogravura, com a pintura e o desenho em nanquim. Cada cor de sua ilustração é construída em uma folha de papel separada, e a mesa de luz é utilizada para que o ilustrador possa guiar-se no processo de composição da imagem. Após a digitalização dessas imagens, o ilustrador costuma terminar seu processo no computador, em que separa as cores para impressão. Nas Figuras 83, 84 e 85 (pa seguir), temos as primeiras ilustrações do livro de Vilela, as quais apresentam o personagem Lancelote. Observando a Figura 83, podemos notar que o ilustrador utilizou o mesmo carimbo repetidamente para compor diversas partes de sua ilustração. Entretanto, cada vez que o carimbo adere à folha de papel, causa um registro diferente pela pressão que o ilustrador coloca entre o carimbo e a folha, e pela quantidade de tinta que o papel absorve. Assim, há um certo acaso nesse tipo de técnica; no entanto, o ilustrador tenta controlar de acordo com suas intenções para o trabalho. A linha visual utilizada em Lampião e Lancelote não tenta reproduzir fidelidade na figuração do mundo visível, preferindo uma representação estilizada, quase

128

planificada. Ao criar figurações estilizadas, o ilustrador projeta um universo para ser subjetivado pelo leitor e abre espaço para sua imaginação. Vilela (2006) comenta que para ambientação do cenário de Lampião utilizou referência dos adornos das iluminuras medievais e de pinturas renascentistas. O ilustrador também comenta que se inspirou na obra A batalha de São Romano, de Paolo Uccello, que remonta uma série de três quadros que podemos visualizar na Figuras 86, 87 e 88 (página anterior). Ao compararmos esta série de quadros de Paolo, com as Figuras 83 e 84, ilustrações de Vilela, podemos encontrar importantes relações entre elas. O primeiro é ponto de vista em plano geral com personagens que estão constantemente de perfil se deslocando em um plano que não sugere muita profundidade. A linha do horizonte, que sugere a altura do olhar do observador da imagem, está localizada aproximadamente na altura da cela dos cavalos. Isso sugere que


Figura 81 – Lampião & Lancelote, Fernando Vilela. Livro ilustrado, 2006. Fonte: Vilela, 2006.

vemos homens montados em cavalos enquanto nós estamos em um plano abaixo. Ou seja, ao nos projetarmos na imaginação para dentro do quadro, estamos fora de um cavalo e, portanto, em desvantagem em relação aos cavaleiros. Assim, podemos notar que embora Vilela trabalhe com a xilogravura, a divisão do espaço e da perspectiva em suas ilustrações parecem ter influência do pintor renascentista Paolo Uccello. A visão lateral dos personagens se mantém em muitos momentos em seu livro, porém a altura da linha do horizonte se altera principalmente quando o

ilustrador compõe utilizando o ponto de vista em close como na Figura 85.

3.2.2 Capa

Na Figura 89 (a seguir), podemos visualizar a quarta capa, a lombada e a capa do livro de Vilela. O livro fechado tem o tamanho de 35x25 centímetros e aberto atinge 70x25 centímetros. Na capa, o título do livro na vertical rivaliza com o nome do autor localizado abaixo na horizontal. Essa solução prevê o conflito da narrativa e pode ser associado à silhueta de uma espada ou de uma faca. Cada um dos personagens localizados em uma das extremidades da capa, aumentando o prenúncio de embate.

129


Figura 82 – Lampião & Lancelote, Fernando Vilela. Livro ilustrado, 2006. Fonte: Vilela, 2006.

Figura 83 – Lampião & Lancelote, Fernando Vilela. Livro ilustrado, 2006. Fonte: Vilela, 2006.

130


Figura 84 – Lampião & Lancelote, Fernando Vilela. Livro ilustrado, 2006. Fonte: Vilela, 2006.

Figura 85 – Lampião & Lancelote, Fernando Vilela. Livro ilustrado, 2006. Fonte: Vilela, 2006.

131


Comparando a Figura 89, capa do livro de Vilela, com a Figura 88, pintura de Paolo, podemos notar que a armadura de Lancelote é semelhante a armadura dos cavaleiros, sobretudo pela cor prata. A impressão do prata e do cobre na capa do livro de Vilela acontece por meio de hot stamp. Nesse processo acontece o uso de temperaturas elevavas a uma fina película de metal que é aderida sobre a capa do livro. As duas cores metálicas da capa, o prata e o cobre, aparecem para caracterizar cada um dos dois personagens. A cor prata caracteriza a armadura, a lança, as placas de metal e os ornamentos de Lancelote, enquanto Lampião recebe o cobre que caracteriza a cor de seus anéis, moedas e patentes de suas vestimentas. Enquanto na capa a impressão destas cores acontece por meio do processo do hot stamp, no miolo a impressão das cores metálicas acontece por meio de processos digitais de impressão. São as chamadas cores especiais. Essas cores não são possíveis de serem reproduzidas através dos meios convencionais de impressão que se utilizam do sistema CMYK, que deriva do inglês Cyan (ciano), Magenta (magenta), Yellow (amarelo), e Key ou Black (cor chave ou preto). Para adicionar as cores especiais no processo de impressão é preciso que a impressora seja capaz de ser carregada com um cartucho especial que irá conter tintas com efeito metalizado. Nesse processo é possível

Figura 86 – A batalha de São Romano 01. Paolo Niccolò Uccello. Tempera sobre madeira, 1438-1440. Fonte: WEB GALLERY ART, 2011

Figura 87 – A batalha de São Romano 02. Paolo Niccolò Uccello. Tempera sobre madeira, 1435-1455. Fonte: WEB GALLERY ART, 2011

Figura 88 – A batalha de São Romano 03. Paolo Niccolò Uccello. Tempera sobre madeira, 1456-1460. Fonte: WEB GALLERY ART, 2011

132


uma impressão que una as cores do CMYK com as tintas metálicas. Podemos perceber que o conhecimento dos processos de impressão é uma questão importante para o ilustrador, que pode encontrar soluções para valorizar seu trabalho ao se apropriar da qualidade das cores especiais. Conhecer como funciona o processo de impressão das imagens que o ilustrador está produzindo poderá auxiliar este profissional na escolha dos efeitos utilizados nas imagens. Por exemplo, a experiência com a impressão pode levar o ilustrador a perceber que determinadas texturas ou cores ficam melhores que outras em um ou outro processo de impressão. Dessa maneira, o ilustrador deve estar sempre atento ao projeto gráfico e suas necessidades, para que seu trabalho possa ser reproduzido com fidelidade e eficiência. Afinal uma cor, ou uma textura que fuja do planejamento da comunicação de um projeto gráfico, pode afetar o leitor de um modo completamente indesejado, criar ruído na mensagem e até descaracterizar a narrativa. Vilela (2006) agradece ao amigo Sérgio Sister, que o ajudou com a pesquisa das cores especiais. Podemos também notar que foi o conhecimento dos processos de impressão que possibilitou Vilela formular seu processo de trabalho, no qual ele une processos manuais e digitais para compor suas ilustrações.

Enquanto o processo manual de utilização dos carimbos dá ao seu trabalho o registro e a qualidade do material da xilogravura, o processo digital permite que o ilustrador manipule e organize com precisão seu trabalho para impressão. Portanto, pesquisar a história do uso de materiais e processos de impressão e dar sentido ao uso de materiais e técnicas de ilustrar viabilizando a reprodução industrial de um produto, também é uma preocupação no design da ilustração.

3.2.3 Enredo

A narrativa do livro começa com a feiticeira, ou fada

133


Morgana, abrindo um portal que envia Lancelote, cavaleiro medieval, para o século XX, no sertão onde viveu Lampião. O motivo é o ciúme que Morgana sente de Lancelote, que ama Guinevere, a esposa do Rei Arthur. Lancelote cai na armadilha, e ele e seu exército de cavaleiros se deparam com o bando de Lampião, o

134

rei do cangaço. O duelo entre os grupos acontece tanto por meio do repente quanto por meio das pistolas facas e lanças. Mesmo com o tema bélico, o ilustrador mantém o tom poético durante sua


narrativa. Após muitas mortes de ambos os lados, Lampião e Lancelote começam a dar risada, fazem as pazes e então se inicia uma grande festa onde são unidos os ritmos de dança medieval e do

sertão nordestino. No final, Morgana leva Lancelote de volta ao mundo medieval, porém sua magia também cria um livro contendo toda narrativa do embate de Lampião e Lancelote. Assim, o desfecho sugere que estamos lendo um livro criado a partir de uma magia de Morgana e guardado por Lampião até chegar ao leitor.

Figura 89 – Lampião & Lancelote, Fernando Vilela. Capa de livro ilustrado impresso em hot stamp, 2006.Fonte: VILELA, 2006.

135


3.2.4 O Imaginário Popular

A mitologia por trás do personagem Lancelote nos leva ao rei e herói Arthur e sua corte, o que remete às origens do povo inglês. Doherty (1987) comenta que, por volta do século V a.C, o território que conhecemos hoje como Inglaterra foi invadido pelos celtas, que dominaram e se uniram às tribos locais, formando o povo bretão. Nessa época, o território não era unificado, sendo composto por tribos independentes com hierarquia local própria. No século I d.C, o território foi novamente invadido e dominado pelos romanos, tornandose província do Império Romano. Mas no limiar do século V, o poder de Roma declina, e a província fica entregue a própria sorte para se defender das invasões saxônicas. É no meio deste cenário

136

de conflitos e invasões que teria surgido um grande líder e guerreiro Arthur. Os primeiros indícios da existência do Arthur histórico surgem a partir de relatos de monges historiadores como Gildas, galês do século VI, e Nênio, do século VII d.C. Esses registros históricos dos monges são, muitas vezes, exagerados e fantasiosos, embora haja um consenso entre os historiadores de que por volta do século V, houve um grande líder militar e guerreiro que lutou contra a invasão dos saxões e venceu uma importante batalha situada em um monte chamado Badon, dando ao povo bretão quarenta anos de paz na ilha. Ao que parece, em um determinado momento, o Arthur histórico, com poucas evidências concretas sobre sua existência, começou a perder importância, enquanto a figura mitológica de Arthur ganha força como um símbolo de nacionalidade do povo. A partir de então, as trovas e relatos ao longo dos séculos são regadas pela imaginação dos autores, e o Arthur histórico cede lugar ao Arthur mítico. Ao longo da história, a lenda de Arthur e seus cavaleiros tem sido contada e recontada, adaptando-se, algumas vezes, ao contexto da sociedade e de seu tempo, porém sem perder sua essência. Doherty (1987) comenta que os autores e trovadores medievais tardios, que escreveram sobre o Arthur mítico e sua corte, relataram o que acreditavam ser a história de uma pessoa real, que havia vivido e reinado. Provavelmente, é por isso que, apesar das diferenças de interpretação e de ênfase entre uma narrativa e outra, a essência de seu caráter é mantida. Doherty apresenta que, com o passar do tempo, a lenda de Arthur do século VI, vestido com cota de malha e portando uma grande espada cede lugar ao cavaleiro romântico munido de


lança, que veste uma armadura prateada e cavalga um imponente cavalo branco. Assim podemos imaginar que a roupagem de Lancelote, cavaleiro de Arthur, também se altera para visão romântica da época medieval. Como vimos nas Figuras 83 e 84, é esta visão do Lancelote romantizado que Vilela representa em suas ilustrações. Portanto, o Lancelote de Vilela não parece ter intenções de remeter a uma personalidade histórica. Ao que parece, a referência de Vilela ao criar Lancelote é o imaginário popular, criado a partir das lendas arturianas.

Não há nenhum registro histórico apontado por Doherty (1987) que comprove que Lancelote tenha vivido na época de Arthur. O autor comenta que nos primeiros relatos dos monges sobre o Arthur histórico, o personagem é centro das ações narradas, enquanto nas trovas medievais, consideradas narrativas do Arthur mítico, ele se torna personagem secundário das aventuras de seus cavaleiros como Lancelote, Gawayne, Gareth, Tristão. Porém esses personagens costumam ser vistos como criações literárias. Talvez Lancelote tenha mesmo existido e tenha permanecido na lenda de Arthur por meio dos registros orais dos bardos, ou talvez seja apenas um personagem literário criado para compor a narrativa de Arthur. A mais antiga e importante narrativa sobre o Rei Arthur apareceu no final da idade Média. Ela foi criada por volta de 1470, por Sir Thomas Malory, e publicada em 1485 com o título

Figura 90 – Morte D”Arthur, Sir Thomas Malory (autor) / William Caxton (tipógrafo). Livro com impressão tipográfica, 1470. Fonte: DOHERTY, 1987, p.73.

137


Figura 91 – Lampião & Lancelote, Fernando Vilela. Livro ilustrado, 2006. Fonte: Vilela, 2006.

de Morte D’Arthur pelo primeiro tipógrafo inglês William Caxton. Doherty comenta que a impressão do texto foi realizada por meio dos tipos móveis, enquanto muito provavelmente a impressão da ilustração foi realizada através da xilogravura, como podemos ver na Figura 90 (página anterior). Caxton relata que, embora nem tudo que Malory escreve seja verdade, ele acreditou que a crença em Arthur seria importante para ensinar valores para as pessoas e para os senhores da nobreza inglesa. Na narrativa de Malory há um capítulo que narra a chegada de Lancelote em Camelot, reino de Arthur. Lancelote ganha a confiança do rei e

138

fica conhecido como um cavaleiro invencível após duelar com todos guerreiros de Arthur e se destacar. Entretanto, Lancelote apaixona-se por Guinevere, esposa de Arthur, e ambos traem a confiança do Rei ao manter a relação de adultério. Assim, Lancelote, por carregar a mancha de honra na essência de sua personagem, em muitas narrativas acaba


adquirindo um caráter multifacetado. Ora é visto como o cavaleiro honrado e corajoso que tenta a todo custo vencer a paixão por Guinevere para não trair Arthur, como parece ser o caso da narrativa de Malory, ora é retratado como vaidoso e covarde que se aproveita das situações para ganhar fama e poder, além de trair Arthur pelas costas, como acontece em As crônicas de Arthur (2006), de Bernard Cornwell. Diferente de Lancelote, a existência do Lampião histórico tem muitos registros como fotografias, filmagens e relatos de pessoas da época. Segundo Neto (2010), Virgulino Ferreira da Silva, conhecido popularmente como o Lampião, nasceu em Pernambuco, no município de Serra Talhada, no período entre 1897 e 1900. A imprecisão do ano de seu nascimento deriva de incompatibilidade do ano registrado em livro de batismo da igreja e do ano de registro no cartório. Virgulino fez primeira comunhão e o sentimento de religiosidade o acompanhou por toda vida, mantendo grande simpatia pelo Padre Cícero de Juazeiro, que é tido como santo por muitos sertanejos ainda hoje. Neto comenta que, desde cedo, Virgulino parecia se destacar em vários ramos, demonstrando um carisma e espírito de liderança, tido como bom dançarino, repentista e tocador de sanfona. Como podemos ver na Figura 91 (página anterior), Vilela se apropria desta fama de Lampião para figurar o personagem tocando sanfona.

Figura 92 – Sem título, Autor desconhecido. Fotografia de Lampião. Fonte: ISTOÉ, 2011.

Figura 93 – Sem título, Autor desconhecido. Fotografia de Lampião. Fonte: ISTOÉ, 2011.

139


Neto (2010) comenta que a religiosidade e magia sempre cercaram a figura de Lampião, uma vez que era alimentada pelas crendices do povo e pela capacidade de iludir do próprio Lampião, que falava sobre bênçãos e fazia rezas supostamente capazes de fechar o corpo dos homens em batalha, os tornando invencíveis. Lampião também era capaz de desaparecer por meses no meio da caatinga para fugir da perseguição da polícia. Obviamente, não por possuir poderes sobrenaturais, mas por conhecer muito bem a região, embora a crença do povo local atribuísse muitos feitos de Lampião ao mágico e ao fantástico. Segundo relatos da época, Lampião entra no cangaço após a morte do pai. José Ferreira teria sido morto por policiais das Volantes, polícia criada para combater o cangaço e que era formada principalmente por oficiais temporários que buscavam algum tipo de vingança. O pai de Lampião teria sido morto a mando de um dos oficiais das volantes chamado Zé Saturnino, que era

140

inimigo da família de Lampião. Desse momento em diante, Virgulino entra para o bando de Sinhô Pereira, cangaceiro que inicia Lampião em sua jornada. Esse evento acontece por volta de 1917, e por volta de 1922 é relatado que Virgulino já era conhecido como Lampião e que agia sozinho com o próprio bando de cangaceiros. Convicto de seu poder no sertão, Lampião adquire o status de celebridade e utiliza-se do efeito ao seu favor. Corajoso e confiante, ele sabia lidar com os códigos daquela sociedade, que prezavam pela honra e pela valentia, características que lhe forneciam um “escudo ético” para justificar os crimes que cometia. Lampião aproveitava para celebrizar-se na sociedade por meio de entrevistas e fotografias dadas aos jornalistas. Lampião era vaidoso e andava como um líder enfeitado dos pés a cabeça com anéis, moedas e adornos de couro costurados. Lampião inventou uma moda no cangaço, seguida por seus comparsas e por seus perseguidores. O óculos para leitura também era incomum na época e região. Comparando as Figuras 92 e 93 (ao lado), fotografias da época de Lampião, com as Figuras 94 e 95 (a seguir), ilustrações do livro de Vilela, podemos notar como Vilela simplificou as formas e criou carimbos para representar os ornamentos do vestuário de Lampião. Neto (2010) comenta que Lampião procurava passar uma impressão de que era o salvador daquela região e dos sertanejos. Isso era possível por que as Volantes, a polícia da região, muitas vezes agiam de modo muito similar aos cangaceiros. As volantes costumavam humilhar, torturar e até matar muitos sertanejos para conseguir o que queriam. Então, o povo local se sentia entre a cruz e a espada no meio do


fogo cruzado entre a polícia e os cangaceiros. Desse modo, ao longo do tempo, Lampião foi ganhando uma visão multifacetada, entre o bandido e o herói, o cruel e o justiceiro. Podemos notar que tanto Lancelote quanto Lampião possuem na essência dos personagens mitológicos alguma mancha na honra, ou mesmo uma visão multifacetada que caminha entre o bem o mal, o certo, o errado e o duvidoso. Portanto, parece fazer sentido o encontro dos personagens, uma vez que ambos podem aparecer tanto quanto mocinhos como bandido da história. Um encontro entre Lampião e Arthur, que sempre aparece como representação de caráter exímio, poderia colocar Lampião no papel de bandido da história. Portanto, é provável que Vilela tenha percebido essa relação multifacetada entre os personagens na hora de compor sua narrativa. Outra relação entre Lampião e Lancelote é a vaidade e a riqueza visual de ornamentos de duas épocas distintas, o que possibilita que o ilustrador trabalhe estes ornamentos para valorizar sua narrativa. Neste caso, é importante observar que o planejamento da narrativa irá influenciar posteriormente no design da ilustração. Vilela também pesquisou a vegetação da caatinga nordestina, palco de sua trama. Uma das representações recorrentes em suas ilustrações são os pés de xique-xique ou de mandacaru, os quais, semelhantes aos cactos, são abundantes no clima da caatinga, como vemos na Figura 96 (a seguir). Na Figura 97 (a seguir), podemos encontrar outra referência da cultura popular nordestina: as bandeirinhas coloridas das festas de São João, sempre utilizadas para enfeitar a cidade e as festas do mês de junho. Portanto, podemos notar que as ilustrações

de Vilela unem o imaginário popular aos elementos do cotidiano e da cultura de dois povos. Ao apresentar Lampião e Lancelote, Vilela, por meio do repertorio cultural, ganha empatia do público que gosta de dois gêneros diferentes. Ao acessar um repertório cultural, a ilustração pode ganhar interpretações ainda mais pessoais, uma vez que entramos em contato com um personagem conhecido, podemos lembrar-nos de outras tantas histórias e experiências que nos remetem ao personagem. Ao inserir elementos da cultura popular do seu público, como as bandeiras de São João e a sanfona, a narrativa pode tornar-se mais crível e acessível para determinados leitores. O design da ilustração de livros costuma exigir pesquisa, e, ao trabalhar com elementos da cultura e do imaginário popular, o ilustrador terá de selecionar quais elementos da cultura popular irão ser representados em sua ilustração. O aprofundamento da pesquisa histórica da cultura e do imaginário popular é importante

141


Figura 94 – Lampião & Lancelote, Fernando Vilela. Livro ilustrado, 2006. Fonte: Vilela, 2006.

Figura 95 – Lampião & Lancelote, Fernando Vilela. Livro ilustrado, 2006. Fonte: Vilela, 2006.

142


Figura 96 – Lampião & Lancelote, Fernando Vilela. Livro ilustrado, 2006. Fonte: Vilela, 2006.

Figura 97 – Lampião & Lancelote, Fernando Vilela. Livro ilustrado, 2006. Fonte: Vilela, 2006.

143


para que o ilustrador não descaracterize os personagens. Ao abrir dialogo entre duas culturas distintas, Vilela fortalece o interesse do público no aprofundamento do imaginário popular e suas relações históricas. Ao trabalhar no design das ilustrações com duas culturas diferentes, o ilustrador empenha-se em criar uma forma de representação atrativa e capaz de manter unidade entre elementos e ornamentos de épocas distintas. O processo pode criar novas visualidades, novas combinações e novas maneiras de ver objetos aos quais estamos familiarizados, e essas parecem ser as principais características de Lampião e Lancelote.

3.3 A Montagem no Design da Ilustração

O livro ilustrado pressupõe uma organização lógica e coerente de enunciados visuais e verbais que tornam

144

inteligíveis a narrativa. A organização e ordenação das ilustrações em um livro ilustrado pode ser chamada de montagem. Quando o leitor se depara com enunciados verbais e visuais, e tenta dar sentido e sequência nas informações, pressupõe-se que ele imagine as lacunas que não aparecem no texto ou nas imagens. O espaço entre um enunciado e o próximo, e como vão se montar é o que caracteriza a montagem. Podemos falar da montagem dos enunciados de uma página, da montagem dos enunciados entre as páginas e da montagem dos enunciados entre linhas de tempo da história. Embora possam ser encontradas relações entre o cinema e o livro ilustrado, a montagem do livro ilustrado possui suas próprias convenções. O termo montagem parece adequado, porque, no livro ilustrado, a configuração no espaço da página entre uma imagem e a próxima vai além de uma organização de conteúdo, tendo a importância de criar ritmo de leitura e despertar emoções no leitor. Cada cena ou ação representada em uma imagem sugere o tempo do acontecimento. O tempo das ilustrações é sempre composto de cortes, já que é impossível para o livro ilustrado representar o fluxo de movimento contínuo como no cinema. O texto pode aparecer descrevendo, narrando ou evocando sensações. Assim, o livro ilustrado possui sua própria linguagem, que capacita sua leitura. Ao visualizar uma ilustração narrativa, o leitor irá criar relações de tempo e espaço sobre o que está sendo representado. Ao deparar-se com uma sequência de ilustrações dentro de uma página dupla, o leitor irá tentar decifrar a relação de tempo entre as diferentes representações. Entre uma imagem e outra, o leitor pode montar relações de casualidade


e de sequencialidade. A virada de página pode ser vista como um corte ou uma transição entre uma página e outra. A montagem entre uma página e outra acontece por meio da relação que o leitor estabelece entre os enunciados verbais e visuais da página anterior e a página seguinte. Nas páginas 53-56, por meio da análise de Flicts, vimos que o texto pode guiar a montagem das ilustrações, uma vez que ele evoca as ilustrações que irão apresentar um aspecto que contribui para fruição da história. Nas páginas 56-58, na análise do livro A dona da festa, vimos que texto e imagem podem criar linhas temporais distintas que se relacionam para dar continuidade a narrativa. Nesse caso, a linha mestra que guia a narrativa e a montagem dos enunciados é o texto. Na página 59-63, a análise de A rainha das cores nos mostra que a montagem pode ser guiada por imagens sequenciais que se utilizam do texto como recurso auxiliar e redundante para explicá-las. Nas páginas 94-110, ao analisar a Ismália, percebemos que sua montagem acontece a partir do encadeamento de imagens seqüenciais, e que o texto funciona como uma voz que acompanha a ilustração na narrativa. Nas páginas 111-129, pudemos perceber que a montagem de Lampião e Lancelote é guiada pelo texto que evoca ilustrações que expandem o conteúdo do enunciado textual. O que todos esses livros têm em comum é que são histórias relativamente curtas e lineares, com foco narrativo sempre em um ou dois personagem que estão interagindo na mesma cena. São histórias em que se apresenta uma situação de conflito que, quando solucionada, dá fim à narrativa. Essa parece ser a principal configuração dos roteiros dos livros ilustrados. Um outro pastoreio (2010) tem uma configuração diferente dos demais

livros ilustrados no mercado, já que possui um roteiro complexo, com foco narrativo que se alterna muitas vezes, criando uma série de linhas temporais que se sobrepõem e interagem. Além de utilizar-se de recursos de ilustração, das histórias em quadrinhos, como os balões e as onomatopeias, o texto também intercala a narrativa em prosa e em verso. Essas características deram a Um outro pastoreio uma montagem complexa. Esta junção de diferentes recursos textuais e ilustrativos é estudada neste capítulo.

3.3.1 Autores

Rodrigo Dmart nasceu em 1974, Pelotas, RS, é músico, escritor e jornalista. Indio San é Everson Nasari, e trabalha como ilustrador e designer gráfico. Juntos, se engajaram na criação do livro ilustrado Um outro pastoreio, que

145


possui um sistema de publicação independente e inovador. Com mais de 200 páginas com ilustrações coloridas, o livro exigia um alto investimento para custear sua impressão, o que vai além dos padrões do mercado para as editoras. Para arrecadar verba e viabilizar o livro, eles criaram um sistema de cotas que foram vendidas para amigos e conhecidos. Com o livro impresso, os participantes receberam duas cópias do livro autografadas. A primeira tiragem foi de mil cópias. A partir do exemplo de Um outro pastoreio, podemos pensar que o planejamento da quantidade de ilustrações e de páginas para um projeto gráfico está ligada a viabilização de um produto. Portanto, viabilizar custos e meios para publicação e distribuição do livro ilustrado faz parte do design da ilustração, uma vez que entendemos o

Figura 98 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010. Fonte: DMART, 2010.

146

objeto livro ilustrado inserido dentro do sistema da sociedade de consumo.

3.3.2 Capa

O livro possui capa dura no tamanho 15,5x23,5cm. O miolo possui tamanho 15x23 centímetros e é impresso em papel pólen de 80g/m2 pela Prol editora gráfica. A impressão em papel pólen de baixa gramatura diminui um pouco a saturação das ilustrações. Na Figura 98 (ao lado) podemos ver a quarta capa, lombo e capa de Um outro pastoreio. A capa e o lombo possuem o título e nome dos autores, e não há logotipo da editora, já que o projeto ainda não possui editora. Na quarta capa, temos a sinopse do livro, junto com um trecho da apresentação de Renato


Canini e Maria de Lourdes Martins Canini. Na ilustração da capa, Figura 98, vemos o Negrinho do Pastoreio, herói e um dos protagonistas da trama. O Negrinho do Pastoreio é uma lenda do folclore brasileiro, mas precisamente do folclore gaúcho. Segundo a lenda, em um dia de chuva e frio, um Estanceiro, como são chamados os fazendeiros do sul do país, enviou em missão seu pequeno escravo de apenas 14 anos para pastorar cavalos. Em meio à chuva, o menino perde um dos cavalos chamado Baio. O Estanceiro, então, pega o chicote e pune o menino, e o ordena que volte e encontre o cavalo perdido. O menino encontra o cavalo, que foge de seu controle, e, ao voltar à fazenda, o menino é novamente punido com o chicote e preso a um formigueiro. Após um longo período, o Estanceiro volta ao local onde deixou o menino e, para sua surpresa, o Negrinho está sem feridas, montado no cavalo Baio,

e ao lado dele está a Virgem Nossa Senhora. Deste dia em diante, a lenda que se conta é que todo cristão que perder algo e acender uma vela ao negrinho do pastoreio será atendido, sendo guiado a encontrar o objeto perdido. A lenda do Negrinho do Pastoreio foi adaptada e houve uma mistura com a mitologia dos orixás para compor a narrativa de Um outro pastoreio.

3.3.3 Enredo

O enredo de Um outro pastoreio acontece por meio de três linhas de tempo principais que se unem e se relacionam ao longo da história. Na primeira linha de tempo, temos o velho Simão que segue em viagem, procurando o túmulo do Negrinho do Pastoreio para revivê-lo, com intuito de que ele lute contra a horda para salvar o mundo dos homens. Em seu caminho, à noite, na floresta, Simão encontra um menino e começa a contar sobre a horda e a história do Negrinho do Pastoreio para o menino. Inicia-se, então, a segunda linha temporal da história, que acontece por meio do relato de Simão. O velho conta sobre a horda que é dominada pelo Estanceiro, e é movida por um monstro de metal que incorpora e engole tudo que encontra pelo caminho. Simão conta que quando a horda

147


apareceu, o negrinho fugiu como muitas outras pessoas. Em sua fuga, o negrinho conhece uma feiticeira que reaviva sua coragem e o incentiva a voltar e lutar pela sua terra, e o presenteia com um cavalo chamado Baio. O negrinho segue em direção à guerra contra a horda, mas é capturado e torna-se escravo do Estanceiro. Em uma tentativa de lutar contra seu senhor, o negrinho é açoitado até a morte e seu corpo é jogado em um formigueiro. Quando Simão termina de contar esta história ao menino que ele encontrou na viagem, o velho descobre que o menino é o espírito do Negrinho do Pastoreio, que o ajuda a encontrar seu túmulo. Então, o velho faz uma magia com o próprio sangue que traz o negrinho de volta a vida com um corpo gigantesco. O Negrinho com corpo gigantesco parte para cima do monstro de lata da horda, destruindo tudo e causando o caos. A terceira linha temporal aparece fragmentada entre a primeira e a segunda linha e acontece no mundo dos orixás, divindades espirituais das religiões africanas. No mundo os orixás, o Exu, mensageiro dos deuses, utiliza-se do sinal de maus presságios para anunciar uma guerra sem precedentes no mundo dos homens. A tramoia do Exu não é percebida pelas outras divindades que se desesperam e começam as discussões sobre qual será a posição dos deuses na guerra. Ogum, deus da guerra, não quer saber de conversa, cria um artefato que aprisiona todos os deuses para que ele possa lutar sozinho na guerra. Iansã, deusa dos ventos e relâmpagos, é a única que descobre a armação de Ogum e não é aprisionada. Assim, Ogum desce ao mundo dos homens e começa a formar

148

um exército. Ogum ensina os homens a forjar armas e a criar máquinas de guerra. Porém os homens traem o deus, o esquartejam e o aprisionam em uma caixa. Os homens gananciosos e com tecnologia agora formam a horda. As três linhas narrativas então se unem entorno da horda e da caixa onde Ogum está aprisionado, que é guardada pelo Estanceiro. Nesse ponto da história, já sabemos que a feiticeira que encontrou o negrinho na verdade é Iansã, a deusa que tenta recuperar o corpo de Ogum para libertar o panteão que está aprisionado. Iansã, então, aparece e invade a cidade da horda juntamente com o negrinho do pastoreio, com novo corpo gigante. Iansã recupera a caixa onde está aprisionado Ogum e volta para o mundo dos deuses onde os Orixás são libertados, e o Exu é punido. O Estanceiro morre com um raio de Iansã, e o negrinho e o velho Simão recuperam a paz no mundo dos homens. Para ilustrar um enredo tão complexo e rico,


encontramos no livro uma linha visual que mistura fotografia, foto manipulação e a pintura digital. A fotografia tem como suporte um fenômeno químico ou eletromagnético. Quando digitalizada, pode ser manipulada por um software como o photoshop. Na fotomanipulação podem ser realizados ajustes de cores, contraste, saturação, efeitos de desfoque, texturização, brilho, iluminação, mescla de fotografias diferentes e até a inserção de elementos de pintura digital como os pincéis. A pintura digital é uma técnica de pintura em que a produção de imagens derivada do uso de ferramentas digitais com a utilização de softwares como o Painter e o Photoshop. Neste processo, é comum a utilização da ferramenta pincel que simula na tela do computador o efeito gerado pelos pincéis reais. Nas Figuras 99 e 100 (a seguir), os pincéis funcionam como elementos que interagem com a fotografia para completar a figuração dos bonecos e criar a figuração do cenário. Nesse caso, podemos dizer que os pincéis são elementos de uma foto manipulação. Já nas Figuras 101 e 102 (a seguir), os pincéis são o elemento principal para a criação da figuração dos personagens, caracterizando assim uma pintura digital. Como elemento presente tanto nas imagens produzidas por meio da técnica da foto manipulação quanto nas imagens produzidas por meio da técnica da pintura digital, os pincéis, ajudam a manter a unidade no design nas ilustrações. Como vemos nas Figuras 100, 101 e 102, a pintura digital de Um outro pastoreio é bem livre, sem se preocupar em captar todos os detalhes que vemos no mundo visível. A pintura por meio dos pincéis dos softwares digitais, neste caso, apenas

nos sugere a essência dos objetos, buscando insinuar a sensação e a qualidade dos objetos que figuram, tais como a textura, a maciez e o peso. Em algumas áreas, a pintura é tão gestual e espontânea que cria uma semelhança com elementos da arte abstrata, ou seja, que não possuem o intuito de criar figuração. O registro fotográfico como elemento do design das ilustrações de Um outro pastoreio funciona como constatação da existência de um objeto que esteve de frente do olhar da câmera. A fotografia, portanto, mantém uma conexão com um objeto do mundo visível, com o que vemos e percebemos com os sentidos e, convencionalmente, pode ser chamado de ‘mundo real’. O conceito de real pode atingir valores subjetivos, dependendo da crença religiosa, da cultura e da época. Aqui consideramos ‘mundo real’ o que percebemos com os cinco sentidos e por meio da leitura dos fenômenos criamos modelos para subjetivar

149


um mundo estável e o chamamos de realidade. A fotografia dos bonecos que aparecem na Figura 99 possui um caráter de imagem religiosa, de divindade, de santidade. Assim, os bonecos são objetos do ‘mundo real’ com ligação com o mundo mítico. O mundo mítico é criado a partir de um discurso, de uma fala repleta de simbolismos e sugestões de fenômenos, que podem, dependendo do ponto de vista,extrapolar o sentido do ‘real’. A fotografia do boneco que representa a deusa Iansã é, portanto, um registro de um objeto do ‘mundo real’ que mantém uma conexão com o mundo dos mitos. Os bonecos dentro da narrativa são personagens que atuam dentro do que foi imaginado pelos autores da história, que, para ser compreendida, será intersubjetivada pelos leitores. Assim, o design da ilustração de Um outro pastoreio mostra um universo imaginário que mantém ligações com o mítico e com o real. Essas características sugerem um mundo imaginário que beira o mundo real e aproxima o leitor da narrativa. Comparando a Figura 99 a 100, podemos ver que o grau de interferência entre a pintura digital e a fotografia pode variar. Enquanto em alguns momentos a fotografia é mais presente, em outros a

Figura 99 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010 Fonte: DMART, 2010

Figura 100 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010 Fonte: DMART, 2010

150


Figura 101 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010. Fonte: DMART, 2010

pintura domina e deixa a fotografia como detalhe da composição. E, em muitas vezes, a fotografia desaparece e a pintura digital domina no design da ilustração, como podemos ver na Figura 101. Esta alternância entre o registro do ‘real’ e a pintura digital que cria sombras do imaginário pode ser vista como uma expressão do que o ilustrador quer valorizar em determinados momentos da narrativa. Por exemplo, onde há maior presença da fotografia, pode ser visto como intenção de reforçar a conexão entre o real e o mítico; e onde a presença da pintura é maior, pode ser lida como intenção de valorizar o aspecto mítico e imaginário da personagem. Em Um outro pastoreio, a forma de representar os personagens muitas vezes se altera ao longo da história em busca da expressão da ação que os personagens desenvolvem. Na Figura 99, no final da página da direita, em primeiro plano em frente a Iansã, está o Negrinho do pastoreio, representado por meio da fotografia do boneco. Esse tipo de representação que mantém uma conexão com o real faz sentido neste momento da narrativa, uma vez que as imagens ilustram a história que está sendo contada por Simão, e em sua visão Iansã

Figura 102 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010 Fonte: DMART, 2010

151


e o Negrinho são entidades do ‘mundo real’. Na Figura 102, temos uma sequência de imagens onde o Negrinho do Pastoreio é representado por meio da pintura digital. Nesse caso, a narrativa mostra o primeiro ataque do Negrinho contra a horda, o qual irá falhar. Portanto, sua representação realizada pela pintura digital, sem conexão com o real, faz maior sentido. Isso porque podemos entender que os autores quiseram destacar a fragilidade humana do Negrinho, ao invés do boneco que carrega o simbolismo de entidade cósmica, ou de imagem religiosa. Na Figura 103 (ao lado), temos uma outra forma de representação do Negrinho. Ressuscitado por Simão, o Negrinho adquire maiores poderes e se torna imbatível, ganhando uma aureola típica dos santos. O seu corpo é representado por riscos, que pode ser visto como uma metáfora visual que busca romper com os limites da materialidade do corpo físico

do Negrinho, empregando ao personagem o aspecto espiritual e etéreo. Portanto, a linha visual de Um outro pastoreio pode criar um labirinto de significados ocultos a serem desvendados ou questionados pelo leitor que busque relações entre os recursos utilizados na representação dos personagens em cada momento da história.

3.3.4 A Montagem

Na Figura 104 (a seguir), temos a página dupla que inicia a história. Na página da esquerda

Figura 103 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010. Fonte: DMART, 2010.

152


há uma ilustração ornamental narrativa, que também foi utilizada na guarda do livro. A imagem mostra uma textura composta por cabeças de formiga de frente e de lado, que podem ser vistas como uma metáfora visual que aponta para as formigas da lenda do Negrinho do Pastoreio. Na página da direita, temos um texto que narra a conversa de dois meninos, em que um pressiona o outro para contar uma história, enquanto uma trilha de formigas passa por perto. A ilustração evoca as formigas, o texto as transforma em personagens da história. Na página seguinte, na Figura 105 (ao lado), temos uma segunda página de rosto que apresenta o título e o nome dos autores do livro, além de uma vinheta que mostra um chifre enterrado na terra com uma formiga sobre o solo. Ao lermos o livro, iremos entender que o chifre é parte do disfarce de búfalo da orixá Iansã, que é enterrado no túmulo

Figura 104 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010. Fonte: DMART, 2010.

Figura 105 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010. Fonte: DMART, 2010.

153


do Negrinho do Pastoreio. A formiga, parte da lenda, aparece com a coroa de rainha sobre o túmulo, e na mesma ilustração aparece outra formiga presa a um suporte de metal onde sugere estar presa para uma análise científica. Podemos ver a ilustração como uma espécie de questionamento sobre o significando, o simbolismo, e as convenções que damos aos seres da natureza, o que pode variar do mágico ao científico. Na Figura 106 (ao lado), há a primeira abertura de capítulo, em que aparece o título e a ilustração que mostra uma reunião de formigas rainhas que preenche toda a página dupla. Adiante, como podemos ver na Figura 107 (ao lado), temos uma página dupla sem ilustração, na qual a história segue apenas por meio do texto. O texto mostra de forma poética a conversa das formigas, que são representadas como forças da natureza que simbolizam o trabalho e a servidão. A montagem entre estas quatro primeiras páginas da história, Figuras 104, 105, 106, e 107, iniciam um pensamento complexo. Enquanto na Figura 104 a narrativa acontece por meio do texto, na Figura 105 a imagem abre um questionamento sobre a

Figura 106 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010 Fonte: DMART, 2010

Figura 107 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010 Fonte: DMART, 2010

154


Figura 108 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010 Fonte: DMART, 2010

natureza das formigas. Na Figura 106 a imagem apresenta as formigas como personagens, e na Figura 107 o texto narra o diálogo das formigas. Portanto, entre estas quatro páginas não há uma montagem linear, mas há a montagem de uma narrativa fragmentada tanto pelo texto quanto pela imagem. A ligação entre os enunciados acontece principalmente pelas formigas, que são o assunto, e pela sequência de páginas presas pelo suporte. Essas quatro páginas abrem e encerram a introdução e o primeiro capítulo; a primeira sequência narrativa entre as muitas que irão acontecer dentro do livro dividido em vinte capítulos. Uma característica marcada em todo o livro é o uso da página dupla. Em cada dupla, há a abertura e encerramento de um enunciado verbal ou visual. O encadeamento entre os enunciados de cada dupla é o que permite a sequencialidade narrativa entre as páginas. Na Figura 108 (ao lado) vemos a abertura do segundo capítulo do livro. A dupla mostra uma sequência de duas imagens do velho Simão andando nas sombras. Uma área em branco é reservada na página para receber o texto, recurso

Figura 109 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010 Fonte: DMART, 2010

155


que será utilizado muitas vezes durante o livro. A relação de texto e imagem é colaborativa, embora texto e imagem falem sobre a caminhada do velho, cada uma busca expressar sensações diferentes. Na primeira imagem, da página da esquerda, podemos ter a sensação de escuridão que quase engole o personagem. A preponderância das sombras no espaço da página torna o personagem pequeno diante da imensidão das sombras. Na página da direita, o velho corcunda demonstra cansaço por meio de sua postura corporal. O texto evoca sensações semelhantes as das imagens ao dizer que o velho caminha “pisando o orvalho de uma noite desencantada” (DMART, 2010, p.17). Este texto é a última frase da página e, portanto, é o que promove a ligação com a página seguinte, que pode ser visualizada na Figura 109 (página anterior). Na página da direita temos outra imagem de Simão andando de perfil, em que texto do pensamento de Simão está circunscrito na imagem. No texto temos a seguinte frase: “são tempos fúnebres” (DMART, 2010, p18). Como a imagem é preponderante no espaço, podemos dizer que a montagem entre esta página e

Figura 110 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010 Fonte: DMART, 2010

Figura 111 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010 Fonte: DMART, 2010

156


Figura 112 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010 Fonte: DMART, 2010

a anterior acontece por meio de uma relação de texto e imagem, embora também haja sequencialidade entre o texto da página anterior como texto da fala de Simão. Na página da direita da Figura 109, temos o texto descritivo sobre a jornada de Simão e sobre sua situação física e psicológica. Há, portanto, nas duas páginas, uma inversão sobre a dominância do texto e da imagem na narrativa, recurso que acontece muitas vezes ao longo de todo o livro. Na Figura 110 (página anterior), vemos um novo modelo de composição de página, que assemelha-se muito às histórias em quadrinhos americanas. Na página da esquerda, temos um close do velho fumando e uma série de balões. Os balões não apontam para cabeça do personagens e possuem um contorno cheio de ruído, o que pode ser interpretado como a voz áspera do velho. O fundo preto do balão rompido pelo branco da tipografia pode ser lido como o silêncio da noite rompido pelos resmungos do velho. A tipografia sempre em caixa alta pode ser lida como uma ênfase na fala do velho enfezado. Na página da direita, temos três quadros que dividem uma imagem do velho olhando para cima, além do espaço em

Figura 113 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010 Fonte: DMART, 2010

157


branco da página reservado para as descrições do narrador. A presença dos balões continua, mas agora há a existência de linhas que apontam dos balões para a cabeça dos personagem, deixando claro que o personagem esta falando em voz alta. As onomatopeias, figuras de linguagem que reproduzem um som com uma palavra, estão presentes em toda a página dupla, sobrepondo-se a ilustração e interferindo com os textos, outra característica recorrente em Um outro pastoreio. Pela sequência das páginas das Figuras 108, 109 e 110, podemos notar que a cada página dupla, cria-se um recurso diferente para dar seguimento a narrativa. Ora temos o texto dominante na narrativa, ora temos a imagem e ora temos diálogos formados pela relação entre texto e imagem inspirada na convenção das histórias em quadrinhos. A montagem entre uma dupla e a próxima muitas vezes não acontece por meio de uma relação simples entre texto e imagem, mas de relações que sobrepõe texto e imagem, como vimos na montagem entre as Figuras 108 e 109. Ao alternar entre tantos recursos, os autores criaram um ritmo visual único, em que, a cada virada de página, o leitor se surpreende, porque se torna imprevisível saber onde estará localizado a ilustração ou o texto. Isso faz com que o leitor explore visualmente o espaço da página buscando dar sentido e organização a toda informação. Na Figura 111 (página 156), na página da esquerda, há uma narrativa que segue uma estrutura de poesia, dividida em estrofes e versos. A poesia é

158

a voz de Simão que conta a história do Negrinho do Pastoreio para o menino que ele encontrou na floresta. Na página da direita, temos a ilustração da floresta isolada pelo limiar do círculo. Em primeiro plano temos a vela e as formigas, símbolos da lenda do Negrinho do Pastoreio. A figura do menino sugere caminhar em direção à floresta, deixando o cenário em branco da página. Essa ação pode ser vista como um momento em que o menino está se distanciando da realidade para o mundo de sua imaginação que é estimulada pela história contada pelo velho Simão. Ao virarmos a página, vemos a Figura 112 (página anterior), na qual o velho Simão segura nas mãos uma das formigas, e no fundo da página vemos a cidade da horda. O fundo da página é o cenário da narrativa de Simão e não o cenário onde ele está. Vemos na ilustração o que Simão imagina e


recorda. No canto da página, há a reserva de uma área em branco para aplicação do texto. Podemos notar, então, que a montagem entre a ilustração da Figura 111 com a ilustração da Figura 112 acontece por associação dos acontecimentos narrativos. Enquanto um dos personagens narra uma história por meio do texto, as ilustrações buscam sugerir a imaginação e a sensação do narrador e do outro personagem que escuta a narrativa. Há, portanto, disjunções entre o tempo do texto e da imagem. Enquanto o texto refere-se ao tempo da história que o velho Simão está contando, a ilustração mistura o tempo das narrativas de Simão com o tempo das ações de Simão e do menino. Assim, para compreendermos as ilustrações, precisamos relacionar as informações do texto e da imagem e formar um conjunto. Desse modo, a busca por informações entre o texto e a imagem se torna um processo ativo e exploratório. Nas Figuras 113 (página anterior) e 114 (ao lado), vemos duas páginas que mostram o momento em que o Estanceiro dá uma surra no Negrinho. Tanto na Figura 113 quanto na Figura 114, a ilustração guia a narrativa e a montagem acontece por meio de imagens sequenciais que mostram o Estanceiro agredindo o Negrinho. O ângulo e ponto de vista do observador se alteram a cada imagem, oferecendo um ritmo atordoante à narrativa. O texto dos diálogos do Estanceiro são agressões verbais direcionadas ao Negrinho. No espaço em preto na página, o texto ao invés de narrar, tem a função de ampliar a sensação

da cena. O texto da Figura 113 diz: “O coração é frio/a alma é pedra/o umbigo é o mundo/ o outro é ninguém” (DMART, 2010, p.130). E o texto da Figura 114 diz: “Coisa ruim manda avisar/o castigo não tarda chegar O umbigo é o mundo/o outro é ninguém” (DMART, 2010, p.131). Como o texto é mais poético do que descritivo e mais evocativo de emoções do que narrativo, aliado ao ritmo empregado pela repetição de versos, o texto parece uma trilha sonora que acompanha a imagem, aumentando o impacto das ações apresentadas pela ilustração.

Figura 114 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010 Fonte: DMART, 2010

159


Convencionalmente no sentido ocidental, lemos primeiro a página impar da esquerda para direita e depois partimos para página par, recomeçando o processo. Um outro Pastoreio tenta criar singularidades dentro desse padrão ao trabalhar com diferentes composições de leitura bem complexas. Na Figura 115 (ao lado), podemos ver um exemplo em que a leitura acontece por meio da união da página impar com a par, da esquerda para direita. Ou seja, lemos a página da direita e a da esquerda juntas, sem quebra, como podemos ver na marcação da Figura 116 (ao lado). Na Figura 117 (a seguir), a marcação da linha azul na Figura 118 (a seguir) mostra a sequência de leitura da fala dos personagens. Após esta sequência, partimos instintivamente para o topo da próxima página, onde há um texto descritivo sobre a cena, que segue o sentido de leitura como marcado em magenta na

Figura 115 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010. Fonte: DMART, 2010.

Figura 116 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010. Fonte: DMART, 2010.

160


Figura 117 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010. Fonte: DMART, 2010.

Figura 118. Entre a leitura no espaço da marcação da linha azul e no espaço da marcação da linha magenta há uma quebra de tempo narrativo. Enquanto na primeira linha temos um diálogo guiado por texto e imagem, na segunda linha temos um texto descritivo e uma ilustração que apresenta uma ação. Essa quebra pode ser lida como uma tensão narrativa, já que a imagem apresenta o golpe de Ogum no coração do dragão, enquanto o texto descreve a mesma ação adicionando o tom dramático. Portanto, a sequência de leitura das páginas de Um outro pastoreio utiliza-se de diversos recursos na página dupla para empregar diferentes ritmos na montagem sequencial. A alternância entre os recursos de montagem faz com que a cada virada de página o leitor seja obrigado a compreender o sistema de leitura que está em vigor. No caso de uma página que só possui texto,

Figura 118 – Um outro pastoreio, Rodrigo Dmart (escritor) / Indio San (ilustrador). Livro ilustrado, 2010. Fonte: DMART, 2010.

161


sabemos que devemos seguir a linearidade da palavra. Nas páginas semelhantes às histórias em quadrinhos, sabemos que precisamos seguir a sequência dos quadros. E nas páginas com configuração mais comum ao livro ilustrado, sabemos que precisamos relacionar o enunciado verbal ao enunciado ilustrativo para chegar a uma compreensão do todo. Assim o leitor é obrigado a percorrer o espaço da página buscando a chave que o guia a encontrar as convenções de leitura de cada página. Os capítulos de Um outro Pastoreio funcionam como pontos de transição na montagem das diferentes linhas temporais que a narrativa desenvolve. A cada capítulo o foco narrativo do personagem pode ser alterado, levando o leitor para uma outra cena, para uma nova linha temporal dentro da história. Portanto, podemos perceber que os dois recursos que caracterizam a montagem no design da ilustração, são o uso da página dupla e dos capítulos. O primeiro para fazer a montagem de enunciados verbais e ilustrativos, e o segundo para fazer a montagem das linhas temporais da história.

162

Assim, a montagem da página de Um outro pastoreio, bem como a montagem da sequência de páginas, utiliza-se da combinação de diferentes níveis de interação entre texto e imagem. A cada página há um conjunto de enunciados a ser decifrado pelo leitor, que deve investigar o espaço da página para compreender a narrativa. A combinação e a montagem de tantos enunciados que fragmentam ou dão sequencialidade à narrativa criam uma cadeia labiríntica na qual o leitor navega tentando recompor as partes da narrativa. Instigar o leitor a buscar o detalhe parece ser a principal característica da montagem de Um outro pastoreio.


163



CONSIDERAÇÕES FINAIS


Esse estudo permitiu a compreensão da dinâmica do design da ilustração e a sua característica interdisciplinar. Ilustrar exige a criação de uma estrutura de elementos visuais para iluminar uma ideia e, portanto, esse processo retém alguns conceitos do termo design, como, por exemplo, o de ‘desígnio’ e o de ‘estruturação’. Conforme destacado anteriormente, a escolha de técnicas e de materiais para produção da imagem ilustrativa, empregando sentido a cada uma das opções tomadas, faz parte do design da ilustração. Assim, a ilustração pode ser desenvolvida com diferentes processos, tais como a fotografia, a pintura, a colagem e o desenho. Entretanto, o que fundamentalmente caracteriza o design da ilustração é o seu discurso e a sua função de ilustrar. Foi a partir do século XIX que o livro ilustrado começou a estabelecer códigos e convenções da maneira como conhecemos hoje. Época em que as novas técnicas de impressão como a litografia estão disponíveis, o que facilita a impressão de texto e imagem na mesma página. Com o passar das décadas até a chegada do período moderno, os ilustradores se tornaram cada vez mais ousados ao criar relações entre texto e imagem. A ilustração passa a predominar sobre o texto. Entre o período moderno e o contemporâneo, o projeto gráfico tem cada vez mais importância no livro ilustrado. Muitas vezes são criadas relações entre a tipografia, o formato e a composição da página com o conteúdo da narrativa. A década de 1990 pode ser vista como o momento de consolidação do livro ilustrado contemporâneo, pelos projetos cada vez mais inusitados e pela relação do livro ilustrado

166

com a arte contemporânea. A partir de então, cada vez mais, o livro ilustrado rompe limites de tamanho, materialidade, estilo técnica e toda dimensão visual. No Brasil, o livro ilustrado passa a ser projetado a partir de uma perspectiva industrial nas primeiras décadas do século XX, devido à modernização das práticas e produtos. Nesse período, Monteiro Lobato pode ser visto como um agente que impulsionou a produção nacional do livro ilustrado, tanto como escritor quanto como editor. Infelizmente, podemos perceber que há uma lacuna no registro histórico da produção do livro ilustrado brasileiro. Entre as últimas décadas do século XX e a primeira década do século XXI, podemos notar que o livro ilustrado passa por mudanças de linguagem, de qualidade de papel e impressão, devido à presença dos cursos de design gráfico no país, a utilização da computação gráfica e das novas tecnologias de impressão.


No design da ilustração do livro ilustrado contemporâneo encontramos diferentes técnicas de produção das imagens, como a colagem de papel e de tecidos, e a mistura de diferentes técnicas de pintura além do uso da fotografia e de softwares como o photoshop (software usado no tratamento de imagens no sistema digital). Também é comum a hibridização dessas técnicas na produção da imagem ilustrativa. Outra característica é que os ilustradores, muitas vezes, também trabalham como escritores e designers gráfico. Por vezes, a idade do público-alvo do livro ilustrado contemporâneo não fica clara, por possuir uma linguagem aberta e até ambígua na relação de palavra e imagem, o que contradiz a simplicidade para comunicação com o público infantil. Os autores costumam levar em consideração o desenvolvimento da criança para compor a narrativa e a escolha do tema para atender as exigências do público. E para enriquecer a

experiência do livro ilustrado, muitos autores preocupamse em tornar o livro um produto atrativo tanto para os adultos quanto para as crianças. Isso por que é comum que os adultos leiam os livros ilustrados para as crianças em processo de alfabetização. Portanto, para definir objetivos para um projeto gráfico, o designer precisa lidar com esta complexidade em atingir um público de diferentes idades analisando caso a caso. No design da ilustração e da página do livro ilustrado, os profissionais utilizam-se de elementos do design, tais como as cores, as formas, as linhas, as texturas, a tipografia, a criação e a representação de figuras. Dentro do estudo dos elementos do design é comum dividir as formas visuais em três níveis: a figurativa, a abstrata e a simbólica. Diante de um fenômeno visual, costumamos encontrar relações e equivalências entre o que vemos e o que está fora do que vemos, o que pode ser chamado de metáforas visuais. O ilustrador cria metáforas visuais que estejam de acordo com a narrativa e com seu tema. Assim, ao trabalhar no design de sua obra, o ilustrador tem em vista os códigos culturais e universais de seu público. O design é indispensável na concepção do livro ilustrado por exigir uma organização da informação a ser impressa e de processos de produção, o que também envolve escolhas estéticas. No livro ilustrado são realizadas diferentes etapas para estruturação do conteúdo, como organização dos componentes físicos capa, folha de rosto, miolo etc, escolha do suporte de produção das imagens, do suporte de impressão e organização do conteúdo impresso nas páginas. Não necessariamente o autor deve estar consciente de todas as necessidades

167


de cada etapa para que possamos dizer que há design em sua obra. Portanto, o livro ilustrado é um objeto que tem sua origem no design. No design da ilustração, o artista controla sua criação com o objetivo de comunicar a essência do assunto. Portanto, as escolhas decorrentes do processo de composição da imagem não partem do acaso. A técnica e o suporte podem apresentar qualidades que ofereçam interpretações específicas ao leitor. Portanto, ter o domínio sobre as ferramentas de trabalho e prever os efeitos psicológicos que a obra tem no público são funções do trabalho do ilustrador. Ao criar uma organização e hierarquia na informação do conteúdo impresso, o designer pretende guiar a atenção do leitor. No livro ilustrado, enquanto as ilustrações narrativas possuem a principal função de, por meio da mútua interação entre texto e imagem, dar contiguidade à narrativa. As ilustrações ornamentais narrativas costumam introduzir temáticas e sensações, atrair o público, criar sistemas de navegação no livro e gerar novos questionamentos sobre a narrativa. Ou seja, a ilustração ornamental narrativa aparece no espaço do livro ilustrado com intuito de enriquecer a história, o projeto gráfico e o objeto livro. São os padrões ornamentais, as capitulares, vinhetas, molduras e rébus. Portanto, buscar unidade, coerência e questionar sobre a função entre todos elementos ilustrativos no projeto gráfico é responsabilidade do designer e do ilustrador. Assim, o designer costuma definir uma série de regras que visam empregar a coerência na organização dos elementos do livro ilustrado. Essas regras visam não apenas uma organização visual, mas também o registro de estímulos

168

e efeitos que gerem emoções e sentimentos no leitor. Há a preocupação com a sensibilidade e a cultura do público que se caracteriza também por um espaço geográfico e pela época. Para atender à demanda, é comum que os profissionais envolvidos sigam uma metodologia, guiada por um briefing, que aponta necessidades e objetivos específicos. Podemos perceber que o livro com ilustrações, algumas vezes, pode ser confundido com o livro ilustrado. Porém, enquanto no livro com ilustrações a ilustração aparece como coadjuvante em meio ao texto preponderante nas páginas, no livro ilustrado a ilustração é sempre preponderante. O livro de imagens é aquele que desenvolve sua narrativa por meio de imagens, sem o auxilio do texto, e que pode ser visto como categoria de livro ilustrado. O livro pop-up é aquele que possui um sistema de funcionamento com encaixes e abas que se desdobram em três dimensões. Embora


tenha características específicas, também pode ser visto como categoria de livro ilustrado. O livro ilustrado pode abrir diálogo com as histórias em quadrinhos, o cinema, a arte e a fotografia, agregando recursos e elementos em sua narrativa. Embora o livro de imagens e o livro pop-up sejam considerados categoria de livro ilustrado, o objeto de estudo desta dissertação são os livros ilustrados que desenvolvem a narrativa por meio da intensa relação entre o texto e a imagem, com uma organização coerente que contribui para a narrativa. A organização da página dupla e do encadeamento de páginas e os recursos de papelaria são importantes nestes objetos. A ilustração, ao narrar, sugere por meio de convenções o tempo de duração das ações. O encadeamento dos instantes congelados na ilustração pode sugerir o tempo que se passou entre uma cena e outra, embora muitas vezes seja necessário a intervenção do texto para situar o leitor no tempo

fictício. Dessa forma, é importante o design de uma montagem coerente e lógica dos enunciados ilustrativos. Vimos também que a moldura, como delimitadora do tamanho da imagem ou do suporte, pode influenciar no efeito psicológico do leitor diante de uma ilustração. Assim, vimos que o impacto da composição da ilustração está indissociável do tamanho e do formato da moldura. Percebemos que no livro ilustrado, ao possuirmos um narrador visual e um verbal, o ponto de vista de cada um pode assumir diferentes configurações, concordando ou causando contrapontos na narrativa. Notamos que no design da ilustração do livro ilustrado são criados diferentes níveis de relação entre texto e imagem. Nesse caso, texto e imagem podem ser parcialmente redundantes, já que são linguagens diferentes. Podem unir as forças de cada uma das linguagens para descrever com eficiência determinados enunciados. E podem referir-se a universos distintos ou se contradizer para criar novos sentidos para a história. Então percebemos que o design coerente entre as informações verbais e visuais é imprescindível para a construção de uma narrativa compreensível ao público. A relação entre o verbal e o visual está na essência do design da ilustração. Desde a escolha dos momentos ilustrados, na organização de elementos visuais na ilustração e na página do livro. E também na criação de efeitos visuais que estabilizam pontes entre a sensação expressa no texto e na ilustração. Vimos que a sugestão e a dúvida são dois elementos catalisadores para a imaginação dentro da ilustração. Sugestão, nesse caso, refere-se

169


a todos os efeitos visuais criados pelo ilustrador que não revelam as figuras, deixando a imagem para ser completada pelo leitor. E a dúvida referese aos efeitos visuais criados para gerar questionamento no leitor, para que este encontre suas próprias conclusões. Ao criar efeitos visuais que buscam descrever a tensão de um momento narrativo, ou um aspecto emocional do personagem, a ilustração, por ser mais subjetiva que o texto, deixa que o leitor tire suas próprias conclusões. No design da ilustração, a ambientação do cenário e a caracterização dos personagens são elementos de grande importância para criação dos efeitos visuais que são intersubjetivados pelo leitor. Por meio das convenções, o leitor pode extrair das imagens uma interpretação do perfil psicológico do personagem ou do clima em que a história será contada. Portanto, podemos perceber que o design da ilustração está diretamente ligado ao ato de contar histórias, que tem como intuito conquistar o leitor, influenciar a busca pelo detalhe e ao mergulho na imaginação. Criar o design para ilustrações de um livro ilustrado implica em criar um mundo imaginário que surge de um conceito de representação imaginado pelo ilustrador e que de alguma forma se relaciona ao conceito da narrativa. A função deste mundo imaginário é fisgar a imaginação do leitor para um mundo nunca antes imaginado por ele. Percebemos que o ritmo é um aspecto de destaque no projeto gráfico e no design da ilustração. O ritmo nas artes visuais é uma repetição de elementos que exercem influência um sobre o outro. A linha, a forma, a cor, a textura, o tom, todos estes elementos apresentam características

170

que exercem influência sobre o ritmo visual. Além das formas não representativas, também as formas figurativas podem apresentar ritmo, como, por exemplo, o ritmo sugerido em como os cabelos ou as roupas balançam ao vento. A diagramação dos elementos na página, a composição da imagem, a escolha dos pontos de vista, a gestualidade das pinceladas, a ausência e a presença da moldura, o formato, todos esses recursos podem ser utilizados para compor o design da ilustração. Enquanto o texto pode sugerir um ritmo por meio de conceitos e sonoridades, a ilustração é capaz de apresentar um tempo dentro do espaço de cada cena representada e do espaço de cada página. A montagem desses elementos reflete em um ritmo. Esse ritmo apresenta qualidades que podem sugerir o desdobramento das cenas e ações que podem aparecer na imaginação do leitor. Portanto, o ritmo no design da ilustração não é apenas um


recurso estético, mas, sim, um recurso que denota o ‘como’ é contada a história, influenciando em ‘como’ a história pode influenciar o psicológico do leitor. Quando contamos uma história oralmente, temos um ritmo e podemos mudar esse ritmo a cada vez que repetirmos o ato. Quando contamos a mesma história por meios textuais, o ritmo do que registramos no texto é inalterado, porém podemos alterar o ritmo, com que percebemos a mensagem se a leitura acontecer com outro estado de espírito. Quando contamos uma história por meio de palavras e imagens, tudo fica ainda mais complexo. Como texto e imagem são tipos de leituras diferentes, o leitor terá sempre um processo subjetivo ao juntar a compreensão das duas linguagens que pode passar por muitos filtros, como, por exemplo, o estado de espírito, a idade, a língua, a cultura etc. Assim, podemos perceber que cada meio de contar uma história pressupõe

convenções. As bases do que foi contado talvez não sejam alteradas, mas o ‘como’ a história fisga o leitor poderá mudar. Com o uso de materiais e processos de impressão, como, por exemplo, as cores especiais, o ilustrador pode empregar qualidades específicas em cenários, personagens e objetos. Também percebemos que o conhecimento sobre os processos de impressão possibilita que o ilustrador viabilize seu processo de produção de imagens com o processo de reprodução industrial. Quando se inspira no imaginário popular e simplifica as formas da ilustração, o ilustrador deixa de colocar nos personagens muitos detalhes que poderiam existir nas figuras se fossem elaboradas de uma outra forma. Ao esconder os detalhes desnecessários para caracterizar os personagens, o ilustrador foca-se no essencial, tentando juntar os traços mais característicos de cada personagem, os traços presentes no imaginário popular. Com isso, podemos pressupor que os personagens podem ser reconhecíveis para uma margem de público maior. Ao inspirarse em repertórios visuais de diferentes culturas para compor o design da ilustração de um livro ilustrado, o designer é capaz de compor novas visualidades. Assim, percebemos que a escolha dos personagens, do cenário, da história a ser contada, e a inspiração no imaginário popular, consequentemente, influencia o design da ilustração. Por mais linhas de tempo que uma história tenha, e que por mais labiríntica que seja a trama, o livro ilustrado sempre exige o design de uma montagem coerente de enunciados textuais e ilustrativos. A montagem além de organizar

171


o conteúdo de uma forma coerente, tem a importância de por meio da sobreposição de enunciados, despertar emoções no leitor expressando ritmos e tensões da narrativa. O ritmo é um elemento da montagem, porém, enquanto o ritmo se desenvolve no tempo e no espaço, a montagem pressupõe o corte. A montagem é o que leva o leitor de um lugar a outro, de uma cena à outra, de uma ideia a outra, em um instante. Quando o leitor se depara com enunciados verbais e visuais e tenta dar sentido e sequência às informações, pressupõe-se que ele imagine as lacunas que não aparecem no texto ou nas imagens. O espaço entre um enunciado e o próximo e como vão se montar é o que caracteriza a montagem. Podemos falar da montagem dos enunciados de uma página, da montagem dos enunciados entre as páginas e da montagem dos enunciados entre linhas de tempo da história. Quando temos duas imagens não acompanhadas de texto, que se relacionam em um tempo narrativo, a relação de montagem entre elas acontece imagem a imagem. Quando temos duas imagens complementadas de enunciados verbais, a montagem do tempo entre um e outro pode ser ditado pelo texto ou pela imagem. Nesse caso, temos uma relação de montagem de texto a imagem ou de imagem a imagem. Quando temos um enunciado textual e outro ilustrativo separados, a relação de montagem entre os dois enunciados é de texto a imagem. Enunciados verbais e ilustrativos coexistentes no mesmo espaço não caracterizam a montagem, porque se pressupõe que as duas informações estão se relacionando sem que haja nenhum corte. Percebemos,

172

então, que a montagem de enunciados verbais e visuais no design da ilustração pode criar diferentes ritmos e tensões narrativas, o que pode sugestionar a imaginação do leitor. Vimos que, ao planejarmos o início e fechamento de enunciados verbais e ilustrativos a cada página dupla, evita-se a quebra destes enunciados ao longo das páginas. Assim, pode suceder a montagem de diferentes recursos narrativos que acontecem no encadeamento de páginas. Em algumas páginas pode haver enunciados verbais, com a narrativa em prosa ou em verso. Em outras, enunciados ilustrativos narrativos ou ornamentais. Podemos ter também enunciados verbais e ilustrativos, que em casos específicos podem assemelharse com a configuração das histórias em quadrinhos americanas. Algumas vezes há linearidade entre a sequência de acontecimentos das páginas, em outras a narrativa se torna fragmentada e se conecta pela relação que o leitor


consegue montar dentro do assunto dos enunciados. A alternância entre os recursos de montagem faz com que, a cada virada de página, o leitor seja obrigado a compreender o sistema de leitura que está em vigor. No caso de uma página que só possui texto, sabemos que devemos seguir a linearidade da palavra. Nas páginas semelhantes às histórias em quadrinhos, sabemos que precisamos seguir a sequência dos quadros. E nas páginas com configuração mais comum ao livro ilustrado, sabemos que precisamos relacionar o enunciado verbal ao enunciado ilustrativo para chegar a uma compreensão do todo. Assim, o leitor é obrigado a percorrer o espaço da página buscando a chave que o guia a encontrar as convenções de leitura de cada página. Os capítulos podem funcionar como pontos de transição na montagem das diferentes linhas temporais que a narrativa desenvolve. A cada capítulo o foco narrativo do personagem pode

ser alterado, levando o leitor para uma outra cena, para uma nova linha temporal dentro da história. Portanto, podemos perceber que os dois recursos que caracterizam a montagem no design da ilustração são o uso da página dupla e dos capítulos. O primeiro para fazer a montagem de enunciados verbais e ilustrativos, e o segundo para fazer a montagem das linhas temporais da história. A linha visual pode sofrer alterações ao longo da história, buscando a expressão das ações que os personagens realizam. O ilustrador articula isso por meio de diferentes configurações entre as técnicas de produção da imagem ilustrativa. Portanto, a linha visual no design da ilustração não é concebida apenas para apresentar um novo conceito de representação visual, mas também está integrada aos objetivos específicos de uma narrativa. No design da ilustração, o ilustrador não faz uma releitura do texto por meio da imagem. A visão do ilustrador é expressa nas relações criadas entre palavra e a imagem, no ritmo, na escolha dos materiais, em todo o design da ilustração. Escutar um texto é uma coisa e ler um texto é outra. Percorrer um livro ilustrado, que possui texto e imagens, é uma experiência ainda mais diferente. Cada modo de leitura, cada meio de comunicação e expressão têm suas convenções e suas especificidades. Assim, o design da ilustração não acontece ao acaso. Na verdade, é o modo que o ilustrador encontra para contar uma história. Por consequência, os elementos do design da ilustração são importantes para viabilizar uma narrativa e também determinar ‘como’ a história é contada, tornando-se, muitas vezes, um dos principais fundamentos para atrair e cativar o leitor.

173


Ao criar o design da ilustração, o ilustrador não apenas subjetiva um texto e uma narrativa visualmente. No trabalho, coloca a sua visão sobre o imaginário popular, sobre a cultura do povo e tem a responsabilidade de entreter, de educar, de criar novas visualidades e expandir o repertório cultural de seu povo. Pelo design da ilustração, exercita a sua responsabilidade social como agente cultural. Ao interpretar os hábitos, as crenças e lendas de uma comunidade, estabelecendo diálogos com aspectos da vida de um grupo social, o ilustrador fortalece a potência visual e a vitalidade de mitos, disseminando um modo cultural da condição humana.

174

A pesquisa ajuda a entender a maneira como o ilustrador desenvolve o design da ilustração e emprega a sua visão subjetiva em prol da intenção de comunicar uma sensação, uma descrição, um questionamento ou uma narrativa. Ao tentar atingir o leitor, o trabalho costuma oferecer um caminho de volta para a subjetividade e imaginação usadas na construção do projeto. Por isso, a subjetividade deve estar sempre em pauta na análise do design da ilustração tanto no estágio inicial da articulação de seus elementos quanto no momento em que se concretiza pelo contato do leitor como livro ilustrado. O ritmo, o imaginário e a montagem de enunciados verbais e visuais são alguns dos elementos presentes e essenciais no design da ilustração do livro ilustrado, os quais podem manifestar-se com maior ou menor força, dependendo do caso. Assim, este estudo demonstra que o aprofundamento teórico sobre os elementos do design da ilustração além de guiar a construção do conhecimento, também é capaz de auxiliar os profissionais da área no planejamento e execução de seus projetos.


175



BIBLIOGRAFIA


AMADO, Jorge, LIRA, Joana. O milagre dos pássaros. São Paulo: Companhia das letras, 2008. ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Schwarcz, 2008. ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual: Uma psicologia da visão criadora: nova versão. São Paulo: Cengage Learning, 2008. ASSIS, Machado de. O Alienista. São Paulo: Ridell, 1994. Aumont, Jacques. A imagem. São Paulo, Papirus, 2002. ALEXANDER, Jonathan James Graham. The decorated letter. New York: Paperback, 1978. BAUER, Jutta. A rainha das cores. São Paulo: Cosac Naify, 2003. BELINKY, Tatiana; Sandoval, Andrés. Limeriques do bípede apaixonado. São Paulo; Editora 34, 2011. CÁRCAMO, Gonzalo. Thapa Kunturi. São Paulo: Companhia das letrinhas, 2007. CADEMARTORI, Ligia. O que é literature Infantil. São Paulo: Editora e Livraria Brasiliense, 2010. CAMPOS, Gisela Belluzzo. Arte, design e linguagem visual. In: Mônica Moura (orgs.), Faces do design 2. São Paulo: Edições Rosari, 2009. CARDOSO, Rafael. O design brasileiro antes do design. São Paulo: Cosac Naify, 2005. . Uma introdução à história do design. 3. ed. São Paulo: Bluncher, 2008. . Impresso no Brasil 1808-1930. Rio de Janeiro: Verso Brasil, 2009. CARDOSO, Rafael. Design, cultura material e o fetichismo dos objetos. Arcos, Rio de Janeiro, v. 1, n. único, 1998. Disponível em: <www.esdi.uerj.br/sobrearcos/artigos/artigo_rafael(14a39).pdf>. Acesso em: 19 dez. 2010. CHIPP, Herschel Browning. Teorias da arte moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1996. COLI, Jorge. O que é arte. São Paulo: Ed. brasiliense, 2010. CORNWELL, Bernard. As crônicas de Arthur: O Rei do inverno. Rio de Janeiro: Editora Record, 2006.

178


CRUTTENDEN, Cynthia. Sob o sol, sob a lua. São Paulo Cosac Naify, 2007. DMART, Rodrigo; SAN, Indio. Um outro pastoreio. Porto Alegre: Rodrigo Noite Martins, 2010. DOHERTY, Paul, C. Os grandes líderes: Rei Arthur. São Paulo: Nova cultura, 1987. FARBIARZ, Alexandre; NOGUEIRA, Cristine; FARBIARZ, Jackeline Lima; CAVALCANTE, Natália SÁ; LIMA, Renata Vilanova; CARVALHO, Ricardo Artur Pereira. Agentes mediadores da leitura e interação. In: Farbiarz, Jackline Lima (orgs.), Os lugares do design na leitura. Teresópolis: Editora Novas Idéias, 2008. FILHO, Milton Filippetti. Histórico. In: FIGUEIRA, Áurea Andrade, O cordel em São Paulo: Texto e ilustração. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1985. FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo Cosac Naify, 2007. FUNARI, Eva. A bruxinha atrapalhada. São Paulo: Editora Global 2000. GAIMAN, Neil; MCKEN, Dave. Os lobos dentro das paredes. Rio de Janeiro, Rocco, 2006. GUIMARAENS, Alphonsus; MORAES, Odilon. Ismália. São Paulo: Cosac Naify, 2006. GOMBRICH, Ernst Hans Josef. Arte e Ilusão: Um estudo da psicologia da representação pictórica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. . Meditações sobre um cavalinho de Pau e outros Ensaios sobre a teoria da arte. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1999. GOMES, Lenice; GRAÇA, Lima. A mãe d’água. São Paulo: Editora DCL, 2005. HASLAM, Andrew. O livro e o designer II. São Paulo: Editora Rosari, 2007. HELLER, Steven; CHWAST, Seymour. Illustration – A Visual History. USA: Abrams, 2008. HOUAISS, Antônio; Villar, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Linga Portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001.

179


INDIO San. Portifolio Indio San. Disponível em: <http://indiosan.com/followed-list>. Acesso em: 10 out. 2011. IMAGINA. Rodrigo dMart coletivo. Disponível em: <http:// imaginaconteudo.wordpress.com/rodrigo-dmart>. Acesso em: 10 out. 2011. ISTO É. Fotografia de Lampião. Disponível em: <www.istoe. com.br/reportagens/109496_+INFLUENCIA+ESTETICA+DE+LAMPIAO>. Acesso em: 18 nov. 2011. LEE, Suzy. Onda. São Paulo: Cosac Naify, 2008. LESSA, Washington Dias. Modos de formalização do projeto gráfico: a questão do estilo. Trabalho apresentado ao XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Rio de Janeiro, 2005. LINDEN, Sophie Van der. Para ler o livro ilustrado. São Paulo: Cosac Naify, 2011. LOBO, Fernando; CASTANHA, Marilda. Um beija-flor mora na lua. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. LOOMIS, Andrew. Creative Illustration. New York: Paperback, 1947. . Successful drawing. New York: Viking Adult, 1951. . Eye of the painter. New York: Viking Press, 1961. LUCINDA, Elisa; LIMA, Graça. A dona da Festa. Rio de Janeiro: Galerinha Record, 2011. MARSHALL, Lindsey; MEACHEM, Lester. São Paulo: Edições Rosari, 2010. MELLO, Roger. O gato viriato. Rio de Janeiro: Ediouro 1993. . Meninos do Mangue. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2008. MELO, Chico Homem de. O design gráfico Brasileiro Anos 60. São Paulo: Cosac Naify, 2006. MORAES, Odilon. Pedro e Lua. São Paulo Cosac Naify, 2004. . Ilustradores Sib: Literatura infantil e juvenil. São Paulo: Editora 2ab, 2008.

180


MORAES, Odilon. Odilon Moraes: Entrelinhas. 26 jun. 2011. Entrevistador: Daniel Antônio. Revista eletrônica Entrelinhas. Disponível em: <http://tvcultura.cmais.com.br/ odilon-moraes-26-06-cmais>. Acesso em: 15 ago. 2011. MORAES, Odilon.. Como se faz um livro?. 06 mar. 2009. Entrevistador: Cristiane Rogerio. Revista eletrônica Crescer. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=n-Xi4LxEClw>. Acesso em: 07 dez. 2010. . Literatura infantil: poesia. 22 de novembro. de 2011. Entrevistador: desconhecido. Revista eletrônica Univesp. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=NwItyGaGrTc>. Acesso em: 25 nov. 2011. MORETTO, Marco Antonio Palermo. A oralidade, o verso e sua estrutura. In: FIGUEIRA, Áurea Andrade (orgs.), O cordel em São Paulo: Texto e ilustração. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1985. MUNARI, Bruno. Na noite escura. São Paulo: Cosac Naify, 2007. MURICY, Andrade. Parnorama do movimento simbolista brasileiro. São Paulo: Perspectiva, 1987. NETO, Cicinato Ferreira. A misteriosa vida de Lampião. Fortaleza: Premius, 2010. NEWELL, Peter S. Topsys and turvys. Tokyo: Tuttle Publishing, 1989. NIKOLAJEVA, Maria. Livro ilustrado: palavras e imagens. São Paulo: Cosac Naify, 2011. NORI, Maria Elisabeth Corrêa. Origem da xilogravura. In: FIGUEIRA, Áurea Andrade (orgs.), O cordel em São Paulo: Texto e ilustração. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1985. OBEID, César; VILELA, Fernando. Desafios de cordel. São Paulo: FTD, 2009. OLIVEIRA, Rui. Pelos Jardins de Boboli. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. . Breve histórico da ilustração no livro infantile e juvenil. In: OLIVEIRA, Ieda de (org.), O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil. São Paulo: DCL, 2008A.

181


PEDROSA, Israel. Da cor à cor inexistente. 10.ed. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2010. PIXEL Creation. Les Larmes de crocodile. Disponível em: <www.pixelcreation.fr/nc/galerie/voir/delpire_cie/delpire_cie/12_leslarmesdecrocodile>. Acesso em: 3 out. 2011. PORTINARI, Candido. Sem título. Ilustração do livro O alienista de Machado de Assis publicado pela editora Raymundo de Castro Maya, 1948. Coleção Museu nacional de Brasília. POWERS, Alan. Era uma vez uma capa: História ilustrada da literatura infantil. São Paulo: Cosac Naify, 2008. SABUDA, Robert. Peter Pan. São Paulo: Publifolha, 2009. SARA FANELLI. Pinocchio. Disponível em: <www.sarafanelli. com>. Acesso em: 19 nov. 2010. SCHIAVONI, J. E. Vinheta uma questão de identidade na televisão. 2008. 129f. Dissertação (Mestrado em comunicação). Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Unesp, São Paulo, 2008. Disponível em: <www.faac.unesp.br/posgraduacao/Pos_Comunicacao/pdfs/jaqueline_schiavoni.pdf>. SAN, Indio. Dupla gaúcha é case de crowdfuding no país. 6 mai. 2011. Entrevistador: Blog do Grings. Revista eletrônica crescer. Disponível em: <http://wp.clicrbs. com.br/grings/tag/indio-san/?topo=52,1,1,,219,e219>. Acesso em: 23 ago. 2011. SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da linguagem e pensamento. São Paulo: Iluminuras, 2009. SANTAELLA, Lúcia; NOTH, Winfried. Imagem: Cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 2008. SILVEIRA, Paulo. A página violada. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008. SPELTZ, Alexandre; Judice, Ruth. Estilos Ornamentais. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1989.

182


TROULA, Ricardo (2008).m Storytelling nas histórias em quadrinhos: o design do novo formato gráfico e o cavaleiro das trevas. São Paulo. Monografia (Mestrado em design) – Universidade Anhembi Morumbi. VASCONCELOS, Paulo Alexandre. A ilustração no cordel. In: FIGUEIRA, Áurea Andrade (orgs.), O cordel em São Paulo: Texto e ilustração. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1985. VILELA, Fernando. Lampião e Lancelote. São Paulo: Cosac Naify, 2006. . Entrevista – Fernando Vilela, autor de Lampião e Lancelote. 20 nov. 2008. Entrevistador: Cristiane Rogerio. Revista eletrônica crescer. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=32PMKUQ14Fk>. Acesso em: 26 out. 2010. – Vilela Site. Disponível em: <www.artebr. com>. Acesso em: 9 jan. 2011. . Entrevista – Fernando Vilela, autor de Lampião e Lancelote. 20 de junho de 2011. Entrevistador: desconhecido. Editora Cosac Naify. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=nHOynelRCmo>. Acesso em: 30 ago. 2011. XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e transparência. 3ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2005. ZEEGEN, Lawrence;Crush. Fundamentos de Ilustração. Porto Alegre: Bookman, 2009. ZIRALDO. Flicts. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2005. WEB GALLERY ART. A BATALHA DE São ROMANO. Disponível em: <www.wga.hu/frames-e.html?/html/u/uccello/4battle/index.html>. Acesso em: 15 jul. 2011. WHITE, T.H.; LEE, Alan. A espada era a pedra. São Paulo: Editora W11, 2004.

183


Este livro foi composto na tipologia Cardiff de Roger White e Aclonica, e impresso em papel CouchĂŞ Fosco 115g/m2, em Power Graphics, em SĂŁo Paulo, Junho de 2017.



o design da ilustração no livro ilustrado brasileiro contemporâneo

Este estudo trata da relação entre design e ilustração no livro ilustrado contemporâneo que desenvolve uma narrativa por meio da mútua interação entre texto e imagem. O intuito é compreender como o design está presente na composição da imagem ilustrativa e como se desenvolve no livro ilustrado. O assunto é abordado por meio da organização de diferentes recursos como: enquadramento, ponto de vista, ritmo, imaginário, relação entre texto e imagem, e a montagem entre enunciados verbais e visuais. Estes assuntos são extraídos de estudos de caso de livros ilustrados. As análises são realizadas tendo em vista o instrumental teórico do design e da ilustração, como: Oliveira (2008), Loomis (1947; 1951; 1961), Nikolajeva (2010), Linden (2011), Arnheim (2008), Gombrich (1999; 2007) e Flusser (2007). O objeto deste estudo é o design da ilustração de Ismália (2006), Lampião e Lancelote (2006) e Um outro pastoreio (2010). Assim, apresentamos um modo de ver o design da ilustração que se concretiza sempre na visão subjetiva do observador. Também é ressaltada a importância do ilustrador no entretenimento, na disseminação de cultura e no imaginário popular.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.