Um Poeta no Paraíso

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- Pai, está uma mulher ao telefone. - Diz-lhe que não estou. - Mas, pai, ela diz que é importante o que tem para te dizer – insistiu Miguel. - Já te disse. Diz-lhe que não estou. Os filhos ficaram a olhá-lo, estranhados. Era assim desde há três dias, desde que Teresa partira. Ao vê-la desaparecer na porta de embarque, chorosa e desamparada, a decisão afluíra-lhe assim à cabeça, num repente: “nunca mais me quero encontrar com a Sara.” Para fortalecer a resolução, metera parte de doente, refugiara-se na fortaleza do lar, a cozinhar, a tratar do jardim e da horta, a banhar-se na piscina com os filhos, num eremitismo renovador. Sentado à mesa da cozinha, a saborear a salada de alface e tomates, colhidos de fresco na horta, admirava-se como os filhos, sentados à sua frente, a devorar uma pizza de peperoni, tinham crescido. O Jorge, o mais velho, esse estava um homem feito, a barba escanhoada a azular o queixo, os ombros musculosos, o olhar viril, a voz forte. - Estás um homem - disse-lhe. - Nos últimos tempos, mal tinha reparado em ti. Ficaram a observar-se. Havia laivos de ressentimento nos olhos do filho. - Então e eu ? - perguntou Miguel. - Não estou também um homem? Com o buço a orlar o lábio superior, o nariz sardento e o cabelo encaracolado caído para a testa, ainda conservava um ar agarotado mas a voz também já lhe começava a 110


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