Revista Juridica

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e inexistentes. Conforme observa Torquato Castro Júnior10: (omissis) a impossibilidade de saber com certeza se o nulo produz ou não categoricamente efeitos não decorre de um no irresolúvel na teoria lógica que se possa aplicar ao direito, mas da permeabilidade do discurso fundante do direito face as distinções semânticas úteis, que atendem as premências pragmáticas do decidir. Quer dizer, dogmaticamente essa questão não está resolvida. Ademais, a observação transcrita faz crer que a decisão pelo reconhecimento ou não de efeitos produzidos a partir de atos nulos é questão de discurso ou linguagem, cujo sentido é preenchido semanticamente de acordo com os efeitos desejados para o caso concreto, no momento da decisão. Ou seja, não emerge automaticamente de uma teoria perfeita e acabada. E, apesar do trabalho de Castro Júnior ter tratado da teoria da nulidade no âmbito do Direito Privado, suas conclusões igualmente se aplicam ao caso da nulidade de ato praticado com base em lei posteriormente reputada inconstitucional, já que utilizada a mesma teoria – da nulidade. Para nós, não parece ser coerente permitir-se que a lei inconstitucional obrigue alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, ou prejudique ou beneficie dada pessoa ou grupo determinado - pelo simples fato de que tal lei é inconstitucional, ou seja, não decorre do ordenamento, pois não observa o seu próprio fundamento de validade11. Por outro lado, há situações em que, em termos pragmáticos, a implacável declaração da nulidade de dada lei, com todos os efeitos teoricamente devidos – em especial o retroativo -, pode inclusive ser mais prejudicial do que a própria empírica manutenção desses efeitos, mesmo que inconstitucionais. Por exemplo, no caso do REx selecionado como paradigma, assim como em tantos outros. A invencibilidade desse paradoxo faz refletir sobre a presunção da constitucionalidade das leis na forma que defendida por Kelsen12. Quer dizer, 10 CASTRO JÚNIOR, Torquato. Uma abordagem pragmática da teoria das nulidades na dogmática do direito privado. Disponível em http:// www.conpedi.org.br, acesso em 12/10/2012. 11 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª Edição – São Paulo: Martins Fontes, 1998. 12 KELSEN, idem.

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fazer leis inconstitucionais deveria ser algo praticamente impossível para o sistema, uma vez que a Constituição é justamente o fundamento de validade do ordenamento. Forçoso reconhecer, todavia, que, atualmente, nem mesmo a análise prévia pelas Comissões de Constituição e Justiça, incumbidas de avaliar a constitucionalidade de projetos de lei – como se faz na Câmara dos Deputados e no Senado Federal - é suficiente para evitar a produção legislativa desmedidamente inconstitucional. Não que essa análise não seja feita. Mas, simplesmente, tal análise pode divergir da posição oficial, que somente será revelada posteriormente, quando e se a matéria chegar ao STF. Nesse terreno, do interpretacionismo - sobre o que já se ocupam Gadamer13, Dworkin14 e Hart Ely15, por exemplo -, na própria Corte Constitucional é notório que não são raras as decisões tomadas por maioria. Ou seja, um Juiz Constitucional, na interpretação da mesma lei, adotando o mesmo parâmetro, pode chegar a conclusões diametralmente opostas à de seus pares, muitas vezes inclusive isoladamente. A partir dessa observação, questiona-se: como isso é possível se o Direito é um só? Não deveria a solução emergir do ordenamento ao caso concreto? E se não emergir, a decisão judicial é o veículo cientificamente apropriado para o estabelecimento dessa solução? Afinal, o judiciário legisla? Ou melhor, o que existe de verdade, a lei ou a decisão? A teoria ou a prática? A complexidade do ordenamento, a diversidade de interesses, a disparidade entre as forças dominantes, bem como a ausência de uma clara teoria de fundo16 que direcione e limite a interpretação das leis, são fatores que acabam por revelar impraticável o consenso17 – e, na verdade, revela a própria falta de cientificismo à empiria do Direito. Frise-se que ainda não está dito que o Direito não é ciência, mas, tão somente, que ele não é operado como se fosse. Isso porque é possível que o Direito seja imperiosa13 GADAMER, Hans-Georg. A Razão na Época da Ciência. Tradução de Ângela Dias. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. 14 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 2ª Edição – São Paulo: Martins Fontes, 2007. 15 ELY, John Hart. Democracia e Desconfiança: Uma teoria do Controle Judicial de Constitucionalidade. Tradução de Juliana Lemos. São Paulo: Martins Fontes, 2010. 16 UNGER, Roberto Mangabeira. Critical Legal Studies Movement – The Criticism of Legal Thought. Cambridge: Harvard University Press, 1983. 17 STRECK, Lenio Luiz. Consenso e Verdade: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. 4ª Edição – São Paulo: Saraiva, 2011.

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