Aprendizagem ativa uma reflexão

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Aprendizagem Ativa Uma Reflexão por Nuno Duarte 2017.11.17

Oficina de “Estratégias de aprendizagem ativa com recurso às TIC”


Aprendizagem Ativa 

Aprendizagem Ativa Uma Reflexão O conceito do que designamos hoje por Aprendizagem Ativa (AA) não é novo (Costa, 2015). De facto, podemos traçar as suas origens até ao séc. XVIII, com o conceito de “valorização da experiência” de Rousseau e Pestalozzi. Nos finais do século XIX e no século XX, surgem grandes contribuições. Dewey e Flexner nos EUA e, na Europa, Montessori e, evidentemente, uma das grandes referências desse século, Piaget. Das inúmeras definições que se podem encontrar para o conceito, podemos mais facilmente encontrar o consenso nas mais latas: “Active learning is generally defined as any instructional method that engages students in the learning process.” (Prince, 2004) Deixe-se esta definição em inglês porque a tradução da palavra “engage”, que é absolutamente nuclear, teria muito a perder em relação ao original. O que caracteriza, então, a AA? Essencialmente, um estado de ação explícita por parte do aprendente, que não deve ser confundido com o simples “eu aprendo fazendo”. É antes uma experiência integral de envolvimento/desenvolvimento em que, para além de ações como ler, escrever, perguntar, discutir, resolver problemas ou desenvolver projetos, é requerida ao aprendente uma camada superior, metacognitiva, em que desenvolve também tarefas de alto nível como análise, síntese e avaliação das próprias aprendizagens e dos processos que a elas conduzem. Dito de outro modo, as estratégias que promovem a AA podem ser definidas como atividades que envolvem o aprendente no “fazer”, mas ao mesmo tempo, o levam a pensar sobre a maneira como o está a fazer (Bonwell & Eison, 1991) (Silberman, 1996). Claro que a utilização de estratégias diferentes requer adaptações na envolvente, nomeadamente, na própria organização do espaço físico (mais aberto, descentralizado e flexível nas suas geometrias) e no papel do professor (que deixa de ser o detentor do conhecimento para passar a ser um criador de climas favoráveis, um organizador das dinâmicas, um pivot, digamos, entre o aluno e as suas aprendizagens). No trabalho de (Prince, 2004), podemos observar com clareza, com resultados quantitativos, que as estratégias funcionam, tornando a aquisição por parte dos aprendentes mais efetiva. Mas será apenas esta a consequência da aplicação de estratégias de AA? Uma melhor aquisição do currículo?

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Aprendizagem Ativa  Pretendo com esta reflexão argumentar que não. Que essa nem sequer é a mais importante. Há consequências muito mais profundas e transformadoras. Em primeiro lugar, devemos, como sistema educativo, reconhecer que há formas de inteligência diversas. As metodologias passivas tendem a privilegiar um tipo específico de inteligência que é a académica. Em resultado disso, temos muitos alunos brilhantes e talentosos que acreditam que não o são por serem julgados contra esta visão específica da inteligência (Robinson, Changing Education Paradigms, 2010). Costuma atribuir-se a Einstein a citação: “Everybody is a genius. But if you judge a fish by its ability to climb a tree, it will live its whole life believing that it is stupid.” Einstein É precisamente disso que se trata. Estou convicto que as metodologias de AA favorecem a criação de espaço para que, colateralmente à aquisição do currículo, que não deve ser posta em causa, os aprendentes possam desenvolver os seus talentos individuais, escolhendo e utilizando estratégias a eles adequadas. Isto muda o fluxo concetual da aquisição, que deixa de ser do currículo para o aluno (como é que eu, professor, vou “entregar” o currículo aos alunos), para passar a ser do aluno para o currículo (como é que eu, professor, concebo atividades para que cada aluno possa descobrir o currículo à sua maneira). Claro que não se excluem momentos de aprendizagem passiva para complementar estes processos. Em segundo lugar, é necessário compreender que a educação (leia-se o sistema educativo) tem um papel definido, que precisamos de recentrar em três pilares: económico, cultural e social (Robinson, How to Change Education, 2013). Do ponto de vista económico, deve produzir, à saída, pessoas economicamente viáveis. Ou de outra perspectiva, satisfazer as necessidades do mercado de trabalho. Do ponto de vista cultural, precisamos de pessoas capazes de compreender a sua cultura e a dos outros. Que reconheçam o valor da diversidade cultural como uma oportunidade e não como uma ameaça. Do ponto de vista social, precisamos de indivíduos participativos, capazes de reagir os problemas sociais e agir sobre eles. O sistema educativo, desenhado à luz da revolução industrial, está demasiado centrado em satisfazer apenas a necessidade económica e, até nisso, está desatualizado. Não desmerecendo o papel das hard skills, como as técnico-científicas, as procedimentais, as metodológicas, a necessidade de também termos capacidade de memorização, replicação e mecanização, é um facto estabelecido que essas não são suficientes para enfrentar o século XXI (Dede, 2009). De facto, para além desse conhecimento “disciplinar”, precisamos que os indivíduos construam uma camada de soft skills, das quais se destacam pela sua criticidade a criatividade, a adaptabilidade, o

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Aprendizagem Ativa  pensamento crítico, a capacidade de comunicar eficazmente, potenciando mais colaboração entre sujeitos na resolução de problemas do mundo real, a capacidade de ser cultural e socialmente funcional e de perspetivar os problemas nestas duas dimensões, para além da dimensão técnicocientífica. A criação desta camada não será possível sem alterações nas metodologias. E, neste sentido, as metodologias de AA podem ser um bom catalisador. Mas acima de tudo, não precisamos de escolher entre ativas e passivas. Elas são compatíveis, tendo ambas lugar num ambiente que se quer diversificado. Também não nos servirá de nada criar esta camada de alto nível sem ter uma fundação sólida para a suportar.

Bibliografia Bonwell, C., & Eison, J. (1991). Active Learning: Creating Excitement in the Classroom. ERIC Clearinghouse on Higher Education Washington DC. Costa, M. (15 de setembro de 2015). Aprendizagem Ativa: origens, fundamentos e metodologias. Obtido de Prezi: https://prezi.com/64wq_rnbbeez/aprendizagem-ativa-origens-fundamentos-emetodologias/ Dede, C. (2009). Comparing Frameworks for “21st Century Skills”. Harvard Graduate School of Education. Prince, M. (julho de 2004). Does Active Learning Work? A Review of the Research. Journal of Engineering Education, 93(3), 223-231. Robinson, K. (2010). Changing Education Paradigms. Obtido de Youtube: https://youtu.be/zDZFcDGpL4U Robinson, K. (2013). How to Change Education. Obtido de Youtube: https://youtu.be/BEsZOnyQzxQ Silberman, M. (1996). Active Learning: 101 Strategies to Teach Any Subject. Pearson.

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