Novo Dicionário de Migalhas da Psicanálise Literária

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“Se um paciente nosso estiver sofrendo de um sentimento de culpa, como se ele houvesse perpetrado um crime grave, não recomendamos que ele despreze seus escrúpulos de consciência e não frise sua reconhecida inocência; ele próprio muitas vezes tentou fazê-lo sem êxito. O que fazemos é recordar-lhe que um sentimento tão forte e persistente deve, afinal de contas, estar baseado em algo real, que talvez possa ser possível descobrir.” 49

“‘Faça o que quiser; por mim você está livre; você é maior de idade; não tenho conselhos para lhe dar’ — e tudo naquela inflexão terrível e rouca da ira e da completa condenação, diante da qual eu hoje só tremo menos que na infância porque o sentimento de culpa exclusivo da criança foi em parte substituído pela compreensão do nosso comum desamparo.” 50

“EU pensava que um polídrico de sete pontas se dividisse em sete partes iguais dentro de um círculo. Mas não caibo. Sou de fora. É culpa minha se não tenho acesso a mim mesmo?” 51

“Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento. [...] Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando idéia.” 52

“Mas se não compreendo o que escrevo a culpa não é minha. Tenho que falar porque falar salva.” 53

“Acho que devemos fazer coisa proibida – senão sufocamos. Mas sem sentimento de culpa e sim como aviso de que somos livres.” 54

“Não há remorso aqui; folga-se agora, Não pela culpa, já no esquecimento, Pela Virtude, cuja lei se adora.” 55

“Proponho que a única coisa da qual se possa ser culpado, pelo menos na perspectiva analítica, é de ter cedido de seu desejo.” 56

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49  FREUD. A questão da análise leiga. In: FREUD. Um estudo autobiográfico, inibições, sintomas e ansiedade, a questão da análise leiga, pp. 216-217. 50  KAFKA. Carta ao pai, p. 22. 51  LISPECTOR. Um sopro de vida, p. 37. 52  ROSA. Primeiras Estórias, p. 81. 53  LISPECTOR. Água viva, p. 60. 54  LISPECTOR. Um sopro de vida, p. 63. 55  ALIGHIERI. A divina comédia – Paraíso. Canto IX, verso105, p. 592. 56  LACAN. O Seminário, Livro 7: A ética da psicanálise, p. 382.

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