REVISTA JUNHO 2019

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ISSN 2183-4768

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SUMÁRIO

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ENTREVISTA À Mesa Com José Manuel Bolieiro

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CRÓNICA João Castro "Basalto na Economia do Mar"

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REPORTAGEM Dia da Região Autónoma Dos Açores Que futuro esperar quando abdicamos do poder

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de decidir?

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CRÓNICA Creusa Raposo “Casas do Espírito”

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REPORTAGEM “Castigo e recompensa” Como Vasco Cordeiro pretende combater a

CRÓNICA Jorge Corrêa "Acidificação dos Oceanos – o Efeito do excesso de CO2 atmosférico que ninguém refere"

abstenção nos Açores

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REPORTAGEM

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ENTREVISTA

Dia Nacional da Agricultura Qualidade na diferença e futuro na inovação

Porquê a Europa? Palestra Associação Seniores São Miguel

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REPORTAGEM

CRÓNICA

António Almeida, deputado do Grupo Parlamentar do PSD/Açores

Nicolau Wallenstein (UAç) "A utilização de infrassons na monitorização de eventos extremos. Aplicação aos Açores"

à mesa com José Manuel Bolieiro

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DIA DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES 14

DIA NACIONAL DA AGRICULTURA

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EDITORIAL

A REFORMA DA ABSTENÇÃO As comemorações “deles”, no Dia da Região e no Dia de Portugal, foram marcadas por dois discursos bem distintos. Ambos destinados à abstenção. Um direcionado ao ajuste de contas para com a classe política. O outro direcionado ao encontro de contas para com o eleitorado. No discurso do “eles e nós” foi emblemática a circunstância mas faltou o enfâse no sermos a parte que não comemora. No discurso do “eu quero, posso e mando” já se esperava mais do mesmo onde a novidade não passou de uma esmola em troca de credibilidade. Quando, passados mais de 40 anos de democracia, as comemorações do Dia mais emblemático de um país democrático se cingem a enfadonhas cerimónias de políticos, com políticos e para políticos, onde a cidadania (ex-povo) se limita a comemorar mais um feriado, a democracia está condenada. E é aí que começa a abstenção, por muito que se tente explicar a mesma. Quando um povo não se identifica com os simbolismos de uma nação algo falhou. A abstenção não pode ser encarada como um ato de ausência, como um facto de presença, nem tão-pouco como um feito iliterário. Ela tem de ser encarada na sua forma, conteúdo e expressão numa matriz de valores, princípios e atitude cívica onde os direitos estejam

associados a deveres. Culpar só os políticos pela abstenção é um ato de contrição, revelador de um entusiasmo massivamente mundano. A abstenção é reflexo de uma sociedade egoísta, sem valores e sem vontade própria. A abstenção é o espaço temporal entre a ausência do saber e a prática da preguiça. É sempre mais fácil encontrar defeitos no alheio que procurar encontrar o caminho que trilha o conjunto das soluções no coletivo. Se existem maus políticos é porque a maioria se demitiu da sua função de cidadão, do seu carácter cívico e do seu papel de luta por um bem-estar maior. O que interessa pedir que nos deem algo em que acreditar se nos limitamos apenas à crítica e ao dedo em riste julgando que a diferença só se faz a partir dos outros? O que interessa manipular o sistema para legitimar o inevitável se só acreditamos no sistema para benefício próprio? Sou mais apologista que uns e outros fomentam a desordem para dar lugar a “sistemas” de nichos e de pseudoelites com falsas propagandas, que se aproveitam da falta de credibilidade que eles ostentam e da falta de lucidez da maioria de nós, para ganhar espaço e dimensão a troco de nada e de falsas expectativas.

RUI SIMAS diretor

Ficha Técnica: ISSN 2183-4768 Proprietário Associação Agenda de Novidades NIF 510570356 Sede de Redação Rua São Francisco Xavier, 24, 9500-243 Ponta Delgada Sede do Editor Rua São Francisco Xavier, 24, 9500-243 Ponta Delgada Diretor/Editor Rui Manuel Ávila de Simas CP3325A Subdiretor André Aguiar CP7456A Redação André Aguiar CP7456A , Cila Simas Departamento de Marketing e Comunicação Cila Simas, Leonor Manaças Revisão André Aguiar Captação e Edição de Imagem Alexandre Almeida, Benjamin Decker Paginação Carolina Botelho Nº Registo ERC 126 641 Tiragem 3000 ex Periodicidade Mensal Impressão Nova Gráfica, Lda Morada Rua da Encarnação, 21, Fajã de Baixo, 9500-513 Ponta Delgada Depósito Legal 388942/15 Colaboradores Creusa Raposo, João Castro, Universidade dos Açores Relações Públicas Cila Simas Contactos comunicacaonorevista@gmail.com Estatuto Editorial: A NO é uma revista de âmbito regional (não ficando excluídos os países de língua portuguesa e comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo). A NO disponibiliza informação independente e pluralista relacionada com a política, cultura e sociedade num contexto regional, Nacional e Internacional. A NO é uma revista autónoma, sem qualquer dependência de natureza política, ideológica e económica, orientada por critérios de rigor, isenção, transparência e honestidade. A NO é produzida por uma equipa que se compromete a respeitar os direitos e deveres previstos na Constituição da República Portuguesa; na Lei de Imprensa e no Código Deontológico dos Jornalistas. A NO visa combater a iliteracia, incentivar o gosto pela leitura e pela escrita, mas acima de tudo, promover a cidadania e o conhecimento. A NO rege-se pelo cumprimento rigoroso das normas éticas e deontológicas do jornalismo e pelos princípios de independência e pluralismo.

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ENTREVISTA

À MESA COM José Manuel Bolieiro Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada Cila Simas

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Candidatou-se à presidência da Câmara Municipal de Ponta Delgada (CMPDL), pela primeira vez, em 2013, e ganhou. Desde então já foi reeleito para um segundo mandato. Estes exercícios não são fáceis, mas que balanço faz dos últimos anos na liderança do maior município dos Açores? A minha função política começou por ser mais parlamentar e só numa determinada fase foi de executivo, exatamente quando vim para Ponta Delgada, com gosto de fazer esta experiência em eleições, em 2009. Quando assumi a presidência intercalar da CMPDL, em 2012, tive um objetivo. Este foi um período em que vivíamos uma crise financeira, económica e social, no país, na Região e no município, e tive de encarar a oportunidade de relacionar o político com o eleitor e a política com a sociedade, na base da confiança, na base da credibilidade e da postura pessoal com as pessoas e com os objetivos. E isso para mim foi desafiante, quer do ponto de vista intelectual quer do ponto de vista da mentalidade e de uma oportunidade de fazer política de um modo diferente do que é habitual. Portanto não procurei ser, desde logo, quem faz a gestão do dia-a-dia, mas quem procura, fundado num lastro doutrinário, encontrar no exercício executivo a oportunidade de passar das palavras aos atos. Ora muito bem, foi desde essa primeira hora que eu entendi reforçar os critérios de transparência da gestão financeira e orçamental dos dinheiros públicos e designei como primeira essência fazer um descortino permanente ao que tínhamos em termos de receita realista, aquilo que poderíamos, exatamente fundados nesta receita, aplicar em despesa inultrapassável fixa rígida, designadamente com a gestão do pessoal, com os funcionamentos habituais e inevitáveis para o funcionamento administrativo da autarquia e, depois, definir prioridades de investimento público municipal e desonerar, porque era este um pouco, também, o resultado da crise económica e financeira, o sobre-endividamento e uma neblina acerca da relação entre a administração financeira direta e indireta, designadamente através do setor empresarial local. Ora todas estas foram regras de exigência, de rigor e transparência na gestão dos dinheiros públicos, que

coloquei como grande prioridade na gestão interna, mas a verdadeira prioridade, chapéu de todas estas, foi relacionar com as pessoas, descobrir efetivamente quais eram as suas necessidades, as suas ambições e a relação enquanto eleitores, mas também como cidadãos em particular, com o político e a política. Entendi que, sobre o ponto de vista das políticas de emergência social, para combater pobreza extrema e outra envergonhada, se imponha, na distribuição do dinheiro disponível para investimento, que o investimento fosse dedicado às pessoas. Não apenas no assistencialismo, embora esse tivesse sido o impacto. Para se combater fome e pobreza extrema e isolamento, designadamente de gerações mais idosas sem apoio familiar ou institucional de proximidade, para fixação às suas áreas de residência, designadamente as freguesias periféricas. Em jeito de balanço, diria que procuro ser o autarca não empreiteiro, mas antes o autarca democrata que procura verdadeiramente criar uma reforma da mentalidade: contas certas, pagamento a tempo e horas, diminuição do sobreendividamento. Porquê? Porque é uma estratégia de solidariedade intergeracional. Não se pode antecipar o futuro de maneira a que comprometa as gerações vindouras, que eram condenadas a pagar dívidas, ora isso é estratégia, é convicção, é pensamento doutrinário, esta solidariedade geracional. A outra prioridade, relativamente a esta fundamental aposta, incide nos talentos locais, para criar uma mentalidade de orgulho e de capacidade com o aumento da capacitação e da confiança dos talentos instalados, residentes, em todas as áreas: desportiva, cultural, artística e na própria área das instituições de solidariedade social, que são parceiros e não pedintes neste exercício. A nossa vocação para ter uma estratégia de coesão territorial também está a vigorar. Nós somos um dos municípios que assegura fixação demográfica. Podemos não estar na frente em termos de natalidade, mas apesar disso estamos, em termos demográficos, estáveis no que diz respeito aos recenseamentos. Tem a ver com o sucesso das nossas políticas de fixação das populações e um desenvolvimento económico que se tem criado, ao contrário de um êxodo, um chamamento, apenas, dos concelhos

limítrofes, portanto da ilha de São Miguel, mas até mesmo de muitas outras ilhas e, portanto, a nossa capacidade e massa crítica de empregabilidade e de gestão de criação de empresas geradoras de riqueza tem sido fantástica. A ideia da cidadania, da democratização, do sistema, penso que são todos bons resultados. Quem fizer hoje uma visita rápida poderá comparar aquilo que era antes da minha presidência, com o parque escolar, os edifícios dedicados ao 1.º ciclo do ensino básico, com o que é hoje, vai ver muita diferença entre o que é hoje a qualidade, mesmo que possa ter um ou outro defeito, mesmo que falte fazer muito, o feito é muito significativo. Ademais dizer que me enche de orgulho quando o sujeito é monitorizado por entidades objetivas relativamente ao estado da arte do município de Ponta Delgada, quer sobre o ponto de vista da sua governança, quer sobre o ponto de vista do seu equilíbrio financeiro, quer sobre o ponto de vista de destino para visitar, de destino para fazer negócios, de destino para lazer e de confiança, designadamente do testemunho de quem nos visita, que vê uma cidade limpa, uma cidade de rastreabilidade inatacável, muito me honra e muito me orgulha, porque os rankings nacionais colocam sempre Ponta Delgada em patamares que antes nunca experimentou. Obviamente que ser primeiro nos Açores é bom, mas estar sempre no top dos 25 ou 30 nacionais, entre outros municípios, ainda é melhor. Honra-me, verdadeiramente tranquiliza-me a consciência, que o trabalho e os resultados obtidos são reconhecidos por quem tem objetividade e não faz o combate político pelo combate político, mas tem capacidade de comparação e de objetividade de análise destes nossos resultados. Por isso direi que foi muito trabalhoso, precederam-me a minha ação muitas convicções mas a análise dos resultados é positiva, fiz uma avaliação do estado da arte da política, da democracia, da governação local de Ponta Delgada e, hoje, estou convencido que a arte que colocamos nos pôs em bom estado. Quais diriam ser as grandes linhas orientadoras da ação do executivo camarário que lidera? Ora, eu entendi que deveria organizar a gestão autárquica com as Juntas de Freguesia como parceiros de

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desenvolvimento, e fazer a relação financeira e técnica do município com as freguesias de forma transparente, com critérios objetivos, regularidade, previsibilidade e qualidade neste reforço financeiro. Isso também é novidade no contexto nacional e regional da política autárquica que eu fiz, independentemente do quadro legal, mas do quadro regulamentar e contratual entre o município e as freguesias. Penso que isso foi uma medida que, ainda hoje, é inovadora e infelizmente ainda não está repetida por muitos outros com vantagem, na minha opinião, para o investimento nas pessoas e não no betão, e não no bloco, porque há ainda, infelizmente, muito a tendência de valorizar o betão, e a inauguração do betão, em vez da relação com as pessoas. Eu prescindi neste exercício dinheiro gerido pelo município, diretamente, para depois fazer inaugurações, e distribuí, para valorizar a chegada do mesmo às necessidades e ambições das populações, em particular através das Juntas de Freguesia. Muitos dos outros investimentos focaram-se na prioridade social e de emergência social, e também acrescentei a socioeducativa. Parte significativa dos fundos comunitários foi dedicada para a comparticipação nos investimentos que fizemos na educação e nas escolas, mesmo nos edifícios, porque ao longo destes anos temos reabilitado em milhões de euros o parque escolar de Ponta Delgada, designadamente o 1.º ciclo do ensino básico, que é da responsabilidade do poder local. Este é outro investimento confirmativo, não meramente existencialista, mas, igualmente, socioeducativo, isto é, para a promoção da pessoa, da sua dignidade, para competências futuras, para o exercício profissional e de cidadania. Juntei a isso, também, um forte investimento na área cultural, recreativa e com transparência nas relações entre o município e os agentes de cultura e de recreação cultural e de animação no município de Ponta Delgada. Nós organizamos eventos âncora e projetamos determinada animação para a cidade com base nos nossos talentos locais e devidamente financiados com programação previsível, estável e regular, daí termos criado, com sistema diferente e, no caso citadino, para o centro histórico, as “Noites de Verão”, fazendo com que não acontecesse festa na cidade, mas transformar uma cidade em festa e, assim, criei três conceitos: termos a oportunidade de ter festas 8 NOJUN19

na cidade, uma cidade em festa e, também, a festa da cidade. A própria festa em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres que, aliás, vincula o feriado municipal à própria festividade, indicia a relação com as pessoas e com a dignificação da pessoa. Ademais, também com esta ideia da coesão territorial e da parceira, tudo o que passou a ser subsidiação do município: para os agentes foram constituídos regulamentos no desenvolvimento da ação da área do desporto, da área da intervenção social e da área cultural. Dito isto, e também com os eventos âncora criados, o que é que nós valorizamos? Uma outra ideia de sustentabilidade. Já tinha assegurado a estabilidade financeira e da transparência da gestão, quer com a administração direta quer com a indireta, com o setor empresarial local. Fui diminuindo endividamento, sobre-endividamento, que o município tinha nas duas áreas: na área direta e também na área do setor empresarial local. Nós extinguimos empresas do setor empresarial local absolutamente endividadas, sem sustentabilidade, e regularizamos este processo e, até agora, mais recentemente, uma delas foi vendida. Ora, dito isto, passemos então a um outro vetor, que foi de uma prioridade máxima à ideia de que uma cidade e um território edificado não pode crescer com nova edificação sem valorizar o edificado abandonado e degradado. Era preciso lutar contra uma tendência desertificadora, uma tendência de êxodo do centro histórico da cidade para periferias, e passar a promover a reabilitação e regeneração dos banners sustentáveis da cidade e dos centros históricos das freguesias e, por isso, criamos aquilo a que se chamou uma desoneração dos custos de contexto para o investimento de reabilitação do edificado. Isso trouxe uma grande vantagem, que lá está, fez perder receita ao município, mas deu receita à economia e o meu objetivo foi sempre não ter um orçamento usurpador da economia, mas antes um orçamento que beneficia de uma pujança da economia municipal. Nós fizemos isso através da diminuição da carga fiscal, designadamente para estes investimentos: o investimento na reabilitação e regeneração do banner sustentável e, até mesmo, para a fixação de residência própria. Em pouquíssimo tempo, com a minha presidência, estávamos numa taxa de IMI de 13,5% e

passei para a taxa mínima, rapidamente, tirando carga às famílias proprietárias de habitação própria. Também temos em Ponta Delgada o chamado IMI Famílias que é para potenciar um crescimento da demografia, diminuindo o preço do custo de famílias numerosas e, portanto, também passam a ter compensação, no âmbito do IMI. Ora, todas estas conjugações permitiram, também, vislumbrar uma oportunidade de reforço democrático e como é que eu pus a ideia de reforçar a cidadania e a participação democrática, para além do diálogo e da concertação política entre partidos, entre poderes e oposições, entre municípios e Juntas de Freguesia? Foi criar o orçamento participativo com carácter deliberativo que, aliás, foi pioneiro nos Açores e, ainda hoje, é o que tem mais substância no contexto do poder local nos Açores. Isso tem promovido, igualmente, uma ideia de cidadania participante, com valores de investimento do orçamento público municipal para se dar poder e, portanto, fazer o empoderamento da cidadania. Isso também tenho procurado fazer. É correto afirmar que Ponta Delgada é o concelho que mais beneficiou do boom turístico dos últimos anos? Conseguimos, é preciso reconhecê-lo, fruto de uma ajuda substantiva que foi a de, com a reforma da acessibilidade aérea, designadamente a eliminação do monopólio de transporte aéreo, a reforma relativamente aos custos das obrigações do serviço público do transporte aéreo. Passamos a ser um destino, que já eramos em termos atrativos da beleza da natureza, da capacidade de receber, organização crescente de atividades turísticas e, entre elas, principalmente as marítimo-turísticas, porque Ponta Delgada, que não tinha tradição, passou a ter tradição nas marítimo-turísticas e isso também desenvolveu, acrescentou, esse boom resultante da alteração das obrigações do serviço público de transporte aéreo, a entrada das low cost e a promoção do destino com outras companhias aéreas, agora mais recentemente a Delta com voos diretos de Nova Iorque para Ponta Delgada. Passamos a ser um destino turístico acessível, previsível, em termos de regularidade de transporte aéreo e acessível, porque a diminuição dos custos foi substantiva, já estávamos preparados e ainda ficamos mais preparados.


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"Eu acho que o mundo é sempre surpreendente em termos de novidades e o político que se acomoda com o bem feito não tem futuro"

Toda a nossa política municipal também tem valorizado isso. Já fiz referência atrás, a própria criação dos eventos âncora e um elemento decisivo: já beneficiávamos, sem qualquer envolvimento da beleza da natureza e dos spots naturais, mas acrescentámos a nossa identidade patrimonial cultural. Nós acrescentámos alojamento turístico, e não apenas o tradicional hoteleiro e, desde logo, temos aqui uma promoção que ajudou a valorizar, a reabilitar e a gerar, em termos urbanísticos, através do alojamento local, a cidade mas todas as freguesias. Tudo isto tem sido feito com eventos âncora, também festivos, onde eu pus como destaque e importância estratégica a passagem do ano, para ser também um combate à sazonalidade perigosa no negócio turístico e na sua sustentabilidade, isso também foi articulado com os parceiros e os empresários do negócio turístico. Estou convencido que Ponta Delgada, enquanto gateway aeroportuária, beneficiou a ilha de São Miguel. Tenho como referência que o benefício do destino turístico, no contexto açoriano, é para os Açores inteiros muito fruto desta gateway de Ponta Delgada e, de forma muito mais intensa, em termos de negócio turístico adquirido que ajudou a aquecer o investimento e a confiança no investimento no negócio turístico, beneficiou a ilha de São Miguel e também muitas outras ilhas. Muitas personalidades já vieram a público manifestar os efeitos menos positivos de um turismo excessivo. Considera que Ponta Delgada está, neste momento, devidamente equipada e preparada para lidar com um excesso de turismo ou considera até mesmo que existe excesso de turismo? NOJUN19

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É legítimo, aliás até mesmo em grandes cidades europeias hoje, pôr em causa os efeitos do overtourism, que em alguns sítios acontece. Eu penso que estamos salvaguardados quanto a isso, não estamos a sofrer de nenhum overtourism nos Açores, não estamos a sofrer em São Miguel, nem em Ponta Delgada. Houve um recrudescimento significativo de turistas ao que nós estávamos habituados, mas até temos estruturas suficientes para o alojamento, há uma confiança nova para aumentar esta oferta do alojamento turístico, felizmente, apesar de um ruído ou outro, a nossa opção do alojamento turístico não tem sido no sentido descaracterizar o nosso enquadramento ambiental, não tem sido para criar megalomanias. Espero que se evite essa tendência, porque no passado essa tendência deu mau resultado e todos deviam aprender com as lições nefastas do passado – de dar o passo maior que a perna ou de criar estruturas para os quais depois não há massa crítica para a sua sustentabilidade. Felizmente penso que é muito fruto do turismo rural, do alojamento local, de uma capacidade hoteleira de dimensão adequada, que tem sido adequado e está bem. O que é que eu acho que pode levar, em termos de imaginário, algumas pessoas, não habituadas ao turismo que temos, achar que há excesso, e que não é ainda um overtourism? Tem a ver sobretudo com os spots de natureza, com eventualmente a restauração, bares e similares. Uma outra pressão, que sinto enquanto gestor urbanístico, é o aumento de viaturas de lugar sem passageiro, e isso também complica a oferta de estacionamento, a circulação mais fluente, mas isso faz parte das zonas desenvolvidas, são as consequências do progresso que também tem as suas penalizações, digamos assim. Onde eu acho que temos de trabalhar verdadeiramente, para não alimentar uma ideia não verdadeira de overtourism, tem a ver com os spots de observação da natureza. Nós temos hoje os mesmos spots de observação da natureza que tínhamos há 40 anos atrás, enquanto esses spots eram procurados por 100 eram mais que suficientes e não tinha sobrecarga, quando agora são procurados por mil obviamente que eles ficam sobrecarregados. O que é que é preciso? É aumentar a oferta dos spots de contemplação da natureza de modo a que se possa, depois, diluir na rotação de visitação e ver sempre a carga adequada

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a cada um, porque nós temos uma noção de presença de turistas, por exemplo, na ilha, agora se houver vários spots de observação da natureza, todos bem distribuídos ao longo da ilha, tudo isto se resolve. Se apostarmos em mobilidade soft e, designadamente, tendência para sustentabilidade elétrica e criar parques de estacionamento e o reforço do acesso pedonal, nós também podemos fazer um upgrade daquilo que se chamará de eliminação da contemplação ignorante e ignorada, dar informação sobre o que se contempla, multilíngue, não apenas na nossa própria língua pátria, para que o turista estrangeiro possa ter acesso à efetiva informação, utilizando as novas tecnologias digitais para esta informação, substituindo os tais centros de interpretação que são impossíveis de construir em cada spot e, até, nem seria razoável, seria uma carga urbanística inaceitável e também controlarmos a entrada, a tal eliminação da contemplação ignorada que se traduz em nós, enquanto anfitriões, não sabermos quem nos visita, porque nos visita. É preciso criar, também, coisa que os Açores e o país não tem, uma nova cultura de conhecimento empírico e isto tem que se fazer com a formação de uma base de dados relativamente a estatísticas, questionar e depois também ter soluções de controlo. Ora, para saberem, imaginemos, visitantes da Vista do Rei, se não houver uma entrada com torniquetes e um limite de entradas para depois haver uma gestão de quem circula isso não ajuda, o que é que vamos ter? Pessoas incomodadas pelo excesso e, aí sim, esse imaginário do overtourism quando na verdade é preciso ser melhor gerido.

A CMPDL tem levado a cabo, nos últimos tempos, uma série de projetos e iniciativas na área digital. Fale-nos um pouco sobre isso. A ideia é criar verticais de inteligência urbana com recurso aos meios digitais, receber informação, dados que ajudem a melhorar as decisões e que também possam facilitar, ao fruidor da cidade de Ponta Delgada e do concelho de Ponta Delgada, informação. Temos, agora, para efeitos de facilitação, aplicações para os smartphones, que são hoje o mais útil e o mais utilizado. Na verdade, os telemóveis ou smartphones são, a par do que a nossa crença religiosa nos diz, o ente que tem o dom da ambiguidade. O telemóvel faz-nos estar em todos os lados e em qualquer momento, porque pode estar o nosso amigo em Tóquio e nós aqui e se ele, com o seu smartphone e nós com o nosso, quisermos olhar um para o outro, falar e nos vermos, isso é possível. Por isso mesmo, a brincar, costumo dizer que há um novo dom da ambiguidade e que é esse das novas tecnologias. Mas retomando agora. Nós procuramos, através da inteligência urbana e dos


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"temos um grande desafio pela frente para sermos relevantes, já não na pequenez territorial em terra de cada uma das nove ilhas, mas na imensidão do mar azul, do fundo do mar"

verticais para a inteligência urbana, criar por iniciativa própria, e como município, por exemplo, a aplicação que facilita o turista que queira visitarnos: “Visit Ponta Delgada”, que é um elemento essencial para quem quer conhecer as ruas e adquirir novos conhecimentos da nossa história, das nossas personalidades mais relevantes. Mas através da toponímia ou dos edifícios com mais matriz de entidade cultural, isso também temos. Criamos uma aplicação do Roteiro Toponímico de Ponta Delgada. Para transporte público, já temos esse há muitos anos, da rede de minibus que, em determinada altura, com as reconfigurações que fiz por minha iniciativa, transformando-a num “metro de superfície”, quanto à filosofia da bilhética, da circulação, para ter a lógica de um metro. Nós temos três linhas: linha A, B e C e isso permite, com a bilhética que mandei criar, por exemplo a uma pessoa que viva no lado nascente da cidade e que quer ir para o lado poente, a mesma pode circular em três linhas de minibus com o mesmo bilhete, e vai circulando, e isso para quê? Para garantir que os circuitos fossem previsíveis e

fiáveis, isto é, nenhum circuito exige um tempo de circulação superior a 17 minutos, isso ajuda as pessoas a fazerem contas à sua vida, porque sabem que se meterem-se naquela linha, entre o ponto de partida e o último ponto de chegada, não demorarão mais que 17 minutos e podem até, com a aplicação digital, ir acompanhando, na paragem que lhes convém, o lugar onde o minibus está ou para onde vai, tudo por essa aplicação digital. Ora, estes são todos elementos facilitadores da vida das pessoas modernas, que utilizam as novas tecnologias, e conferem inteligência urbana, isto é, dão conteúdo através destes verticais ao conceito da nossa rede nacional de smart city, uma vez que Ponta Delgada está integrada na rede de smart cities. Quais os projetos desenvolvidos pela Câmara ou, então, com o seu apoio, que destacaria aqui? Quando nós introduzimos um modo de estar na política e um modo de governança local inovador, que é disruptivo, portanto, em relação a práticas anteriores, é exigível garantir

consolidação destas novas práticas e a exigência maior que eu tenho é manter as mesmas, consolidando-as e credibilizando-as ao longo do tempo. Na verdade, enquanto mandato, e todas essas inovações foram realizadas com início em 2013, estamos já com seis anos. Portanto o fundamental é consolidar todas estas práticas que têm muito a ver com uma reforma de mentalidade e da própria visão do eleitor perante o político. Eu não faço discurso que magoe, ninguém me ouviu falar mal dos adversários nem atacar, não tenho registos, nem vocais, nem escritos, desses ataques pessoais para com adversários. A preocupação é de fazer dos coatores da democracia e da política parceiros de desenvolvimento e não gente a abater, pessoas ou instituições. Antes pelo contrário. Esta prática quero manter e o investimento e prioridades que tenho realizado. Ora, não posso negar que ainda há tanto para fazer na componente do investimento educativo, quer o pedagógico, quer o físico. No pedagógico nós criamos, de forma inovadora, nas escolas do 1º ciclo do ensino básico, por exemplo, o projeto da ciência divertida. O município de Ponta Delgada foi o primeiro a fazer uma descoberta de vocações na escola, estamos a dar conteúdos pedagógicos, algo que não é uma responsabilidade direta dos municípios, mas estamos a dálo. Nós criámos bolsas e incentivos para a meritocracia e fizemos isso junto das escolas, temos prémios municipais para isso, com frequência, para ir também a universidades. Temos a Universidade Júnior criada, que incentiva, mas nesse plano são novidades e estamos a consolidar e a reforçar. As minhas preocupações não podem deixar de incidir, por isso, em continuar a reforçar o investimento nessas áreas pedagógicas e, também, na área da construção. É

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meu objetivo concluir uma grande obra que vai iniciar agora na escola de São Pedro, que é a maior escola dos Açores, A Escola da Mãe de Deus. Quero também fazer um grande investimento na concentração, existem duas escolas na freguesia de São Roque, e a minha intenção é que passem de duas para uma, concentrada numa delas reabilitada, ampliada e preparada para o futuro, nas Maricas. Estamos a fazer uma escola nos Arrifes, também outra comunidade educativa muito significante em termos de população, neste caso, nos Milagres. Tenho por certo que, no contexto dos eventos âncora turísticos e destinos de visita e de vivência e experiência, não podemos descurar o Mercado da Graça. Um mercado municipal é sempre uma atração turística, potencia uma economia solidária, potencia uma valorização do produto endógeno e, sobretudo, uma curiosidade turística de visita e promoção do próprio destino. Também é meu objetivo, neste quadro de valorização de Ponta Delgada como destino turístico, criar esta evolução de pontos de atração turística, para além dos eventos âncora que vamos fazendo crescer, um que trouxemos de novo, por exemplo a PDL White Ocean, que acontece no verão. É preciso começar a ter folga financeira para fazer investimentos em época baixa, combatendo a sazonalidade, mas fizemolo relativamente à passagem de ano, com animação, designadamente o fogo-deartifício, através de parceria com os agentes quer do negócio turístico, quer da restauração, e através da Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada (CCIPDL). Há depois uma outra preocupação que é fundamental, a reforma da mentalidade para a sustentabilidade. Nós temos que criar bons hábitos na população para reduzir todo o material que é contaminante e que, na verdade, não

tem sensibilidade ambiental. Estamos a procurar também, por ação do próprio município, dar incentivos para que a população se forme numa ideia, por exemplo, aquela que está mais na moda, da eliminação dos descartáveis e a redução do uso do plástico e, portanto, essa também é uma estratégia que temos de desenvolver diretamente por ação própria, e isso já fazemos. Também em relação ao próprio hábito de informação e consumo de água da torneira, porque a nossa qualidade de água é excelente e evita a compra de água engarrafada, que muitas vezes vem em garrafas de plástico ou de PVC e isso tudo é poluente. Também temos esta preocupação pedagógica, por via de ação municipal, para esta reforma de mentalidade que é cada vez mais apostar em sustentabilidade ambiental. A outra é a capacidade de formação, também investimos, na ausência de outras entidades, designadamente na formação de pessoal profissional para o turismo, para o bem receber. Nós criámos programas de ensino de inglês técnico para acolhimento, designadamente para trabalhadores de restauração. Nós criámos, em cooperação com a CCIPDL, cursos de ação-formação para serviço à mesa e, portanto, estamos a fazer toda essa preparação de uma mentalidade nova da arte de bem receber. Mesmo os nossos aplicativos, essas aplicações informáticas de informação, são essenciais para a formação de guias turísticos. Quando relevei, desde a primeira hora, a importância estratégica de eliminar a contemplação ignorante, em parceria, por exemplo, com o Observatório Vulcanológico dos Açores, criamos um livro, em colaboração com o professor Vítor Hugo Forjaz, e temos feito outras nesta via. Apostar numa informação sobre aquela que é a nossa condição

muito exótica e, por isso também, atrativa: a nossa condição vulcanológica, a nossa biodiversidade, tudo o que é uma vivência à volta do aproveitamento da natureza das atividades marítimoturísticas. Finalmente, também acho fundamental potenciarmos Ponta Delgada e São Miguel como destino mundial de encontros científicos e de investigação e isso também tenho promovido, em parceria com a Universidade dos Açores, mas com outras ordens profissionais, como a Ordem dos Médicos, que tem trazido cá muitos investigadores e encontros mundiais na área da saúde, com as novas tecnologias, designadamente com base na investigação e computação científica, na área da malacologia, na biodiversidade. Tenho apoiado todos estes eventos para criar, para o futuro, a ideia que afinal não somos ultraperiféricos, somos uma centralidade do mundo, onde é possível haver inspiração e conforto para reflexão, de criação de pensamento científico, a partir dos Açores. A minha aposta em contactos com a National Geographic, até mesmo para potenciar que hajam hotéis temáticos que possam ter uma relação direta com a National Geographic, tem a ver com essa ideia de internacionalização. Nós somos um caso de estudo em matéria ambiental e de biodiversidade e acho que seria interessante potenciarmos a nossa presença mundial nesse aspeto. Pensa recandidatar-se a um terceiro mandato consecutivo? Se não, o que pondera fazer após deixar de assumir a liderança da CMPDL? É sempre bom podermos prever e criar futuros, mas também é bom não anteciparmos em excesso, porque senão retiramos a virtude da sua incerteza e por isso fica apenas com um futuro de incerteza quanto a estas matérias.



REPORTAGEM

DIA DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

QUE FUTURO ESPERAR QUANDO ABDICAMOS DO PODER DE DECIDIR? A Sessão Solene do Dia da Região Autónoma dos Açores, que teve lugar no dia 10 de junho deste ano, no concelho da Calheta, ilha de São Jorge, foi assinalada pela imposição de 29 Insígnias Honoríficas a personalidades e a instituições, numa organização conjunta da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA) e do Governo Regional.

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André Aguiar

nstituída pela ALRAA em 1980, a data, observada em todo o arquipélago como feriado regional, celebra a "afirmação da identidade dos açorianos, da sua filosofia de vida e da sua unidade regional", consideradas a "base e justificação da Autonomia política que lhes foi reconhecida e que orgulhosamente exercitam". As Insígnias Honoríficas Açorianas, nomeadamente a Insígnia Autonómica de Valor, a Insígnia Autonómica de Reconhecimento, a Insígnia Autonómica de Mérito, com as categorias de Mérito Profissional, Mérito Industrial, Comercial e Agrícola e Mérito Cívico, e a Insígnia Autonómica de Dedicação, cujo regime jurídico foi aprovado em 2002, visam distinguir "os cidadãos e as pessoas coletivas que se notabilizarem por méritos pessoais

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ou institucionais, atos, feitos cívicos ou por serviços prestados à Região". Nas comemorações deste ano foram agraciados com estas Insígnias 21 personalidades, sete das quais a título póstumo, e oito instituições da Região. Ana Luís, Presidente da ALRAA, referiu, no início do seu discurso, que “os Açores estão em festa, por isso permitam-me que as minhas primeiras palavras sejam dirigidas a todas as açorianas e açorianos, onde quer que se encontrem – nas nossas nove ilhas, no território continental, ou na vastíssima Diáspora”, dirigindo-se, em especial, a “todos aqueles que, tal como Francisco de Lacerda, saíram da nossa terra em busca de outras terras que lhes pudessem concretizar os sonhos”. Ana Luís depois referiu que “todos estes açorianos, do Brasil às Bermudas, dos Estados Unidos

ou Canadá, da Europa ao Uruguai continuam a engrandecer os nossos Açores e, por isso, somos agradecidos e reconhecidos”. “Os Açores estão em festa”, voltou a enfatizar a Presidente da ALRAA, “hoje em dupla comemoração porque também festejamos o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas – evocamos a nossa língua e a nossa dimensão marítima. Neste Portugal democrático há 45 anos a coesão nacional passa, forçosamente, pelo reconhecimento das autonomias e da importância das mesmas para o todo nacional. Gostaria de pensar que 45 anos seriam suficientes para que esse reconhecimento fosse claro e inequívoco. A realidade demonstra, no entanto, que nem sempre é assim”. Ana Luís explicou que, “muitas vezes,


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são os insulares que têm de demonstrar que as diferenças que nos separam e os custos inerentes à nossa insularidade e ultraperificidade não são um entrave a um Estado unitário, que respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, tal como define a Constituição da República Portuguesa”. Referindo que “foi a liberdade de abril que abriu as portas de Portugal ao mundo e que consagrou, constitucionalmente, a Autonomia regional, respondendo, assim, aos nossos anseios de aclamar a nossa cultura de povo ilhéu, numa Região com características muito próprias, e responder aos nossos interesses regionais, ampliando os nossos poderes políticos e corrigindo desigualdades derivadas da insularidade”, Ana Luís disse que “podemos afirmar, sem qualquer dúvida ou receio, que a Autonomia mudou as nossas vidas e é o melhor instrumento para o progresso da nossa Região”. Contudo, ressalvou a Presidente da ALRAA, “a análise dos resultados da Autonomia não pode ser refém da análise estatística, nem tão pouco da análise comparativa. A nossa realidade insular, de nove ilhas tão distantes entre si, e a nossa posição ultraperiférica em relação a Portugal continental e à Europa, são características desafiantes, que podem potenciar mais-valias, muitas delas estão já a ser aproveitadas”. Mas esses desafios “também colocam alguns constrangimentos à governação, ao órgão legislativo, às empresas e aos cidadãos insulares, os quais temos vindo a ultrapassar ao longo destes 43 anos de Autonomia. A verdade é que evoluímos, ultrapassámos dificuldades e fomos encurtando a distância que nos separa dos grandes centros de decisão, sejam eles nacionais ou internacionais”, acrescentando que “fomos fazendo ouvir a nossa voz, mesmo que alguns teimem em não nos escutar”. Ainda assim, e “com responsabilidade, reconhecemos que nem tudo está feito, que o caminho do progresso e do contínuo desenvolvimento é um percurso trabalhoso, por vezes difícil, mas estamos convictos que, perante as dificuldades do caminho, a solução é ultrapassar os desafios, em união de esforços, num trabalho conjunto com um objetivo único – o melhor para os Açores”. Tocando, de seguida, no aumento da abstenção eleitoral, nos últimos anos,

Ana Luís disse que isso “levou a que a Assembleia Legislativa adjudicasse à Universidade dos Açores um estudo sobre a abstenção eleitoral nos Açores, o qual, recentemente entregue, apontou os principais motivos para essa abstenção e indicou alguns caminhos para ultrapassar este problema”. O estudo em causa identifica, de forma clara, três principais responsáveis pelo aumento da abstenção: os políticos, de forma geral, as próprias pessoas e a comunicação social. “Atrevo-me, por isso, a concluir, e penso que não estarei errada, que os responsáveis somos todos nós”, defendeu Ana Luís, acrescentando que “a abstenção deve ser encarada, por todos nós, com muita preocupação, porque fragiliza a democracia e, nesse sentido, todos somos convocados para contribuir para a sua diminuição”. Depois questionando sobre o que poderá ter acontecido “nestes últimos 45 anos para que passássemos da luta pelo voto livre ao desprendimento em relação à importância do voto”, Ana Luís afirmou que “se o funcionamento da democracia se fundamenta na interligação entre legitimidade política e vontade popular; se o voto é um direito que expressa a nossa vontade individual perante o coletivo; se é esta vontade que sustenta a autoridade política e administrativa de um Estado de Direito que, através das suas instituições, assegura a organização política, social e jurídica e os direitos, deveres e a liberdade dos seus cidadãos; então, que futuro podemos nós exigir ou esperar quando abdicamos do poder de decidir sobre o destino do nosso País ou da nossa Região”? “Deixo a todos nós esta reflexão e apelo, essencialmente aos mais jovens, porque o nosso futuro está nas vossas mãos”, sustentou a Presidente da ALRAA, apelando a que “considerem a importância do exercício do voto não como um dever, mas acima de tudo como um direito, que o é, conquistado arduamente há 45 anos atrás. E nós, adultos, não permitamos que a memória da Revolução dos

Cravos se apague, que a Liberdade, sonhada todas as noites pelos nossos pais, se torne numa miragem porque, simplesmente, se deixou de sonhar, porque pressupomos a Liberdade como um bem adquirido e, desta forma, deixamos que sejam os outros a decidir por nós”. Concluindo, a Presidente da ALRAA referiu estar certa de “que nos une a todos um objetivo comum – continuar este trabalho em prol do desenvolvimento dos Açores, conscientes das dificuldades que nos esperam nesse percurso, mas convictos de que de superação em superação estaremos a construir as pontes para um futuro melhor daqueles que nos vão suceder”. “A inovação, o empreendedorismo, a confiança e, acima de tudo, a união de todas as açorianas e açorianos em torno deste projeto – o melhor para os Açores – devem ser o foco de cada um de nós neste caminho rumo ao sucesso da nossa terra”, concluiu Ana Luís.


REPORTAGEM

“CASTIGO E RECOMPENSA” COMO VASCO CORDEIRO PRETENDE COMBATER A ABSTENÇÃO NOS AÇORES André Aguiar

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Foi no Dia da Região Autónoma dos Açores, celebrado na Calheta, ilha de São Jorge, no passado dia 10 de junho, que o Presidente do Governo Regional, Vasco Cordeiro, reiterou uma convicção com já cinco anos – de que uma das soluções para combater a abstenção “reside de forma decisiva num entendimento, porventura inovador, da relação de cidadania e numa corajosa intervenção administrativa quanto à chamada abstenção técnica”.

líder do Executivo açoriano concluía, desse modo, a sua intervenção de cerca de meia hora, nas comemorações do Dia da Região deste ano, anunciando “duas iniciativas de natureza mais pragmática, que julgo poderem contribuir para reforçar a consciência de participação política e de exercício de cidadania”. A primeira consiste numa “iniciativa de fortalecimento da democracia participada e de proximidade especialmente dirigida aos jovens”, enquanto condição para que

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se possa inverter a curva da abstenção real nos Açores a médio prazo, e a segunda “traduz-se num verdadeiro contrato de cidadania a propósito do cumprimento do dever cívico que é o voto”. A primeira iniciativa verá a sua concretização quando o Governo Regional “lançar uma grande campanha junto de todos os alunos do ensino secundário da Região, abrangendo o 10.º, o 11.º e o 12.º ano de escolaridade, e também do ensino profissional, que, gradualmente, estarão, nos próximos quatro anos em condições de exercer

o seu direito de voto”. Esta será uma “verdadeira campanha de promoção cívica”, que, no entender do Presidente do Governo Regional, “deverá ter o acompanhamento dos partidos políticos representados no Parlamento dos Açores, não apenas de divulgação da importância de voto, mas que incuta nestes mais de nove mil jovens das nossas ilhas a consciência nítida da importância da sua participação aos vários níveis da vida democrática da sua Região”. Para já, e segundo Vasco Cordeiro, fica a promessa de o Governo nomear,


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“brevemente, uma comissão a quem caberá definir o conteúdo programático e promover e acompanhar a respetiva implementação, o mais rapidamente possível”, desta iniciativa. “Mas entendemos também que se torna necessário ir mais longe, porventura mais longe até do que as possibilidades constitucionais e estatutárias de intervenção da Região”, afirmou o Presidente do Governo Regional, depois explicando que a segunda iniciativa para combater a abstenção nos Açores, esse “contrato de cidadania”, será sustentada nas premissas da “universalidade do recenseamento eleitoral, opere o mesmo automaticamente ou não”, na “liberdade de votar ou não votar, que continua a assistir a cada cidadão”, na “consideração do exercício do voto como um dever cívico e não jurídico, ou seja, ao não exercício do voto não corresponder nenhuma sanção” e, por fim, “estabelecer-se, também, e talvez aqui a diferença, a relevância, de um histórico de participação cívica na vida democrática pelo cumprimento do dever de votar face a uma situação em que esse histórico não exista”. Sobre essa última premissa, Vasco Cordeiro esclareceu que “a ideia

base parte da consideração de não ser adequado ou justo tratar da mesma forma o cidadão que tem um histórico regular de participação eleitoral e, portanto, de participação na vida da comunidade politicamente organizada, face ao cidadão que, consciente e livremente, abdicou dessa participação”. Por outras palavras, e segundo Vasco Cordeiro, “ao invés da abordagem mais comum à situação de não participação que, em última instância, se pauta por uma sanção nos casos de países que têm sistemas de voto obrigatório, o modelo a que nos referimos passa por uma valorização dos cidadãos que tenham esse histórico de participação”. O líder do Executivo açoriano propôsse, deste modo, a compensar quem vota, “nas mais variadas componentes da intervenção do Estado ou dos serviços que o mesmo presta, desde a área fiscal à área social”, isto é, “uma solução que não retira nada a ninguém, mas acrescenta a quem participa, a quem contribui pelo seu voto para a vida da comunidade política em que se insere”. Ora os partidos da oposição, com assento no Parlamento dos Açores, fazendo-se representar na sessão solene das comemorações do Dia da Região,

com a exceção de Paulo Estêvão, único deputado do Partido Popular Monárquico, reagiram como seria de esperar. Alexandre Gaudêncio, líder do PSD/Açores, referiu que o que foi anunciado por Vasco Cordeiro “não deixa de ser medidas que merecem mais aprofundamento, nomeadamente a questão da abstenção, onde já se viu, claramente, que não é a primeira vez que o senhor Presidente do Governo fala do assunto, e que já começa a ser repetitivo em relação a este problema”. No entender do líder dos social-democratas açorianos o certo é que “os açorianos estão afastados da política devido aos vários casos de suspeitas de corrupção que este Governo, infelizmente, tem vindo a mostrar publicamente” mas, também, por “não conseguir resolver os problemas do dia-a-dia dos açorianos”, tendo dado como exemplo o caso dos sucessivos cancelamentos de voos de e para São Jorge. Enquanto esses problemas não forem resolvidos, “na nossa opinião, a abstenção, infelizmente, irá manter-se nos níveis em que está”. Com vários momentos eleitorais à porta, Alexandre Gaudêncio afirmou


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que “só mudando de rostos, só mudando de pessoas e mudando de políticas que, efetivamente, vão alterar e melhorar a qualidade de vida das pessoas, é que os açorianos vão-se rever e vão votar por sua iniciativa, aí assim, quando virem resolvidos os seus problemas”. Artur Lima, presidente do CDS/ Açores, disse que a abstenção "tem que ser combatida mas não com coelhos da cartola", uma vez que "o que faz aumentar a abstenção é a descrença nas instituições". Também tocando na problemática das acessibilidades, o líder dos democratas-cristãos açorianos afirmou que "é mais fácil chegar dos Açores à Austrália do que de qualquer ilha a São Jorge". Já António Lima, coordenador do BE/ Açores, contactado pela NO, referiu que “o Presidente do Governo Regional já nos habituou a proclamações no dia da Região que, na maioria dos casos, não passam de retórica ou de medidas de implementação duvidosa. Este ano não fugiu á regra”. No entender do bloquista açoriano, “o combate à abstenção deve preocupar-nos a todos, e deve começar por uma atitude diferente na relação dos decisores políticos com os cidadãos

e cidadãs”. No que respeita à medida que prevê “uma espécie de crédito fiscal e social para quem votar de forma consistente, parece-nos ser um caminho errado”, disse o coordenador do BE/ Açores, isto porque “a participação cívica e democrática, nomeadamente o exercício do voto, não deve ser condicionado. A abstenção por isso não deixa de ser uma opção política legítima, sendo que por vezes não é voluntária”. A proposta do Presidente do Governo Regional, no entender de António Lima, “não é mais do que uma medida que resulta, na prática, numa penalização de quem opta por não votar. Nesse sentido não é muito diferente do voto obrigatório. Uma medida como esta poderia ainda ter uma consequência perversa, se atendermos que, segundo um estudo, recentemente divulgado sobre a abstenção na Região, os eleitores que votam são, na sua maioria, aqueles com maiores rendimentos e acesso a maiores oportunidades culturais, então poderemos estar a conceder benefícios fiscais a quem aufere de maiores rendimentos nesta Região, o que constitui um contributo para agravar as desigualdades sociais”, concluiu.

Marco Varela, coordenador regional do PCP/Açores, sustentou que "tudo o que for combater a abstenção é positivo", mas o caminho ideal seria “ter políticas que vão de acordo com o interesse dos açorianos". Já o Partido Socialista dos Açores, fazendo-se representar nas cerimónias por Vítor Fraga, membro do Secretariado Regional do partido, elogiou “a visão fortemente progressista” e as “propostas concretas e objetivas” de Vasco Cordeiro, especialmente “ao nível do incentivo à participação cívica, com propostas muito claras e muito objetivas”. Sobre as propostas em concreto, o socialista realçou a importância do trabalho de sensibilização e formação que vai ser feito das escolas dos Açores, junto dos mais jovens, e do combate à abstenção eleitoral. Mas Vítor Fraga destacou, também, a mais-valia do “contrato de cidadania, que deve ser firmado com cada um dos cidadãos da nossa Região, permitindo que cada um se sinta parte deste processo de construção de um futuro melhor para os Açores”.

ATRIBUIÇÃO DE INSÍGNIAS HONORÍFICAS AÇORIANAS INSÍGNIA AUTONÓMICA DE RECONHECIMENTO INSÍGNIA AUTONÓMICA DE VALOR Destina-se a agraciar o desempenho, excecionalmente relevante, de cargos nos órgãos de governo próprio ou ao serviço da Região e feitos de grande relevo, este ano atribuída ao Comando da Zona Marítima dos Açores – Centro de Coordenação e Busca e Salvamento Marítimo de Ponta Delgada.

Destina-se a distinguir os atos ou a conduta de excecional relevância de cidadãos portugueses ou estrangeiros que valorizem ou prestigiem a Região no País ou no estrangeiro, ou que para tal contribuam; contribuam para a expansão da cultura açoriana ou para o conhecimento dos Açores e da sua história; ou distingam-se pelo seu mérito literário, científico, artístico ou desportivo; este ano atribuída a Francisco de Lacerda (a título póstumo), Frederico Machado (a título póstumo), Genuíno Madruga, Manoel Goulart da Costa, Milton Sarmento, Nuno Correia de Sá e ao Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores.


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INSÍGNIA AUTONÓMICA DE MÉRITO Concedida para distinguir atos ou serviços meritórios, praticados por cidadãos portugueses ou estrangeiros no exercício de quaisquer funções públicas ou privadas. Esta Insígnia divide-se em três categorias, a saber INSÍGNIA AUTONÓMICA DE MÉRITO PROFISSIONAL, atribuída este ano a Carlos Enes e Maria João Dodman; INSÍGNIA AUTONÓMICA DE MÉRITO INDUSTRIAL, COMERCIAL E AGRÍCOLA, este ano atribuída a Carlos Manuel da Silva, João Tavares, Maria de Jesus Félix (a título póstumo), Maria de Melo Medeiros, Renato Gonçalves Goulart, Vasco Bensaude (a título póstumo) e à Confraria de Queijo São Jorge; e INSÍGNIA AUTONÓMICA DE MÉRITO CÍVICO, este ano atribuída a Adelino Andrade, António Pimentel (a título póstumo), Clélia Vicente, Guilherme Gomes (a título póstumo), João Menezes, Luís dos Santos (a título póstumo), Manuel dos Santos, à Associação Cultural AngraJazz, ao Clube Desportivo Escolar Flores, à Filarmónica Clube União Instrução e Recreio, ao Instituto S. João de Deus – Casa de Saúde de São Rafael e Casa de Saúde de São Miguel, e, por fim, à Santa Casa da Misericórdia das Velas.



REPORTAGEM

Porquê A Europa? André Aguiar

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A pouco mais de uma semana antes da realização das eleições europeias, a Associação Seniores de São Miguel (ASSM) promoveu uma palestra intitulada “Porquê a Europa?”, proferida por Pedro Faria e Castro, mestre em Ciência Política e licenciado em Relações Internacionais, colaborador da Universidade dos Açores.

abendo hoje que a abstenção nas eleições europeias atingiu, uma vez mais, valores recorde, especialmente na nossa Região, um dos argumentos que mais circulou para justificar essas percentagens, e que tem vindo a circular desde há cinco anos a esta parte, prende-se não só com o desinteresse da população pela política mas, também, com a questão de a Europa, enquanto instituição, ser um enigma longínquo, afastado dos afazeres diários do cidadão comum. Sabemos que somos europeus, que integramos uma União Europeia, alguns sabem que são 28 os Estados-membros e muitos desconhecem quais são os deputados que falam pelo seu país no Parlamento Europeu, não só os seus nomes como quantos são. Propondo-se a falar da Europa em período de campanha eleitoral, “algo que nunca fiz”, admitiu Pedro Faria e Castro, no sentido de “sensibilizar as pessoas para os benefícios da integração europeia”, admitindo, logo à partida, que “aqui já está a minha tendência ideológica”, o docente referiu que “há duas formas de falar da Europa na minha perspetiva. Uma que tem a ver com a explicação, se quisermos, institucional,

científica do que é a Europa como realidade de 28 Estados que a constituem, outra coisa é a perspetiva político-partidária. Essa, na minha opinião, não cabe hoje aqui. Isso é para os partidos políticos que estão a fazer a sua campanha eleitoral, e muito bem, mas hoje nós vamos falar da Europa”. “Como perceberão eu sou próeuropeísta”, disse, ainda, Pedro Faria e Castro, acrescentando ser “um grande defensor do projeto europeu, mas isso lamento não posso esconder, faz parte da minha pessoa”. A União Europeia começou por ser uma organização de Estados soberanos. “É uma organização internacional, foi constituída por tratado. O tratado é umas das formas jurídicas para regular a relação entre as pessoas que participam no sistema internacional, neste caso os Estados, e a União Europeia nasce, inicialmente, através de um tratado, portanto estamos a falar de uma associação constituída por Estados soberanos que não perderam o direito de disporem do seu destino”. Questionando, de seguida, “porque é que houve alguns indivíduos, no pós Segunda Guerra Mundial, que avançaram com este projeto, este projeto

da integração europeia”, o docente referiu que foi, precisamente, “devido à guerra. Felizmente nós portugueses não temos bem a noção do que foi a Segunda Guerra Mundial. Portugal participou na Primeira, na Segunda não participamos, mas a verdade é que duas guerras no século XX destruíram a Europa e destruíram numa dimensão até antes nunca vista”. As duas Guerras Mundiais foram de tal maneira devastadoras que se gerou “uma consciência numa geração de políticos que decidiram, finalmente, agir e isto consubstanciou-se numa declaração, chamada Declaração Schumann, que decorreu no dia 9 de maio de 1950, em Paris”. “O então ministro dos Negócios Estrangeiros de França, Robert Schumann, apresenta aos alemães, em primeiro lugar, uma proposta de paz”, disse Pedro Faria e Castro, destacando três frases dessa Declaração: “a paz mundial não poderá ser salvaguardada sem esforços criativos que estejam à altura dos perigos que a ameaçam”, “a Europa não se fará de uma só vez, nem de acordo com um plano único, far-se-á através de realizações concretas que criarão, antes de mais, uma solidariedade

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de facto”, e, por fim, “a colocação em comum da produção do carvão e do aço mudará o destino das regiões durante muito tempo condenadas ao fabrico de armas de guerra, das quais foram as principais vítimas”. “Então do que estamos a falar?”, questionou o docente, acrescentando que, “se conseguirmos chegar a um entendimento, principalmente em primeiro lugar entre estes dois povos franceses e alemães, mas aberto a qualquer outro Estado europeu que a ele pretenda aderir, conseguimos efetivamente criar algo de novo, algo que faça com que as gerações futuras deixem de viver aquilo que nós acabamos de viver, o horror das duas guerras”. Depois voltando à questão inicial, motivadora da palestra, Pedro Faria e Castro lançou a pergunta “Porquê a Europa?”, respondendo de seguida que “a paz é claramente o primeiro objetivo e depois, na paz, vamos criar o desenvolvimento de sociedades em estabilidade, em sustentabilidade, livres e com segurança e, também, uma Europa solidária. Estes são os princípios e os valores sobre os quais assentam o projeto da integração europeia”. Depois centrando-se no Parlamento Europeu, para o qual, a poucos dias, iríamos eleger os 21 deputados que iriam

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representar Portugal nos próximos cinco anos, Pedro Faria e Castro explicou que esta “é a instituição que, formalmente, tem o poder político mais importante, porque é o Parlamento Europeu a única instituição que pode pôr na rua o Governo da Europa. O Governo da Europa é a Comissão Europeia”. É, também, o Parlamento Europeu quem legisla. “Tem poder legislativo, e legisla juntamente com o Conselho da União, a instituição na qual estão representados os Governos dos Estados-Membros ao nível ministerial. Juntamente eles é que produzem, é que aprovam a legislação da União Europeia que foi proposta pela Comissão Europeia”. Hoje é constituído por 751 membros, eleitos por círculos nacionais, por Estado-Membro. “Em Portugal nós temos as nossas eleições, Espanha tem as suas eleições, e a forma como, nacionalmente, cada Estado organiza as suas eleições é livre, desde que respeitem determinados critérios, mas pode haver mais do que um círculo eleitoral”. “Embora sejam muito poucos os países que tenham mais do que um círculo eleitoral”, disse-nos o docente, “regra geral para o Parlamento Europeu cada Estado tem só um círculo eleitoral. Mas há alguns que têm vários, por exemplo o Reino Unido, se não me falha a

memória, tem 12 círculos eleitorais, a França penso que tem oito e, depois, a Bélgica também tem. São quatro ou cinco os Estados da União Europeia que têm mais do que um círculo eleitoral para o Parlamento Europeu”. Mas a União Europeian "tem uma estrutura bastante grande. As instituições-chave são, como disse, o Parlamento Europeu, com 751 deputados, depois temos a Comissão”. A Comissão Europeia é, verdadeiramente, “o Governo da União e é composta por 28 comissários, um por Estado-Membro, embora os tratados disponham que possam ser menos, mas até agora tem-se mantido os 28 comissários, porque o Conselho também tem o poder de assim decidir, os tratados dão ao Conselho esse poder”. O Conselho da União é a instituição que, juntamente com o Parlamento Europeu, faz as leis. “É constituído pelos representantes dos Governos dos Estados-Membros ao nível ministerial. Só o ministro ou o secretário de Estado é que representa o país nesse Conselho e, portanto, decidem juntamente com o Parlamento Europeu as propostas de lei apresentadas pela Comissão”.


Depois temos um outro órgão, “o Conselho Europeu, o órgão da União que, sem ter competências específicas e executivas, é o órgão que no fundo representa a vontade política da União, porque é constituído pelos líderes políticos europeus”. “E a Europa é isto. A Europa são 23 línguas, o lema da Europa é ‘unidos na diversidade’, porque de facto temos que estar unidos, temos um projeto comum, temos uma coisa que é a prossecução do interesse comum, porque senão porque é que estávamos aqui juntos”, conclui Pedro Faria e Castro, acrescentando que “temos que ter um interesse comum e esse interesse comum é que faz com que a Europa permaneça junta. A partir do momento em que nós não nos identificarmos com esse interesse comum, o melhor é fechar a Europa e voltarmos aos nossos Estados nacionais”. Aberto o debate, no final da palestra, Pedro Faria e Castro foi questionado por que razão não têm os Açores, e a Madeira, círculos eleitorais próprios para as eleições europeias, à semelhança do que já acontece por ocasião das eleições à Assembleia da República. A isto o palestrante respondeu, primeiramente, que “Portugal tem um sistema muito esquisito. Nós temos o artigo 6.º que diz que ‘Portugal é um Estado unitário’ e depois ponto, ‘Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem Regiões Autónomas’”. Mas “a verdade é que houve já propostas em revisão constitucional na perspetiva de, depois, na lei eleitoral para o Parlamento Europeu, se poder criar círculos eleitorais para os Açores e para a Madeira”. A primeira, “se não estou em erro, foi em 1998, só que depois esbarrou com um problema constitucional na altura. A haver um círculo eleitoral pelos Açores e um círculo eleitoral pela Madeira, só com um deputado, era correspondente a um círculo uninominal, o que, na altura, a Constituição não permitia”. Entretanto esse problema já foi ultrapassado e, “agora, é uma questão de opção”, admite Pedro Faria e Castro, relembrando que “o professor Vasco Garcia, aqui presente, foi deputado europeu mas, como ele sabe melhor do que todos, ele não era deputado dos Açores, era deputado português, residente na Região Autónoma dos Açores”.


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“Nós, até hoje, nunca tivemos um deputado dos Açores no Parlamento europeu. Temos é deputados que os partidos políticos, por boa ou má vontade, põem lá nas listas”, esclareceu o palestrante. “Este tema, como sabem, foi muito discutido nos últimos meses, por razões que escuso de referir aqui”, ressalvou, acrescentando que “há essa opção de haver uma decisão política de criação de um círculo eleitoral próprio. Pode fazer sentido, tendo em conta a experiência autonómica que os Açores e a Madeira têm, já de 43 anos, faz agora em junho 43 anos. Se calhar faz sentido nós termos uma representação própria no Parlamento Europeu”. Contudo, a verificar-se a efetivação de tal opção, “nunca nos vão dar mais do que um deputado”, frisou, sendo que Mota Amaral, também presente na palestra, comentou que “Malta tem as mesmas pessoas que os Açores e tem seis eurodeputados”, ao que Pedro de Faria e Castro respondeu, por sua vez, “que esta é uma questão que tem de ser levada ao Terreiro do Paço”.




“Não tenho qualquer tipo de dúvida, acho que a esmagadora maioria dos açorianos não tem e acho que muita gente de outros quadrantes políticos, incluindo do PSD, não tem, que os Governos da República do Partido Socialista foram, em geral, bem melhores e mais amigos das autonomias.” Francisco Coelho, deputado do PS/Açores

“Este é também um Governo com uma grande dependência. É um Governo que depende das iniciativas da oposição para despertar e nós não podemos perder legislaturas consecutivas sem abordar problemas desta gravidade, com a eficácia que se exige, enquanto milhares de açorianas e açorianos se vão perdendo no mundo da toxicodependência.” Carlos Ferreira, deputado do PSD/Açores

“A sociedade açoriana não pode perder esse combate [às dependências]. É indispensável, por isso, que ao mais alto nível dos órgãos de poder político regional se tome consciência da situação, para que se possa tomar as medidas necessárias.” Artur Lima, presidente do CDS/Açores

“Não podemos deixar passar em claro todo um sistema de apoio público à iniciativa privada sem a garantia desse investimento ter reflexo e consequência no combate à pobreza e desigualdade na distribuição da riqueza.” Paulo Mendes, deputado do BE/Açores

” ”

“A Autonomia só pode ser respeitada por todos se considerarmos que aqueles que têm uma opção política em relação a esta matéria, e que defendem a independência dos Açores, têm direito a manifestar, livremente, a sua opinião. Não têm que ser perseguidos, não têm que ser coagidos.” Paulo Estêvão, deputado do PPM/Açores NOJUN19

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CRÓNICA

A utilização de infrassons na monitorização de eventos extremos

Aplicação aos Açores NI COL AU WAL L ENSTEI N

INSTITUTO DE INVESTIGAÇÃO EM V U L C A N O L O G I A E AVA L I A Ç Ã O D E R I S C O S ( I VA R )

Infrassons. Conceitos gerais

O

s infrassons são ondas acústicas de uma gama de frequências que se situa abaixo da capacidade de audição dos seres humanos. São ondas de pressão que se geram por perturbações barométricas na atmosfera. A origem das ondas de pressão deve-se a variações de volume do ar. Nos casos mais energéticos estão frequentemente associadas a eventos atmosféricos extremos. As fontes destes eventos podem ser naturais ou produzidas pelo Homem. Exemplos de fontes naturais podem ser explosões associadas a erupções vulcânicas, entrada de meteoros na atmosfera, grandes tempestades, auroras, sismos. Outros eventos menos energéticos, como a interação da atmosfera com os oceanos (microbarons), avalanches de neve, movimentos de vertente, entre outros, são também geradores de infrassons. Por seu turno, as fontes antropogénicas podem ser explosões nucleares e grandes explosões industriais, mas podem ter origem em eventos menos energéticos como, explosões em pedreiras, entrada de satélites na atmosfera, voos supersónicos, lançamento de foguetões, entre outros. A propagação de infrassons na atmosfera apresenta as velocidades típicas à volta de 340 metros por segundo e o seu conteúdo espetral situa-se entre os 20 Hz (Hertz - ciclos por segundo) e cerca de 300 segundos (0,0033 Hz). Propagam-se nas camadas baixas e médias da atmosfera, a distâncias de milhares de quilómetros, principalmente condicionadas pela temperatura e pelos ventos. A deteção, a nível global, de ondas acústicas de baixa frequência remonta ao final do Séc. XIX, quando, em 1883, 28 NOJUN19

no decurso da erupção paroxismal do vulcão Krakatoa, na Indonésia, pequenas flutuações da pressão atmosférica foram registadas por barómetros distribuídos por todo o mundo. Este evento, bem como a explosão associada ao grande meteoro siberiano, ou evento de Tunguska, em junho de 1908, despertou o interesse pelos infrassons e pela construção de microbarómetros, os quais passaram a ser utilizados em diversos estudos ao longo do Séc. XX. Nos últimos anos deram-se grandes avanços na monitorização da atividade vulcânica. A utilização de técnicas de infrassons pela Universidade de Florença (UNIFI) tem permitido caracterizar com detalhe erupções em curso, nos vulcões Etna e Stromboli, e prever, com antecedência de algumas horas, mudanças do comportamento da erupção para fases mais violentas. Sendo ondas de pressão na atmosfera, não é possível identificar fases nos sinais acústicos. Assim, é necessária a utilização de um conjunto de sensores (microbarómetros) próximos entre si, com uma determinada geometria, designado por array, para que os sinais registados pelos diversos sensores sejam correlacionáveis entre si, de modo a poder encontrar-se chegadas coerentes que permitam ser identificadas como deteções. Assim, podem determinar-se, entre outros parâmetros, a sua velocidade aparente e o azimute entre a estação e a fonte (azimute inverso). O processo de localização efetua-se por triangulação dos azimutes obtidos por 3 ou mais estações. Contudo, pode tentar associar-se uma fonte a um azimute inverso obtido por uma única estação.

Figura 2 – Distribuição das estações de infrassons do IMS (CTBTO).


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O caso dos Açores e respetivo enquadramento Nos anos 40 a 50, com o desenrolar da Guerra Fria e a corrida ao armamento nuclear, a utilização de estudos de infrassons para a deteção e localização de explosões nucleares teve um grande desenvolvimento. Em 1996, de modo a promover a redução de armamento nuclear e prevenir a sua proliferação a outros países, foi assinado o Tratado de Proibição Total de Ensaios Nucleares (CTBT). De modo a garantir que todos os ensaios nucleares sejam detetados, foi criada uma Comissão Provisória da Organização do CTBT (CTBTO), a qual promove um regime

de verificação único e abrangente, que se baseia em três pilares: O Sistema Internacional de Monitorização (IMS), o Centro Internacional de Dados (IDC), sediado em Viena, e Inspeções locais (OSI), realizadas no terreno. Quando o tratado entrar em vigor, o IMS consistirá em 337 instalações em todo o mundo para monitorizar explosões nucleares. O IMS utiliza quatro tecnologias: sísmica, hidroacústica, infrassons e radionuclídeos, respetivamente para deteção de explosões de origens subterrânea, submarina, atmosférica e interseção de partículas radioativas em circulação na atmosfera. É neste contexto que Portugal participa no tratado, com a instalação de 3 estações do IMS nos Açores, nomeadamente nas ilhas das Flores e Corvo, onde existem sensores sísmicos (de fase T) para deteção de sinais hidroacústicos; na ilha Graciosa, onde se encontra uma estação de infrassons; e em Ponta Delgada, onde se localiza uma estação de radionuclídeos. Para além dos objetivos para que foi desenvolvida, a rede de estações do IMS também tem sido progressivamente utilizada para aplicações civis e científicas, como são o caso do

acompanhamento de lançamento de foguetões, da melhoria de modelos atmosféricos, monitorização de eventos extremos, como tsunamis, erupções vulcânicas e grandes tempestades. A estação de infrassons IS42, localizada na zona central da ilha Graciosa, foi construída e certificada pela CTBTO, com a colaboração do IVAR, em 2010, sendo operada por este desde então. É constituída por um array de 8 microbarómetros, dispostos em 2 geometrias complementares (triangular e pentagonal), ligados a uma instalação central de registo local, a qual transmite os dados de forma segura para o IDC. Os dados da estação IS42 têm sido muito importantes para a missão da CTBTO e está em curso, no seio do IVAR, o desenvolvimento de um programa de monitorização de atividade vulcânica e de outros eventos extremos, por técnicas de infrassons. Fruto da colaboração entre o IVAR e a UNIFI, ao abrigo do projeto europeu ARISE2, foi possível correlacionar observações locais de atividade eruptiva explosiva, nos vulcões Etna (Itália) e Grímsvötn (Islândia), com deteções remotas de infrassons da estação IS42, respetivamente a cerca de 3.700 e 2.900 km de distância.

Figura 1 – Gama de frequências dos infrassons, entre as faixas gravitacional e audível. F.C.A. - Frequência de corte das ondas acústicas (adaptado de Bittner et al., 2010).

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CRÓNICA

J OÃ O F. CA S T RO

PROFESSOR MESTRADO E M G E S T Ã O P O RT U Á R I A

O

BASALTO NA ECONOMIA DO MAR

Mar é um dos principais recursos do país. Na Região Autónoma dos Açores, a evidência do potencial de desenvolvimento, ainda por explorar, associado ao Mar, dispensa qualquer argumentação complementar. O basalto é um dos maiores recursos dos Açores, encontrando-se por todo o lado, face à origem vulcânica da formação das ilhas. Na última década, o basalto também emergiu como um concorrente no reforço fibroso de compósitos. Alguns fabricantes afirmam que os seus produtos oferecem desempenho semelhante às fibras de vidro, sendo menos dispendiosa que a fibra de carbono (Fibrenamics, 2019), apresentando custos inferiores de produção e de venda. O basalto tem sido utilizado sobretudo para fazer calçada, ladrilhos e lajes para aplicações arquiteturais. Os revestimentos de basalto fundido para tubos de aço apresentam uma elevada resistência à corrosão em aplicações industriais. Na forma esmagada, o basalto também é aplicado como agregado em betão. Mais recentemente, as fibras extraídas de basalto, que são naturalmente resistentes ao fogo, tem sido investigadas como um substituto para as fibras de amianto, em quase todas as suas aplicações. Tem uma composição

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menos complexa, do que fibra de vidro, visto que não apresentar materiais secundários, sendo produzida num processo semelhante. A rocha de basalto, é esmagada, lavada e colocada num banho de fusão. Durante o arrefecimento, retiram-se os filamentos para utilização posterior. A fibra de basalto é um tipo de fibra com elevada prestação físico-mecânica, com um comportamento superior a outras fibras, em relação ao peso, durabilidade, resistência, estabilidade térmica, vibrações, isolamento do calor e do som, corrosão, resistência à radiação UV e radiação eletromagnética de alta energia, mantendo as suas propriedades em temperaturas frias. Pode ser utilizada em diferentes aplicações, desde tecidos e material têxtil à prova de fogo (empregue na tecnologia aeroespacial e na indústria automobilística) a material compósito usado para diferentes produções, dada a sua elevada resistência e leveza, como turbinas eólicas, barras de reforço de betão, pranchas de snowboard e em diferentes materiais, normalmente feitos em alumínio, o ferro, ou o aço, face a sua prestação no amortecimento de vibrações, na condução eletromagnética e resistência à corrosão. É neste contexto que no passado mês de maio, chegou à marina da Horta, o veleiro, de 60 pés, INOVATION,

construído totalmente em fibra de basalto , estabilizadas com outros compósitos naturais, enquanto um componente que perspetiva revolucionar a indústria naval e de construção de veleiros. Este veleiro, visa testar exatamente a aplicação das fibras vulcânicas (de basalto), nomeadamente em relação à sua resistência aos choques, à água e aos raios ultravioletas, perspectivando diferentes tipos de aplicação para estes materiais, quer na construção naval, quer em pontões e outras infraestruturas portuárias. As primeiras 1.700 milhas navegadas, foram consideradas um sucesso, quer quanto ao comportamento dos materiais utilizados, quer quanto à navegabilidade da embarcação. Prevê-se o regresso à cidade de Sables D’Olonne, visando a preparação de uma viagem de circunavegação para o mês de julho, num percurso de cerca de 34.000 milhas náuticas. A origem vulcânica dos Açores, inspira o skipper Austríaco, Norbert Sedlacek, para uma aventura desta natureza. Que esta aventura possa inspirar a economia do mar dos Açores!


CRÓNICA

CREUSA RAP O SO

M E S T R E E M PAT R I M Ó N I O E MUSEOLOGIA

Teatro do Espírito Santo na Rua Amaro Dias. Foto de Cláudio Pacheco, 2018

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"Casas do Espírito"

e origem muito remota o culto ao Divino Espírito Santo penetrou no íntimo da essência do povo açoriano perdurando até aos dias de hoje e abrangendo todas as ilhas. Depois da festa da Páscoa começam as habituais Domingas e na sexta semana têm início os tradicionais impérios, nomeadamente: império da Ascensão, império da Festa, império da Trindade, império de São João e império de São Pedro, terminando deste modo o tempo pascal. É neste contexto de profunda religiosidade que surgem as edificações de uso coletivo, consagradas ao Divino Espírito Santo: os Impérios ou Teatros. Segundo Álamo Oliveira não são um conceito original pois já na Idade Média os franceses chamavam espaços semelhantes de “Casas do Espírito”. Segundo Frederico Lopes os mais antigos eram produzidos em madeira, com um simples tablado onde montavam o altar ornamentado com verduras e colchas de tear, em local próprio que depois seria desmontado e guardado. No século XVIII surgem exemplos pontuais de teatros feitos em alvenaria de pedra, mas é sobretudo no século XIX que prosperam. Alguns mantiveramse com pequenas ou significativas alterações, outros não usufruíram de destino semelhante, mas todos partilham a mesma função: alojar os símbolos do

Espírito de Deus. Caracterizam-se essencialmente por uma espécie de pequena capela com particularidades estéticas resultantes da inspiração popular. Nos Arrifes os impérios em honra da terceira pessoa da Santíssima Trindade, prosperam por toda a freguesia e todos apresentam apenas um vão diferenciando-se da maioria que exibe três. O primeiro exemplar situa-se na antiga Rua de Gaspar da Silva, depois designada de Rua do Espírito Santo, na sequência da construção de um teatro em 1864. Na realidade trata-se de um império-capela isolado e de forma quadrangular. O edifício foi construído em alvenaria de pedra rebocada pintado de branco e cinza. Na Rua do Outeiro temos mais um exemplar de império-capela de planta quadrangular, situado na frente da rua com a porta em forma de arco quebrado que ocupa grande parte da fachada. Na Rua Amaro Dias em 1979 foi edificado em cimento, um teatro isolado e substituindo outro, destruído aquando do alargamento da entrada para a Rua das Colmeias. O exemplar mais singelo aparece na Rua da Grotinha. Atualmente está inserido entre residências particulares situado na frente da rua. A sua cobertura é de uma água, com telha regional e de cornija

simples. Na Travessa dos Milagres existe outra edificação do género, com semelhanças em relação à da Rua Amaro Dias, também encimada por uma coroa do Espírito Santo e de porta retangular. Encontra-se entre moradias privadas junto à via. Igualmente marca presença outra edificação na Rua do Cadarço. De traços singelos exibe uma cobertura de duas águas e tem apenas uma porta acima do nível do solo. No topo é ornamentada por uma coroa do Espírito Santo e por duas pombas. Na Rua da Saúde onde outrora existiu um fontanário construiu-se em 2010 outro teatro, mas de tipologia um pouco diferente. Possui uma insinuação de três vãos, com porta ladeada por janelas em arco de volta perfeita, coroada por um óculo redondo. Por último temos o teatro da Rua da Piedade, o mais recente, inaugurado a 27 de Maio de 2012. Apresenta uma planta quadrangular e características de uma tentativa em reproduzir teatros de outrora. Em suma os popularmente designados por “triatos” são nesta freguesia prova de que há valores e costumes que perduram por várias gerações. São essencialmente testemunho da memória religiosa deste povo1.

1 Raposo, C. M. S. (2016) – Arrifes: Urbanismo e Património Construído, Master Thesis, Repositório da Universidade dos Açores, Ponta Delgada, Universidade dos Açores. NOJUN19

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CRÓNICA

JORGE CO R R ÊA

MESTRE EM ENGENHARIA DO AMBIENTE

Acidificação dos Oceanos

o Efeito do excesso de CO2 atmosférico que ninguém refere

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lterações climáticas é das temáticas mais preocupantes no nosso desenvolvimento como individuo num ambiente global, mas muitos acabam na sombra. O CO2 que advém do uso de combustíveis fósseis, acaba na atmosférica, dado que a capacidade de absorção deste é inferior ao que é emitido. Estas emissões é o motor das alterações climáticas modernas. Mas existe uma consequência das emissões de CO2 que, na minha humilde opinião, não está a ser discutida, que é a acidificação dos Oceanos. Cerca de um quarto do CO2 emitido para a atmosfera é absorvido pelos oceanos Acidificação dos oceanos consiste na diminuição do pH da água do mar, que interfere com vários organismos que vivem no mar, quer na coluna de água, quer no solo submarino. Apesar da vastidão dos oceanos do nosso planeta, nos últimos 200 anos, o oceano ficou 30% mais ácido. Porque afeta a acidificação os seres vivos que lá existem? Muito destes possuem exosqueletos, ou seja, esqueletos externos, que quando expostos num

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meio mais ácido, demoram mais tempo a regenerar, logo gastando mais energia e recursos. Isto afeta a base da cadeia alimentar dos oceanos e como uma pirâmide, destrói-se a base, tudo acaba por colapsar. Isto também acaba por afetar os corais “duros”, que usam esqueletos à base cálcio, dificultando a construção e manutenção destes. E quando ecossistemas marinhos são afetados, todos os recursos que a Humanidade usa, quer seja para subsistência ou para indústrias baseadas na pesca. Prevê-se que quanto maior a latitude será maior será o efeito, portanto, irá afetar mais regiões como a Europa e Canadá, comparado com as áreas equatoriais. Em 2017, cerca de 155 cientistas em 26 países encontraram-se na Conferência sobra a Acidificação Oceânica, onde várias previsões a nível de ecossistemas marinhos e para sociedade humanas, com a conclusão que basta uma modesta variação de -0,1 no pH, que será notável os grandes efeitos da acidificação dos oceanos. Atualmente já se verifica dificuldade em organismos que possuem exosqueletos na velocidade a que desenvolvem estes.

Este é um assunto que devia ser estudado, em particular em regiões oceânicas vulcânicas, como os Açores, dado que nós possuímos análogos, regiões próximas da superfície oceânica com fontes hidrotermais, onde se emite dióxido de carbono. Das observações feitas, parece que de facto confirma-se algumas das previsões. Bivalves que possuem um esqueleto à base de cálcio existem em menor quantidade, que outros locais à mesma altura oceânica. Cada vez mais flagelos afetam os nossos oceanos, alterações das correntes devido derreter do gelo dos polos, mioplásticos na cadeia alimentar e acidificação do oceano. Admira-me como um ecossistema muito estável, devido à sua dimensão, consegue aguentar estes impactos todos e não colapsar mais rápido que um castelo de cartas.



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REPORTAGEM

DIA NACIONAL DA AGRICULTURA

QUALIDADE NA DIFERENÇA E FUTURO NA INOVAÇÃO Assinalado a 22 de maio, o Dia Nacional da Agricultura foi, uma vez mais, comemorado na Região Autónoma dos Açores, concretamente em Rabo de Peixe, concelho da Ribeira Grande, no mercado agrícola de Santana, “sinal evidente da importância que esse setor tem na Região”. André Aguiar

A

s palavras são de Jorge Rita, presidente da Federação Agrícola dos Açores (FAA) e da Associação Agrícola de São Miguel (AASM), para o qual o facto de o Dia Nacional da Agricultura ser comemorado nos Açores “é um sinal positivo e de alento porque vivemos numa Região em que a esse setor, da agricultura, não há alternativa. Há outros setores complementares mas, em termos de alternativa não existe, como todos nós sabemos”. Depois fazendo alusão à importância da agricultura, “um setor que, como toda a gente sabe, continua a alimentar toda a população mundial”, Jorge Rita referiu que, “enquanto houver população no mundo para alimentar, a agricultura é essencial e nada melhor do que transmitir essas mensagens às crianças, porque são elas que captam e, de certeza absoluta, não se esquecerão deste dia na sua vida”. O presidente da FAA e da AASM fazia, deste modo, alusão ao facto de, por mais um ano, cerca de quatro mil crianças, do 1.º ao 6.º ano de escolaridade, de escolas de todos os concelhos da ilha de São Miguel, terem-se dirigido a Santana, para contactarem de perto com o setor da agricultura e, este ano em particular, com o setor do leite. “Temos de ensinar, de forma pedagógica, a questão da agricultura, desde o semear, o plantar, o colher, a ordenha das vacas”, referiu Jorge Rita, acrescentando que “a questão que, para nós, é de relevar é o entusiasmo de todas as crianças, dos

professores e de todos aqueles que se envolvem. Nós precisamos do apoio das crianças na agricultura, porque são essas que, possivelmente, vão ensinar aos pais e a toda a sociedade que a agricultura, nos Açores, para além de ser um setor importante e vital na nossa economia, é também aquele que mantém uma paisagem extraordinária”. Depois centrando-se numa das suas mais velhas lutas, Jorge Rita afirmou que “o setor agrícola é sempre um setor de desafios, nós estamos habituados a eles. Na questão do leite aquilo que tem maior pertinência, por ter uma maior dimensão económica na Região e ser aquele que sente mais dificuldades que são sobejamente conhecidas, falamos do preço, da forma como o leite é pago”. Claro nas suas convicções, o presidente da FAA e da AASM reconhece “que essa situação tem que ser alterada e as indústrias têm um papel importante nessa alteração, e têm essa obrigação”. Uma vez que “nós temos um produto de excelência, que é o leite, temos o melhor leite do mundo mas que é o mais mal pago da Europa”, cabe e compete às indústrias transformadoras “virar essa situação de uma vez por todas. Serem mais agressivos no mercado, terem novos mercados, mais produtos diferenciados”, defendeu Jorge Rita, tendo o responsável criticado, ainda, que “a indústria, normalmente, faz ouvidos de mercador aos apelos dos agricultores. Porque enquanto nós estivermos a fornecer mais do que aquilo que eles pretendem, obviamente que essa NOJUN19

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situação nunca será ultrapassada”. É entender do presidente da FAA e da AASM que “a Região não vale pela sua dimensão, não vale pela escala que tem, que não a tem, vale sim pela diferença”, ou seja, “são os produtos e associados com a marca Açores, uma paisagem magnífica e o verde das nossas pastagens que nos pode acrescentar valor, em matéria da agricultura e em matéria das outras atividades”. Segundo Jorge Rita, apenas no “dia em que todos nós percebermos que eles têm que ter menos matéria-prima que aquela que tem disponível, para os obrigar a inovar e a valorizarem os seus produtos e a pagar mais do que aquilo que pagam, a situação será invertida”. Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), entidade parceira das comemorações do Dia Nacional da Agricultura, não poupou elogios à organização das mesmas, referindo que “aquilo que se vê aqui hoje, em termos dessa dinâmica com as crianças, isto é um exemplo e é uma montra que devia ser praticamente até já uma atração

turística dos Açores”. Mas o presidente da CAP depressa ressalvou que “não é transformar as crianças numa atração turística, mas é um exemplo de como se mobiliza as escolas, de como se mobiliza os professores, de como mobilizamos as crianças para lhes mostrar o que é ser agricultor, o que significa cuidar do campo, tratar bem os animais e estar na base da nossa principal necessidade humana, que é a alimentação”. O presidente da CAP, que já se tinha deslocado à Região no ano passado, precisamente para participar nas comemorações do Dia Nacional da Agricultura em 2018, referiu, ainda, que “este ano o tema do leite transformou este evento que, hoje também, existe um pouco por todo o país, não com estas características, infelizmente”. Contudo, “transformamos hoje a capital do Dia Nacional da Agricultura nas escolas – São Miguel – e o exemplo tem de ser replicado e esta imagem tem de ser passada nas televisões do continente”. Centrando-se, depois,

"a Região não vale pela sua dimensão, não vale pela escala que tem, que não a tem, vale sim pela diferença"

Jorge Rita, presidente da Federação Agrícola dos Açores 36 NOJUN19

na questão do preço do leite pago aos produtores, Eduardo Oliveira e Sousa disse que “Portugal tem que, não só nos Açores como noutras partes do país, e noutros produtos, começar a desenvolver produtos com valor acrescentado. Há aqui matéria dirigida, por exemplo, às universidades para ajudarem os agricultores a encontrarem novos produtos, que possam valorizar a matéria-prima base, que é o leite”. Referindo que “a concorrência dos produtores é muito feroz a nível internacional” e que “o embargo à Rússia não ajudou à criação de um mercado alternativo e que esgotasse o leite que é produzido na Europa”, é entender do presidente da CAP que “a solução tem que estar na inovação e na tecnologia”. Isto porque “o setor agrícola, hoje, está muito aberto e muito já recheado com novas tecnologias e isso também tem que se repercutir na indústria e nos produtos, não de origem


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"o setor agrícola, hoje, está muito aberto e muito já recheado com novas tecnologias e isso também tem que se repercutir na indústria e nos produtos, não de origem básica mas já numa fase seguinte" Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal


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básica mas já numa fase seguinte”. "A indústria tem é que envolver-se nessa saca, nesse saquinho que tem esses milhões, para transportar isso para a valorização dos produtos e por isso é que eu digo que inovação não basta nós querermos, só porque existe dinheiro os resultados aparecem de um dia para o outro. Leva tempo, leva tempo e é preciso envolver os cientistas e os técnicos que gostam de desenvolver essas características, essas inovações no setor", defendeu. No caso do leite, em concreto, “o primeiro produto que nós pensamos a seguir ao leite é o queijo, os iogurtes, mas se calhar há outras coisas, e são essas outras coisas que a investigação e o apoio à investigação, que é sempre cara, está disponível”, sugeriu. Entendendo que “a agricultura mantémse na base das necessidades dos humanos e, por isso, à medida que a sociedade se vai urbanizando, vai-se afastando do sentimento da ligação da importância que a agricultura tem para o seu dia-adia”, Eduardo Oliveira e Sousa concluiu

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congratulando, uma vez mais, “isso que aqui se passa, hoje”, uma vez que “não há nenhuma criança que chegue a adulto, destas quatro mil crianças que aqui estão, e das outras quatro mil que estiveram o ano passado, e das próximas que vierem, que se vão esquecer desse dia”. “Alguns deles, possivelmente, ficaram aqui com vontade de vir a ser agricultores e outros que não vão sê-lo ficaram com esta ideia, de que a agricultura é algo que é importante no dia-a-dia e isso replicasse nas outras atividades”, rematou o presidente da CAP. João Ponte, secretário regional da Agricultura e Florestas, também elogiou o facto de as comemorações apresentarem “uma amostra do melhor da agricultura açoriana, a capacidade instalada, o saber fazer, a excelência das produções, em resultado do dinamismo de crescimento e da aposta por parte dos agricultores e da indústria que se assiste neste setor nos Açores”. Depois referindo ser “inegável que o setor agrícola nos Açores continua a

desenvolver-se e a modernizar-se, apesar dos desafios que existem e vão continuar a existir”, o secretário regional disse que, “quando um jovem agricultor entra para o setor, quando concretiza um projeto de investimento emite, claramente, um sinal de esperança e de confiança no futuro do setor”, sendo que “existem bons exemplos de projetos de investimento levados a cabo, com êxito, por jovens agricultores nos setores do leite e da carne e nas áreas da diversificação agrícola”. Sobre o setor do leite, João Ponte afirmou apenas que “a Região é responsável por 35% do leite e cerca de 50% do queijo produzidos em Portugal”, salientando que “todos os agentes do setor devem continuar a trabalhar, tendo em vista aumentar o rendimento de toda a cadeia de valor e garantir que a sua distribuição é feita de forma justa”.




SAÚDE

DR. SÉRGIO CUNHA PSICÓLOGO CLÍNICO

Emoção Discreta A gíria regional apresenta um termo particular - “Fulano é discreto.” - é inteligente. O termo surpreende, mas será uma mera extensão do conceito de inteligência. Uma pessoa inteligente terá sobriedade. O saudável eco emocional distingue-se da emotividade frívola. A inteligência desenvolve-se nos limites da mente. Uma emoção superficial será reveladora da fragilidade dos processos mentais. Quer seja nos desafios de todos os dias, ou na vivência do trauma, confrontamo-nos com a pressão emocional, face ao raciocínio acerca de uma realidade. É um conflito interno. A história das ideias apresenta-nos diferentes formas de gerir a razão e as paixões. Movimentos como o Iluminismo e o Romantismo exemplificam opostos no balanço de dois fatores: por um lado, cientificidade e razão, e por outro lado, sentimento, afeto, desejo e idealismo. Os ideais românticos (séc. XIX) subordinavam a razão a um ideal de harmonia, o qual viria a ser desafiado por dois pensadores. Charles Darwin que, com a publicação de “A Origem das Espécies” (1859), foi visto como um Prometeu. O detalhe na observação e o pensamento metódico, abalaram o “edifício” moral contemporâneo, e o status quo ofereceu-lhe forte resistência. Inspirado por Darwin, o médico neurologista Sigmund Freud, nos finais do séc. XIX, procurou entender as "doenças nervosas" estudadas por Charcot, no Hospital da Salpêtrière, em Paris. O sintoma até aí atribuído a causa nervosa – a paralisia de uma área do corpo – impunha uma outra explicação, visto que afetava diferentes “regiões” nervosas, algumas das quais apenas parcialmente. Freud utilizou os

métodos do momento (como a hipnose), mas prosseguiu para uma observação profunda e minuciosa da realidade intrapsíquica dos seus pacientes, distanciando-se dos métodos de Charcot, para criar as bases da Psicanálise. Estamos perante uma nova ciência, nascida no final do século XIX. A abordagem do inconsciente revelava uma intimidade recalcada (escondida), mas expunha também os vícios privados da ordem social puritana. A descoberta do pensamento inconsciente não é inteiramente nova, mas a sua revelação fundamentada na observação de “factos psíquicos” é revolucionária. Abre-se ao pensamento científico uma nova dimensão, a da “realidade psíquica”. Pensamentos e sentimentos são agora objeto de notação e análise. A Psicanálise é um método de tratamento, por via do autoconhecimento e aperfeiçoamento das capacidades afetivas e intelectuais. Desta forma, é uma abordagem que alia os fatores razão e emoção, tantas vezes colocados em antípodas. Na atualidade, múltiplas

teorias atribuem lugares diversos à emoção. Exemplificando, a inteligência pode ser vista como um recurso de segurança para a experiência emocional, ou como um fluxo de ideais/desejos num discurso harmonioso de tonalidade afetiva prazerosa, tantas vezes afastada das evidências. A nossa proposta colhe da Psicanálise, distinguindo-se destas, para reconhecer na emoção um motor da experiência intelectual. A emoção tem lugar em cada passo do processo de pensamento. O embotamento emocional, tal como a exacerbação de uma emotividade superficial, é defensivo. Decorre da fragilidade do “aparelho mental” face à pressão da angústia, e resulta no empobrecimento do pensamento, e da qualidade de vida. Daqui decorre a urgência de manter a “higiene” dos processos de pensamento. Dos desenvolvimentos da Psicanálise, podemos colher uma atitude de abertura, simultaneamente intelectual e emocional, à expressão da razão e da emoção, ampliando a qualidade das relações e a riqueza dos fenómenos mentais.

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ENTREVISTA

ENTREVISTA A

André Aguiar

Quando é que assumiu funções como deputado, pelo PSD/Açores, na ALRAA? Na V Legislatura, de 1992 a 1996, na VI Legislatura de 1996 a 2000 e na atual Legislatura (XI), em novembro de 2016, que decorre até 2020. Que profissão ou que funções desempenhava antes dessa altura? Continuou, ou continua, a desempenhar essas funções em simultâneo com as de deputado? Sempre desempenhei funções profissionais em empresas e organizações privadas nos Açores, no âmbito da atividade agrícola. Durante nove anos fui secretário de Direção da Associação Agrícola de São Miguel (AASM), e nos últimos 17 anos, que antecederam a minha última eleição para a ALRAA, desempenhei as funções de Secretário-Geral da Cooperativa Agrícola do Bom Pastor, CRL, sediada na freguesia de Arrifes, no concelho de Ponta Delgada. Caso continue a desempenhar funções para além das de deputado, como justifica esta opção e como as concilia com as de representante dos açorianos na ALRAA? Não desempenho qualquer outra atividade profissional para além do exercício do mandato de deputado regional em regime de permanência e exclusividade. A que Comissões pertenceu e pertence? Como caracteriza o seu trabalho nas mesmas? Integrei as comissões com responsabilidade na Agricultura. Na atual legislatura integro a Comissão de Economia, sempre que iniciativas políticas e legislativas do âmbito agrícola e do desenvolvimento rural sejam agendadas na Comissão. O trabalho em Comissão é desenvolvido no âmbito técnico, permitindo

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ANTÓNIO ALMEIDA aperfeiçoar as iniciativas legislativas. A maior dificuldade, em meu entender, é a da comunicação com os açorianos, que desconhecendo os conteúdos tratados em Comissão, consideram que o trabalho dos deputados se resume à semana mensal de debate e deliberação em plenário, no Faial. Acresce que os deputados têm a responsabilidade do trabalho de proximidade às pessoas, empresas e instituições, na ilha do círculo eleitoral pelo qual foram eleitos, que é, em muitos casos desconhecido. Para além de deputado do PSD/ Açores, que outros cargos assume na estrutura do partido? Está responsável por alguma área setorial em específico, das quais são exemplo a Agricultura, Solidariedade Social, Educação? De momento não desempenho qualquer outro cargo partidário, embora colabore ao nível regional, de ilha, ou local nas matérias de interesse agrícola e rural. Quantas intervenções realizou na ALRAA até ao momento e em que áreas? Na atual legislatura, no Programa do XII Governo da RAA, nos Planos e Orçamentos para 2017, 2018 e 2019, em duas interpelações ao Governo Regional, em um projeto de resolução, em dois debates de urgência, em uma declaração política e em todos os debates que versaram questões no âmbito da agricultura e do desenvolvimento rural. Já apresentou alguma iniciativa na ALRAA? Se sim, em que consistiram as mesmas ou a mesma? Interpelação ao Governo Regional: “Situação do setor agrícola nos Açores”; Projeto de Resolução: “Ultraperiferia – O instrumento europeu para políticas diferenciadas nos Açores”; Debate de Urgência: “Produção de Leite e Lacticínios nos Açores – Estratégia Pós 2020”;

Interpelação ao Governo Regional: “Agricultura – Impacto da Seca e Gestão da Água”; Declaração Política: “Penalização aos produtores de leite”; Debate de Urgência: “Perda de rendimento dos produtores de leite dos Açores”; No âmbito dos Planos Anuais Regionais de 2017, 2018 e 2019 as propostas apresentadas situaram-se na para a valorização e qualificação da Agricultura nos Açores: Criação e um programa de investigação e desenvolvimento de novos produtos agrícolas; Organização do ensino e formação agrícola e agroindustrial de elevada qualidade; Apoio à criação da “Rede de Loja Açores”; Foram apresentados 12 requerimentos no âmbito agrícola. Que diálogo mantém com os açorianos, especialmente os micaelenses, enquanto representante dos mesmos na ALRAA? A minha experiência profissional, quer na AASM, quer na Cooperativa Agrícola do Bom Pastor, sempre permitiram um contacto próximo com os açorianos, com os agricultores micaelenses e de forma especial com os produtores de leite, por razões profissionais óbvias. Durante a presente legislatura destaco os contactos com a Federação Agrícola dos Açores, com Associações Agrícolas e de Jovens Agricultores dos Açores, bem como com as Uniões de Cooperativas e cooperativas agrícolas, para além das empresas agroindustriais e agro comerciais. Em diversos casos a promoção de reuniões dirigidas aos agricultores tem sido essencial, quer para auscultar as suas preocupações, quer para informar sobre as posições defendidas na ALRAA a favor do desenvolvimento do sector agrícola.


A perda recorrente do rendimento dos agricultores exige políticas diferenciadas no âmbito da Política Agrícola Comum e das políticas no âmbito da ultraperiferia

deputado do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata dos Açores na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA).


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Quais diria ser as temáticas que, para o PSD/Açores, assumem maior relevância e pertinência, neste momento, na Região? No âmbito da Agricultura dos Açores a maior relevância resulta dos desafios colocados pelos mercados e pelos consumidores relativamente à produção de bens alimentares seguros e inovadores e à responsabilidade económica, social e ambiental que a atividade agrícola desempenha naquela que consideramos a maior cadeia de valor integrado que os Açores devem empenhar-se: a Agricultura, Turismo e o Ambiente. A integração cruzada de valor nestes três setores deverá estar presente na reivindicação dos principais instrumentos legislativos e financeiros da União Europeia, nas políticas para o período 2021-2027. A perda recorrente do rendimento dos agricultores exige políticas diferenciadas

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no âmbito da Política Agrícola Comum e das políticas no âmbito da ultraperiferia. Relativamente ao desenvolvimento económico, social e territorial a capacidade de olhar para cada ilha como uma unidade distinta de desenvolvimento com recursos endógenos e patrimoniais de grande valor e que necessitam tratamento integrado numa diferente visão sobre o futuro dos Açores. Criar as condições para que os açorianos manifestem o seu potencial empreendedor é a única forma de libertar a sociedade das dependências públicas desadequadas, aplicando os recursos públicos com critério e respeitando prioridades. Defender a Autonomia dos Açores tem de significar conceder a autonomia aos açorianos.

1985-1993 Secretário de Direção da Associação Agrícola de São Miguel 1992-2000 Deputado à Assembleia Legislativa Regional dos Açores (PSD) 2001-2009 Vice-Presidente (2001/2005) e Vereador na Câmara Municipal de Ponta Delgada 2002-2009 Presidente da ARDE – Associação Regional para o Desenvolvimento 2000-2016 Secretário Geral da Cooperativa Agrícola do Bom Pastor, CRL 2017-2018 Secretário Geral do PSD Açores 2016-2020 Deputado à Assembleia Legislativa Regional dos Açores (PSD)


Captação de água a partir de nevoeiros Cristovão Mendonça

www.iroa.pt facebook.com/iroaazores Face às alterações climáticas também sentidas na ilha de São Miguel, iniciou-se o estudo em 2012, com o objetivo de demonstrar a capacidade de obter volumes de água a partir de nevoeiros. Para o estudo de nevoeiros ou precipitações ocultas, foram escolhidos dois locais de experimentação, um na Lagoa do Caldeirão Grande e outro na Abelheira de Cima. Em cada um desses locais, foram instalados dois dispositivos, nomeadamente o udómetro e o captador de nevoeiros. Os dois dispositivos (fig. n. º1) baseados no modelo “Low Cost” RUC (RainGauge University of Coimbra), que foram instalados à cota de 760 m, mais especificamente no interflúvio da bacia hidrográfica da Lagoa do Caldeirão. A recolha de dados foi iniciada a 10 de junho de 2012 e terminou posteriormente a 9 de julho de 2012. A segunda fase deste mesmo estudo, procedeu-se à instalação dos dispositivos na Abelheira de Cima (Fajã de Baixo). Este local situado à cota de 115 metros de altitude em relação ao nível do mar, foi onde decorreu a recolha de amostras entre o período de 25 janeiro de 2013 e o dia 4 de abril de 2013, totalizando 62 amostras. Aquando da comparação das duas fases no final do primeiro estudo, verificou-se que a rentabilidade de captar nevoeiro na ilha de São Miguel só deverá ocorrer acima dos 600 metros, como sugere a OMM (Organização Mundial de Meteorologia).

LICENCIATURA EM ENGENHARIA DO AMBIENTE E TÉCNICO SUPERIOR DA IROA, S.A

Verificou-se também que os estudos a desenvolver sobre a precipitação oculta, ao recair sobre a bacia hidrográfica do Caldeirão Grande tem toda a legitimidade hidrológica. Como é sabido, os volumes de água recolhidos ao longo dos anos não são sempre lineares, sofrem variações tanto ao longo do ano, como ao longo das próprias estações do ano, em consequência do clima a que estes também estão associados. Para demonstrar as evoluções de volumes de água ao longo de um ano meteorológico, desenvolveu-se um segundo estudo entre o período de 23 de julho de 2013 e 23 de julho de 2014. Durante este período de estudo, recolheu-se 142 amostras volumétricas de precipitação natural e precipitação oculta (Figura n.º 2). As 142 amostras analisadas, demonstram que a percentagem média de precipitação

normal é de 40%, enquanto a precipitação oculta tem uma média de 60% do volume de cada amostra. No entanto, o acumulado dos volumes de precipitação oculta totalizou 5.345 mm, enquanto a precipitação normal acumulou 2,8 vezes menos (1848 mm) para o mesmo período de estudo. Atualmente, encontra-se em fase de recolha de dados, um terceiro projeto, que se centra na criação de um novo dispositivo, agora padronizado (SFC; Sandard Fog Collector), proposto por Shemenauer e Cereceda (1994). Este ultimo estudo, permitirá comparar dados com outros estudos de diversos locais do mundo (Peru, Chile, Africa do Sul, Cabo Verde e Madeira).

Figura n.º 2 - Dispositivos de madeira, captador de nevoeiros (à esquerda) e udómetros (à direita).

Em suma, e atendendo aos níveis de stress hídrico a que a Lagoa do Caldeirão Grande está sujeita na estação de seca, estes projetos desenvolvidos para obtenção de água a partir de nevoeiros, têm demonstrado rentabilidade hídrica elevada, para um recurso hídrico que se encontra de momento, pouco explorado a nível da Região Autónoma dos Açores. Figura n.º1 - Udómetro captador (lado esquerdo) e udómetro normal (lado direito) no interflúvio da Lagoa do Caldeirão Grande.

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