Catálogo - Corpo-Extensão: Autorretratos – Nícolas Noel

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Extensão-corpo a u t o r r e t r a t o s Acredito que toda obra de arte, em qualquer período, tenha algum nível de autorretrato. Seja ela feita não intencionalmente, através da pintura histórica – a mais alta posição da suposta e já superada hierarquia de gênero – à uma simples composição de natureza morta. E de modo intencional, quando o objeto pintado, abstrato ou figurativo, está relacionado com o seu corpo e o modo que você lê o mundo. As pinturas deste catalogo fazem parte de uma pesquisa artística produzida em oito meses, onde o processo contou com brigas internas para entender, em cada entrega mensal, o que esse extensão-corpo poderia falar de como se percebe dentro de uma instituição artística, espaço onde a falta de representatividade é constante e a invisibilidade desse mesmo corpo é praticada estruturalmente. Esse corpo é negro.

Intencionalmente, leio o autorretrato como um pedaço de corpo explicitamente apresentado, despido, uma extensão-corpo. E esse pedaço é carregado de complexidade, porque além de ser físico, tem extrema capacidade de fala e movimentação do pensamento ao longo do tempo.

Colocar meu corpo nessas pinturas é uma tentativa de questionar o apagamento do corpo negro nas instituições de ensino artístico, uma denúncia à lógica colonial racista e de mostrar que esse corpo está presente em carne, tinta e raiva. Nícolas Noel, 2019. 3


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A primeira pintura de uma série sempre é encarada como um estudo do que estar por vir. Entram nessa parte de pesquisa a ordem técnica, na busca pelo material a ser usado, o suporte e o tema abordado. Nesse momento, precisei que três linhas estivessem conectadas para que todo o processo de criação fizesse sentido. Foram elas o eu, a produção artística e o lugar. Na primeira linha, o eu, escolhi me colocar na pintura e retirar o sentido negativo atribuído a obviedade da imagem de si mesmo. Na produção artística, optei por trazer o objeto que mais tinha tido contato naquele período, a banana. E por último, o lugar, deveria ser a instituição que participo. #1 Instituição e Banana. 420 x 594 mm. Nanquim e Guache sobre Papel. 2019

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Sigo as três linhas mais importantes definidas para acompanhar todo o trabalho. Dessa vez entendo minha mão e a banana como o eu. Trago para a pintura o estudo de recorte de uma banana como a produção artística. Levo em consideração o lugar que a produção foi feita, a Escola de Belas Artes. #2 Processo monótono da banana. 420 x 594 mm. Guache e Acrílica sobre Papel. 2019

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Sinto a necessidade de dar movimento para a pintura, então aumento a quantidade de objetos das imagens com repetição e trabalho com sobreposições e alguns blocos de cores vibrantes. Por mais que a mudança para uma imagem mais dinâmica seja plástica, ela ajudou resolver bloqueios que enfrentei durante o momento de produção. #3 Dinâmica da banana. 420 x 594 mm. Guache. 2019

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Nessa pintura, percebi que precisava fazer mudanças para que o trabalho continuasse sem bloqueios. A primeira mudança foi o lugar, saí do ambiente da EBA e me coloquei num espaço onde minha relação com arte e instituição não era conflituosa, a Oi Kabum. A segunda foi técnica, achei que a tinta acrílica me daria maior possibilidade de usar o movimento do meu corpo na pintura. E a terceira mudança foi desvincular a produção artística apenas de um objeto de criação. #4 Instituição e descanso. 420 x 594 mm. Acrílica. 2019

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As três linhas definas no início estão bem concretizadas nessa produção, onde a pintura mostra o eu num um momento de criação saudável dentro da EBA. Esse bem-estar proporciona o ganho de objetos poéticos como o bebedouro, a torneira e o espelho. #5 Instituição e sentido. 420 x 594 mm. Acrílica. 2019

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Retomo uma pintura que já tinha começado a fazer 2 entregas atrás e me questiono sobre o porquê das dificuldades de conclusão do autorretrato. Decido finalizá-la crua, evidenciando as pinceladas e dando o espaço para o fazer artístico. #6 Instituição e apagamento. 420 x 594 mm. Acrílica. 2019

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Nessa pintura acontecem duas mudanças significativas. A primeira de ordem técnica, porque aqui, depois de meses, descubro que a escolha do material, como o pincel, não era o adequado, e a forma que eu tratava as outras pinturas não facilitava o processo de criação. Ou seja, a partir dessa pintura tive mais controle da técnica. E a segunda e ordem conceitual, onde eu precisei me desvincular das três linhas (o eu, a produção artística e o lugar) para produzir com mais liberdade, porque o exercício de pensamento continuo é desgastante. Mais uma vez, abro espaço para o fazer. #7 Corpo-Busca. 420 x 594 mm. Acrílica. 2019

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A pintura que data a conclusão da pesquisa é a mesma que abre o maior campo de possibilidades de desdobramentos futuros. A minha conversa com a técnica, material, tema, suporte e as linhas (o eu, a produção artística e o lugar) estão muito bem definidas e com isso a produção se torna fluida e segura. O eu é a leitura do meu corpo no mundo, a produção artística ganha sentido não só com os objetos de criação, mas com a minha vivência no mundo, ou seja, expressa valor subjetivo, e o lugar não está mais ligado apenas a uma instituição artísca, como nessa pintura, onde retrato minha casa. Logo, a obra ganha peso poético e enfrento essa conclusão de pesquisa como um novo início. #8 Corpo-Construção. 420 x 594 mm. Acrílica. 2019

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