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A pior provação: ser perseguido por aqueles mesmos que se quis servir
representava os restos de influência, os restos de poder de um homem que tinha tido muita influência e muito poder.
Dir-se-ia que era um homem que naufragou, e que então pega um daqueles escaleres, e com aqueles que ele salvou do naufrágio entra nesse escaler. A grande nau afunda, e aquele grupo de sobreviventes anda singrando o oceano à procura de um rochedo onde encostar, para poderem amarrar a nau e dormirem um pouco, sem que as ondas os levem para onde eles não querem.
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Então, essa ideia despectiva – “o grupinho do Plinio” – significava “o grupinho que não tem senão o Plinio”, que não atrai senão aquele punhadinho que o Plinio atraiu. Os restos da grandeza do Plinio, o Plinio nos restos de sua grandeza não era uma coisa muito diferente de Jó sentado em cima do seu monturo232 .
A pior provação: ser perseguido por aqueles mesmos que se quis servir
O grande sofrimento de minha vida foi a crise da Igreja. Porque eu tinha afirmado – como se deve afirmar – que, pela Igreja, tudo! E que, desde que tudo corresse bem para a Igreja, dávamo-nos como bem-sucedidos em tudo, e querendo bem à Igreja incomparavelmente mais do que à minha própria mãe233 .
Nada admirei tanto em minha vida quanto a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Mas não é dizer que muitas coisas admirei quase como admiro a Igreja. Não! Há um abismo. Admirei a Igreja Católica Apostólica Romana acima de tudo, mas de longe.
E não só admirei as outras coisas muito abaixo da Igreja, mas quando eu as admirei, admirei porque refletiam o espírito da Igreja. De maneira que, tudo bem analisado, no fundo admirei só a Igreja234 .
À Hierarquia, dei a minha mocidade! Mas dei a minha mocidade no que ela tinha de mais jovem. Eu estava com 18, 19 anos. Dei-a inteiro! Eu já contei aqui o episódio da Via Sacra durante a missa. É dar-se inteiro. Dei com entusiasmo, dei com transporte de confiança, de afeto, de tudo235 .
Pode-se bem imaginar como eu venerava o clero. Porque Nosso Senhor disse do clero: “Vós sois o sal da terra e a luz do mundo”. E por causa
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disso, tudo quando havia de belo na Igreja, havia por que o clero definia, porque o clero dizia, porque o clero ensinava, porque o clero praticava.
Imaginem um farol que tem uma luz muito forte. As lentes através das quais passa a luz do farol estavam para a luz, como o clero está para Nosso Senhor Jesus Cristo. Nosso Senhor Jesus Cristo é a luz, o farol que toma essa luz e a projeta para longe deve ser o clero.
Portanto, tinha uma admiração, um respeito pelo clero, uma coisa extraordinária! E isto era adequado, porque a alma do católico é assim. Esse é o católico. E o clero no meu tempo de menino, de mocinho, era fiel à Igreja. De maneira que eu tinha uma veneração, uma obediência, uma coisa completa236 .
No começo, tínhamos ideia de que essa infiltração dentro da Igreja era um acidente; e que, como acidente, isto seria removido; era um tropeço na estrada, mas que, superado este, continuaríamos depois a mesma caminhada que nós julgávamos que deveríamos encetar quando entramos para o Movimento Católico.
Foi só bastante tempo depois que, com os estudos do Professor Fernando Furquim de Almeida sobre os católicos ultramontanos do século XIX, nós nos demos conta de que havia uma revolução enorme que tentou enquistar-se na Igreja mais ou menos por ocasião da Revolução Francesa, ou já antes dela, e que desta ou daquela maneira estava estourando na revolução progressista, a qual tinha sido precedida pela revolução modernista e que, portanto, era um velho adversário, um adversário quase de sempre que se tratava de abater e contra o qual devia se lutar237 .
Agora, ver a Igreja em sua parte humana desviar-se, foi um sofrimento sem nome238. Perceber de repente o contrário que se passa, e o clero que começa a tomar o rumo que se está vendo hoje, é uma coisa que não tem palavras!
Ao começar a ver isto eu tive uma dor enorme. Mas a evidência dos fatos me obrigava a ver, não tinha por onde escapar: era isto.
Recebi uma verdadeira punhalada no coração, porque a minha vida inteira eu esperava o contrário239. Não parece, mas eu sou o mais clerical dos
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homens240. Tenho-me na conta do homem mais clerical que há no mundo, apesar de todos os entraves que se têm oposto à livre expansão desse meu clericalismo, devido ao progressismo e outros fatores241 . *
Sei que a Igreja Católica é divina, é de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas a tristeza de vê-la – Ela, um instrumento da realização do reino de Deus – desviar-se de seu fim, e muitíssimos de seus elementos aproveitando seu próprio caráter sacral para desviar as pessoas daquilo que Ela devia fazer, é dolorosíssimo242 .
Assim, na minha luta contra o adversário interno da Igreja, entrou todo o drama do corpo a corpo com aquilo que eu amava mais do que a luz dos meus olhos: a Sagrada Hierarquia da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.
Não digo que eu amasse mais a essas pessoas enquanto pessoas: eram os cargos, as instituições, os carismas, a missão, a coerência delas com essa missão.
Nunca fui entusiasta de muitos prelados que conheci. Mas, nesse lado do que representavam, eu os amava de um modo indizível, simplesmente indizível. Entrar nesse terrível corpo a corpo com eles era uma coisa verdadeiramente inimaginável.
Depois da ruína das minhas ilusões sobre os integrantes da Hierarquia, veio a prova axiológica: desenvolver-se um futuro completamente diferente do que eu imaginava ser as vias da Providência. E ter que levar uma vida inteiramente diferente daquela para a qual me sentia chamado pela própria graça. Uma coisa tremenda!243
Nesses primeiros sintomas do progressismo, vi logo que estava tramada a derrubada de tudo isso; que a Igreja que eu amava tanto só não ia ser destruída porque Nosso Senhor Jesus Cristo prometeu que Ela não seria destruída. Senão, nessa ocasião a destruiriam.
Mas compreendi que, sem ser destruída, Ela ia ser privada de todo o aspecto exterior daquela grandeza, daquela beleza que Ela tem inalienavelmente, e que ninguém lhe pode tirar e que está n’Ela244 .
240 Despachinho, 7/2/89 241 Despachinho, 11/12/90 242 CSN 7/8/93 243 Almoço EANS 3/2/88 244 SD 7/12/91