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A leitura da “História de uma alma” e a aspiração à santidade

querem perguntar alguma coisa, se têm alguma objeção, abrindo o campo, quase que provocando o meu interlocutor a fabricar uma objeção. Porque é assim que nos entendemos, e é assim que somos um em Nosso Senhor e em Nossa Senhora100 .

Reconheço que, pelo favor de Nossa Senhora, a coerência está habitualmente em meu espírito, juntamente com um aspecto da coerência que não é a coerência no raciocínio, mas é a reversibilidade nas impressões: tal coisa é reversível na outra, tal outra na outra, tal coisa é análoga à outra e assim por diante. Mas essa reversibilidade é feita com muita precisão, com muita intransigência e muita exatidão101 .

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A leitura da “História de uma alma” e a aspiração à santidade

Depois da entrada na Congregação Mariana, houve um intervalo muito deleitável de dois ou três anos, em que o senso do sobrenatural começou a se formar em mim. Li muita coisa sobre vida espiritual, comecei a compreender o que era a vida espiritual e um pouquinho o que era a graça; comecei a entender melhor certas coisas que se passavam em mim e me dei conta de que eram movimentos comuns da graça.

Daí vinha alguma coisa que me erguia muito acima da meta da vida deleitável e sem pecado que tinha antes. O efeito maior foi a compreensão de que a vida espiritual e o que ela traz consigo valem incomparavelmente mais nesta vida terrena do que as delectabilidades da vida sem pecado.

E isto se deveu sobretudo à leitura da “História de uma Alma”, de Santa Teresinha do Menino Jesus.

Como descobri esse livro?

Mais ou menos quando a tentação contra a fé de que já falei estava no auge. Então eu comecei a rondar as estantes na minha casa, à procura de um bom livro para ler. E me lembrei do escritório de meu avô, o qual tinha morrido e vivia fechado.

Foi lá que encontrei esse livro de Santa Teresinha, que ainda não estava canonizada. Folheei e achei a cara dela muito simpática. Então eu disse: “Vou ler isto”.

100 Chá SRM 21/3/90 101 CSN 26/11/83

Nessa leitura, fiquei entendendo o que era a santidade. Para mim, a santidade era como certas representações de um homem com um livro na mão e olhando para uma imagem. Eu não tinha vontade de adotar esse modelo para mim102 .

Essencialmente falando, tinha a noção errada de que o santo era uma raridade, que apenas a um ou outro homem Deus chamava para ser santo, mas não ao geral dos homens. E que, portanto, eu também não era chamado e não tinha razão nenhuma de ser santo.

Primeira objeção que eu teria – se alguém me propusesse ser santo – é que nunca ninguém me propôs.

A segunda objeção seria a seguinte: “De bom grado me dedico à causa da Igreja, cujo interesse capital é a Contra-Revolução, e sacrifico até a minha vida se for preciso. Mas não vejo que, para lutar eficazmente a favor da Contra-Revolução, seja preciso ser santo. Não há nexo entre uma coisa e outra. Uma luta eficaz supõe qualidades pessoais, dedicação, zelo, retidão de alma e um modo mais ou menos sofrido. Dessas qualidades pessoais tenho umas tantas, que posso pôr ao serviço da causa. Mas ser santo é uma outra questão. A favor da Contra-Revolução, estou disposto a fazer sacrifícios. Mas já está tão duro isto que, se eu conseguir um lugarzinho no céu, está muito bom. Agora, ainda mais ser santo... Olha aqui, não me cobre, porque não posso aguentar!” Seria a minha resposta103 .

Mas, lendo o livro “História de uma alma”, compreendi que a coisa era muito séria e muito bonita e cheia de sentidos. Que não era apenas um estado emocional, era um programa de vida, um ideal.

A ideia de ser santo começou, a partir daí, a se apresentar aos meus olhos com outra fisionomia104 .

E nasceu assim em mim a ideia da santidade e da acessibilidade da santidade a todos que a desejam, e a deliberação, que eu entendia que devia ser firme, de atingir de fato a santidade, e de fazer todos os sacrifícios, aceitar tudo, aceitar até ser uma vítima expiatória se Nossa Senhora quisesse.

Então, a aquisição da vida sobrenatural e do ideal de santidade alimentaram muito a minha inocência, em dois sentidos da palavra.

Primeiro, porque impediram que a torrente de outras preocupações fizesse aquilo definhar. Em segundo lugar, porque percebi bem que aquelas considerações antigas ligadas à inocência tinham muita relação com a santidade105 .

102 Chá SRM 24/04/88 103 Chá SRM 24/04/88 104 Chá SRM 24/04/88 105 MNF 28/3/91

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