Rupturas e Reconciliações: Restituindo o Lazer Digno a Comunidade de Boa Vista I e II, Vila Velha/ES

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RUPTURAS E RECONCILIAÇÕES RESTITUINDO O LAZER DIGNO À COMUNIDADE DE BOA VISTA I E BOA VISTA II, VILA VELHA – ES

ARQUITETURA E URBANISMO

Nayra Carolina Segal da Rocha 2018/02



UNIVERSIDADE VILA VELHA CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO

NAYRA CAROLINA SEGAL DA ROCHA

RUPTURAS E RECONCILIAÇÕES: RESTITUINDO O LAZER DIGNO À COMUNIDADE DE BOA VISTA I E BOA VISTA II, VILA VELHA – ES

VILA VELHA 2018


NAYRA CAROLINA SEGAL DA ROCHA RUPTURAS E RECONCILIAÇÕES: RESTITUINDO O LAZER DIGNO À COMUNIDADE DE BOA VISTA I E BOA VISTA II, VILA VELHA – ES Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Vila Velha, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Ana Paula Rabello Lyra


NAYRA CAROLINA SEGAL DA ROCHA RUPTURAS E RECONCILIAÇÕES: RESTITUINDO O LAZER DIGNO À COMUNIDADE DE BOA VISTA I E BOA VISTA II, VILA VELHA – ES Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Vila Velha, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Ana Paula Rabello Lyra Parecer da comissão em 27 de novembro de 2018. COMISSÃO EXAMINADORA _______________________________ Prof.ª Dr.ª Ana Paula Rabello Lyra Universidade Vila Velha Orientadora _______________________________ Arq. Izabela Uliana Pellegrini Universidade Vila Velha Avaliador Interno _______________________________

VILA VELHA 2018



Aos amores da minha vida: Meus pais, Andreia e Haloir, minha sobrinha, LetĂ­cia, e ao meu companheiro de vida, Lucas.


Bento Ferreira em 1990 Fonte: www.veracidade.com.br


AGRADECIMENTOS À Deus, que me fez forte e corajosa e está comigo por onde quer que eu for, à quem eu devo a vida e em quem eu deposito meus sonhos e esperança Aos meus queridos pais, Andreia e Haloir, que sempre me incentivaram, acreditando nos meus sonhos. Vocês são exemplos de vida. Agradeço por todo esforço e pelos ensinamentos que me fizeram quem eu sou hoje Ao meu noivo, Lucas, pelo carinho e paciência, por sempre me apoiar e pelo companheirismo de sempre. Você é o maior presente que Deus me deu À Luiza e Luana, por todo apoio e suporte nestes cinco anos de caminhada. Amo vocês Aos meus amigos, Bruna, Daniel, Nalu, Julia, Monick, Aline e Belle, que durante esse período me apoiaram, acreditaram em mim, torcendo pelo meu sucesso Aos amigos de sala, que entenderam minhas crises, sempre torcendo e estando comigo, ajudando e apoiando em cada dia dessa caminhada Á minha querida amiga Arq. Raquel Corrêa Mesquita, por ser luz nos dias de trevas, que teve toda paciência do mundo, que é minha inspiração profissional e pessoal Aos mestres, que sempre estiveram dispostos a passar seus ricos conhecimentos adquiridos ao longo da vida e que são exemplos de profissionais e seres humanos À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Ana Paula Rabello Lyra, minha grande inspiração e auxilio, contribuindo para que eu pudesse chegar até aqui, compartilhando comigo seus ensinamentos Á minha co-orientadora, Arquiteta e Urbanista Izabela Uliana Pellegrini, pela disponibilidade em acrescentar no meu trabalho com seu conhecimento Á Prof.ª Dr.ª Larissa Andara Ramos, pelas palavras de encorajamento e gentileza, por contribuir de forma abundante com o meu trabalho

Nayra Carolina Segal da Rocha


Bento Ferreira em 2010 Fonte: www.veracidade.com.br


“O espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento. O conteúdo (da sociedade) não é independente da forma (os objetos geográficos), e cada forma encerra uma fração de conteúdo. O espaço, por conseguinte, é isto: um conjunto de formas, pois tem um papel na realização social” Milton Santos


RESUMO O crescimento urbano acelerado das cidades contemporâneas tem gerado rupturas na estrutura urbana de sua malha com consequentes reduções das oportunidades de interação e socialização públicas. Verifica-se neste cenário uma diminuição dos espaços livres de uso público e o afastamento dos pedestres, reduzindo sua interação com a cidade. Este processo favoreceu o surgimento de áreas fragmentadas que geram segregação e exclusão entre a população. Esta realidade sugere uma demanda por propostas que promovam a reconciliação das partes excluídas da cidade e gerem maior vitalidade aos espaços públicos. Situação identificada na área que abrange a “Regional Centro” do município de Vila Velha, no Espírito Santo. Neste sentido, o presente estudo, ao apresentar o processo que gerou as rupturas urbanas da cidade contemporânea e sua influência na diminuição da vitalidade da cidade e interação das pessoas, busca o embasamento teórico necessário para propor um projeto de transformação urbana que promova a reconciliação de áreas fragmentadas da área de abrangência dos bairros Boa Vista I e Boa Vista II, situados na Regional Centro de Vila Velha. Trata-se de um estudo qualitativo que junto aos diagnósticos espaciais físicos e comportamentais da área constitui fonte direta para interpretação do fenômeno do espaço subutilizado. Este estudo apresenta, portanto, o resultado da proposta projetual, em nível de estudo preliminar, do projeto paisagístico de integração dos espaços livres obsoletos e negligenciados da área de estudos. Palavras-Chave: Rupturas Urbanas; Reconciliação Urbana; Espaço Público; Projeto Paisagístico; Dignidade Urbana.


ABSTRACT The accelerated urban growth of contemporary cities has generated ruptures in the urban structure of its network with consequent reductions in opportunities for public interaction and socialization. In this scenario, there is a decrease in public spaces and the remoteness of pedestrians, reducing their interaction with the city. This process favored the emergence of fragmented areas that generate segregation and exclusion among the population. This reality suggests a demand for proposals that promote the reconciliation of the excluded parts of the city and generate greater vitality to the public spaces. Situation identified in the area that covers the "Regional Center" of the municipality of Vila Velha, in EspĂ­rito Santo. In this sense, the present study, when presenting the process that generated the urban ruptures of the contemporary city and its influence in the reduction of the vitality of the city and interaction of the people, seeks the theoretical basis necessary to propose a project of urban transformation that promotes the reconciliation of fragmented areas of the Boa Vista I and Boa Vista II neighborhoods, located in the Regional Center of Vila Velha. It is a qualitative study that together with the physical and behavioral spatial diagnoses of the area constitutes a direct source for interpretation of the underutilized space phenomenon. This study therefore presents the result of the project proposal, at the preliminary study level, of the landscape project of integrating obsolete and neglected spaces in the study area. Keywords: Urban Ruptures; Urban Reconciliation; Public Space; Landscape Design; Urban Dignity.


lista de figuras FIGURA 1 – O Caminho do Urbanismo 28 FIGURA 2 – Vias criando ruptura dentro da cidade 30 FIGURA 3 – Condomínio fechado criando ruptura dentro da cidade 31 FIGURA 4 – Vazios urbanos criando rupturas dentro da cidade 33 FIGURA 5 – Bairro, marco visual, ponto nodal e via 36 FIGURA 6 – Área urbana com movimento de pessoas e diversidade de usos 38 FIGURA 7 – Marcos visuais na cidade 38 FIGURA 8 – Ponto nodal em Porta Garibaldi, Milão, Itália 39 FIGURA 9 – Rua com diversidade de usos 40 FIGURA 10 – Qualificação de Bairro, ponto nodal, marco visual e via e suas reconciliações 41 FIGURA 11 – Beco tradicional e beco revitalizado de Melbourne 43 FIGURA 12 – Av. Berrini, São Paulo e Copenhague. 44 FIGURA 13 – Bucareste, Romênia 44 FIGURA 14 – Espaço de transição suave em áreas residenciais de Lisboa, Portugal 45 FIGURA 15 – Categoria de Fachadas segundo Gehl 46 FIGURA 16 – Rua com fachadas ativas de Copenhague 47 FIGURA 17 – Ferenciek Tere, Budapeste, Hungria 47 FIGURA 18 – Recomendações para Qualificações das Rupturas 51 FIGURA 19 – Marcos referenciais 54 FIGURA 20– Shopping Vila Velha 55 FIGURA 21 – Perfil Topográfico 57 FIGURA 22 – Vista a partir da Praça Argilano Dario 57 FIGURA 23 – Fachadas Institucionais 59 FIGURA 24 – Gabarito de edificações residenciais 59 FIGURA 25 – Corte Esquemático da Rua Raul Pompéia 61 FIGURA 26 – Fotos do Mapa de Visuais 65 FIGURA 27 – Ícones dos conceitos fundamentais 68 FIGURA 28 – Setorização da área 72 FIGURA 29 – Percursos Acessíveis 72 FIGURA 30 – Setor convivência 73 FIGURA 31 – Horta comunitária vertical 73 FIGURA 32 – Área destinada a jogos 74 FIGURA 33 – Tobogãs e rampas de acesso 74 FIGURA 34 – Fonte Interativa 75 FIGURA 35 – Área para barraquinhas 75


FIGURA 36 – Arvorismo e Trilha do Espaço Aventura 75 FIGURA 37 – Rede em deck suspenso 76 FIGURA 38 – Espaço Esporte 76 FIGURA 39 – Quiosques 77


lista de gráficos GRÁFICO 1 – Taxa de Urbanização Brasileira 27

lista de tabelas TABELA 1 – Rupturas Urbanas: Enclaves Fortificados 32 TABELA 2 – Rupturas Urbanas: Vazios Urbanos 33 TABELA 3 – Conceitos para Design Urbano 41 TABELA 4 – População Total e Distribuição Populacional por Gênero e Faixa Etária 55 TABELA 5 – Percentual de Domicílios Segundo a Existência de Energia Elétrica, Coleta de Lixo e Abastecimento de Água 56 TABELA 6 – Índices Urbanísticos 61


lista de mapas MAPA 1 – Mapa de Situação da Regional 01 53 MAPA 2 – Mapa de Localização dos bairros na Regional 01 53 MAPA 3 – Mapa de Marcos Referenciais 54 MAPA 4 – Mapa de Curvas de Nível 56 MAPA 5 – Mapa Figura Fundo 58 MAPA 6 – Mapa de Uso e Ocupação 58 MAPA 7 – Mapa de Gabarito 60 MAPA 8 – Mapa de Hierarquia e Nós Viários 60 MAPA 9 – Mapa de Rupturas Urbanas 62 MAPA 10 – Mapa de Vulnerabilidades 63 MAPA 11 – Mapa de Potencialidades 64 MAPA 12 – Mapa de Visadas 64 MAPA 13 – Mapa de Conceitos 69 MAPA 14 – Mapa de Proposta Viária 69

lista de abreviatura IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística PDU – Plano Diretor Urbano PMVV – Prefeitura Municipal de Vila Velha


sumรกrio


1. INTRODUÇÃO 21 2. O DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES E OS PROCESSOS DE EXCLUSÃO E SEGREGAÇÃO 25 2.1 O CAMINHO DA EXCLUSÃO E SEGREGAÇÃO URBANAS 26 2.2 RUPTURAS URBANAS NA CIDADE CONTEMPORANÊA 29 3. REFERENCIAL PARA A QUALIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS EXCLUÍDOS E SEGREGADOS

3.1 REFERENCIAL TEÓRICO PARA A QUALIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS EXCLUÍDOS E SEGREGADOS

36

3.2

42

4.

IDENTIFICAÇÃO DA ÁREA DE INTERVENÇÃO A SER RECONCILIADA

REFERENCIAIS PROJETUAIS PARA A QUALIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS EXCLUÍDOS E SEGREGADOS

35

51

4.1 BREVE HISTÓRICO DA ÁREA DE INTERVENÇÃO 52 4.2 LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE INTERVENÇÃO 53

4.3 CONDICIONANTES AMBIENTAIS, MORFOLÓGICOS E LEGAIS 56

5. PROPOSTA DE RECONCILIAÇÃO DAS RUPTURAS URBANAS 67 5.1 CONCEITOS E ESTRATÉGIAS PROJETUAIS 68 5.1.1 DIVERSIDADE 70 5.1.2 INTEGRAÇÃO 70 5.1.3 ESPAÇOS DE TRANSIÇÃO 71 5.1.4 PERMANÊNCIA 71 5.2 PROPOSTAS PROJETUAIS 72 CONSIDERAÇÕES FINAIS 78 REFERÊNCIAS 80 ANEXOS 85


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01

introdução


introdução As cidades contemporâneas têm tido suas paisagens moldadas pelas rupturas urbanas provenientes das vias, dos enclaves fortificados e dos vazios urbanos. Estes espaços são caracterizados pela ausência de continuidade do tecido urbano adjacente, classificados por separações físicas, ocupações introspectivas como os loteamentos e condomínios fechados, e grandes empreendimentos comerciais como os shoppings centers. Tais características estimulam um modo de vida voltado para o interior das referidas “fortificações” resultando na segregação sócio espacial do tecido urbano que, por sua vez, priva as pessoas da oportunidade de socialização em espaços livres de uso público. Este modelo de cidades decorrente do processo de urbanização pautado no urbanismo moderno resultou em um cenário excludente, onde as vias ocupam os espaços privilegiando a circulação dos veículos motorizados. As edificações identificadas nestes enclaves assumem características de reclusão oferecendo “lazer seguro” no interior de seus muros, intensificados por uma ocupação que privilegia a renda sob o metro quadrado ofertado. Os shopping centers, espaços de consumo que negam o entorno, reforçam a referida exclusão quando rompem com a continuidade da malha urbana do entorno. Ademais, estão os vazios, situados em parcelas da cidade consolidada que criam descontinuidades no tecido urbano por reforçar a fragmentação urbana. Esta realidade é verificada na maioria das cidades e principalmente naquelas situadas em regiões metropolitanas, onde o valor do solo e o setor imobiliário influenciam a dinâmica urbana e suas regras (LYRA e RAMOS, 2018). Em Vila Velha, estudos realizados por Lyra e Ramos (2018) identificaram um percentual significativo de rupturas na Regional Centro do município. A Regional apresen-

ta áreas com situações econômicas e urbanas contrastantes entre a orla verticalizada e ocupada por uma população com maior poder aquisitivo e a extremidade oposta em direção ao seu interior com ocupações informais, carentes de infraestrutura urbana qualificada. Diante do exposto e considerando a participação enquanto bolsista de Iniciação Científica das pesquisas que envolvem a materialização da cidade digna e sua interface com o espaço democrático, livre e de uso público da cidade; coordenados pelas Professoras Ana Paula Rabello Lyra, líder do Grupo de Pesquisa “Dignidade Urbana” e Larissa Letícia Andara Ramos, líder do Grupo de Pesquisa “Paisagem Urbana e Inclusão”, surge o presente estudo com a proposta de desenvolver um projeto em nível de estudo preliminar para qualificar e restituir espaços ociosos dos bairros Boa Vista I e Boa vista II, localizados na Regional Centro de Vila Velha. O foco desta proposta utiliza como referência autores como Marcus e Francis (1998) Jacobs (2000), Gehl (2015), Gehl e Svarre (2018), e Speck (2017) que atribuem aos espaços livres de uso público, a qualidade necessária para construção de espaços democráticos. Para eles, o desenho dos espaços da cidade deve necessariamente compreender a dinâmica urbana e as necessidades de seus usuários, devendo garantir diversidade de usos e funções, caminhabilidade e interação social. Este estudo se propõe a materializar tais preceitos através do desenvolvimento de uma proposta de intervenção que sigam as diretrizes estudadas e destaquem as qualidades locais identificadas no diagnóstico da área. Um projeto que vise a vitalidade da região através de uma proposta pautada em conhecimentos teóricos, considerando as reflexões sobre um desenho urbano que promova qualidade enquanto reconcilia espaços excluídos e segregados à comunidade local. 22


Para tanto, utiliza-se como metodologia a pesquisa teórica, através dos referenciais bibliográficos e o diagnóstico da área, por meio de observações da autora. Também foi utilizado o método de observação do espaço de forma a obter informações para a elaboração do diagnóstico, através de visitas ao local, seguidos de mapeamento da área. O trabalho está estruturado em cinco capítulos, sendo estes, iniciados pela presente introdução. O Segundo capítulo apresenta a temática sobre o processo que gerou os espaços excluídos e segregados da cidade contemporânea. O segundo expõe as diretrizes e soluções práticas que visam à reconciliação das áreas excluídas da cidade, a partir da visão de autores como Calliari (2016), Gehl (2015), Jacobs (2000) e Speck (2017). O terceiro aponta alguns exemplos para requalificação de espaços urbanos humanizados e atraentes para a permanência de pedestres. A subdivisão e compreendida no capítulo dois por dois tópicos. O primeiro para apresentar o processo de urbanização brasileiro, desde a revolução industrial até a atualidade, e os resultados na estrutura física da paisagem urbana, apresentando as consequências de tal processo. Enquanto o segundo tópico apresenta as rupturas geradas a partir da realidade narrada.

O capítulo quatro detalha o diagnóstico da área de estudos, apresentando inicialmente sua localização e um breve histórico dos bairros. Inclui ainda as características gerais e análise da morfologia urbana da região selecionada. Utiliza os dados coletados na oficina participativa realizada pelo projeto Adote uma Praça (RAMOS, 2018) para identificar as potencialidades e vulnerabilidades destacadas pelos moradores. Por fim, o capítulo cinco apresenta a proposta de reconciliação do espaço excluído e segregado, embasada nos conceitos e diretrizes analisados, através de uma proposta projetual para os espaços livres de uso público identificados na área de estudos. A proposta utiliza como estratégia a requalificação da atual Praça Argiliano Dario, localizada entre as comunidades de Boa Vista I e Boa Vista II, e sua integração com as áreas livres do entorno. O resultado da proposta resgata e qualifica percursos antes inacessíveis e se apropria de áreas até então negligenciadas e vazias para a criação de um sistema integrado de espaços livres de uso público.

O capítulo três, também dividido em dois tópicos, apresenta no primeiro item, os conceitos ligados a qualificação dos espaços que foram segregados e excluídos pelas rupturas urbanas. O segundo item, aponta algumas recomendações projetuais que incluem diretrizes para reconciliação de espaços excluídos e segregados da cidade, sintetizadas como recomendações para a reconciliação da área de estudos.

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Esse capítulo apresenta um breve histórico do processo que gerou a exclusão e segregação urbana nas cidades a partir da Revolução Industrial até as rupturas identificadas na cidade contemporânea. Está estruturado em duas partes, a primeira, com foco na descrição do cenário caracterizado por uma estrutura urbana que se transforma em decorrência de uma urbanização acelerada, e, a segunda, destinada a apresentar as rupturas geradas como consequência do modelo de planejamento adotado nas cidades brasileiras e suas classificações. 24


02

o desenvolvimento das cidades e os processos de exclusão e segregação

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2.1 o caminho da exclusão e segregação urbanas Um dos problemas que resultou da urbanização pós revolução industrial foi o processo da exclusão sócio espacial. A população que migra para as cidades encontra um cenário desprovido de infraestrutura para acolher o grande número de pessoas que chegam da área rural. A solução encontrada pelos gestores foi a habitação em série materializada na forma de extensos conjuntos habitacionais instalados nas periferias, o que gerou efeitos negativos em relação à morfologia do tecido urbano da cidade, com consequências para a segurança e mobilidade (MARICATO, ARANTES e VAINER, 2000). Os diversos problemas gerados no âmbito da urbanização das cidades pela revolução industrial constituem temáticas que preocupam gestores, pesquisadores e técnicos. Dentre estes, destacam-se a exclusão social, o crescimento desordenado de áreas periféricas, o crescimento ordenado do solo concentrado em áreas litorâneas e de interesses do mercado imobiliário e a falta de espaços destinados ao lazer nas cidades, incentivados pelo urbanismo moderno, racional e funcionalista. Este cenário tem demandado por estudos que resgatam conceitos defendidos por Jane Jacobs desde a década de 60. A autora criticava a ideologia modernista da separação da cidade por usos e a utilização de edifícios autônomos, por resultar em cidades vazias de pessoas, conforme alertava a autora em sua publicação “Morte e Vida nas Grandes Cidades” (JACOBS, 2000). Autores como Jacobs (2000) e Gehl (2015), atribuíam ao modelo de urbanismo moderno a responsabilidade pela evasão das pessoas do convívio urbano. Um modelo que segundo estes autores, mostrou-se ineficaz para solucionar os problemas vivenciados e demandados pela população. As comunidades isoladas do modernismo fracassavam, devido ao alto valor de algumas habitações, que favorecia apenas uma parcela da população.

A diversidade defendida por Jacobs (2000), com usos diferentes e ocupados por pessoas de várias idades, classes econômicas e etnia, cedeu lugar a ambientes segregados em termos sociais, econômicos e étnicos. Os espaços públicos, favoráveis à permeabilidade urbana, compreendida neste estudo por uma morfologia que privilegia a circulação o e apropriação das pessoas através de espaços livres permeados pelos edifícios da cidade, acabaram perdendo espaço para as ocupações privadas e muradas. Estas ocupações oferecem comércio, lazer e moradias “protegidas por paredes e muros”, que favorecem apenas uma seleta classe e exclui outra grande parte da sociedade (LEFEBVRE, 2008). No contexto da permeabilidade urbana, enquanto espaços livres de transição entre o público e o privado, os espaços livres de uso público aparecem como alternativa para consolidação das conexões urbanas (BENTLEY, et al, 2008). Estes espaços aparecem, todavia, subjugados pela inserção de vias arteriais, coletoras e locais que priorizam o veículo motorizado. Aparecem, ainda, limitados pelas extensas quadras urbanas, construções introspectivas, e equipamentos públicos, como creches, escolas e postos de saúde, construídos e ocupando as áreas livres destinadas também ao uso do lazer público da cidade. Estas áreas intensificam a carência por oportunidades de encontros e períodos de descanso para o bem-estar da população, prevista no Estatuto da Cidade, como uma das funções sociais da cidade, no que diz respeito ao direito ao lazer público. São áreas que podem acolher diversos espaços, como praças, parques e outras, destinadas ao lazer público. A possibilidade de conexão e integração entre o público e o privado constitui componente essencial para promoção da almejada interação. São espaços identificados como práticas sociais que se tornam cada vez mais importantes no desenvolvimento da 26


cidade, mostrando-se essenciais em seu planejamento para obter melhora na qualidade de vida dos habitantes (DUMAZEDIER, 2000). Segundo Mendonça (2015 apud Ramos e Jesus, 2017) os espaços livres de uso público, destinados às práticas sociais, são aqueles que promovem atividades recreativas e esportivas, sendo compostos por praças, parques urbanos e os trechos de orlas marítimas urbanizadas (calçadão). O lazer é um grupo de atividades gratuitas, prazerosas, voluntárias e liberatórias, centradas em interesses culturais, físicos, manuais, intelectuais, artísticos e associativos, mas que devem ser realizadas num tempo livre depois da jornada de trabalho profissional e/ou doméstico, essas atividades interferem positivamente no desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos (CAMARGO, 1989). Santos (2005) destaca que a segregação urbana e diminuição das áreas livres destinadas ao uso público no Brasil é consequência da expansão do processo de urbanização ocorrido no século XX. A crescente industrialização funcionou como um dos principais fatores para o deslocamento da população da área rural em direção à área urbana (SANTOS, 2005). O gráfico 1, a seguir, ilustra a referida realidade em que a maior parte da população estava concentrada na área rural, de 1940 até 1960, e a quantidade de cidades era menor do que a atual. Nesse período, as cidades existiam para atender às necessidades das atividades desenvolvidas no espaço agrário e das atividades mineradoras, principalmente da cana-de-açúcar, do ouro e do café. A partir de 1970, quando a população urbana supera a população rural, a área urbana cresce, e a nova realidade demográfica passa a demandar respostas rápidas para o desenvolvimento do planejamento urbano brasileiro.

GRÁFICO 01 - Taxa de Urbanização Brasileira

Fonte: Elaborada pela autora a partir dos dados do IBGE (2010a).

Esse crescimento do meio urbano proporcionalmente maior ao rural marcou o início da urbanização no Brasil. O processo que se originou no século XIX, intensifica-se a partir de 1920, motivados, principalmente, pela implantação de indústrias nas cidades brasileiras, que atraiu muitas pessoas da zona rural para a urbana em busca de trabalho e melhores condições de vida. A concentração de terras nas mãos de poucos proprietários, que tinham como comprar as máquinas e produtos agrícolas, associada à migração dos pequenos proprietários de terras para as cidades em busca de trabalho assalariado nas indústrias, dá início a uma relação hierárquica, materializada no planejamento urbano (SANTOS 2005). As regiões brasileiras se desenvolveram de formas distintas, devido 27


as dificuldades e desigualdades econômicas, e consequentemente gerou uma urbanização diferente em cada região. Tratando especificamente da região Sudeste, por ser uma área que possui maior concentração de atividades dos setores secundários e terciários, recebeu um maior número de pessoas migrando da área rural e vindos principalmente da região Nordeste. O crescimento das cidades careceu de um planejamento que atendessem as necessidades básicas de equipamentos urbanos e saneamento, como abastecimento correto de água, luz, esgoto, e de serviços públicos de transporte, educação e saúde. O resultado desse processo foi a formação de um mercado informal da habitação que continua crescendo, degenerando os padrões de desenvolvimento urbano das cidades e, muitas vezes, degradando o meio ambiente natural (SANTOS 2005).

do país. Todavia, o volume populacional ultrapassa a capacidade dos municípios de planejamento para acomodar as famílias que se mudavam para as cidades. Os assentamentos subnormais são resultado desse conjunto de eventos, porém sua intensificação se dá na década de 70.

FIGURA 01 - O Caminho do Urbanismo

A ausência de um planejamento eficiente diante do processo de urbanização acelerado ocorrido ainda com maior intensidade nas regiões metropolitanas gerou consequências negativas provocando diversos problemas ambientais e estruturais para as cidades. Este cenário favoreceu a constituição da dicotomia entre cidade formal e informal, sendo esta última formada pelos aglomerados subnormais (IBGE, 2010b). Situação que acentuou as desigualdades sociais nos centros urbanos e intensificou os contrastes espaciais com características de exclusão nas cidades (SANTOS 2005).

A exclusão e segregação, evidenciada pelo lugar de moradia dos excluídos (assentamentos subnormais), é uma realidade antiga nas grandes cidades brasileiras. Segundo Harvey (2009), a exclusão social decorreu da ideia de ocupar sem controle, impondo padrões distantes e diferentes para a ocupação da cidade, e negando a uma parcela significativa de seus habitantes um lugar digno e inclusivo na cidade, para morar.

Através da figura 1, é possível observar, de forma breve, como ocorreu esse processo de expansão urbana. Após a Revolução industrial, o modernismo falha na criação e qualificação de espaços livres de uso público, criando subáreas na cidade, setorizada e segregada. O urbanismo no Brasil ocorreu de forma desconexa e desprovida de um planejamento com foco nas pessoas. Neste período houve forte concentração de investimentos nas áreas formais situadas na região Sudeste

Esta situação também é verificada no município de Vila Velha, situado na região metropolitana de Vitória, região do Sudeste brasileiro. A exclusão e segregação urbana de parte de seus habitantes é consequência do referido planejamento espraiado com ênfase nas relações centro-periferia que deu origem a uma cidade dependente de sua capital. Neste contexto verifica-se que a cidade se configura capaz de abrigar pelo menos, duas realidades: a formal, que resul-

Fonte: Elaborada pela autora.

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ta de edificações planejadas e aprovadas pelo município, e a informal, ocupada por grupos ou segmentos sociais de baixa renda e em sua maioria caracterizados pela autoconstrução (SIQUEIRA, 2010). É importante destacar que a segregação sócio espacial fica mais evidente à medida que ocorre uma divisão do espaço urbano entre “integrados e não integrados”, delimitada pela renda e capacidade de consumo da população (HARVEY, 2009). Para Harvey (2009) as cidades têm cada vez mais se tornado cidades “de fragmentos fortificados”. Como exemplo desse fenômeno, podemos citar a cidade de Vila Velha, que está se tornando dividida e separada com a presença de bairros formais, com todos os tipos de serviços e pelas ocupações informais caracterizadas pela irregularidade de suas edificações, e pela carência de serviços básicos de infraestrutura urbana e variedade de serviços e comércios locais.

2.2 rupturas urbanas nas cidades contemporâneas A situação atual das cidades, apenas relatada no item precedente, possui uma forte relação com a exclusão causada pelas rupturas que transformam a morfologia dos lugares urbanos. São rupturas caracterizadas pela consequente ausência de espaços públicos e de convivência, acentuados após o surgimento dos enclaves fortificados. De acordo com Lefebvre (1983), a aceleração do crescimento das forças produtivas, alcançado pela revolução industrial, provocou na cidade um processo de fragmentação e hierarquização do espaço. Após a grande concentração de capitais, pessoas e bens, nas cidades industriais, os núcleos urbanos explodem, estendendo-se em todas as direções do território. A suburbanização da cidade pretendia acabar com a antiga centralidade dos núcleos preexistentes. A configuração entre o campo e a cidade se perdeu, assumindo outras formas, como centro-periferia, inclusão-exclusão, integração-segregação. As aglomerações urbanas atingem dimensões inéditas, que foi possibilitada pelo transporte motorizado. A circulação de pessoas e mercadorias assume uma importância para a globalização de informações e produtos (LEFEBVRE, 1983). Ampliando a análise, é possível pensar nas rupturas em categorias, e dizer que rupturas em redes de ruas são responsáveis pela formação de agrupamentos, uma vez que elas provocam alterações estruturais na morfologia das redes espaciais urbanas, isolando determinadas áreas dentro do sistema urbano. Rupturas morfológicas em tecidos urbanos podem ser identificadas pelas quebras de conectividade dos 29


elementos que compõem redes de ruas de cidades (SPECK, 2017).

FIGURA 02 - Vias criando rupturas dentro da cidade Fonte: http://www.bhumafotopordia.com/2014/10/

Os veículos vêm tomando o espaço das pessoas, e a forma da cidade intensifica essa ideia, pois os espaços públicos de lazer perdem para os espaços públicos destinados a circulação de automóveis. Artérias viárias, junto com estacionamentos, postos de gasolina e drive-ins, são instrumentos de destruição urbana poderosos e persistentes. Para lhes dar lugar, ruas são destruídas e transformadas em espaços imprecisos, sem sentido e vazios para qualquer pessoa à pé. (JACOBS, 2000, p.377)

Outra ruptura que pode ser apontada pela transformação da morfologia da cidade que gera segregação, são os encla-

ves fortificados, caracterizados pelos condomínios de grande porte, fechados, e, pelos conjuntos comerciais, como os shoppings centers, que geram uma falsa sensação de lazer público, porém seletivo e destinado ao consumo (BAUMAN, 2009). Nesta categoria, proliferam-se os condomínios e loteamentos fechados, muitos destes ainda localizados em áreas afastadas do centro da cidade e que ocupam glebas destinadas a edificações e lazer para uma classe seleta da população. São construções introspectivas que se fecham para o exterior negando a cidade e suas funções. Assim, surgem os espaços novos da cidade formal materializados em espaços produtivos com centros financeiros especializados, bairros planejados e condomínios residenciais fechados. Esses espaços, despontam como reflexo da fragmentação e segregação urbana da cidade. São introspectivos e privados, em sua grande maioria, provenientes de um planejamento que privilegia a especulação imobiliária e o incentivo a circulação de veículos motorizados, acarretando em uma redução dos espaços públicos nas cidades. Os centros de lazer para a comunidade com praças, lugares de convivência ou de sociabilidade, tornam-se cada vez mais escassos, em detrimento da proliferação de ocupações cercadas por muros e fechadas ao público externo, o que limita a integração das pessoas (DRUCKER, 2005). Os enclaves fortificados possuem características similares entre si, como a demarcação e limitação física, isolamento da sua área do restante da cidade por muros, ocupando extensas glebas do município. São na verdade, empreendimentos do setor privado, de uso coletivo, restrito e privado, em contraponto ao que é público na cidade (BAUMAN, 2009). Os centros urbanos e outros bairros que são maravilhas de complexidade compacta e sólido apoio mútuo acabam displicentemente desentranhados. Os pontos

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de referências são aniquilados ou tão deslocados de seu contexto na vida urbana que se tornam trivialidade irrelevantes. A feição urbana é desfigurada a ponto de todos os ligares se parecerem com qualquer outro lugar, resultando em Lugar Algum. E, nas áreas menos bem-sucedidas, os usos que sozinhos perdem função – shoppings centers, ou residenciais, ou locais de reunião pública, ou conjuntos comerciais – são separados um do outro. (JACOBS, 2000, p.377)

No Brasil, a reprodução desse tipo de ocupação introspectiva passou a ser a primeira opção para muitos indivíduos, em função da violência urbana. Contudo, essas construções refletem inúmeras consequências negativas para cidade e para os seus usuários, por justamente intensificar as áreas isoladas do olhar vigilante e espontâneo da população (JACOBS, 2000). São áreas que na expansão das ocupações informais da cidade evidenciam a exclusão com o contraste de suas ocupações, e onde a segregação sócio espacial fica mais evidente (Figura 3).

De maneira geral, no Brasil, um dos motivos para a propagação de condomínios e loteamentos fechados, é a obsessão pela segurança aliados à sobrevalorização do indivíduo, em outras palavras, à sua fragilidade e vulnerabilidade. Esses enclaves representam um isolamento e uma distância da cidade, ao levarmos em consideração a restrita interação entre pessoas de diferentes realidades sociais (BAUMAN, 2009). Tais enclaves alteram as maneiras de viver, consumir, trabalhar e usufruir de lazer das pessoas e, mais, cultivam um relacionamento de negação e ruptura com o resto da cidade, gerando uma distância cada vez maior com o que se pode chamar de um planejamento digno para a cidade. Todavia, esta configuração fragmentada, desconsidera as demandas inerentes às diferentes realidades locais. A cidade configura-se assim desprovida de um planejamento que priorize o espaço público e democrático, com espaços permeáveis, circulação livre, abertura de ruas, uso espontâneo de praças e ruas, encontros entre pessoas (CALDEIRA, 2003). Esta cidade gera as rupturas ilustradas na tabela 01.

FIGURA 3 – Condomínio fechado criando ruptura dentro da cidade Fonte: http://brasilemdiscussao.blogspot.com.br/

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TABELA 1 – Rupturas Urbanas: Enclaves Fortificados Fonte: Elaborado pela autora a partir de Limonad, 2007; Sposito e Góes, 2013 e Harvey, 2005.

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Este estudo identifica os vazios das cidades como uma ruptura urbana, complementar aos enclaves citados, por entender que os mesmos, constituem espaços que contribuem para segregação sócio espacial da cidade. Estes vazios que geram interesse de valorização imobiliária, criam descontinuidades no tecido urbano e segregação de porções da cidade. Produzem, assim como nos enclaves, rupturas no tecido urbano com impactos negativos, tanto administrativos quanto sociais, devido a presença de vazios urbanos situados em áreas já providas de infraestrutura e de serviços urbanos. Essas consequências negativas correspondem ao encarecimento de infraestrutura e serviços urbanos que permanecem ociosos quando a especulação imobiliária impede sua apropriação. Por conseguinte, surgem as ocupações de áreas periféricas, reforçando as rupturas da cidade, a segregação sócio espacial, e a degradação do patrimônio ambiental (EBNER, 1997). Essas áreas ociosas, também identificadas por vazios físicos são espaços não parcelados à espera de ocupação, que constituem as grandes glebas e os loteamentos, frutos da especulação imobiliária (DITTMAR, 2006). Os terrenos ociosos exercem um poder de presença no ambiente urbano, pelo seu potencial em influir na perda da vitalidade urbana e, ao mesmo tempo, constituírem os espaços potenciais para a transformação da condição atual. Em outros casos, também podem ser incluídas nessa categoria aquelas construções cuja utilização deixou de ter interesse econômico e permanecem em pé, mas com ociosidade (MAGALHÃES, 2005).

cesso contribuiu de maneira significativa para o surgimento de áreas obsoletas e dos vazios urbanos nas áreas centrais das cidades.

FIGURA 4 – Vazios urbanos criando rupturas dentro da cidade Fonte: http://www.lucasdorioverde.mt.gov.br/portal/noticia/noticia.php?cod=1888

De acordo com Vaz e Silveira (2007), a Expansão urbana e a ocupação periférica da cidade culminaram no esvaziamento populacional dos centros, na mudança de uso do solo das áreas centrais e na subutilização de lotes e edificações. Esse pro33


Associam-se aos vazios urbanos às áreas fundiárias nunca antes ocupadas, ou as desocupações de estruturas que tiveram o uso e a ocupação alterados por esvaziamento (VAZ e SILVEIRA, 2007). O termo vazio pressupõe uma ausência, no sentido de carência, e na falta de ter utilidade ou ser proveitoso para a cidade. É importante ressaltar que tanto vazio, quanto subutilizado, também podem salientar uma improdutividade e incerteza em relação ao futuro da cidade (MINOCK, 2007). São espaços onde as atividades que aconteciam, não acontecem mais, ou até espaços considerados estagnados no contexto urbano, pois nada acontece no local (JANEIRO, 2007).

A tabela 02, a seguir, sintetiza e completa as características dos Vazios Urbanos como outra forma de Ruptura Urbana identificada por este estudo. Tais rupturas excluem e segregam os espaços da cidade, criando isolamento entre os seus habitantes. Neste caso, a continuidade do tecido urbano é prejudicada, não favorecendo a vitalidade e diminuindo os espaços públicos destinados ao lazer. A grande consequência negativa gerada, é a falta de vitalidade das cidades em relação a quantidade de pessoas circulando, tendo como resultando outros problemas como a insegurança (JACOBS, 2000).

Em cidades fragmentadas por enclaves fortificados é difícil manter os princípios de acessibilidade e livre circulação, que estão entre os valores mais importantes das cidades modernas. Com a construção de enclaves fortificados, o caráter do espaço público muda, assim como a participação dos cidadãos na vida pública.

TABELA 2 – Rupturas Urbanas: Vazios Urbanoscidad

Fonte: Elaborado pela autora a partir de Vaz e Silveira, 2007.

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A qualificação dos espaços é um processo necessário para a erradicação ou diminuição da exclusão e segregação da cidade, fenômenos negativos que têm crescido no meio urbano, provenientes das rupturas. O presente capítulo pretende apresentar, no primeiro tópico, referenciais que visam integrar novamente os espaços excluídos. No segundo, se propõe em relatar as recomendações e diretrizes, exemplificadas, que devem ser adotadas em tais espaços para reintegra-los à cidade, diminuindo ou eliminando o caráter de rompimento da malha urbana. 36


03 referencial para a qualificação dos espaços excluídos e segregados

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3.1 referencial teórico para a requalificação dos espaços excluídos e segregados A reintegração dos espaços excluídos e segregados à cidade é compreendida nesse estudo como um desafio da cidade contemporânea. Buscam-se alternativas para reconciliar as áreas desconexas da cidade, na mesma medida em que se busca qualificar a trama da malha urbana existente. Para tal objetivo ser alcançado, é necessário identificar quais são as condições que geram a diversidade defendida por Jacobs (2000), destacando as demandas necessárias para reverter o cenário atual das rupturas descritas no capítulo 2. (...) se a carência é de usos principais combinados, se as quadras são muito amplas, se existe uma mistura precária de idades e tipos de edifícios, se a concentração de pessoas é suficiente. (JACOBS, 2000, p.437)

Essas características listadas pela autora destacam as qualidades necessárias para a vitalidade urbana almejada. Existem algumas diretrizes de reformulação com funções básicas e fundamentais para garantir uma morfologia que cria oportunidades de encontros e socialização. Destaca-se neste contexto a circulação motivada por térreos ativos, o uso misto do solo, a permeabilidade urbana com preservação e criação de pontos focais, a valorização da memória afetiva da população, a sociabilidade, e um ambiente organizado e com identidades que façam com que os cidadãos deem significados e se apropriem dos espaços livres de uso público (JACOBS, 2000; LYNCH, 2011; GEHL, 2015 e SPECK, 2017). Para os referidos autores a estruturação e qualificação dos espaços exclusos da cidade deve privilegiar os indivíduos que circulam pela malha urbana de forma que estes se identifiquem com o ambiente. A fim de que essa necessidade seja atendida, o desenho deve favorecer e facilitar a legibilidade do cenário que constitui a paisagem urbana (LYNCH, 2011).

O raciocínio é que o ser humano tem maior facilidade de se relacionar com um espaço se puder entende-lo, “lê-lo”. (...) as cidades precisam de organização para que seus habitantes as reconheçam e as decifrem. Tão mais confortável é a cidade quanto mais ela é reconhecível pelos seus habitantes. Forma das ruas, espaços públicos, comércio: todas essas variáveis servem como referências importantes para seus habitantes e apareceram nas descrições feitas aos pesquisadores. (CALLIARI, 2016, p.62)

Ambientes legíveis, além de reforçar a ideia de apropriação pelo ser humano, oferece segurança. Para Lynch (2011), os principais elementos que oferecem tal legibilidade, ou trazem qualificação para os espaços excluídos e segregados pelas rupturas do tecido urbano, são classificados em: bairros, marcos visuais, pontos nodais e vias (Fig. 5). Todos esses pontos devem ser projetados juntos para que possam oferecer um resultado satisfatório em benefício do uso e apropriação das pessoas (LYNCH, 2011).

FIGURA 5 – Bairro, marco visual, ponto nodal e via Fonte: Fonte: Elaborada pela autora a partir de Lynch, 2011.

Para ser considerado um bairro de qualidade, o ambiente deve resol38


ver os problemas e deficiências sem deixá-los ficarem inertes (JACOBS, 2000). Os bairros podem ser definidos como regiões médias ou grandes que juntos compõem a cidade, carregados de características físicas, como espaço, forma, textura, tipo de construção, usos, atividades, habitantes, estados de conservação e topografia (LYNCH, 2011). Os parques, praças ou espaços similares podem trazer qualidade para os bairros, fazendo com que haja vitalidade através da criação de características comuns que traduzam uma identidade para a área. O sucesso desses espaços depende dos usos e atividades destinadas ao local, e como a comunidade irá usufruir das suas instalações. As áreas pouco usadas são vítimas de vandalismo e depredação natural. Para que isso não aconteça se faz necessário garantir uma variedade de usos atrativos a uma variedade de usuários para a utilizarem em diversos horários e dias da semana. A animação e diversidade atraem mais agitação e movimento, esse princípio é entendido como essencial para que haja o bom desempenho das praças e parques, trazendo qualidade para o bairro (JACOBS, 2000). “É óbvio que um lugar que lembre um pátio de prisão não vai atrair frequentadores nem interagir com a vizinhança do mesmo modo que um lugar que lembre um oásis”. (JACOBS, 2000, p.111)

mitado as suas praças e parques, mas materializados como espaços que reproduzem diferentes ambientes dispostos em harmonia na composição da morfologia do bairro (LYRA e RAMOS, 2018). A eficiência de um bairro depende que seu planejamento físico garanta atratividade, continuidade, conectividade e identidade (JACOBS, 2000). Em primeiro lugar, os caminhos devem ter vida e serem atraentes, em segundo lugar, esses caminhos devem percorrer todo o bairro formando uma malha sempre contínua, com dimensões e hierarquias de influência estabelecidas de acordo com as potencialidades locais. Em terceiro lugar, integrar a essa malha os parques, praças e os espaços livres entre os edifícios, trazendo multiplicidade a esse tecido urbano, sendo usados para mesclar os diferentes usos e atividades. Quando atingidos esses três primeiros alvos, passar para o quarto ponto, que é realçar a identidade funcional dos bairros para que haja efetiva apropriação da comunidade local (JACOBS, 2000), conforme ilustrado na figura 06.

Quando bem localizado e projetado, o parque ou a praça podem alcançar o objetivo principal do seu propósito, que é atrair um grande número de pessoas para fazer uso dessas áreas em diferentes horários e dias da semana (JACOBS, 2000). Um ambiente com diversidade é o ambiente coletivo, o ambiente do outro, e é nesse sentido que os bairros devem ser constituídos. Um segmento de edificações inseridas de forma a complementar a paisagem constituída pelos espaços livres de uso público. Onde estes espaços funcionam com um sistema integrado, não só li39


ao entorno onde estão localizados, onde o marco visual pode estar posicionado isoladamente ou em uma série consecutiva, geralmente em diversas intensidades, estabelecendo na imagem uma hierarquia.

FIGURA 6 – Área urbana com diversidade de usos

Fonte: https://www.timeout.com/newyork/things-to-do/cool-things-to-do-in-herald-square

Existe no âmbito dos bairros um grupo de componentes marcantes que garantem a legibilidade e localização dos indivíduos dentro da malha urbana, que são conhecidos por marcos visuais e pontos nodais (LYNCH, 2011). Marcos visuais, são pontos referenciais externos em relação ao observador, que geralmente possuem formas simples e contrastante, fazendo assim que sejam únicos e memoráveis, conforme ilustrado na figura 07. Esses elementos podem estar dentro ou fora da cidade, marcando uma direção constante, permitindo uma leitura e orientação no meio da estrutura espacial urbana. Suas principais características estão ligadas a singularidade e contraentes em relação

FIGURA Marcos visuais na cidade Fonte: Elaborada pela autora7 a– partir de https://www.sydneyoperahouse.com/ https://www.dicaseuropa.com.br/2014/01/atomium-de-bruxelas-belgica.html

Os pontos nodais, que constituem pequenos pontos de encontro da cidade, podem ser, na realidade, grandes oportunidades de encontros, como praças, parques lineares, ou até um bairro rico em térreos ativos e permeáveis. Eles geralmente constituem pontos estratégicos da cidade. Na teoria, até mesmo o encontro entre vias comuns seria considerado como um ponto nodal, porém tal fato não possui influência positiva sobre a imagem da cidade, sendo inclusive destacado como prejudicial quando gerador de conflitos na circulação comprometendo a mobilidade urbana. Em geral os pontos nodais ocorrem, involuntariamente, nas intercessões e terminais com maior importância, e deveriam, por sua forma, ter especial atenção de quem planeja o desenho urbano. Neste caso, as esquinas funcionam como elementos de bloqueio ou integração e as vias adquirem 40


identidade e ritmo, também por seus pontos nodais (LYNCH, 2011). Os pontos de referência conceituais existentes nas cidades são os marcos visuais. Para que tal elemento conquiste a identidade necessária para se tornar um apoio perceptível dentro da cidade, se faz necessário trazer qualidade singular para esses pontos, e planejá-los em conformidade com os pontos nodais, através de pavimentação, iluminação, vegetação, topografia, linha de horizonte e continuidade de fachadas. Esses pontos nodais devem representar lugares diferentes e memoráveis, não sendo confundidos com qualquer outro lugar (LYNCH, 2011). Um ponto nodal será mais definido se tiver um limite nítido, fechado, e não se estender incertamente para os lados; também será mais digno de nota se tiver um ou dois objetos que sejam foco de atenção, mas será irresistível se puder ter uma forma espacial coerente. [...] existem muitas técnicas para a definição e expressão de tal espaço: transparências, sobreposições, modulação de luz, perspectiva, gradientes de superfície, fechamento, articulação, padrões de som e movimento. (LYNCH, 2011, p.114)

Além do que cita o autor, se houver uma interrupção do tráfego ou um ponto de tomada de decisão em uma via que possa compatibilizar com o ponto nodal, temos um ponto com maior influência, conforme ilustrado na Fig. 08. Quando ocorre esse tipo de situação, pode acontecer de bairros de grandes escalas se organizarem ao redor desse ponto, porém, para que isso ocorra é necessário que a forma como o ponto nodal está sinalizado seja de grande notoriedade (LYNCH, 2011).

FIGURA 8 – Ponto nodal em Porta Garibaldi, Milão, Itália

Fonte: Elaborada pela autora a partir http://www.eventiatmilano.it/luogo/piazza-gae-aulenti-milano/ e https://www.milanoevents.it/2018/10/05/torre-unicredit-visite-gratuite/

Além dos pontos nodais, os bairros também agregam os caminhos, que assumem papel de grande importância por constituírem-se em espaços com potencial para o convívio e onde podem acontecer as atividades do cotidiano, com forte influência na urbanidade da área. Em muitos casos o traçado destes caminhos faz parte da identidade do lugar, e por isso demandam atenção quanto a sua forma e traçado (CALLIARI, 2016). [...] são os canais de circulação ao longo dos quais o observador se locomove de modo habitual, ocasional ou potencial. Podem ser ruas, alamedas, linhas de trânsito, canais, ferrovias. [...]. Os habitantes de uma cidade observam-nas à medida que se locomovem por ela, e, ao longo dessas vias, outros elementos ambientais se organizam e se relacionam. (LYNCH, 2011, p.52)

As vias ou caminhos podem ser qualificados pela concentração de atividades especiais ou hábitos, pois as pessoas se mostram sensíveis à variedade de suas atividades. São valorizados quando o pedestre 41


assume o papel de protagonista e obstáculos ao tráfego são inseridos, já que tornam os locais mais claros, concentrando a circulação livre para as pessoas em canais predominantes. As dimensões desses caminhos, também podem ser citadas como uma característica marcante, em razão de que as vias com largura ou estreiteza despertam mais atenção. Dentre estes caminhos, as vias mais largas são tidas como principais e as vias mais estreitas como secundárias. Outros dois elementos que compõem as vias representando uma singularidade marcante e reforçando a imagem de uma rua, são a tipologia das fachadas e os detalhes ligados a arborização, pois quando fixados ao longo desses caminhos representa um elemento único contínuo e unificado (LYNCH, 2011). As vias principais devem ter alguma qualidade singular que as diferencie dos canais circundantes: uma concentração de algum uso ou alguma atividade especial ao longo de suas margens; uma qualidade espacial característica; uma textura especial de pavimento ou fachada; um sistema particular de iluminação; um conjunto único de cheiros ou sons; um detalhe ou uma vegetação típico. (LYNCH, 2011, p.106)

A continuidade e a legibilidade são atributos destacados por Lynch (2011) como essenciais na composição das vias para garantir as qualidades citadas. As ruas tidas como vivas possuem pessoas circulando em diversos horários durante todo o período do dia, garantindo assim vitalidade e segurança (JACOBS, 2000).

FIGURA 9 – Rua com diversidade de usos Fonte: http://www.wimdu.com/blog/page/6/?attachment_id

Estas vias são compostas pelas calçadas, elementos importantes para a vitalidade da cidade. Através de três características básicas é possível obter em uma via, a infraestrutura capaz de acomodar pessoas e garantir segurança por intermédio delas. A primeira característica é a clara separação entre o que é público e o que é privado, essas duas atividades não devem se misturar. Segunda característica básica é que a vigilância natural deve estar presente nas fachadas, onde a rua não é deixada às cegas. E por fim, a terceira característica, onde as calçadas devem receber usuários transitando ininterruptamente, assim a vigilância aumenta devido a quantidade de olhos nas ruas, gerando segurança e movimento (JACOBS, 2000). Para Jacobs (2000), Gehl (2015) e Speck (2017), o desenho das vias associadas aos demais espaços livres de uso público contribuem para a qualificação de um bairro na medida em que favorecem e privi42


legiam a interatividade e circulação entre as pessoas. As rupturas causadas por algumas vias desprovidas da referida interatividade, ou pelos enclaves fortificados e vazios urbanos, descritos no capítulo precedente, podem ser reconciliadas através de intervenções que resgatem essa relação, onde a escala humana é priorizada.

das cidades pelas rupturas urbanas adquiram novas formas inclusivas com qualidade pode-se trabalhar os seguintes conceitos, (Tab. 3).

Ao estudar os autores narrados neste capítulo é possível sugerir que uma transformação pode conferir a um bairro, a reconciliação das rupturas causadas tanto pelos enclaves quanto pelas vias e eventuais vazios urbanos identificados na malha da área. A qualificação dos pontos nodais e marcos visuais podem promover a reconciliação das rupturas causadas pelos enclaves fortificados e pelas rupturas causadas por vias. E por fim, a qualificação das próprias vias do bairro pode conferir nova dinâmica para sua extensão. Este conjunto de estratégias de reconciliação através da qualificação de áreas fragmentadas está ilustrado na figura 10.

TABELA 3 – Conceitos para Design Urbano FIGURA 10 – Qualificação de Bairro, ponto nodal, marco visual e Fonte: Elaborada pela autora a partir de Lynch, 2011.

Para garantir que os espaços que foram segregados e excluídos

Fonte: Elaborado pela autora a partir de

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3.2 referenciais projetuais para a qualificação dos espaços excluídos e segregados Novos significados são atribuídos aos lugares fragmentados, excluídos e segregados, caracterizados pela ruptura urbana, quando a cidade é pensada para as pessoas (GEHL, 2015). Neste caso, as Diretrizes projetuais devem ser planejadas com foco na implementação de soluções práticas para promover os espaços para apropriação e uso das pessoas. Quando existe a participação da comunidade na definição dessas diretrizes, as características intrínsecas locais são respeitadas. Neste contexto, destaca-se a importância dos espaços livres de uso públicos da cidade para o resgate da vitalidade urbana. Esta Vitalidade está relacionada as possibilidades de interação e conectividade desse grupo de ambientes compreendido pelas vias, becos, praças, parques urbanos e térreos ativos e permeáveis. Essas áreas reúnem espaços destinados ao lazer, convívio e outras atividades coletivas e de acesso público. A qualificação dessas porções da cidade garante que não haja exclusão de partes da mesma, e, por conseguinte, maior dignidade para as pessoas (GEHL; SVARRE, 2018). Recomenda-se em primeiro lugar a realização de estudos sobre a realidade do espaço público em relação ao contexto da cidade, e sobre as estruturas físicas dessas áreas, além da atual forma de apropriação dos mesmos. O objetivo central desses estudos é trazer melhorias em relação as condições físicas das cidades e adquirir conhecimento sobre o espaço e como ele é utilizado (GEHL; SVARRE, 2018). Os estudos podem fundamentar os processos de decisão em debates políticos sobre planos e estratégias, ou serem usados mais concretamente para avaliar os efeitos de ações já realizadas, comparando-se registros feitos antes e depois dessas ações. A aquisição de conhecimentos mais tangíveis e sistematizados sobre a interação entre o espaço público e a vida na cidade tem se mostrado útil no sentido de qualificar e

orientar discussão – principalmente, através de linhas de disciplinas e departamentos administrativos. Ao passo que os estudos sobre a vida na cidade, em geral, podem propiciar uma plataforma para o debate profissional e político, as informações também contribuem para o debate público mais amplo. (GEHL; SVARRE, 2018, p.125)

Ainda na fase de planejamento, a dimensão total da área pesquisada, irá determinar como ocorrerá este estudo, sendo possível, mesmo que a área seja grande e complexa, compreender o contexto em que está inserido e apontar as áreas de maior interesse e influência para a população local (GEHL; SVARRE, 2018). Em Melbourne, na Austrália, em 1994, foi realizado por Jan Gehl o estudo sobre espaço público-vida na cidade. O estudo teve início no centro da cidade, onde havia o predomínio de atividades relacionadas a comércios e escritórios, com poucos moradores. O estudo inicial serviu de comparativo para as propostas e ações que ocorreriam posteriormente. Essas propostas e ações foram pautadas em uma redescoberta da cidade, que agora se reconhece como sendo um centro de cultura e entretenimento. Além do reconhecimento dos novos usos e atividades da região, houve o incentivo de formação de pequenas empresas que possuem políticas baseadas na economia criativa e as melhorias das áreas públicas do centro, como a criação de números de assentos públicos, onde os indivíduos conversam, leem e contemplam a cidade. A avaliação do projeto de intervenção ocorrido entre 1994 e 2004 concluiu que as ações realizadas na área surtiram respostas positivas (Fig. 11).

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Através de princípios gerais, definidos por Gehl (2015) e utilizados no planejamento urbano, pode-se alcançar como resultado um projeto com dimensões humanas e com áreas reintegradas ao tecido urbano. Destaca-se como um desses princípios a diversificação dos usos nas cidades, garantindo assim versatilidade, sustentabilidade social, maior quantidade de experiências adquiridas e maior segurança dentro dos bairros (JACOBS, 2000 e GEHL, 2015). A DIVERSIDADE DE USOS: FIGURA 11 – Beco tradicional e beco revitalizado de Melbourne Fonte:Elaborada pela autora a partir GEHL; SVARRE, 2018; http://le6eme.blogspot.com.br/2014/06/a-escala-humana-de-melbourne-australia.html

Entende-se que não foi o estudo sobre espaço público-vida na cidade o responsável pelos resultados positivos, mas os agentes que possibilitaram tal intervenção, como os moradores, políticos, urbanistas e empresários. Contudo, o estudo contribuiu para que a compreensão acerca da área e de seus usuários e as diretrizes para criar um espaço de qualidade que atendesse as necessidades do local e da população fossem atendidas (GEHL; SVARRE, 2018). Hoje, Melbourne considera fundamental conhecer mais sobre como o espaço público é usado ou não, para fazê-lo funcionar bem. São feitos estudos contínuos sobre a vida urbana; a permanência no espaço e outras atividades sociais são registradas de modo habitual. Priorizar as pessoas e torná-las visíveis no planejamento tornou-se parte integral do trabalho diário de planejar a cidade. (GEHL; SVARRE, 2018, p.131)

Os usos combinados são primordiais, onde a falta de diversidade gera picos de movimentos em determinados horários, já em outros, as áreas se tornam vazias e desprovidas de vida. Não é interessante separar a cidade em setores, pois a dinâmica se perde quando só um uso é contemplado em determinada área (CALLIARI, 2016). Para Jacobs (2000) e Gehl (2015), um bairro com residências, escritórios e restaurantes, provavelmente terá mais “olhos na rua” durante o dia. Esta vigilância coletiva aparentemente desestimula a criminalidade. Os bairros de uso misto, onde as pessoas podem caminhar mais, geram benefícios para a saúde de seus habitantes e fomentam a criação de comunidades mais ativas, com qualidade de vida superior. Um exemplo claro de falta de diversidade que gera vitalidade somente em determinados horários do dia é a região da Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, em São Paulo, onde só há escritórios, sem residências e outros tipos de comércios. Após o expediente, o lugar ficar completamente vazio. Enquanto que em cidades como Copenhague, a combinação de usos em ruas e avenidas variadas, atrai pessoas em diversos horários do dia, criando um ciclo de vitalidade continuo, conforme ilustrado na figura 12 (CALLIARI, 2016). 45


FIGURA 12 – Av. Berrini, São Paulo e Copenhague. Fonte: Elaborada pela autora a partir https://revista.zapimoveis.com.br/sp-e-a-cidade-latino-americana-com-mais-escritorios-de-multinacionais/; https://brasil. elpais.com/brasil/2017/01/16/internacional/1484583700_664198.html.

FIGURA 13 – Bucareste, Romênia. Fonte: Elaborada pela autora a partir de https://www.archdaily.com.br/br/772541/ antes-depois-30-fotos-que-mostram-que-e-possivel-projetar-para-os-pedestres/ 55db8cefe58ece052b000005-antes-depois-30-fotos-que-mostram-que-e-possivel-projetar-para-os-pedestres-imagem.

Nesses espaços de transição, o projeto deve privilegiar as quadras curtas com maiores alternativas de trajetórias para garantir a permeabiliO segundo princípio está ligado a projetar e pensar os espaços da ci- dade física dos pedestres e ciclistas. Isso aumenta o interesse de camidade integrando e convidando tanto pedestres quanto ciclistas para nhabilidade e circulação pelas áreas livres da cidade (CALLIARI, 2016). usufruir dos diferentes espaços da comunidade (GEHL, 2015). Para alcançar este princípio, o desenho deve favorecer a criação de térreos ESPAÇOS DE TRANSIÇÃO: ativos com frentes para a calçada, e usos variando entre comerciais e de serviço, fazendo uso de pé direito adequado à escala humana. Criar espaços de transição entre os espaços livres da cidade e os edifícios, iniciando assim uma interação entre as atividades que ocorrem Outra estratégia defendida por Speck (2017), visa inserir e integrar as no interior das edificações e a vida que se estabelece no exterior, ou rampas destinadas ao acesso de pedestres e limitar o acesso de carros, seja, nos espaços públicos, contribui para que funcionem conjuntatirando ele das áreas de convívio público e colocando os mesmos em mente. Este é o terceiro princípio a ser empregado em desenhos que áreas destinadas para guarda-los. Criar transições atraentes, também, promovam a vitalidade urbana (GEHL, 2015). é um caminho a ser escolhido para planejar ambientes convidativos a circulação de pedestres e ciclistas, conforme ilustrado na figura 13. ESPAÇOS INTEGRADOS E CONVIDATIVOS:

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O espaço de transição – onde as edificações e a cidade se encontram – é também vital para a qualidade da habitação e da vitalidade da área urbana do entorno. A zona de transição é a parte externa mais ativa em uma área residencial. Aqui se encontra a porta de entrada das casas – zona de intercâmbio entre a esfera privada e a pública – a é aí que as atividades das áreas residenciais se mudam para o terraço ou recuo ajardinado, em um bom contato com o espaço público. A zona de transição também é aquela que os pedestres veem e vivenciam quando caminham pela área. (GEHL, 2015, p.82)

FACHADAS ATIVAS: As fachadas ativas também podem ser adotadas para melhorar o espaço de transição, onde o desenho da fachada influencia diretamente nas atividades oferecidas entre os edifícios e a rua. Gehl (2015), em Cidade Para Pessoas, classifica as fachadas em ativas, amistosas, mistas, monótonas e inativas, onde atribui características especificas para cada uma delas, conforme figura 15.

Esses espaços são identificados nas sacadas, patamares, degraus e nos recuos ajardinados onde cercas vivas e portões baixos marcam uma transição suave entre privado e público. Quando algumas atividades do âmbito privado são introduzidas nessas áreas de transição, a sensação de conforto e segurança aumenta e consequentemente a vitalidade também, conforme figura 14 (GEHL, 2015).

Fonte: Acervo pessoal. FIGURA 14 – Espaço de transição suave em áreas residenciais de Lisboa, Portugal

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Quando as fachadas são abertas, há interesse por parte das pessoas em conhecer mais sobre a edificação, fazendo com que circulem em menor velocidade nas calçadas, trazendo assim vitalidade. Tais fachadas contribuem para que mais deslocamentos sejam realizados pelos pedestres. A calçada desempenha um papel fundamental no sucesso, ou não, da fachada ativa. A situação ideal são aquelas com áreas que apresentam densidade média ou alta, constituem centralidades de bairros, foram vias de atividades, possuem diversidades de usos, estabelecem relação entre os usos e atividades, mantêm padrões de mobilidade da população e devem apresentar em torno de 60% de permeabilidade visual, ou seja, de transparência — na forma de portas, janelas e vitrines (GEHL; SVARRE, 2018). Ao longo de sete trechos com cerca de cem metros de ruas comerciais de Copenhague, na Dinamarca, foi realizado um estudo para comprovar que a teoria do desenho de fachadas possui grande influência no que diz respeito as atividades que ocorrem no seu entorno. No resultado da pesquisa, observou-se cerca de sete vezes mais atividades acontecendo diante de fachadas abertas. As fachadas ativas, abertas, que possuem contanto estabelecido entre interior e exterior são exemplos de maior interatividade e movimento de pessoas nesses trechos de ruas, conforme ilustrado na figura 16 (GEHL; SVARRE, 2018).

FIGURA 15 – Categoria de Fachadas segundo Gehl Fonte: Elaborada pela autora a partir GEHL; SVARRE, 2018.

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qualidade urbana: comércio de rua, limpeza e manutenção. Produtos são levados de um lado para outro, e as pessoas esperam pacientemente nos cruzamentos e pontos de ônibus. No outro lado da escala, estão atividades opcionais e recreativas, incluindo sentar em bancos, em cafés, para observar o movimento e acompanhar a vida da cidade. Aqui, a qualidade da situação, do tempo e do local, é decisiva. (GEHL, 2015, p.134)

Criar atividades que atendam ao público que circula pela área em paralelo a atividades que atraiam outras pessoas, além de espaços que ofereçam conforto para estimular a permanência de pessoas tanto em pé, quanto sentadas, são caminhos a serem percorridos para alcançar o quarto, e último, principio, conforme ilustrado na figura 17 (GEHL, 2015). FIGURA 16 – Rua com fachadas ativas de Copenhague Fonte: http://omundoapasseio.blogspot.com.br/2012/12/copenhagen.html

ESPAÇOS DE PERMANÊNCIA: Por fim, temos o quarto princípio, que está baseado em criar atividades que reforcem o convite para que as pessoas permaneçam por mais tempo nas áreas públicas da cidade. Esse princípio se apresenta como o mais simples, porém o mais eficaz para reforçar a vitalidade necessária na cidade. As atividades estão divididas em dois grupos principais, estacionárias e em movimento. Destaca-se as atividades estacionárias com estímulos para a permanência das pessoas, que podem ser as atividades tidas como necessárias e as opcionais (GEHL, 2015). Atividades estacionárias podem ser descritas muito simplesmente numa escala segundo o grau de necessidade. Numa ponta da escala, encontramos atividades que não dependem, particularmente, da

FIGURA 17 – Ferenciek Tere, Budapeste, Hungria Fonte: Elaborada pela autora a partir de https://saopaulosao.com.br/images/antes-despues-urbi-ferenciek-tere-budapest-hungria.jpg.

O desenho deve, portanto, priorizar espaços para que o pedestre se sinta convidado a permanecer. O esquema ilustrado na figura 18, apresenta a síntese das recomendações projetuais para 49


a reconciliação de áreas caracterizadas por rupturas urbanas. A primeira se baseia nos estudos sobre espaços públicos e a vida na cidade, a segunda está associada aos quatro princípios listados por Gehl, descritos e exemplificados neste capítulo. O terceiro e quarto princípios utiliza os bairros, pontos nodais e marcos visuais de Lynch (2011).

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FIGURA 18 – Recomendações para Qualificações das Rupturas Fonte: Elaborada pela autora a partir de Lynch, 2011 e GEHL, 2015.

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Este capítulo apresenta o diagnóstico da área de estudos com foco na área de intervenção que contempla dois bairros adjacentes do município de Vila Velha, E.S. Está dividido em três partes, na primeira, apresenta um breve histórico de sua ocupação, seguida da identificação da área dentro do município de Vila Velha e das características sociais e econômicas da população residente na região. A terceira parte é compreendida pelas características morfológicas da área de intervenção. 52


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identificação da área de intervenção a ser reconciliada

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4.1 breve histórico da área de intervenção Os bairros em questão possuem históricos de formação similar, am- constituídos por conjuntos habitacionais verticais, com 4 pavimentos. bos foram criados para suprir a necessidade de grande quantidade de migração para o município. Nos anos 70 ocorreu um grande fluxo migratório para a capital do Espírito Santo, vizinha ao município de Vila Velha, onde está situada a área objeto deste estudo. Este fluxo se deu pelo desenvolvimento industrial, após a implantação do Porto de Tubarão e da usina Vale do Rio Doce. A região não estava adequadamente preparada para receber a quantidade de migrantes que chegava, e vários problemas foram gerados na cidade, em virtude dessas pessoas começarem a se acomodar em áreas informais da cidade. Estes passaram a ocupar as áreas dos manguezais e encostas de morros, resultando nos atuais assentamentos subnormais e informais da cidade (SIQUEIRA, 2010). Esgotada a capacidade de ocupação na capital, a onda migratória voltou-se para municípios vizinhos como Vila Velha, que possuía enormes áreas desabitadas, consequência natural da inexistência de infraestrutura apropriada. As autoridades públicas ficaram impossibilitadas de conter tais migrações. A partir de tal evento, o governo criou o programa PROFILURB, Lotes Urbanizados, oferecendo alternativa para aqueles que queriam construir suas residências (IJSN, s.d). A primeira área destinada ao referido plano urbano constitui o atual bairro Boa Vista I em 1977. O bairro vizinho, de Boa Vista II, foi erguido a partir da implantação da Companhia Habitacional do Espírito Santo. Boa Vista II inaugurou a instalação dos serviços básicos para as construções dos prédios residenciais em 1979. A Companhia Habitacional do Espírito Santo começou então a construção de 36 prédios na área, idealizados para servir de moradia para os trabalhadores de baixa renda, no ano de 1979 (IJSN, s.d). No total foram entregues 500 unidades de moradias contemplando a população, 54


4.2 localização e caracterização da área de intervenção Localizados no município de Vila Velha, região metropolitana do Espírito Santo, os bairros Boa Vista I e Boa Vista II são adjacentes e estão situados na Regional administrativa 01, identificada como Grande Centro (Mapa 01). Os bairros distam aproximadamente 1,5 km do centro da cidade e limitam com os bairros Divino Espírito Santo, Soteco, Residencial Coqueiral de Itaparica e Vista da Penha (Mapa 02).

MAPA 1 – Mapa de Situação da Regional 01 Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis, no Laboratório 06, da Unidade Acadêmica III, na Universidade Vila Velha, com base na Lei Municipal nº 4707/2008 e no sistema de referência Sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

MAPA 2 – Mapa de Localização dos bairros na Regional 01 Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis, no Laboratório 06, da Unidade Acadêmica III, na Universidade Vila Velha, com base na Lei Municipal nº 4707/2008 e no sistema de referência Sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

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A área compreendida pelos bairros Boa Vista I e II apresenta uma ocupação essencialmente residencial caracterizada por vários vazios urbanos. Está situada em uma área confinada por uma malha descontínua e por grandes equipamentos cuja ocupação contrasta com a dimensão dos lotes destinados às residências e aos espaços livres de uso público dos bairros. Possuem juntos uma extensão de 3 m2 e uma população de 6.658 habitantes.

A malha descontínua do bairro Boa Vista II apresenta uma ocupação com morfologias contrastantes, ao sudoeste, na parte superior do mapa ilustrado acima, com edifícios permeáveis de até quatro pavimentos entremeados por edifícios isolados que apresentam uma ocupação média de 900 m2. E a porção inferior, com ocupações institucionais que chegam a 76 mil m2. Estas últimas confinando com a área do Shopping Vila Velha que possui um total de 124 mil m2.

Este estudo concentrou-se na área de abrangência situada no entorno da única praça do bairro, a Praça Argiliano Dario, situada na área mais elevada e fragmentada do bairro. A porção nordeste da área, situada na parte inferior do mapa abaixo, apresenta uma ocupação predominantemente institucional que faz limite com uma grande área comercial (Mapa 03)

Estas ocupações institucionais atraem um fluxo intenso de pessoas durante o horário de funcionamento. Esse fluxo intenso que prioriza o trânsito de veículos motorizados intensifica a ruptura viária na região. (Fig. 19).

FIGURA 19 – Marcos referenciais Fonte: Elaborado pela autora a partir de https://www.uvv.br/; http://esbrasil. com.br/forum-de-vila-velha-inicia-mudanca-para-nova-sede-em-itaparica/; http://www.aesmp.org.br/noticia/detalhada/420/ministrio-pblico-inaugura-no-

MAPA 3 – Mapa de Marcos Referenciais Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis, no Laboratório 06, da Unidade Acadêmica III, na Universidade Vila Velha, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

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O Shopping Vila Velha, que se encontra no bairro Divino Espírito Santo, está localizado na divisa com o bairro Boa Vista II, e influencia diretamente no desenvolvimento do comércio da região analisada. É considerado o maior Shopping Center do estado ocupando uma gleba contrastando com as demais ocupações do entorno e da cidade (Fig. 20).

FIGURA 20– Shopping Vila Velha Fonte: http://www.vilavelha.es.gov.br/paginas/desenvolvimento-urbano-novos-shoppings-centersva-sede-da-promotoria-de-justia-em-vila-velha

Para compreensão do perfil socioeconômico e dos serviços públicos disponíveis nos bairros Boa Vista I e Boa Vista II, o estudo utilizou os dados do Censo 2010 do IBGE, disponibilizados pela Prefeitura Municipal de Vila Velha (2013). Neste estudo, foi identificado um predomínio de mulheres em relação a quantidade de homens em ambos os bairros. Ambos os bairros apresentam um perfil socioeconômico similar, com predomínio de pessoas com idades entre 15 a 64 anos, assim identificados na pesquisa publicada pelo município como população ativa.

TABELA 4 – População Total e Distribuição Populacional por Gênero e Faixa Etária

Fonte: Elaborado pela autora a partir do Censo Demográfico 2010.

Os dados disponibilizados pela Prefeitura apresentaram ainda que os bairros estão bem servidos pelos serviços de energia elétrica, coleta de lixo e abastecimento de água (rede geral).

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4.3 condicionantes ambientais, morfológicos e legais A área compreendida pelos bairros Boa Vista I e Boa Vista II possui características topográficas diferentes. Enquanto no primeiro bairro a região é predominantemente plana, contendo poucas variações em seu perfil topográfico, no bairro Boa Vista II há grandes variações nas curvas de níveis. Estas variações impõem desafios nos acessos e conexões das diferentes áreas dos bairros, aonde o percentual de inclinação chega a 42%, conforme ilustra o mapa 4.

TABELA 5 – Percentual de Domicílios Segundo a Existência de Energia Elétrica, Coleta de Lixo e Abastecimento de Água

Fonte: Elaborado pela autora a partir do Censo Demográfico 2010.

MAPA 4 – Mapa de Curvas de Nível Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis, no Laboratório 06, da Unidade Acadêmica III, na Universidade Vila Velha, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

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O desnível de 15m entre a área mais baixa e alta do perfil topográfico ilustrado na figura 21, associado à malha retalhada e fragmentada do bairro, resultou em uma morfologia repleta de rupturas. Este estudo identificou, entretanto, tais rupturas como potencialidades para promoção das recomendações sintetizadas e ilustradas na figura 18 da página 51, visando a reconciliação e integração dos diferentes níveis dos bairros.

Como os bairros são vizinhos, a grande variação de níveis topográficos de Boa Vista II, pode ser percebida em diferentes trechos de Boa Vista I, onde se destacam visuais livres para o entorno, como a vista para a pedra dos dois olhos, localizada no município de Vitória (Figura 22). Neste trecho do bairro, identificou-se um limite imposto pelo desnível entre a praça e o vazio localizado na sua parte posterior. Este desnível impede a conexão entre os dois bairros que poderia ser viabilizada através da extensão desta praça a área mais baixa.

FIGURA 22 – Vista a partir da Praça Argilano Dario Fonte: Elaborado pela autora a partir do Google Maps. FIGURA 21 – Perfil Topográfico Fonte: Elaborado pela autora a partir do Google Earth.

O bairro Boa Vista I apresenta uma malha organizada e contínua, muito semelhante a uma malha urbana ortogonal, devido a ordenação das vias estarem dispostas em sua maioria de forma paralela, resultado do loteamento do bairro que ocorreu inicialmente de forma regular. As quadras se definem pelo traçado das vias, formando retângulos com dimensões variadas, dispostas em diagonal em relação ao norte. Já Boa Vista II, apresenta um índice moderado de 59


adensamento, as quadras foram surgindo de forma desordenada, a partir de expansões espontâneas ocorridas na década de 80 e 90, gerando espaços aleatórios, com ruas desiguais e muitas edificações sem afastamento. Os dois bairros apresentam quadras com algumas ruas sem saída e alguns becos, enquanto a maior concentração de vazios está localizada no Bairro Boa Vista II (Mapa 5).

conjuntos habitacionais de 4 pavimentos. A outra tipologia residencial identificada na área são de casas em sua maioria de dois e três pavimentos, com uso misto, comercial no térreo e residencial nos demais pavimentos. O uso comercial tem pouca diversidade e atende apenas a comunidade, como lanchonetes, padarias, mercearias, bares e algumas lojas de roupas. O gabarito predominante da região, identificado nesta fase de estudos, vai de encontro ao que Gehl (2015) define por escala humana. Situação adequada a criação de ambientes externos equipados para acomodar atividades de média e longa permanência.

MAPA 5 – Mapa Figura Fundo Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis, no Laboratório 06, da Unidade Acadêmica III, na Universidade Vila Velha, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

Através do levantamento de uso e ocupação do solo dos bairros, nota-se maior predominância de edificações residenciais, e em menor parcela as de uso misto, seguidas pelas edificações institucionais, comerciais e de prestação de serviço (Mapa 6). As edificações destinadas ao uso residencial são predominantemente de prédios e

MAPA 6 – Mapa de Uso e Ocupação Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis, no Laboratório 06, da Unidade Acadêmica III, na Universidade Vila Velha, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

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As instituições localizadas nos bairros, além das já citadas neste capítulo, englobam quatro escolas que variam entre o ensino fundamental e médio, uma creche e uma igreja Maranata, todas ilustradas na figura 23. Estas, segundo JACOBS (2000), funcionam como atrativos para a comunidade. A existência de vazios no entorno dessas instituições pode favorecer a qualificação da área na promoção de novos espaços de convívio e interação, com equipamentos que atendam a demanda desta população local.

Os bairros apresentam tipologias diferentes em relação a predominância de gabaritos, enquanto Boa Vista I compreende entre suas edificações a maior predominância de gabaritos entre 2 e 3 pavimentos, o bairro Boa Vista II, possui predominância de gabarito de até 4 pavimentos, caracterizado pelos conjuntos habitacionais de destino popular locados no bairro (Fig. 24) (Mapa 7).

FIGURA 24 – Gabarito de edificações residenciais Fonte: Elaborado pela autora a partir de acervo pessoal.

FIGURA 23 – Fachadas Institucionais Fonte: Elaborado pela autora a partir de acervo pessoal.

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Estas seguem o desenho das demais vias da cidade em que o veiculo motorizado prevalece em detrimento da mobilidade ativa. Por mobilidade ativa entende-se aquela em que são privilegiadas as locomoções de pedestres, bicicletas e transporte público. Identificou-se neste estudo que a via coletora localizada na parte superior do bairro Boa Vista II, acolhe quatro escolas, demandando cuidados no tratamento da mesma para que passe a acomodar o fluxo de crianças, adolescentes e familiares de forma mais segura e confortável.

MAPA 7 – Mapa de Gabarito Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis, no Laboratório 06, da Unidade Acadêmica III, na Universidade Vila Velha, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

A maioria dos conjuntos residenciais apresentam gabarito até 4 pavimentos e estão concentrados no entorno da Praça Argiliano Dario. Estes apresentam áreas em sua maioria livres para o uso público, porém fragmentadas pelos desníveis impostos pela topografia da região. São áreas adjacentes, com várias porções de terrenos livres com potencial para criação daquelas áreas já mencionadas de estar ao ar livre com mobiliários favoráveis a permanência e socialização da comunidade local. Em relação à malha viária, enquanto a maioria das vias que adentram Boa Vista II são coletoras, as vias que cortam Boa Vista I são predominantemente locais, conforme ilustrado no mapa 8.

MAPA 8 – Mapa de Hierarquia e Nós Viários Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis, no Laboratório 06, da Unidade Acadêmica III, na Universidade Vila Velha, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

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Destaca-se ainda no estudo da malha viária, a Rua Raul Pompéia, (Fig. 25), via local que faz limite com a Praça Argilano Dário. Essa Praça foi identificada de grande importância para este estudo, por ser a única da região, e por estar situada na área central dos dois bairros, circundada por áreas vazias com potencial favorável a promoção da integração e conexão almejada pela comunidade local.

do bairro se as áreas livres forem adensadas com a taxa de ocupação máxima e permeabilidades mínimas estabelecidas pelo PDM.

FIGURA 25 – Corte Esquemático da Rua Raul Pompéia Fonte: Elaborada pela autora a partir de https://streetmix.net.

No que diz respeito aos condicionantes legais da região, segundo o Plano Diretor Municipal de Vila Velha (PDM), o Bairro Boa Vista I e Boa Vista II estão inseridos na Zona de Ocupação Prioritária – ZOP5. Com base nas informações do PDM, o coeficiente de aproveitamento (C.A.) máximo permitido para estes bairros é de 4, afastamento frontal de 3m e afastamento lateral 1,5m. O PDM não estabelece altura nem gabarito máximos, e a taxa de ocupação (T.O.) máxima é de 60%, enquanto a de permeabilidade (T.P.) mínima é de 10% (Tab. 6). Este estudo verificou que esses índices podem intensificar os problemas atuais de alagamento

TABELA 6 – Índices Urbanísticos Fonte: Elaborado pela autora a partir do PDM de Vila Velha, Lei 4.575/2007.

As análises precedentes sugerem a existência de várias oportunidades ameaçadas pelas rupturas urbanas locais. Estas rupturas urbanas existentes no bairro foram mapeadas e ilustradas no mapa 9. Observa-se que tais fenômenos favorecem a diminuição da vitalidade, criando áreas subutilizadas, devido à falta de infraestrutura e conexões. Os condomínios residenciais introspectivos 63


situados na região negam o entorno, impedindo a total permeabilidade e caminhabilidade na região. Os vazios urbanos que cercam a praça, compreendidos por grandes glebas de terra desprovidas de uso, equipamentos e vitalidade, fragmentam o bairro, e criam segregação espacial e insegurança para a comunidade local. Em relação às rupturas viárias, este estudo destacou duas vias. A primeira via é a Rua Rubens Braga, situada na porção superior dos bairros Boa Vista I e II. Esta via apresenta um uso predominantemente residencial, com poucos estabelecimentos destinados ao comércio, desprovidos, todavia, de atividades que caracterizem um térreo ativo ao longo de sua extensão. A pavimentação da via e do passeio público está em estado crítico, o que compromete a permeabilidade física da mesma. Encontram-se, além dos usos citados acima, edificações destinadas a atividades institucionais, como a escola de ensino fundamental e médio Professor Geraldo Costa e a escola de ensino e a escola de ensino fundamental Rubem Braga, que apresentam características de abandono e má conservação. Existe uma grande área vazia, situada entre duas Instituições de ensino que é ocupada por um campo de futebol, utilizado pelos moradores do bairro. A outra via estudada é a Rua Pompéia que dá acesso à Praça Argilano Dário. Esta rua possui um estreitamento na sua extremidade, possibilitando a passagem apenas de um veículo por vez. Esta situação conflita com a passagem de pedestres, expondo os mesmos a certa insegurança ao tentar transitar por um caminho configurado como rua para circulação de veículos motorizados.

MAPA 9 – Mapa de Rupturas Urbanas Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis, no Laboratório 06, da Unidade Acadêmica III, na Universidade Vila Velha, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

A principal área de uso público voltado para o lazer nos bairros é a Praça Argiliano Dário, que se encontra isolada da região devido a fatores morfológicos, como a cota rebaixada em relação ao entorno e devido a alguns aspectos físicos comportamentais. Esses últimos verificados nas depredações, pichações e nas construções que ocupam área da praça e limitam os seus acessos. A Rua Raul Pompeia é a única alternativa de acesso para a praça. Além de encontrar-se cercada por muros pichados, as poucas áreas gramadas da praça estão ocupadas por lixo, e os equipa64


mentos urbanos, como mesas, playground e quadra, deteriorados. A região carece de travessias com faixas de pedestre sinalizadas e preservadas. Além da precariedade de equipamentos e infraestrutura, a praça não possui acessibilidade. Em um encontro com a comunidade foi destacado pelos moradores uma carência de massas verdes, para criar um microclima mais agradável para os frequentadores tanto da praça, quanto das demais regiões dos bairros. Outros pontos destacados foram a falta de infraestrutura na praça, necessidade de manutenção nos equipamentos existentes e na instalação de novos elementos para a prática de outras atividades (RAMOS, 2018). O Mapa 10 ilustra as vulnerabilidades descritas de forma sintetizada.

Apesar das vulnerabilidades destacadas, a área de estudos também apresenta uma variedade de potencialidades. A visual a partir da praça e demais pontos mais altos da área é uma delas. Estes pontos permitem visualizar o Convento da Penha e a Pedra dos dois olhos, esta última situada na área de abrangência do Parque da Fonte Grande, na capital Vitória. Outra vantagem dessas áreas mais elevadas são os ventos dominantes que chegam da região nordeste. Esses ventos favorecem a ventilação natural e são preservadas pelo gabarito baixo e pelas distâncias confortáveis entre a maioria dos edifícios que ocupam esta área. A inclinação acentuada da área que engloba a Praça favoreceu a preservação de vários vazios que podem ser trabalhados para permitir a acessibilidade e integração dos diferentes níveis e das diferentes partes que hoje se encontram fragmentados nos bairros. Essa tentativa de integração foi verificada em alguns percursos informais criados pelos moradores, entre os edifícios que compõe um conjunto residencial localizado na frente da praça. As Instituições de ensino, já destacadas, geram um fluxo constante de pessoas na região. Esse fluxo é favorecido ainda pela escala das edificações que compõem esta região. Situação que propicia um cenário ideal para acomodar uma proposta de reconciliação através de um sistema de espaços livres integrados e conectados. O Mapa 11 sintetiza as potencialidades descritas.

MAPA 10 – Mapa de Vulnerabilidades Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis, no Laboratório 06, da Unidade Acadêmica III, na Universidade Vila Velha, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

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destacados nesse capítulo. São áreas potenciais que estão negligenciadas e carecem de equipamentos e de um desenho que as valorize.

MAPA 11 – Mapa de Potencialidades Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis, no Laboratório 06, da Unidade Acadêmica III, na Universidade Vila Velha, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

Esta etapa do diagnóstico também contemplou o estudo das visadas dos principais acessos e percursos potenciais identificados na região. As visadas aparecem no mapa 12, onde foram marcados os locais analisados e na figura 26, onde cada visada e retratada pela respectiva foto do local. Analisando o mapa e a figura, foi possível identificar diferentes barreiras visuais que se caracterizam, em sua maioria, por maciços vegetais, desníveis e ladeiras sem saídas. Essas barreiras promovem a interrupção e descontinuidade da área. Neste percurso também foram identificados os que apresentam visuais livres para marcos do entorno, já

MAPA 12 – Mapa de Visadas Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis, no Laboratório 06, da Unidade Acadêmica III, na Universidade Vila Velha, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

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FIGURA 26 – Fotos do Mapa de Visuais Fonte: Elaborada pela autora a partir de acervo pessoal.

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O presente capítulo visa apresentar as propostas que conciliam os estudos realizados durante a fundamentação teórica e a análise morfológica descrita no capítulo quatro, para definição a partir das vulnerabilidades e potencialidades identificadas, da proposta projetual de intervenção da área de estudos. Está estruturada em dois subcapítulos. O primeiro apresenta as etapas e processos que deram origem à proposta. Estão descritos os conceitos e partidos adotados, as respectivas justificativas e o resultado da proposta de requalificação através do desenho urbano dos espaços livres de uso público nos bairros Boa Vista I e Boa Vista II, com foco principal na praça Argilano Dario.

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proposta de reconciliação das rupturas urbanas

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5.1 conceitos e estratégias projetuais Os conceitos apresentados foram pautados nas recomendações identificadas na etapa teórica do trabalho, que abordou quatro diretrizes. Essas, buscam a qualificação do espaço e a reconciliação das rupturas identificadas na área de estudos. As decisões projetuais consideraram os conceitos adotados atrelados a estratégias que garantem que a teoria possa ser aplicada na prática. Considerou-se para o estabelecimento destes conceitos a realidade do local de intervenção, que foi diagnosticada através de visitas de campo, do mapeamento morfológico e de uma oficina realizada com a comunidade através do Projeto de Extensão Adote uma Praça (RAMOS, 2018). A oficina, denominada Oficina Participativa de Intervenção Urbana, foi realizada com os moradores do bairro Boa Vista II e conduzida por um grupo de professores e alunos, que participaram da Extensão “Adote uma Praça”, da Universidade Vila Velha. Neste encontro, a comunidade foi estimulada a elaborar três mapas. O primeiro destacando as potencialidades, o segundo, as vulnerabilidades e o terceiro, as propostas para a área da praça.

FIGURA 27 – Ícones dos conceitos fundamentais Fonte: Elaborada pela autora.

Os diagramas a seguir apresentam propostas de intervenção para a área, considerando a aplicação dos conceitos adotados para reverter o cenário de ruptura existente no local. No mapa 13, foram apontados os conceitos que serão empregados em cada área de requalificação do espaço de intervenção.

Como potencialidade, os moradores enfatizaram atividades que acontecem nas quadras e playgrounds. Entretanto fatores como falta de infraestrutura e segurança nestas mesmas áreas foram destacadas como pontos fracos. Outra vulnerabilidade que ganhou destaque foram as pichações, o lixo espalhado pela praça e a falta de manutenção dos equipamentos e do resto de grama que ainda resiste na área. A partir deste encontro e das demais fases que contemplam o embasamento teórico e o diagnóstico da área de estudos foram definidos quatro conceitos para este projeto de intervenção. Estes quatro conceitos: diversidade, integração, espaços de transição e permanência, estão ilustrados na figura 27. 70


MAPA 13 – Mapa de Conceitos

MAPA 14 – Mapa de Proposta Viária

Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis, no Laboratório 06, da Unidade Acadêmica III, na Universidade Vila Velha, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis, no Laboratório 06, da Unidade Acadêmica III, na Universidade Vila Velha, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

Para garantir maior permeabilidade dos pedestres na região e diminuir o grande fluxo de carros em um dos novos acessos a praça, foi proposto a mudança de sentido da Rua Rubens Braga. Essa passa a ter sentido único, assim como a rua Joaquim Manoel Macedo, como ilustrado no mapa 14.

Os itens seguintes apresentam uma breve descrição de cada um dos conceitos retratados no Mapa 13.

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5.1.1 diversidade

O conceito de diversidade surge a partir do entendimento de que a variedade de usos e funções, abordada por Jacobs (2000) garante vitalidade a um espaço urbano, fazendo com que o ambiente possa promover qualidade de vida e segurança a seus usuários. Com isso, estratégias como promover usos para diferentes idades, garantir a sustentabilidade social, não separar a cidade em setores e garantir segurança aos usuários faz com que o espaço urbano se torne diverso e, consequentemente, atrativo e dinâmico. Para garantir que tal conceito aconteça na Rua Rubens Braga foi proposto uma requalificação das fachadas, diminuindo a altura dos muros e criando uma maior integração com a via. Essa proposta acolhe atividades do setor criativo, para geração de renda para comunidade, conforme sugerido pelos próprios moradores durante a oficina do Adote uma Praça. O Objetivo dessas atividades e da requalificação das fachadas e garantir uma permeabilidade visual entre as edificações e o passeio público em que estão faceando.

5.1.2 integração

Os espaços da cidade devem ser pensados de forma a estarem integrados, sendo convidativos tanto para pedestres quanto para ciclistas. Com isso, há um estimulo no uso de áreas que estejam distantes, mas integradas no desenho urbano. Para que isso seja possível, a promoção de quadras curtas e o aumento do interesse pela caminhabilidade são estratégias fundamentais. A proposta deste projeto procura oferecer vias exclusivas para pedestres, promover a abertura dos muros dos condomínios, e criar nestes espaços áreas agradáveis. Nessas áreas serão propostas atividades de integração social e atividades esportivas para promover a apropriação de novos usos para os terrenos vazios. É possível integrar os diferentes espaços propostos através da demarcação dos principais acessos, com a criação de pórticos, utilização do mesmo padrão de pavimentação e vegetação e com a inserção de mapas de orientação, criando assim uma identidade visual para a área, auxiliando na legibilidade, apontada por Lynch (2011) como essencial para tornar claro o entendimento de determinado lugar.

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5.1.3 espaços de transição

Os espaços de transição são elementos que visam criar conexões entre a cidade e os edifícios, essencial para qualidade espacial do espaço semi-público. Visa ainda estimular o senso de pertencimento do usuário com a área em que está inserido. A criação de pontos nodais qualificados e marcos visuais, elementos previstos por Lynch (2011), com recuos ajardinados, mirantes, patamares equipados com mobiliários e atividades comerciais como lanchonetes, quiosques e feirinhas nestas áreas são estratégias que visam garantir uma função permanente conectando os diferentes espaços de transição da área. Além disso, é possível gerar interação entre atividades do interior e exterior das edificações. A proposta contará com a criação de conexões entre as diversas partes desintegradas do bairro, através da paginação do piso e percursos acessíveis, tanto na praça quanto nas demais áreas dos bairros.

5.1.4 permanência

Os espaços de permanência visam estimular o uso constante das áreas públicas através de ambientes confortáveis com atividades que reforcem a utilização por mais tempo dos espaços públicos. Para isso é necessário criar atividades estacionárias e em movimento. Pretende-se garantir espaços com ambientes variados destinados a acolher atividades das diferentes idades através da ampliação da praça Argilano Dario. A proposta é estendê-la aproveitando o terreno da parte situada na cota mais baixa do bairro Boa Vista I. Essa proposta favorecerá a apropriação do novo espaço que irá contar com áreas para crianças, com os brinquedos lúdicos, para os jovens e adultos, com a academia popular e para os idosos, com a academia, além de mesas de jogos, paredes de escaladas e circuitos de arvorismo. Serão criados também outros espaços de convívio, em ambientes menores, distribuídos por toda a área que contará com pontos sombreados contendo bancos e espaços de permanência além de equipamentos para atividades esportivas. Todas estas atividades, em conjunto, poderão garantir o uso contínuo e em diferentes horários, promovendo um ambiente saudável, dinâmico e seguro.

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5.2 propostas projetuais De maneira geral, o projeto buscou reverter os diferentes tipos de rupturas através de um sistema integrado de espaços livres de uso público. Neste sentido, caminhos, vazios e enclaves foram conectados através de espaços abertos, arborizados e dinâmicos. Para garantir tal conexão foi implantado em cada acesso um totem com mapa tátil que funciona como sistema de comunicação visual criado especialmente para a região. Em cada placa foi projetado um mapa geral para situar o usuário na praça e possibilitar identificar todas as atividades existentes. Todos os acessos à região possuem pórticos integrados com placa de identificação, elementos que garantam uma identidade visual à Praça. A setorização ilustrada na figura 28 apresenta a distribuição proposta para o sistema integrado de espaços livres projetados para a área. Esses setores foram criados visando potencializar os pontos fortes e anular os pontos fracos identificados na fase de estudos.

O espaço conexão possuí característica de local de transição, dando acesso a praça e as demais áreas do bairro. Foram inseridos no projeto, uma nova arborização, novos mobiliários e espaços de contemplação para garantir uma caminhabilidade confortável para a área. O projeto também adotou uma paginação de piso com padrões que se repedem por toda a extensão do sistema de espaços livres planejado. Esse padrão visa contribuir para reforçar a identidade local. Os percursos foram criteriosamente projetados para acomodar rampas com inclinações variando entre 5% e 6%, visando um maior conforto de pessoas que apresentam alguma mobilidade reduzida. Esses percursos foram permeados por canteiros, forrações, árvores e esculturas inseridas estrategicamente nos pontos focais da circulação conforme ilustrado na figura 29. As áreas livres entre os edifícios dos condomínios foram incluídas na proposta, tendo, contudo, sido preservados, os acessos, que passaram a ser exclusivos para a entrada de veículos dos moradores.

FIGURA 28 – Setorização da área

FIGURA 29 – Percursos Acessíveis

Fonte: Elaborada pela autora, 2018

Fonte: Elaborada pela autora, 2018

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Compreendido pela antiga praça Argilano Dário, o espaço de convivência possui todos os percursos acessíveis. Nesse espaço encontram-se ainda o playground e outras atividades de lazer e entretenimento, com foco na criança, por apresentar uma configuração em que as mesmas podem estar mais protegidas, e nos adultos e idosos que podem contribuir para a segurança das crianças, conforme ilustrado na figura 30.

FIGURA 31 – Horta comunitária vertical Fonte: Elaborada pela autora, 2018

FIGURA 30 – Setor convivência Fonte: Elaborada pela autora, 2018

Nessa área, os muros receberam cial, na parte superior adjacente a foi projetada uma horta comunitária

tratamento espeárea dos idosos, vertical (fig. 31).

Na parte inferior, próxima a área infantil, foi reservado um espaço para os grafites com desenhos que remetem às atividades da praça, e um mural interativo composto por um quadro negro, denominado “deixe sua marca”, onde todos os usuários podem fazer desenhos e deixar mensagens. O espaço agrega ainda um tabuleiro de xadrez na escala real para estimular a integração de jovens e idosos (fig. 32).

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FIGURA 32 – Área destinada a jogos

FIGURA 33 – Tobogãs e rampas de acesso

Fonte: Elaborada pela autora, 2018

Fonte: Elaborada pela autora, 2018

O setor denominado espaço contemplação, está conectado a outros setores de atividades importantes, como o espaço de convivência, integrado por meio de rampas e tobogãs. Esses foram instalados também entre patamares de alturas menores, criando uma animação com diferentes possibilidades de vencer os desníveis da praça (fig. 33).

Nesse espaço, há uma fonte interativa, fig. 34, área para barraquinhas, fig. 35, e diversas áreas de contemplação com vista para a Pedra dos Dois Olhos.

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O espaço aventura comporta atividades radicais adaptadas a topografia íngreme da área com trilhas e arvorismo, figura 36. A academia popular também está locada nesse setor em uma área de contemplação sobre um deck suspenso e uma rede de descanso, figura 37.

FIGURA 34 – Fonte Interativa

Fonte: Elaborada pela autora, 2018

FIGURA 36 – Arvorismo e Trilha do Espaço Aventura Fonte: Elaborada pela autora, 2018

FIGURA 35 – Área para barraquinhas Fonte: Elaborada pela autora, 2018

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FIGURA 37 – Rede em deck suspenso Fonte: Elaborada pela autora, 2018

FIGURA 38 – Espaço Esporte

No setor Esporte foram locados um campo society, uma quadra poliesportiva, uma quadra de areia para vôlei, uma área para prática de skate, patins e slack line, fig. 38. Além das atividades esportivas nesse setor foram implantados três quiosques com banheiros públicos e áreas para descanso e contemplação, figura 39.

Fonte: Elaborada pela autora, 2018

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FIGURA 39 – Quiosques Fonte: Elaborada pela autora, 2018

FIGURA 40 – Implantação Geral Fonte: Elaborada pela autora, 2018

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consideraçþes finais 80


A segregação e exclusão que ocorrem nas cidades contemporâneas são resultado das rupturas urbanas, que são crescentes no novo desenho das cidades. O fato é que a falta de entendimento por parte da população e das autoridades, de que a vitalidade da cidade está ligada a preservação e utilização dos espaços públicos, fez com que durante muitos anos a expansão e ocupação das vias e os modelos de edificações segregados fossem reproduzidos diminuindo o convívio social e a vivacidade do meio urbano. A conformação dos espaços juntamente como o planejamento urbano possuem papel decisivo na melhoria da reconciliação das partes da cidade, resultando em melhores espaços de uso público para todos. Este estudo propõe a reconciliação desses espaços excluídos e segregados, em detrimento das rupturas urbanas, resgatando a relação com o usuário através de alternativas que gerem um espaço de qualidade que vá de encontro as necessidades da população. Ao se qualificar as partes do tecido urbano de forma sequencial, indo do bairro para as vias e depois para os pontos nodais, o resultado é a diminuição ou até a erradicação das fragmentações resultantes das rupturas (LYNCH, 2011).

As diretrizes de desenho urbano e as características locais identificadas nos bairros constituem a base para a continuidade do TCC 2. A fase seguinte terá como foco o desenvolvimento de uma proposta de intervenção que integre os espaços excluídos e segregados à malha urbana da cidade, utilizando os princípios estudados, de modo a proporcionar inclusão, vitalidade, qualidade ambiental, garantir uma caminhabilidade segura e atrativa pela área. Pretende-se contribuir assim, com uma proposta de um anteprojeto para a área livre de uso público existente no bairro, situada em uma área que transpõe os limites do próprio bairro, conectando suas partes fragmentadas através da valorização e inserção de novas possibilidades de conexão até então negligenciadas.

Desta forma, considerando os estudos realizados neste trabalho, o diagnóstico preliminar da área de estudos dos bairros Boa Vista I e Boa Vista II, e o conceito de espaços segregados e excluídos pelas rupturas urbanas, como sendo resultados provenientes da implantação de sistemas viários que priorizam apenas os automóveis, edificações dentro de enclaves e grandes empreendimentos comerciais e as descontinuidades causadas pelos vazios urbanos, percebe-se a carência e o potencial que a região definida para análise da futura intervenção possui.

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