Cadernos de Não Ficção #3

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Todos os exemplos compartilham ao menos dois pontos em comum: utilizam estratégias de legitimação em sua capa, e tais estratégias nem sempre dizem respeito à literatura. Aos pontos em comum, há igualmente dois níveis de observação para explicá-los: em sua camada mais sensível, as alterações na capa são uma forma de fornecer ao leitor informações necessárias para incentivar a compra do volume, assim como alcançar um público antes inalcançável pela literatura. Para o historiador da arte Arnold Hauser, o cinema representou a primeira tentativa de produzir arte a um público de massa. Este público, significativamente maior que o literário, aproximase da literatura por meio de adaptações cinematográficas que encontram seu reflexo nas capas de novas edições. Apesar de as vendas serem geralmente altas na Kolportage – termo alemão para literatura sensacionalista ou barata, significado mais crítico que sua origem

nos vendedores viajantes de livros, os colporteurs –, as razões de um sucesso comercial literário extrapola o próprio livro: ele é, como escreveu o pensador alemão Siegfried Kracauer, “o sinal de um experimento sociológico bem sucedido”, no qual o livro supre uma demanda temática coletiva. Seguindo por este caminho, associar o livro a uma linguagem artística de maior público é um modo de estabelecer uma conexão entre uma linguagem e um público distintos. A capa, responsável pelo primeiro contato entre o leitor em potencial e o livro, é associada à linguagem cinematográfica para ampliar seu raio de atração ao somar outro público ao literário. Em outro nível de observação alheio ao mercado, as informações dispostas na capa são fragmentos de legitimação, tanto do autor quanto do título. Se a ilustração de capa do livro Os Argonautas do Pacífico Ocidental foi, segundo o antropólogo e historiador James Clifford,

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