Modulo para capacitação dos profissionais do projeto consultorio de rua

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De acordo com Safra (2004), existem elementos, especialmente no registro coletivo, como a perda do senso de historicidade e a situação de exclusão social podem levar a uma intensa fragmentação do ethos humano. Neste ponto, a noção de enraizamento proposta por Simone Weil, inscreve-se como eixo importante para reflexões sobre os modos de subjetivação do ser-humano. O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana e uma das mais difíceis de definir. O ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro (WEIL11, 1996, p. 347 apud BOSI, 2003, 175).

Tendo em vista o ethos de crianças e adolescentes em situação de rua, pode-se afirmar que este favoreceria a instalação de um desenraizamento humano na medida em que há um enfraquecimento de vivências que possibilitem a conexão do indivíduo com a percepção do lugar que veio ocupar no destino de sua família, com a tradição cultural que o precede e com a memória social de sua origem. Pode-se afirmar que o desenraizamento é a alienação do homem em relação ao destino de suas ações, ao destino de seus sonhos e desejos. Tal proposição pode ser mais bem compreendida a partir da seguinte perspectiva: a permanência desses sujeitos na situação de rua e no uso de substâncias psicoativas é uma resposta a que aspectos de sua história de vida? A compreensão do ethos que permeia esses sujeitos aponta para uma equipe multiprofissional como a do Consultório de Rua, a necessidade de um posicionamento em sua posicionamento em sua práxis atenta às influências da ordem social, política e cultural na vida de cada sujeito no contexto de inserção na rua. Para traçar as primeiras linhas a partir das interrogações iniciais, é necessário situar aspectos importantes na trajetória de vida e condição existencial de muitos que fazem da rua o seu ambiente de vivência cotidiana. Um primeiro passo nessa iniciativa é buscar compreender quem é a população que está em situação de rua fazendo uso de substâncias psicoativas. Não cabe aqui a distinção posta por alguns autores, entre moradores de rua e frequentadores da rua. O interesse nesse momento é compreender como os usos de substâncias psicoativas por uma população amplamente marcada por uma vivência na rua repercutem em implicações sociais e subjetivas relevantes em suas vidas. Enfoca-se, nesse momento, especialmente crianças e adolescentes em situação de rua pela peculiaridade das fraturas com os vínculos sociais e familiares, sendo assim, amplamente expostos a riscos sociais variados. O Levantamento Nacional sobre o uso de Drogas entre Crianças e Adolescentes em Situação de Rua nas 27 Capitais Brasileiras, uma iniciativa da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, em parceria com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, é importante fonte de dados para compreender os contextos vividos por esta população. Destaca-se a frase no plural, pois é necessário estar atento à diversidade de situações em que a população de rua pode estar inserida. Segundo NOTO et al, (2003), responsáveis pela pesquisa do último levantamento, 68,8 % dos entrevistados, apesar de passar boa parte do dia na rua, moram com a família. O restante do percentual, 31,2%, representa os indivíduos que não moram com a família e ficam na rua sozinhos 11

WEIL, S. A condição operária e outros estudos sobre a opressão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p. 347.


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