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Histórias restauradas de um tempo perdido (Versão digital)

Motivos de ‘Histórias restauradas de um tempo perdido’

"Mesmo sem querer fala em verso quem fala a partir da emoção" João Cabral de Melo Neto

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Em época remota foi dito que “a memória é o escriba da alma” (Aristóteles). Alguém, engajado na Resistência Francesa e nas discussões morais do pós-guerra, concluiu: “Um homem sem memória é um homem sem passado. Um homem que não sabe fantasiar é um homem sem futuro” (Albert Camus)¹. Segundo Freud: Não somos apenas o que pensamos ser. Somos mais: somos também o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos; somos as palavras que trocamos, os enganos que cometemos, os impulsos a que cedemos 'sem querer'. Semelhantemente, é como se os grãos de areia da nossa existência pregressa que deixamos escapar pelos dedos desatentos de nossas mãos laboriosas e apressadas ainda sutilmente retivessem o pó residual na realidade presente para nos mostrar do que somos feitos, de onde viemos e para onde iremos. O passado² é um espelho no qual podemos mirar: ali as imagens refletidas não corrigem o objeto presente ou porvir, mas podem nos referenciar. Na caixa postal da nossa memória de tempos remotos há mensagens que ainda não foram acessadas, ou foram esquecidas, ou mesmo desprezadas na ocasião em que algo importante tentava nos comunicar; no presente, deveriam ser consideradas e ponderadas à luz da verdade e do que para outras pessoas ainda possam significar. São coisas passadas na mente preservadas, que não encontram eco nas manifestações da vida atual. Certamente, somos herdeiros do tempo passado que embora perdido clama por se reencontrar, e oferecer ao presente uma perspectiva tão-somente para ser lembrado e considerado. Aqui não se intenta ir “em busca do tempo perdido” (Proust), mas em resgate de um vínculo perdido no tempo. Em tempos de relativismo se faz necessária a rememoração digna de fatos que marcaram a nossa existência cumprindo o ritual de devolver incólume a (nossa) verdade que clama por ser revelada; e de todos aqueles que dela participaram cada um ao seu tempo dado. Dar a cada um deles a dignidade da nossa memória corrigindo distorções não reveladas, fraquezas e preconceitos que impediam a clareza de ser contados em tempos passados. Na angústia³ de viver, se isso ainda não se justificasse, resta-nos ao menos contar pelo prazer e alegria de recordar, o que ficou gravado de fatos inusitados e que a outros ainda possa interessar. O que nos une ao passado é uma tênue linha que pode nos remendar na esperança de reconciliação na memória com aqueles que já não estão entre nós. Assim, os textos a seguir não são uma lamentação, digna de Jeremias. Tratam apenas de rememoração! Não se lamenta o passado, nem se intenta mudá-lo; nem ao menos justiçar pelo que poderia ter sido. O passado aqui não é justificado, apenas citado. O presente, este sim, é o verdadeiro motivo de resgatar o seu fiel e pretérito companheiro.

N. Gilber

¹Albert Camus (7.11.1913 a 4.1.1960) escritor, romancista, ensaísta, dramaturgo e filósofo francês laureado com o prêmio Nobel de literatura no ano de 1959. Camus um pensador cuja preocupação central foi o sentido da existência humana. L'Étranger (O estrangeiro) (1942) é o mais famoso romance do escritor. ²A imprudência humana faz com que as pessoas olhem muito mais para o presente e esqueçam o passado. As suas esperanças, sempre necessárias, fazem com que toda a poesia dos tempos seja buscada no futuro. Aldo Fornazieri, in http://rogeriocerqueiraleite.com.br/as-sobras-de-2016-sobre-a-palidez-de-2017/ ³Em Kierkegaard (1813-1855), angústia é um sentimento de ameaça impreciso e indeterminado inerente à condição humana, pelo fato de que o homem, ao projetar incessantemente o futuro, se defronta com possibilidade de fracasso, sofrimento e, no limite, a morte

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