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Retrato de uma época
1 Brasil de um povo sofrido e aguerrido, porém gentil - Retrato de uma época
"Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História" A frase, uma das mais célebres passagens da história política brasileira, encerra a carta-testamento deixada por Getúlio Vargas.
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Outrora, naqueles tempos de exaltado nacionalismo marcados por forte emoção de um povo sofrido e aguerrido, porém gentil que doara “Ouro para o bem do Brasil”. O dinheiro na ocasião para o povo valia pataca ou tostão embora para os coronéis valesse mil réis 1 . Antes da Nova República e bem depois do famigerado Lampião 2 (Virgulino), o bandoleiro mais famoso do Brasil. Período inicialmente marcado pela presença derradeira de Getúlio Vargas 3 no comando da nação, quando em São Paulo Ademar de Barros e Jânio Quadros 4 disputavam eleição - o político populista com vassoura na mão prometia ao povo varrer para longe a corrupção, de paletó preto casposo amassado, no seu bolso pão com mortadela embrulhado, arrastava a carecente multidão. Momento histórico de euforia desenvolvimentista, época de Juscelino ("Cinquenta anos em cinco"). Bem depois de Santos Dumont 5 com o 14-bis 6 e de Carmen Miranda com TicoTico no fubá. Já na era dos filmes da Vera Cruz do cinema nacional, tempo do Chaplinbrasileiro da cultura popular: o caipira Mazzaropi como Jeca Tatu em comédia cantada de pura fantasia. Além da risadaria de Oscarito e Grande Otelo em contentamento e pura alegria; quando o mocinho na cena surgia, a criançada exaltada com os pés batia no assoalho do chão de pura emoção. Em O Pagador de Promessas* (1962) do cinema com arte: o Zé do Burro [o povo] carregando nas costas uma imensa cruz, de Anselmo Duarte. Nos tempos de Fuzarca e Torresmo também de Pimentinha e Arrelia: caras pintadas, sapatos espichados em trejeitos exagerados, apoquentavam a plateia entretida carente de alegria. Quando a radionovela em capítulos diários fora substituída pelos reclames da televisão, onde bem apresentada a garota-propaganda anunciava o novo sabão. A TV Tupi exibia o Vigilante Rodoviário com o Inspetor Carlos e Lobo, seu pastor alemão. E na TV Excelsior SP (9.7.1960 a 30.9.1970) os programas de auditório repletos de gente; até o agitado Festival da Música Popular Brasileira (1966), de “Disparada” (G. Vandré) com Jair Rodrigues e “A Banda” com Chico Buarque de Holanda e Nara Leão. Tempos de Bossa-Nova de Tom Jobim, João Gilberto e Vinícius de Moraes; dos violões de Baden Powell (Birimbau) e de Dilermando Reis (Romance de Amor), e outros mais. Deslumbradas, admirando a ginga de Pelé e Mané (Garrincha) craques da seleção, nas vilas da periferia sem preocupação, de barrigas vazias e cabeças cheias de imaginação, as crianças olhavam empolgadas na mesa o café com leite, a manteiga e o pão. E no almoço, o que apetecia: a farta salada, o arroz com feijão, ovo frito, mandioca cozida, pão e banana e suco de limão - a mesa do pobre onde nada sobrava alimentava um montão. As brincadeiras de rua: pega ou pique, esconde-esconde, mãe-da-rua... No campinho, a pelada. No chão, o pião girava e no gude a bolinha de vidro estalava... A pipa na força do vento se levantava, e o inocente pardal caia pela força da estilingada. O caminhão de leite na alpina vila bem cedinho na fila era tão esperado! A leiteira vazia levada à padaria onde o leite era vendido no caneco fracionado recebia o litro de leite no vidro tampado. Mas, depois de muito chacoalhar no engradado, logo ficava coalhado. Seu Armando, o lusitano, no balcão retirava a Bic da orelha e marcava a Caderneta onde era tudo anotado, incluindo o filão 7 . E no décimo dia do mês o débito seria acertado com dinheiro na mão. Na mercearia que vendia a granel, as mercadorias o freguês escolhia no balcão ou no chão em sacos de sisal, sem marcas de identificação; depois embaladas em saquinhos de papel. Na rústica mesa da doçaria os pedaços eram cortados a facão: doce de leite, cocada, rapadura, marmelada ou goiabada cascão. No ar o cheiro forte de café torrado e do inebriante fumo-de-corda pregado. A carne-seca aos pedaços estendida no ensebado varal fazia contraste com a pilha salgada do cobiçado e caríssimo bacalhau… Além da sacola, o próprio vasilhame o freguês trazia. Em casa, a embalagem de lata ou vidro, de madeira, e o saco de farinha tudo era aproveitado por um povo sofrido, porém alegre e gentil, que no dia-a-dia pela vida fora educado.
Após o primeiro passo na cartilha Caminho Suave - horizonte primário de prática da letra vocal, visto que ‘quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê’, o prazer e o hábito de ler Monteiro Lobato, Cecília Meireles e Raquel de Queirós 8 . Para conquistar um lugar ao sol havia quem alcançasse ir do primário ao ginasial. Vencendo na vida era um privilégio atingir o nível clássico ou o científico. A vida escolhia e o destino dizia quem iria ser doutor, ou trabalhador.
A simplicidade da vida na Pauliceia de outrora.
Em busca da verdade ou simplicidade das coisas: "Eu fui à Floresta porque queria viver livre. Eu queria viver profundamente, e sugar a própria essência da vida... expurgar tudo o que não fosse vida; e não, ao morrer, descobrir que não havia vivido". H. D. Thoreau (Walden) - Satyagraha: "a busca da verdade" na qual Gandhi* inspirou gerações de ativistas democráticos e antirracistas incluindo Martin Luther King Jr. e Nelson Mandela.
Vivíamos uma vida tranquila, numa vila bucólica, nascidos em casa simples, de uma simples família de trabalhadores. Nossa mamãe era doméstica, aplicada, amorosa e dedicada à criação dos filhos. E o nosso papai íntegro, honrado e honesto, era apenas operário de uma fundição de aço e mantinha a família de seis filhos com o parco salário. Na alpina vila onde fomos criados a maioria do povo (a comunidade) da mesma forma se assemelhava no trato, no traje, e na vida simples de outrora. Bel, por consequência, não fora criado com privilégio ou prerrogativa que distinguem aqueles indivíduos de uma determinada classe ou espécie, ou status… E era assim que deveria ser, com a graça de Deus, na condição humana razoável e através da índole que a natureza a todos provia. Seus avós maternos deixaram um legado espiritual, pessoas simples de bem com a vida, eram imigrantes espanhóis, e viviam em humilde morada - uma pequena chácara onde cultivavam hortaliças para seu sustento, além de uma videira silvestre nativa do Mediterrâneo. Preservavam uma vida digna de ser vivida com toda simplicidade. E, acima de tudo, crendo na previdência de Deus. “O Senhor guarda aos símplices” Sl 116:6
*A Índia proclamou sua independência em 15 de agosto de 1947. Os ingleses, que haviam chegado à região em 1600, assinaram o acordo que determinava sua saída, entregando o país a seu povo. A independência da Índia foi liderada pelo “Mahatma” (“Grande Alma”) Gandhi, que por 30 anos esteve à frente do movimento de não violência, pregando a desobediência às leis inglesas e o boicote aos produtos britânicos.
Exemplos de dinheiro:
PRESIDENTES DO BRASIL (na infância de Bel):
1. 2. 3. 4.
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Getúlio Vargas: Período de governo 31 de janeiro de 1951 a 24 de agosto de 1954. Juscelino Kubitschek: Período de governo - 31 de janeiro de 1956 a 31 de janeiro de 1961. Jânio Quadros: Período de governo - 31 de janeiro de 1961 a 25 de agosto de 1961. João Goulart: Período de governo- 8 de setembro de 1961 a 1º de abril de 1964.
Imagens de uma época:
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¹Lançado em nov’1937 “O Poço do Visconde”, aventura do Sítio do Picapau Amarelo: Pedrinho, Narizinho, Emília e Visconde descobrem petróleo no próprio sítio, no Caraminguá nº 1, o primeiro poço a jorrar ouro negro no país. ²O presidente Getúlio Vargas sanciona a lei que cria a Petrobrás, em 3 de outubro de 1953