“Tavira, Patrimónios do Mar”

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entoam junto a um altar improvisado com a imagem da N. Sr.ª do Carmo, segue-se a oferta de um lanche pela direcção da Companhia de Pescarias do Algarve, que tem direito à exposição de uns quantos discursos à mesa. Sentado no lugar de honra, o Dr. Castro Fernandes, escuta as palavras de agradecimento que Miguel Galvão, representante da empresa, lhe endereça pela sua presença, sem esquecer as pessoas que se tinham deslocado até ao sapal do Rato, umas mais conhecidas da praça do que outras. A comunicação deste porta-voz da Companhia das Pescarias do Algarve continua, agora para explicar à assistência as razões da construção do novo arraial e expressar o júbilo que transporta na alma ao ver os governos, companheiros e suas familias devidamente instalados, os materiais da armação convenientemente arrecadados e a Companhia em condições de poder continuar a sua exploração industrial que vem realizando desde que foi fundada em 183549. Cabe ao Sub-Secretário de Estado das Corporações, antes de tomar o caminho de Loulé a tempo de assistir à procissão da Nossa Senhora da Piedade, tecer os comentários finais na cerimónia festiva de inauguração do arraial. Elogia a obra e a capacidade empreendedora da Companhia de Pescarias do Algarve, fazendo votos que beneficie de muitos êxitos e sucessos50. A envergadura deste projecto – constituído à data da sua abertura por 52 moradias, um armazém de recolha de materiais, a casa do fio, lavadouro, três cisternas e cinco armazéns em folha canelada51 – envolveu um forte sacrifício orçamental da parte da Companhia de Pescarias do Algarve, investimento avaliado numa quantia bem acima dos mil contos, que nem por isso a impediu de doar à Misericórdia de Tavira o habitual donativo que lhe proporciona o estatuto de benemérita numa lápide afixada nos claustros do antigo hospital52. A traça arquitectónica, como mandam as regras estatais, obedece a critérios que idealizam a autoridade, a disciplina e a ordem53. A torre da Administração, desde a sua imponente estatura, vigia os trabalhos da faina e as operações no arraial. É essa edificação que marca o eixo do aldeamento piscatório, dividindo a área residencial da área industrial, formada pelos armazéns. As moradias da companha variam consoante o agregado familiar, tanto

mais espaçosas quanto mais numerosa se mostre o conjunto de pessoas com o mesmo apelido. Aos professores também estava destinada uma moradia, talvez das maiores no arraial, sorte dos que estudaram e dos que desempenham cargos de relevo social. De qualquer maneira a obra do arraial ainda se encontra longe de estar concluída: os edifícios da capela e da escola só uns tempos depois de ter sido cortada a fita de inauguração é que vão ser erguidos e pelo menos catorze blocos de habitações da companha estão a aguardar licença de habitabilidade da Câmara de Tavira, tendo a mesma deliberado a esse propósito que se atenda a tal solicitação formalizada pela Companhia de Pescarias do Algarve, logo que a vistoria a ser conduzida pelo Delegado de Saúde e pelo capataz das obras municipais esteja concluída54. Independentemente dos adiamentos que o aspecto final da obra possa ter deparado, em certos pormenores, como a toponímia, a Companhia das Pescarias do Algarve joga pela antecipação. Nos finais de Janeiro de 1945, antes de se estrear o funcionamento do arraial, a direcção decide em uníssono identificar as ruas e os largos que compõem o bairro piscatório com nomes de figuras associadas à administração da empresa ou à vida marítima algarvia. A história da empresa e a memória de gerações antepassadas da classe piscatória da região devem ser retidas e respeitadas pela companha, tal como o conjunto edificado em que habitam, cujo programa construtivo alia o passado à monumentalidade e junta o ar austero ao plano clássico, sem dúvida, mostrando total empatia quer ideológica quer artística face ao gosto arquitectónico preconizado pelo regime do Estado Novo. Arquivo Distrital de Faro, Livro de Actas das Sessões da Direcção da Companhia de Pescarias do Algarve, 1933-1948, fl. 34 vº. 50 Povo Algarvio, 22 de Abril de 1945, ano XI, n.º 563, p. 1. 51 Arquivo Distrital de Faro, Livro de Actas das Sessões da Direcção da Companhia de Pescarias do Algarve, 1933-1948, fl. 34. 52 Povo Algarvio, 15 de Abril de 1945, ano XI, n.º 562, p. 2. 53 Nuno Teotónio Pereira, “Arquitectura”, in Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, vol. I, Lisboa, Bertrand, 1996. 54 Arquivo Histórico Municipal de Tavira, Actas da Câmara Municipal, 19441947, fls. 57 v. – 58. 49

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