"Cidade e Mundos Rurais - Tavira e as sociedades agrárias"

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Falamos de uma região que motivou, em diversas épocas e por gente de diversas culturas, visitantes, cronistas, homens de religião e de ciência... extraordinárias descrições. Do frade Agostinho Frei João de S. José3 ao naturalista alemão Link4, do geólogo francês Charles Bonnet5 ao político e escritor Silva Lopes6, dos escritores Raul Brandão7 e Manuel da Fonseca8 ao geógrafo Orlando Ribeiro9, eis alguns, entre muitos outros, que deixaram acerca desta região valiosos testemunhos pessoais. Encontros, avanços e recuos Olhamos para um território onde a ruralidade começa à beira-mar, ou, sendo mais preciso, à beira do sistema lagunar que se expande por toda a sua frente marítima; onde a vida do mar e a vida da terra se completam, se misturam e por vezes quase se confundem, na propriedade, na exploração, no trabalho, nas vivências... De tal promiscuidade posso dar testemunho pessoal, pois na já distante década de 80, quando em férias escolares passava o Verão na campanha das vindimas e noutras colheitas frutícolas, em finais de Agosto e todo o Setembro, trabalhando para o mesmo Sr. Gilberto, passava a ser salineiro, continuando a trabalhar na mesma propriedade onde apenas um simples caminho separava o pomar de pereiras das salinas, alguns tractores e apetrechos serviam as duas funções e os armazéns

destinados às funções agrícolas e à salicultura bordejavam a ria, cujas águas, na enchente, banhavam os limites da exploração agrícola. Também nas gentes se dava a fusão de mundos. Os homens que chegavam para o trabalho das salinas eram assalariados agrícolas calejados de muitos anos de labor. Todos gente do campo. Juntavam-se ao Ti’ Correia, o encarregado permanente das salinas, homem nascido na ria, rijo e ressequido como a carapaça do sal, sempre descalço, sobre sal ou sobre pedras, e a um ou outro marítimo sem trabalho no mar. Ali se cruzavam modos e falares de marítimos, de montanheiros e de serrenhos10, ali se partilhavam petiscos: do mar, peixe-agulha seco, muxama de atum, polvo e ova de polvo assados... do campo, pão e vinho caseiros, chouriço e presunto da última matança e, “para aconchegar”, a aguardente de figo ou de medronho com figos secos. Nos finais de tarde, terminada a jornada, os dias ainda grandes de Setembro permitiam, no regresso a casa, dedicar algum trabalho à terra e aos animais. No final da campanha era daquelas salinas que cada um levava o sal grosso para a salmoura da próxima matança de porco. Outros tempos houve, não muito longínquos, em que os dois mundos se interpenetravam. Pastores atravessavam na maré baixa o Passo do Pinheiro para levar o gado a pastar na ilha, enquanto em sentido contrário, os morraceiros, esses ceifeiros Espaço agrícola murado (alfarrobal e policultura intercalar) na periferia urbana de Tavira (Atalaia), confinante com salinas (desenho)


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