A Dieta Mediterrânica em Portugal: Cultura, Alimentação e Saúde

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e a propagação da religião e liturgia cristã, a partir dos Romanos, foram determinantes para que a antiga província da Lusitânia ganhasse - mau grado a sua localização atlântica - uma plena vocação mediterrânea.

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A instalação dos povos germânicos baralhou estas tendências seculares. Apesar de estarem já muito civilizados, quer dizer, muito adaptados ao modo de vida (civilitas) e ao regime alimentar das cidades romanas, os seus hábitos alimentares eram bastante diversos. Em vez de pão e dos legumes, eram grandes apreciadores de carne, de leite e de queijo. No lugar do vinho, preferiam quer o leite, quer a cidra e a cerveja. Por fim, em vez do azeite, usavam a banha, o toucinho e a manteiga nos seus cozinhados. Com maior ou menor pormenor, fora esta a imagem que a cultura romana tinha oferecido dos germânicos, quando se interessou pelos seus costumes. Para os autores latinos do século VI, a realidade era um pouco diferente e tal barbárie alimentar já só se observava entre os povos das margens do mundo civilizado, como era o caso dos Lapões, dos Hunos e dos Escandinavos — dos primeiros, dizia Procópio que não bebiam vinho e que nada retiravam da terra, já que a caça era a origem de todos os seus alimentos (Montanari, 1994). O prestígio da carne e o recurso culinário à banha e ao toucinho não desapareceriam, porém, entre os povos que ocuparam as diversas regiões do Império. O autor de um tratado dietético do século VI (De observatione ciborum), escrito na corte ostrogoda de Ravena e dirigido ao rei dos francos, não só considerava a carne o alimento principal, já não o pão, note-se, como elogiava o toucinho como uma iguaria entre os francos. Entre a aristocracia franca, o consumo de carne era visto, de resto, como um testemunho de poder e de vigor, sendo a sua abstinência encarada como uma humilhação tão grave como a que decorria da entrega das armas pessoais ao inimigo. A cristianização dos povos germânicos modificou, em boa parte, este regime alimentar. Como religião nascida e formada na bacia do Mediterrâneo, o cristianismo não só havia sacralizado o pão e o vinho, convertidos em símbolos de Cristo e, por isso, indispensáveis ao milagre da Eucaristia, como dera ao azeite um lugar essencial na administração de certos sacramentos e na iluminação dos altares e dos espaços sagrados. Como símbolos da nova fé, e, portanto, como alimentos prestigiados, é provável que o seu cultivo e o seu consumo tenham acompanhado a difusão do cristianismo, sobretudo nas regiões setentrionais da Europa, onde fora bem menor a influência da civilização romana. Por outro lado, a nova religião também trazia consigo algumas restrições ao consumo de carne. Mais rigorosas para quem fazia, como os monges, profissão de vida religiosa, em regra


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