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Editorial

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Atividades

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As coisas grandes têm uma arquitectura grande e uma significação maior ainda... Doiro, rio e região é certamente a realidade mais séria que temos. Nenhum outro caudal nosso corre em leito mais duro...

Miguel Torga, Portugal. O Doiro, 1950

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A Comissão Instaladora do Museu da Região do Douro foi criada por despacho nº 13 945/98, publicada a 11 de agosto de 1998, pelo então Ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho.

O objetivo nuclear de tal constituição foi, exatamente, o de fazer cumprir o que ficou estabelecido na Lei nº 125/97, de 2 de dezembro, que criou o Museu da Região do Douro, por aprovação unânime da Assembleia da República.

É de realçar, nesta Lei, o facto de ser o primeiro museu criado em Portugal por disposição legal do órgão máximo de soberania, ainda por cima com a mais-valia incontestável de ter sido aprovada por unanimidade dos seus representantes parlamentares. Só este facto histórico, por si só, tem um significado de dimensões simbólicas de enorme alcance para a museologia portuguesa que não pode, nem deve, ser menosprezado ou minimizado.

Dessa comissão instaladora, e para além do subscritor deste texto, que teve o gosto de a presidir, fizeram parte três personalidades que representavam, ao tempo, as diversas realidades e conhecimentos do território duriense nas múltiplas e principais características e problemáticas a que este território está indissoluvelmente associado, a saber: uma dimensão de planeamento estratégico global, baseado essencialmente no conhecimento antropológico da região; uma vertente histórica e documental, a partir de uma visão diacrónica da sociedade que este território corporiza; e uma forte representatividade de natureza económica e social assente numa organização institucional da própria comunidade duriense; para além, evidentemente, da imprescindível dimensão museológica, que não poderia deixar de estar presente nesta comissão instaladora, já que se tratava, exatamente, de elaborar os documentos fundamentais para a criação do Museu da Região do Douro.

Foram membros integrantes desta comissão instaladora os Professores Doutores Bianchi de Aguiar e Gaspar Martins Pereira, bem como a Drª Laudomira de Jesus, então presidente da comissão interprofissional da Região Demarcada do Douro.

O objetivo legalmente estabelecido para o trabalho desta comissão decorreu do que estava estipulado na própria Lei que criou o museu. De facto, estabelecia o artigo 8º da citada Lei que, para se dar cumprimento ao desiderato legal, esta comissão deveria elaborar uma proposta de instalação da sede do Museu e uma proposta de diploma regulamentar do mesmo, o que foi escrupulosamente cumprido.

Logo na tomada de posse da Comissão, tive oportunidade de expressar com absoluta veemência que este museu te-

ria de contar a história do território duriense, “acompanhando o rio, nas duas direções – de e para a foz, expressando com a palavra, a imagem, o artefacto e o documento, essa diversidade cultural e natural que a própria Lei reconhece existir. Porque o Douro, embora homogéneo na leitura mais global que dele possamos fazer, é composto de diversidades que importa submeter a um minucioso tratamento museológico. São parcelas importantes que, se não se compreenderem e explicarem devidamente, levarão a que essa totalidade nunca possa vir a ser entendida corretamente. Daqui resulta também o acerto da decisão em conceber um museu do Douro como uma estrutura polinuclear.”

Tive ainda oportunidade de definir, nesse discurso de tomada de posse, os parâmetros que obrigatoriamente nos iriam nortear em todo o processo elaborativo dos documentos acima referidos e que foram, na sua globalidade, exemplarmente respeitados.

Dos trabalhos desta comissão instaladora, reteria então os principais temas e propostas que ficaram expressos como preocupação de todos os seus membros: (i) para além do enunciado histórico sobre os antecedentes da decisão parlamentar, (ii) reforçamos a importância da existência deste museu e (iii) analisamos os aspetos mais problemáticos da Lei que o criou, a saber: a sua estrutura polinuclear; a integração de coleções de arquivos no museu; o modelo de gestão; e a sua articulação institucional com a tutela.

De seguida procedemos à análise das possibilidades de instalação da sede do museu, que assumimos plural, tendo sido decidido propor três estruturas fundamentais para o bom sucesso do projeto: a Casa da Companhia, o Armazém 43 da Casa do Douro e o Teatrinho do Peso da Régua. Para cada um destinamos funções de natureza museológica, arquivística e de animação cultural, por entendermos que corresponderiam ao melhor desígnio missionário assente nestes três pilares fundamentais em que se devia basear todo este projeto museológico.

Finalmente, propusemos um diploma regulamentar onde se definiam as componentes mais relevantes que iriam dar corpo ao projeto, e que foram as seguintes: a natureza jurídica e a definição conceptual da instituição; as suas principais atribuições; o regime tutelar a que deveria estar sujeito e uma proposta de estrutura orgânica e funcional. Nesta proposta de estrutura definimos os respetivos órgãos sociais e competências que lhes deveriam estar adstritas, no que à orgânica dizia respeito; e propusemos os serviços indispensáveis à boa prossecução da missão deste museu, no que à funcionalidade importava estabelecer.

Sublinhe-se o inestimável contributo dado por esta comissão a este projeto museológico, na especial relevância de constatarmos que a quase totalidade da atual estrutura orgânica e funcional do museu assenta, precisamente, nos elementos formulados por esta proposta, reconhecendo-se facilmente os princípios e fundamentos que estiveram na origem da sua constituição.

Da minha parte, confesso que tentei contribuir com o melhor do que sabia

e fazia, à época, tanto na teoria como na prática museológicas (precisamente as áreas onde era suposto oferecer os maiores contributos), tendo esta grata tarefa merecido todo o meu empenho e envolvimento profissional e afetivo. E estou certo e seguro de que o mesmo aconteceu com todos os restantes membros desta Comissão.

Assim, a tarefa que nos tinha sido solicitada foi cumprida na sua totalidade, e até mesmo ultrapassada a favor do enriquecimento proposicional, uma vez que, para além de termos apresentado os documentos que nos eram legalmente solicitados (Proposta de Instalação da Sede e Proposta de Diploma Regulamentar), ainda tivemos o ensejo de enriquecer o dossier desta comissão com um anexo dedicado à Criação do Arquivo Histórico do Vinho do Porto, por especial preocupação evidenciada por Gaspar Martins Pereira.

Em maio de 1999 tínhamos cumprido e entregue os documentos em apreço ao Ministro da Cultura que nos tinha nomeado, Manuel Maria Carrilho. A partir daqui ainda teve de decorrer um largo período envolto em alguma confusão definitória do rumo que o projeto haveria de tomar, e de alguma resistência a nível central para se avançar definitivamente com a implementação deste projeto museológico.

Estas resistências foram ultrapassadas graças às muitas e diversas intervenções, e legítimas pressões exercidas junto do poder central, onde orgulhosamente me incluo, até à criação da Unidade de Missão, em 2002. A partir daqui, não mais se interrompeu o caminho de consolidação do projeto, que culminou com a criação da Fundação Museu do Douro, a 23 de março de 2006.

O resto da história já é bem mais conhecida de todos… Mas ainda que menos conhecida, ficará para sempre o legado desta Comissão Instaladora, que marcou, inquestionável e definitivamente, o percurso conceptual, orgânico e funcional deste importante projeto museológico que dá pelo nome de Museu da Região do Douro.

E a verdade é que, tendo já sido feito muito do que nos propusemos realizar inicialmente, ainda há um imenso caminho a percorrer até que o Museu da Região do Douro cumpra integralmente o seu destino missionário. Este é um trabalho permanentemente inacabado e sempre desafiante, como deve ser um museu de região - sendo uma instituição de cultura, a sua especial natureza impõe que seja também um importante instrumento de desenvolvimento económico e social a favor do território e da comunidade que serve. Para isso tem vindo a trabalhar com o denodo e especial empenho de toda a sua equipa de trabalho, já que me é grato e justo reconhecer que o Museu da Região do Douro possui um conjunto de técnicos, colaboradores, responsáveis diretivos, gestores e administradores, nas diversas áreas onde têm vindo a intervir, que produzem trabalho cultural de grande qualidade e são absolutamente excecionais e competentes em tudo o que fazem, a todos os títulos!

Parabéns a todos, para bem do Douro.

AGOSTINHO RIBEIRO

20 de maio de 2021

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