A Arte Rupestre de Monte Alegre

Page 175

Edithe Pereira

desconhecem quem foram os autores dos grafismos rupestres. Nesses casos, relações diversas como o medo, o respeito, a indiferença e a curiosidade se estabelecem entre essas populações e a arte rupestre1. A utilização dos sítios com arte rupestre por populações atuais não indígenas ocorre em algumas regiões da Amazônia, mas sem que haja qualquer ligação entre o evento celebrado e a arte rupestre. Em Monte Alegre, durante as décadas de 1979 e 1980, a Gruta Itatupaoca foi cenário de missas, casamentos e batizados(3). Certamente a realização desses eventos, associados à forma da gruta, levaram a população local a denominá-la também com o nome de Capela. Situação semelhante ocorre na Serra das Andorinhas, em São Geraldo do Araguaia, no Pará. No topo dessa serra, na formação rochosa conhecida como Casa de Pedra, realiza-se anualmente a Festa do Divino Espírito Santo. As primeiras manifestações religiosas nesse local remontam à década de 1960 e atraem centenas de devotos das comunidades da Serra das Andorinhas, de outros municípios e até do estado do Tocantins, que permanecem no local durante vários dias(4). Muito próximo à Casa de Pedra há dois sítios arqueológicos, sendo um deles com pinturas. No entanto, não há qualquer relação entre a festividade e as pinturas rupestres. A segunda situação é quando há uma descontinuidade entre os grupos autores das pinturas e gravuras rupestres e os grupos indígenas que vivem atualmente em áreas onde estas manifestações gráficas estão presentes. Neste caso, a relação que se estabelece é quase sempre a ausência de qualquer vínculo entre os autores dos grafismos rupestres e os atuais grupos indígenas. Greer(5) comenta que na região do Orenoco (Venezuela) não há qualquer vínculo entre as grutas com pinturas rupestres e os enterramentos indígenas atuais. O critério usado pelos Piaroa2 para a escolha das grutas onde irão enterrar seus mortos é tão somente o fato delas serem secas (não úmidas). Já a tradição dos índios Tiriyó considera que os moradores das cavernas do Tumucumaque e autores das gravuras nelas existentes foram os Worídjana, antepassados dos Wayana, visto que os antepassados dos Tiriyó desconheciam a “arte de gravar desenhos na pedra”(6). São poucos os lugares no mundo onde a continuidade de tradições culturais permite explicar o significado da arte rupestre. O sul da África e o sudoeste dos Estados Unidos são alguns desses lugares onde a prática de pintar e gravar nas rochas se manteve até o século XIX. A Austrália também, visto que essa prática persistiu até o século XX(7). Além desses lugares, acrescentamos também a Amazônia, onde ainda há áreas cuja continuidade das tradições indígenas permite explicar o significado da arte rupestre ou ao menos atribuir sua autoria a determinada etnia ou a seus antepassados. O rio Tapajós, no Pará, é uma dessas áreas. Nele há um conjunto de pinturas rupestres situado no lugar conhecido como Pedra do Cantagalo, cujo significado está relacionado com as tradições Mundurucu.

1

2

Certa vez, ouvi de um morador de Monte Alegre que me guiou até a cachoeira Muira, no rio Maicuru, que um caçador da região, ao ver um grande antropomorfo gravado na rocha próxima a essa cachoeira, ficou tão apavorado com a imagem do “bonecão”, que saiu correndo, não voltando mais a esse lugar. Os Piaroa são um grupo indígena que vive ao longo das margens do rio Orenoco e seus afluentes na Venezuela.

180


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
A Arte Rupestre de Monte Alegre by Museu Paraense Emílio Goeldi - Issuu