
9 minute read
a explosão demográfica
São Paulo deriva de uma vila bandeirante, fundada por padres jesuítas. Desde sua criação, nos primeiros anos da segunda metade do século XVI até meados de 1800 - mais de 3 séculos depois, figurava como uma região economicamente quase inexpressiva no território brasileiro (ROLNIK, 2001).
Ainda de acordo com Rolnik (2001, p. 15), desde 1554 até cerca de 1870 a cidade era habitada em sua maioria por portugueses e indígenas, possuia uma economia simplória e o idioma mais ouvido nas ruas era o Tupi-Guarani. A povoação, instalada em um ponto geograficamente estratégico do território, servia como entreposto comercial entre o mar e o ponto de início das entradas e bandeiras que rumavam Brasil à dentro (PRADO JR., 1983).
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A capital que no censo de 1872 possuía ínfimos 31.385 habitantes, ao alvorecer de 1890 já veria sua população dobrar de tamanho. Em 1900 saltou da marca dos cerca de 65 mil para aproximadamente 240 mil. Atingiu seu primeiro milhão de habitantes entre as décadas de 30 e 40, chegando a marca de 1.318.539 habitantes em 1940.
As regiões metropolitanas da Cidade do México e de São Paulo, por exemplo, ganham 100 mil habitantes a cada ano: cerca de 2 mil pessoas por semana, já considerando as perdas com mortes e migração de moradores. Levou 190 anos para que a população de Londres fosse de 500 mil habitantes para 10 milhões. Nova York levou 140 anos. Entretanto, Buenos Aires1, Calcutá, Cidade do México, Mumbai, Rio de Janeiro2, São Paulo e Seul precisaram de menos de 75 anos para ir de 500 mil a 10 milhões de habitantes (KNOX, 2016, p. 11).
A seguir, ilustra-se a curva de crescimento da capital paulista entre 1872 e 2020. Em vermelho destaca-se o período com maior crescimento populacional.
No quadro (02) a seguir observa-se detalhadamente o crescimento populacional do núcleo central da cidade de São Paulo entre 1872 a 1893.
fonte: MOTA, 2007, p. 84
Pode-se perceber com ele um aumento significativo em quatro dos seis distritos pertencentes a malha urbana da cidade. Se regiões como a Consolação, e a Santa Ifigênia abrigavam os barões do café e seus industriários; o distrito da Sé já servia como centro financeiro e abrigara a classe média de comerciantes enquanto o Brás receberia os novos imigrantes, fábricas e seus trabalhadores. Os números sobre o crescimento habitacional no Centro e sua envoltória mostram que uma parcela considerável dos imigrantes estrangeiros, fixou-se na capital, formando um contingente de trabalhadores autônomos, de estabelecimentos comerciais e industriais. É possível perceber, que os dois distritos, Brás e Santa Ifigênia, foram aqueles que tiveram sua população aumentada de forma mais expressiva.
Segundo o que cita Pierre Monbeig (TORRES, op.cit., p.111 apud, MOTA, 2007, p. 81-82), a cidade de São Paulo passa então nesse período por uma epidemia de urbanização:
(...) No norte da cidade, a epidemia de urbanização propagou-se a partir da Estação da Luz. Santa Efigênia, Campos Elíseos, Barra Funda e Bom Retiro desenvolviam-se tão depressa como o Brás. Os bondes Nothmann e Glete, em 1872, facilitaram-lhe o acesso, melhor ainda, ofereceram aos fazendeiros, terrenos afastados do centro urbano para o estabelecimento de um bairro novo, de artérias bem traçadas, com verdadeiras avenidas e bastante espaço para construir luxuosamente, conforme o gosto do dia; era o bairro dos Campos Elíseos, colonizado pelas melhores famílias paulistanas. Ao longo e de ambos os lados das vias férreas abriram-se ruas populares na Barra Funda e no Bom Retiro (1884-1886) pela forma e prolongamento das ruas Helvétia e José Paulino. A conquista da Várzea encetou-se com as primeiras casas do Pari e do Canindé. Por seu lado, na margem direita do Tietê, o bairro de Santana conservava todo o seu ar camponês e quase não perturbava o seu isolamento.
De acordo com o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia Estatística, entre 1890 e 1900 a cidade atingiu um crescimento populacional superior a 250%. Percebe-se assim, que aos poucos São Paulo começava a deixar para trás o passado rural. Os pólos econômicos nacionais que desde o século XVI se encontravam no eixo Rio de Janeiro - Minas Gerais e nas províncias do Nordeste começaram a se deslocar (ROLNIK, 2001). Novos eixos como Rio - São Paulo através da região do Vale do Paraíba, o eixo Santos - Jundiaí e o eixo São Paulo - Sorocaba despontam como norteadores do crescimento econômico do país e da província de São Paulo com sua mais nova atividade econômica - o café.
O crescimento exponencial da população paulista nas primeiras décadas do século XX, segundo historiadores, é creditada a dois fatores importantes: as intensas ondas de imigração vinda inicialmente da europa e do leste asiático (principalmente pelas novas relações de trabalho implementadas no país advindas da consolidação da república) e a primeira guerra mundial, momento em que o Brasil se encontraria obrigado a desenvolver seu parque industrial para suprimento de seu próprio mercado interno.
Em seu livro, “A Cidade de São Paulo: Geografia e História”, o autor Caio Prado Jr. cita:

Se a indústria foi a mola-mestra do desenvolvimento urbano de São Paulo, neste último meio século em que a cidade passou para o rol dos grandes centros urbanos contemporâneos, é a imigração estrangeira que, fornecendo-lhe a maior parte do elemento humano, contribuiu sobretudo para aquele seu notável crescimento demográfico (PRADO JR, 1983, p. 60).
As vilas operárias ofereciam moradia e garantiam ao trabalhador instalações próximas ao local de trabalho; fato que tornou essa modalidade de habitação muito popular na cidade a partir de então, impulsionando o crescimento populacional em áreas periféricas a Leste da cidade. Com o acúmulo de riqueza gerado pelas atividades econômicas ligadas à exportação de café e a produção de itens manufaturados nas fábricas concentradas em bairros como a Mooca, Ipiranga e em direção ao ABC Paulista1, a cidade foi ganhando a forma como conhecemos hoje (ROLNIK, 2001).
Muitos dos imigrantes tinham em seus países de origem uma cultura urbana e constituíam uma massa de trabalhadores industriais ou artesãos. Para estes, ficar na cidade de São Paulo, em grande expansão, com grande circulação de riqueza advinda do comércio do café e, portanto, repleta de oportunidades de trabalho, era muito tentador. Muitos chegaram ao Brasil e foram direto para o campo. Outros, num primeiro momento foram para a lavoura, mas resolveram vir depois, para as cidades, pois agora se tratavam de trabalhadores livres e não mais de escravos pertencentes ao dono da fazenda. Desta forma, a população estrangeira na cidade de São Paulo vai se tornando cada vez mais numerosa, chegando em 1897 a uma situação espantosa em que o número de italianos na cidade era duas vezes maior que o de brasileiros
(MELLO FILHO, 2001, p.65 apud MOTA, 2007, p. 54).
Ao passo que à partir da última década do século XIX, bairros saneados e estruturados surgiam, não muito distante deles, surgiam também os precários bairros nas várzeas dos rios, loteados e vendidos pelo poder público frente a necessidade de arrecadar caixa ao governo (DELIJAICOV, 1998).
Os industriários e barões do café iniciam então, nessa mesma época, o processo de estruturação e saneamento da cidade e seu centro urbano, à forma que eles observavam em outros países em suas viagens pela europa. No entanto, com a ausência de diretrizes urbanas sólidas, políticas públicas que não visavam o bem estar da população, um cenário eleitoral caótico e seguindo a lógica da especulação imobiliária, a mancha urbana passa a se desenvolver desordenadamente, espalhando sua população pelo território.
Pelo alto custo de se morar em regiões mais centrais, assim como pelos baixos salários dos recém-chegados à cidade e a intensa valorização imobiliária do tecido urbano já consolidado em São Paulo, populações inteiras começam a assentar-se às margens da cidade já edificada. Observa-se então o nascimento e desenvolvimento dos primeiros bairros no entorno do núcleo estruturado da cidade.
É então, imediato ao seu processo de urbanização mais acentuado, o início da intensificação da segregação socio-espacial de São Paulo e a intensa perifeirização da população de mais baixa renda.




Em 1890, São Paulo já começara a expandir-se em todas as direções, a partir de sua colina central. A este, a baixada do Brás, com a sua Estação do Norte e a Hospedaria de Imigrantes, rapidamente se transformava em bairro do pequeno comércio e reduto do operariado; a Estação da Luz, ao norte, era outro centro de atividade, sendo os terrenos aí também ocupados pelas classes mais pobres; o sul e o sudoeste não contavam com o estímulo de uma linha férrea e sua estação terminal, e apenas começavam a sentir a pressão pelo espaço residencial; mais a noroeste, a zona de chácaras subdivididas de Santa Efigênia e Campos Elíseos, claramente denunciava então a cultura e os interesses urbanos da elite em ascensão – tal como a Praça da República (antigo Largo dos Curros) (MORSE, op.cit., p. 355 apud, MOTA, 2007).
Para compreender-se melhor a lógica de ocupação do território paulistano, é necessário observar-se que durante a história da urbanização do Brasil e em especial a de São Paulo, os interesse da população foram, por inúmeras vezes negligenciados pelo poder público. A relação entre o governo paulistano e a empresa Light - The São Paulo Tramway Light and Power Company é o maior exemplo de como as políticas públicas pautadas pela conveniência entre esses dois setores foram implementadas no início do século XX (ROLNIK, 2001). A Light era, desde 1900 a provedora das redes de bondes, telefonia e sistema elétrico da capital e como única a oferecer tais itens, na imensa maioria das vezes alocava recursos financeiros e capital humano onde achava necessário, desatendendo-se às demandas da sociedade.
Durante toda a República Velha (1890-1930), as decisões políticas sobre a gestão municipal tinham como interlocutores apenas a elite paulistana, diminuta parcela da população que votava para eleger a Câmara Municipal e, a partir de 1911, o prefeito da cidade (Idem).
À medida que a cidade crescia ao longo das décadas de 1920 e 1930, a população mais pobre era empurrada para longe do centro rico da cidade, que a essa altura já contava a 50 anos com bairros como Higienópolis, Campos Elíseos e Avenida Paulista. Nas primeiras décadas do século XX nascem também os loteamentos dos Jardins, Lapa, Morumbi e Cidade Jardim, pela companhia City - City of São Paulo Improvements and Freehold Land Co. Ltd.
Nesse mesmo período, o advento do automóvel e o surgimento dos primeiros ônibus urbanos, a população poderia se ver livre dos restritos percursos que as linhas de bondes ofereciam (ROLNIK, 2001).
Os ônibus passaram a inserir-se de forma consolidada no cenário urbano, levando populações inteiras para regiões como Canindé, Mooca, Ipiranga e Brás, bairros que já nessa época passaram a ser grandes centralidades industriais da cidade. Ainda segundo Rolnik (2001), durante os governos municipais da república velha e seus sucessivos arroubos autoritários e intervenções urbanas no desejo de planejar e sanear a cidade, inicia-se a expulsão mais enfática das classes mais pobres do núcleo urbano rico da capital. A proibição e demolição de cortiços e vilas precárias tornou-se comum em regiões centrais e como única alternativa, a essas pessoas restava a compra de terras recém loteadas em áreas longínquas e pantanosas.
A autora cita ainda que “Ao findar a segunda década do século 20, o quadro na cidade era de escassez, especulação e inflação. Sobreveio ainda a epidemia de gripe espanhola, que matou milhares de paulistanos, aumentando a aflição e descontentamento na cidade”. A partir dos anos 30 e até os anos 1960 a população passa a multiplicar-se de forma vertiginosa. Segundo dados históricos a migração em massa do povo brasileiro do campo para as cidades aliado a melhoria de índices como redução da mortalidade infantil e aumento da expectativa de vida do brasileiro fizeram com que dezenas de cidades pelo Brasil, incluindo a capital paulista vissem o seu número de habitantes disparar.





A chegada dos anos 1970 trouxe a maior expansão urbana que o Brasil experimentaria (CARLOS, 1992). O país já havia se tornado majoritariamente urbano e em grandes cidades, periferias inteiras já haviam se consolidado.
Do ponto de vista urbanístico, os anos 70 marcaram o deslocamento do centro de consumo das elites, da cidade do Centro Histórico em direção à Avenida Paulista e Jardins. Até essa data, a São Paulo metropolitana contava com um único centro, feito de duas partes: o Centro Tradicional (região do triângulo), construído durante a primeira industrialização (1910-14), e o “Centro Novo” (da praça Ramos à praça da República), que se desenvolveu no pós guerra (1940-60) (ROLNIK, 2001, p. 45).

A medida que o centro expandido da cidade de São Paulo se consolida, durante os anos 70, as periferias da capital recebem de forma intensa as soluções para as demandas por habitação que ao longo da segunda metade do século XX se bastavam na construção de imensos e distantes conjuntos habitacionais.
Durante a década de 1980, observa-se mais enfaticamente o que chamamos de política de exclusão (ROLNIK, 2001).
A política habitacional praticada pela Cohab1 durante as décadas de 70 e 80 foi a de construção de imensos conjuntos uniformes e exclusivamente residenciais nas extremas periferias, marcando sua posição limítrofe em relação à cidade existente e segregando de forma explícita e violenta a população ali residente (Ibidem).

Na transição entre as décadas de 1980 e 1990 o padrão de crescimento que acomete a cidade desde o fim do século XIX diminui drasticamente (ROLNIK, 2001).
Observa-se então, à partir da década de 90 até o último censo em 2020 um arrefecimento do crescimento populacional paulistano assim como uma maior estabilização no crescimento da área urbanizada da cidade.
