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FORMIGA RADICAL EXPEDIÇÃO JALAPÃO DE VOO LIVRE

7 mil km rodados em 25 dias de pura aventura

V OO LIVRE EXPEDIÇÃO JALAPÃO DE

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texto LUÍS ROBERTO FORMIGA fotos FORMIGA, CHICO SANTOS e SABIÁ O Jalapão é bruto

OJalapão, no estado do Tocantins, é um destino turístico para quem quer sair do convencional, respirar natureza, deixar a comodidade e o conforto das cidades grandes de lado.

Depois da novela da TV Globo, “O outro lado do Paraíso”, em 2017, esse lugar começou a ser visitado por turistas que se deslocam de muito longe para curtir as belezas e a simplicidade diferenciada desse paraíso intocado, onde águas cristalinas, fervedouros, cachoeiras, paisagens de cerrado selvagem e montanhas belíssimas, são de arrancar lágrimas dos olhos.

Sem dúvida, o que mantém esse lugar tão especial é a dificuldade de acesso. Chegar e transitar lá exige mais do que um carro 4x4: tem que “olhar a vida sem pressa”, “baixar a bola” e entrar na frequência daquele lugar. Lá, as distâncias aumentam, tudo é longe, demorado e trabalhoso para chegar, os acessos aos lugares especiais são em estradas de terra e de pedra com areões. Mais um motivo para curtir o lugar e restartar a mente.

Quem vai para o Jalapão tem grandes chances de voltar para casa diferente, pois o lugar exercita o desapego, a busca pela tranquilidade e nos convida a mudar a nossa relação tempo/espaço para os modos contemplativo e sensitivo, abrindo as portas da percepção.

O Jalapão é louco demais!

Uma expedição inédita

Voar onde ninguém nunca voou de asa delta foi a isca para atrair um grupo de pilotos de asa para essa empreitada histórica e ultracasca-grossa. No início eram apenas alguns poucos pilotos que estavam na lista do Chico Santos, manager desse projeto. Chico é figura carimbada na organização de eventos de voo livre e também da Revista Mural, onde já mencionamos o empreendedorismo desse cara que além de muitas coisas, é o produtor e responsável pela tirolesa do Rock’n Rio.

Nosso manager convidou alguns, mas o boca a boca no meio dos pilotos de parapente e asa-delta, atraiu mais de 50 pessoas dos quatro cantos do Brasil.

Saímos de Florianópolis e 3 mil km de estradas nos esperavam. A primeira parada seria em Brasília (DF) para encontrar parte da equipe e seguir para Luís Eduardo Magalhães, ou LEM, como também é conhecida a cidade, símbolo mundial na produção de soja, sorgo, milho e algodão.

No aeroporto particular da cidade, nossa comitiva foi super bem recebida. O lugar era perfeito para testarmos os equipamentos e iniciar um grande encontro de voo de asa-delta e parapente rebocado por ultraleve e por carro, em uma pista asfaltada para aviões executivos, com 2 mil metros de comprimento.

Várias equipes de diferentes lugares, só pilotos cascasgrossa, todo mundo focado na troca de informação, aprendizado e aperfeiçoamento das técnicas de decolagem iniciando no plano, longe das rampas e das montanhas.

LEM é uma cidade localizada em uma área totalmente plana: parece uma mesa de bilhar. Também conhecida como polígono da soja, essa região foi escolhida para iniciar o famoso Rally dos Sertões, evento que acompanharíamos até o final de nossa expedição. A ideia era integrar, em eventos paralelos, o voo livre ao movimento dos carros de rally. A ideia foi muito bem aceita pelos organizadores desse, que é um dos principais rallies do mundo.

Não podia faltar a interação máxima desses esportes com o famoso paraquedista Sabiá, saltando da asa-delta motorizada com Wingsuit (o macacão com asas), e pousando dentro da área de preparação e largada do evento de carros.

Tudo deu super certo, inclusive meu projeto: a Fly Charrete com a Torre Eiffel, um sistema de reboque de asa e parapente com características únicas no mundo, idealizado para facilitar as decolagens em menor tempo possível com performance e segurança.

Outra forma de decolagem espetacular foi o voo rebocado por uma asa-delta com motor. A equipe profissional Viva ao Vento, baseada em Bonito, no Mato Grosso do Sul, orquestrou com muita técnica e conhecimento essa operação, que levou as primeiras asas a voarem nesse lugar, meca do voo a vela e de planadores.

Partimos para Jalapão. A camionete 4x4 e um caminhão seguiram por quase 300 km de estradas de terra até chegarmos em Mateiros (TO). A cidadezinha é muito simples e as pousadas também. Mas apesar da pandemia, quase todas estavam lotadas.

Há muitos lugares que para serem visitados precisam do acompanhamento de guias. O ideal é contratar as empresas de turismo local que fazem o translado de Palmas – aeroporto mais próximo para aviões comerciais – para São Felix do Tocantins ou Mateiros, as duas cidadezinhas desse lugar enigmático e cheio de atrações naturais. Porém, a maioria dessas atrações tem tempo cronometrado para se curtir.

Isso mesmo, vinte minutos é o tempo máximo para se ficar na maioria dos fervedouros em dias de movimento. Eles são um símbolo do Jalapão, e por isso o tempo e o número de pessoas em cada lugar é rigorosamente controlado. Estamos falando de um Parque Estadual, e as regras de proteção da fauna e flora são cumpridas de forma enérgica e muito bem controladas pela comunidade, que se profissionalizou. Mais do que guias, eles são conscientes protetores do meio ambiente.

Esse esquema tira um pouco da “vibe”, afinal esperar numa fila para se refrescar pode ser obrigatório para conhecer realmente uma das águas mais transparentes do planeta.

O voo pioneiro de uma asa-delta no Jalapão. Mas não fui só eu que chorei

Éramos em muitas pessoas, mas o primeiro deslocamento dentro do Parque Estadual do Jalapão “meteu pressão” na galera. Apenas 80 km separam Mateiros de São Felix, e nossa camionete super carregada demorou cinco horas para transpor os areões, as lajes de pedras e as costelas de vaca – que são ondulações na estrada de terra –, que limitam demais a velocidade. Parecia que o painel da camionete ia cair no colo de tanta vibração.

Muito bom para olhar para o cerrado, para as paisagens, montanhas avermelhadas e para o céu.

Chegando lá em São Felix do Tocantins, fomos direto para uma pequena pista de aviões e sem titubear montamos a usina de voo Formiga Air Lines: uma camionete, um guincho e um sistema desenvolvido por mim, com uma torre para liberar o cabo de reboque que faz as asas decolarem e ganharem mais altura e, é claro, a Fly Charrete – a estrela desse projeto. É uma espécie de carretinha desmontável, que sustenta a asa no processo que antecede a decolagem propriamente dita.

Depois de decolar o parapente de Guerreiro, um piloto corinthiano roxo (rsrsrs), chegou minha hora de estrear o voo de asa-delta no Jalapão. A decolagem foi perfeita. Apesar de estar bastante adrenado e concentrado, eu contava com um experiente parceiro de projeto: o Luquinha, da Top Fly Guinchos. Como a pista era curta, subi a apenas 100 metros de altura e desconectei o cabo de reboque. Rapidamente entrei em uma corrente ascendente que me levou a 2.500 metros de altitude. Foi uma festa no céu: em um momento desse voo, três parapentes e minha asa na mesma térmica. Foi simplesmente emocionante, um voo muito diferente também pela dificuldade em estar lá. Foram meses de projeto que consagraram naquele momento minha “usina de voo”, que promoveu uma festa no céu do Jalapão. Poucas estradas, o visual do serrado intocado e o horizonte selvagem são de arrepiar. Muito louco estar nessa vida pendurado em uma asa-delta curtindo esse visual.

Girando em círculos e subindo com os amigos foi só gritaria e emoção, aquele primeiro voo encheu nossos olhos de lágrimas, o que confidenciamos uns aos outros no bate-papo após o voo, no pouso.

Um Jalapão jamais visto a partir desse ponto de vista

Para fechar com chave de ouro, novamente o sistema Formiga Air Lines proporcionou o primeiro voo decolando em Mateiros em um outro pequeno aeroporto.

Parecia impraticável decolar com o auxílio das asas-deltas motorizadas na modalidade aerotow. Saímos decolando parapentes e com a Fly Charrete... me preparei e decolei. Repetindo o feito do voo anterior, mais uma vez desengatei muito baixo o cabo de reboque. Na mesma altura – mais ou menos 100 metros –, pequei a térmica e subi novamente a 2.500 metros de altitude. Porém, dessa vez o objetivo era sobrevoar uma área sem bons pousos, transpor 30 km em linha reta e pousar no GOAL, no Recanto das Dunas (um ponto de parada obrigatório para quem vai ao Jalapão), no pé da Serra do Espírito Santo, ao lado das Dunas do Jalapão. Nesse projeto era questão de honra pousar naquele lugar e, é claro, fazer a foto na Árvore dos Desejos, onde se toma uma cerveja gelada, se saboreia coisas gostosas e se pode até sentir o tremor na boca bebendo uma cachacinha com jambu, erva usada na culinária do norte do País.

Por que voar nesse lugar seria tão diferente?

Primeiro, por ser o visual mais exótico, especial, inédito e diferenciado do Brasil. Realizar e registrar esse voo era o objetivo de toda essa expedição. Eu tinha que chegar lá! Apesar da condição meteorológica estar muito boa, como voamos sem motor, não se pode ter a certeza de pousar onde se deseja. A região é hostil, e no cerrado as árvores retorcidas não permitem o pouso de forma segura. Mesmo assim, nem pensei nisso. Fui voando em direção ao morro, que tem um platô cheio de recortes. Coisa mais linda. Minha asa chegou a subir 8,6 metros por segundo. Essa velocidade vertical é muito grande, a térmica era um absurdo de forte, porém estável e consistente, sem a turbulência comum em condições extremas como essa.

Quando avistei a erosão que forma as dunas do Jalapão tive a sensação de onipotência, a certeza de que deuses existem e de que eu era um privilegiado por estar vivendo aquele momento.

Em 40 anos voando de asa delta nunca me emocionei tanto. Estar voando sobre uma obra da natureza sagrada... Chorei de verdade, foi muita emoção, foi diferente!

Um pouso para ficar para sempre na memória

Depois de sobrevoar as dunas, ver de cima cada detalhe, as águas cristalinas correndo por entre a areia vermelha, as cores intensas da Serra do Espírito Santo contrastando com infinitos tons de verde da flora, o azul do céu profundo e o branco das nuvens compondo um cenário divino.

Mas eu não era um anjo no céu. Era hora de pousar em frente ao Recanto das Dunas e a manobra seria seríssima. Lá de cima não visualizei nenhuma possibilidade de pouso, a não ser na estreita estrada que corta o Jalapão. Eu tinha que ser preciso, não errar... Havia a rede elétrica perigosa, e qualquer toque de ponta de asa na vegetação seria um final que não combinaria com a poesia daquele momento. Encaixei a asa certinho sobre a estrada. O vento forte e amistoso, bem alinhado com a estradinha de terra vermelha, me proporcionou um pouso na mosca! E abraçar o anfitrião-mor dessa expedição, o Igor, segundos após tocar o chão, foi mais uma explosão de emoção.

O registro do primeiro voo de uma asa-delta sobre a serra do Espírito Santo e as dunas do Jalapão valeram os 7 mil km rodados em 25 dias de expedição.

Agradeço ao Chico Santos, Igor @recantodasdunas_jalapao, aos meus parceiros de equipe, Teteu @matheusasadelta, Lucas @topflybrasil, @oceanpacificbr, @spyeyewear e @offshocks amortecedores especiais pela parceria. E, principalmente, à minha filha Victória @viamoras, que me proporcionou a emoção de estar ao meu lado. Te amo filha, dedico esse voo a você!

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