Estudos arqueológicos de oeiras, 12

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Enfim, não são dispiciendos, nalguns casos, os aspectos formais na discussão desta questão; peças únicas, como o “ídolo-peso” da gruta do Correio-Mor (CARDOSO et al., 1995), ou a grande conta amuleto de pedra verde do tholos da Tituaria (CARDOSO et al., 1987) podem remeter para influências, ainda que indirectas, da região litoral da península anatólica (os ídolos-violino encontrados em níveis coevos da cidade de Tróia, são disso exemplo); porém, a hipótese de se tratar de uma simples convergência é, neste caso, muito provável, a ilustrar o sempre escorregadio campo dos paralelos estritamente formais.... Difusão de ideias e conceitos, veiculadas ou favorecidas por contactos comerciais, ainda muito mal conhecidos, eis o modelo que, de momento, julgamos possível e aceitável, para a explicação destes artefactos, de marcado exotismo, do Calcolítico da Estremadura, face à situação verificável no final do Neolítico. Na verdade, tais artefactos acompanham o desenvolvimento de novas soluções arquitectónicas, tanto de índole habitacional – os dispositivos defensivos – como funerária, com destaque para as já mencionadas sepulturas em falsa cúpula, ou tholoi, como a de Tituaria, Mafra (CARDOSO et al., 1996) ou a de Pai Mogo, Lourinhã (GALLAY et al., 1973), esta última constituindo, como atrás se referiu, a mais setentrional tholos no território português até ao presente identificada. Claro está que esta situação não invalida a existência de expressões simbólicas de carácter regional, ainda que utilizando, como suporte, a mesma matéria-prima das anteriores: disso é prova a distribuição dos bem Fig. 77 conhecidos “ídolos-pinha”, ou “ídolos-alcachofra” (Fig. 77). Um estudo recente (CARDOSO, CARDOSO & GONZÁLEZ, 2001/2002), permitiu inventariar 16 exemplares, lisos ou decorados, todos da área estremenha ou suas adjacências imediatas, invariavelmente reportados a monumentos funerários, exceptuando-se dois exemplares lisos do povoado de Vila Nova de S. Pedro, ocorrência que, tal como os cilindros de calcário, nada tem de especial, pois era nos povoados que tais peças se fabricavam, sem excluir ainda a hipótese de ali existirem pequenos altares domésticos, ou comunitários. Desta forma, encontra-se documentada, na Estremadura, uma forma peculiar do culto dos mortos, e com ela, de regeneração e da vida, como convinha a oferendas funerárias. Expressão desta associação encontra-se particularmente evidente no exemplar do dólmen de Casainhos, Loures, onde o corpo da provável pinha se encontra percorrido longitudinalmente, por três serpentes, cujas cabeças convergem no ápex do objecto. Em épocas ulteriores, as representações de grandes serpentes atingiram a sua máxima expressão, como nos finais da Idade do Ferro do Centro e Norte de Portugal (TAVARES, 1967), denunciando a importância destes répteis na superestrutura religiosa das populações castrejas, a ponto de existirem referências nas fontes clássicas a um “povo das serpentes”, habitando o ocidente peninsular, os Sefes, que J. de Alarcão admitiu viverem na actual Estremadura, “entre o Tejo e o Mondego ou talvez, mais limitadamente, entre aquele rio e o cabo Carvoeiro” (ALARCÃO, 1992b, p. 340). Mais tarde ainda, representaram-se serpentes e/ou pinhas em monumentos funerários romanos da Lusitânia e numa árula dedicada a Endovélico. É lícito, pois, ver nas duas representações idolátricas presentes na peça do dólmen de Casainhos – a pinha e as serpentes – uma raiz original muito antiga, expressiva de culto de índole funerária então vigente

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