O Segundo Sexo - Simone de Beauvoir

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dade é um traço marcante de seu organismo em geral. Entre outros, há no homem estabilidade no metabolismo do cálcio, ao passo que a mulher fixa muito menos sais de cal, pois os elimina durante as regras e durante a gravidez. É de imaginar que os ovários tenham, em relação ao cálcio, uma ação catabólica; essa instabilidade acarreta desordens nos ovários e na tireóide que é nela mais desenvolvida do que no homem, e a irregularidade das secreções endócrinas reage sobre o sistema nervoso vegetativo; o controle nervoso e muscular é imperfeitamente assegurado. Essa falta de estabilidade e de controle provoca sua emotividade, diretamente ligada às variações vasculares: pulsações, rubor etc; e elas são, assim, sujeitas a manifestações convulsivas: lágrimas, gargalhadas, ataques de nervos. Vê-se que muitos desses traços provêm ainda da subordinação da mulher à espécie. Tal é a conclusão mais notável desse exame: é ela, entre todas as fêmeas de mamíferos, a que se acha mais profundamente alienada e a que recusa mais violentamente esta alienação; em nenhuma, a escravização do organismo à função reprodutora é mais imperiosa nem mais dificilmente aceita: crises da puberdade e da menopausa, "maldição" mensal, gravidez prolongada e não raro difícil, parto doloroso e por vezes perigoso, doenças, acidentes são características da fêmea humana. Dir-se-ia que seu destino se faz tanto mais pesado quanto mais ela se revolta contra êle, afirmando-se como indivíduo. Comparada com o macho, este parece infinitamente privilegiado: sua vida genital não contraria a existência pessoal; desenvolve-se de maneira contínua, sem crise e geralmente sem acidente. Em média, as mulheres vivem tanto quanto o homem, mas adoecem muito mais vezes e durante muitos períodos não dispõem de si mesmas. Esses dados biológicos são de extrema importância: desempenham na história da mulher um papel de primeiro plano, são um elemento essencial de sua situação. Em todas as nossas descrições ulteriores, teremos que nos referir a eles. Pois, sendo o corpo o instrumento de nosso domínio do mundo, este se apresenta de modo inteiramente diferente segundo seja apreendido de uma maneira ou de outra. Eis por que os estudamos tão demoradamente; são chaves que permitem compreender a mulher. Mas o que recusamos, é a idéia de que constituem um destino imutável para ela. Não bastam para definir uma hierarquia dos sexos; não explicam por que a mulher é o Outro; não 52


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