O Segundo Sexo - Simone de Beauvoir

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lêsmas fantasiadas" (Le Songe). As mulheres são a seu ver, com exceção das esportistas, seres incompletos, destinados à escravidão; moles e sem músculos, não podem dominar o mundo, por isso mesmo trabalham com afinco para anexar-se um amante, ou melhor um marido. O mito do louva-a-deus não é, ao que eu saiba, utilizado por Montherlant, mas êle redescobre-lhe o conteúdo: amar, para a mulher, é devorar; pretendendo darse toma. Ele cita a exclamação de Mme Tolstoi: "Vivo por êle, para êle, exijo o mesmo para mim", e denuncia os perigos de uma tal fúria de amor. Encontra uma terrível verdade nas palavras do Eclesiastes: "Um homem que vos quer mal vale mais do que uma mulher que nos quer bem". Invoca a experiência de Lyautey: "Um de meus homens que se casa é um homem reduzido à metade". É principalmente para o "homem superior" que êle julga nefasto o casamento; é um aburguesamento ridículo. Seria possível dizer: Mme Ésquilo, ou vou jantar em casa dos Dante? O prestígio de um grande homem é enfraquecido pelo casamento, mas este principalmente quebra a solidão magnífica do herói, o qual "precisa não se distrair de si mesmo" (Sur les Femmes). Já disse que Montherlant escolheu uma liberdade sem objeto, isto é, que êle prefere uma ilusão de autonomia à autêntica liberdade que se empenha no mundo; é essa disponibilidade que êle pensa defender contra a mulher: ela incomoda, pesa. "Era um triste símbolo que um homem não pudesse andar direito porque a mulher que amava o segurava pelo braço." "Eu ardia, ela me apaga. Eu andava sobre as águas, ela pendura-se a meu braço e me afunda" (Les Jeunes Filles). Como pode ela ter tamanho poder se é apenas carência, pobreza, negatividade e sua magia, ilusória? Montherlant não o explica. Diz tão-sòmente com soberbia que "o leão teme com razão o mosquito" {Les Jeunes Filies). Mas a resposta é evidente: é fácil acreditar-se soberano quando se está só, acreditar-se forte quando se recusa cuidadosamente a carregar qualquer fardo. Montherlant escolheu a facilidade; êle pretende ter o culto dos valores difíceis, mas procura alcançá-los facilmente. "As coroas que damos a nós mesmos são as únicas que merecem ser usadas", diz o rei de Pasiphaé. Princípio cômodo. Montherlant sobrecarrega a fronte, veste-se de púrpura, mas bastaria um olhar alheio para revelar que seus diademas são de papel pintado e que, como o rei de Andersen, está inteiramente nu. Andar em sonho sobre as águas é muito menos cansativo do que marchar de verdade pelos caminhos da terra. Eis por que o leão Monther245


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