Revista Duo - 033

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Diário de Uma Solteira

Por Iêda Camargo iedacamargo@hotmail.com

Qual é o problema de ser titia?

Genteeee, eu sou a raríssima exceção, quando criança, minhas brincadeiras também eram uma imitação da vida adulta, ou como eu queria que ela fosse. Nessas encenações eu era uma jornalista, uma arqueóloga, professora... Basicamente variava de acordo com meus filmes ou séries favoritos, mas nunca era uma esposa, uma mãe de família. Minha casa imaginária era só minha. Na minha vida adulta, desde as brincadeiras, não tinha o marido ou os filhos. Sei que muitos estão lendo chocados e eu com a reação que é sempre a mesma e basicamente me sinto como um dos casos do “Arquivo X”. Só percebi que eu não era tão convencional quando reparei que a maioria das meninas sonhava em se casar. Elas desenhavam seus vestidos de noiva, pensavam nos nomes dos filhos. Eu simplesmente não me identificava com nada daquilo. Tive namoros longos, um de 13 anos, depois um de 7 anos, outro com e 2, chega senão vocês começam a calcular, casar, morar junto, dividir a conta de luz, planejar quem vai cuidar das crianças enquanto o outro faz mestrado na Europa, essa coisas nunquinha, com nenhum deles. Entre meus amigos e familiares sempre houve respeito por essa opção, ahahaha sqn, o namorado da minha prima insinuou que eu era gay, como se gay não se casasse também. Para minha tia, em tom decidido, respondi: “Não pretendo casar!”. E ela logo que me ouviu, arregalou os olhos assustada, como se eu tivesse acabado de dizer: “gosto de arrancar as unhas do dedinhos de bebês com alicates enferrujados”. Para o meu amigo infancia, respondi: “Não pretendo ter filhos!”. E ele, meu amigão de emprestar vinil do Guns in Roses, olhou-me como se eu fosse a Nazaré Tedesco em cima da escada. Como assim? Deixem meus óvulos em paz! Permitam-me, sem me olhar como se eu estivesse à beira da insanidade, que eu opte. Saí um dia com um cara e entre um drink e outro ele chegou a mais importante pergunta: por que você não casou? Expliquei sobre alguns relacionamentos que tive e falei que nunca me importei com isso, que se eu pudesse apertar um botão hoje para encontrar um marido, não o apertaria. Sério, eu nem sei porque isso vira tópico de conversa. E no final da noite, o conselho:

você tem que casar logo… É sério. Alguns, sem medir caretas, olham-me como se eu estivesse defendendo o uso do crack nas escolas públicas. Outros, sem disfarçar, olham-me como se tivessem pena das minhas escolhas. WTF? A maioria das minhas amigas acabam convencidas de que realmente elas tem que casar logo, e que certamente o fato de não estarem casadas denuncia algum problema com elas: no caráter, na índole, no desempenho sexual, no temperamento, sei lá. Muitas pessoas encaram a vida como se ela fosse uma novela e como se os personagens reais dela não pudessem ser felizes sem um casamento em algum dos capítulos. Ou sem um bebê depois de algum break comercial. Existir é escolher e, não podemos mais acreditar que existem modelos corretos de existência e, para o bem da diversidade, não devemos julgar aqueles que optam por formatos de vida diferentes daqueles que consideramos ideais para nós. Cada um na sua verdade! Esse medo de ficar sozinha é caso bem sério, no desespero as pessoas se agarram até em fio desencapado, aí serão e farão infelizes. Esse é o resultado da lavagem cerebral da tia-solteirona, todos esperam, e tem certeza, que ser solteira e sem filhos, é uma infeliz. É o que ouvimos desde pequena: Não faça isso se não vai ficar pra titia… Tem q arrumar um namorado logo se não vai virar a tiachata… Ainda bem que ninguém fez disso uma cantiga de roda, mas me sinto o boi da cara preta, ou qualquer um desses personagens politicamente incorretos que representam o mal. A felicidade é comumente associada a modelos de vida e acreditamos que para termos uma existência bem sucedida, precisamos, necessariamente, passar por etapas como casamento, filhos e boa posição profissional. Porém, esse é um pensamento limitado e limitante, pois os seres humanos possuem identidades únicas e sonhos particulares. Precisamos parar de julgar a vida alheia e de achar que o outro deve sonhar com as mesmas coisas que nós. O único modelo de vida inaceitável é aquele que fere a existência do próximo Fiquei, estou permanecerei titia sim. E daí?

DUO | revistaduo.com.br

Foto: Banco de Imagem

Eu vejo muitas amigas minhas em uma corrida contra o tempo, lutando para conseguir atingir o seu sonho de criança. Que sonho é esse? Ser a Barbie e acabar com a vida do Ken, “embarangar” e pegar a pensão ou quase isso: casar e ter filhos liiiindos, poliglotas, educados como conto de fadas e comercial de margarina de uma vez só. A mulher brinca de boneca vestindo-a de noivinha imaginando como seria o dia do casamento e que tipo de vestido vai usar. Todo mundo, com raríssimas exceções, quis casar.

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