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Café&Prosa

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CCUIDADO UIDADO

CCUIDADO UIDADO

Entrevistamoso ProfessoreDoutorandoem LiteraturaDanielSantosdaSilvaquecontaum poucosobresuatrajetória

DanielCarlos

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SantosdaSilvaé professorde

LínguaEspanhola eLínguaPortuguesa,no InstitutoFederaldoParaná eestáatualmentecursando DoutoradoAcadêmicoem Literatura,naUniversidade deSãoPaulo.Também compõeumaficçãoeoutra.

IFashion:Conteumpoucodasua históriadevida.

Daniel: Nasci em São Paulo (capital), mas antes dos 3 anos meus pais se mudaram para Curitiba, onde morei até os 24 anos. Lá foi onde cursei graduação(fizLetrasPortuguês/

Espanhol na Universidade Federal do Paraná). Depois, em 2014, me mudei para São Paulo para cursar Mestrado Acadêmico, na USP, onde estudo até hoje. Saí de São Paulo após quase 5 anos de residência, para assumir o concurso aqui no Campus

Avançado Goioerê (isso foi em 2018). Esse seria o percurso " em linha reta", mas em relação ao trabalho, é extremamente tortuoso. Já fui empacotador em mercado, vendedor em shopping, fui estagiário de Letras num circo que existia em Curitiba, dei aula como substituto durante um bom tempo lá e também em São Paulo. Na capitalpaulistatrabalhei,ainda,emeditora,elaborandomaterialdidático,deiaula de português para estrangeiros, fui corretordoENEM,enfim,oquepintasse na área de Português e Espanhol eu topava. Aindaqueminhamãeemeupai sempre me dessem apoio e me quisessem por perto, ser independente foiumaescolhaquefuiconstruindo. Tive o conforto de morar com eles por 24 anos. Não fui criado com biblioteca em casa, meus pais têm formação incompleta no Ensino Fundamental. No entanto, o apoio dela e dele estão presentes até hoje. Jamais o sentimento amorosodelessesobrepôsaalgumadas minhas decisões. Da minha geração (nasci em 1989), me considero um homem gay privilegiado: desde o momentoemqueconseguiexporminha identidade, falar com minha mãe e com meu pai, não houve cisma, decepção. Continuei sendo o filho que eles quiseram ter. Hoje, tanto tempo depois desse meu entendimento sobre minha orientação sexual (veja bem, eu nem sabia que "podia ser gay" na época da escola, na verdade, teve tempo em que eu rezava para não ser - mas foi só o Ensino Médio acabar que transpus essa estrutura histórica de que ser gay era uma doença, um problema, uma decepção), percebo que, de fato, meu pai é um herói: sempre manteve seu afeto inabalável. Mamãe é mais complicadinha, mas também uma grande amiga. Até hoje adora saber intimidades.

IFashion: Como se deu a escolha da suaprofissão?

Daniel: Eu tinha um professor de português ótimo na 8ª série (9º ano) e queria ser igual a ele. Na verdade, gostava do jeito metódico dele. Hoje percebo que tenho algumas características de várias professoras e professores que eu tive. Por exemplo, minha birra com estudante preguiços@ vem desde o fundamental II: um professor maravilhoso de história e geografia "forçava" a gente a pensar, com 13 anos tínhamos que saber explicar os conceitos, a diferença entre capitalismo e socialismo, ele fazia projetos relacionados a cuidados com a natureza, tenho pavor de lixo fora do lugar e sujeira desde essa época (além dos meus pais serem limpíssimos).

Tem vezes que me ouço lendo um poema em sala e lembro de uma professora de português do Ensino Médio,achoquenadicçãomeinfluencieimuitopor ela.Foraoutrasfigurasemblemáticasdoperíododa graduação. E minha própria orientadora do doutorado,queparamiméumadeusa. Emsuma,foidesdeos14anosquedecidipelocurso. Mas Letras é tão abrangente (sempre falo para as pessoas: façam Letras antes de mais nada, depois cursem algo para ganhar dinheiro etc.), que hoje percebo que tudo o que envolve a escola me agrada muito, mas não é tudo. Nesses últimos anos (e a quarentena também foi significativa para isso), percebo como a escritura é outra constante em minha vida. Eu escrevo sempre, mas não sabia que podia fazer disso uma atividade mais criativa e refinada. Pensava que as pessoas que escrevem narrativas e as publicam formassem parte de um público seleto. Mas hoje tenho gostado mais do que escrevo,deformacriativa,tenhodadominhascaras nesse lance da composição literária. E estudar sempre foi meu prazer (talvez tenha sido aí que sublimei muitas das violências sofridas durante a época da escola). Já tenho pensado no que fazer quando o Doutorado acabar. Adoro assistir uma aula, sou do tempo em que professores eram considerados "deuses", eu respeitava minhas professoras e meus professores não só por conta de uma tradição autoritária vindo do tempo dos meus pais, mas porque estudar, lá no começo dos anos 2000, quando cursei o Ensino Médio, significava mudançadevidaeumaaçãonobre.

IFashion: Para você, qual a importância para os jovens LGBTQIAPN+ de existirem pessoas na sua posição/cargo?

Daniel: Eu nem sei qual a minha posição. Na verdade,ficomeioemdúvidademecolocaremuma ç j q q pincelei pelo menos 3 grandes eixos que me constituem profissionalmente. Não gosto muito de agrupamentos, pois parece que as pessoas vão traçando um perfil sobre nós, que é uma ilusão. Mas pensando no meu cargo de professor, eu s jovens e dos jovens inseridos nessa sigla se eu tenho alguma importância. Tenho?

Por incrível que possa parecer, sou meio romântico. Naquele sentido de quem idealiza e realmente acredita nos seus ideais. Quem sabe eu sejaumpontodereferênciaparaestudantegay.Ainda mais pelo comprometimento e seriedade com que levomeutrabalho.Nãoébagunça,sabe?Aocontrário. Talvez essa minha postura, inclusive, seja definitiva para jovens que não façam parte dessa sigla. Enfim, não sei mesmo seposso ser uma referência, mas estou certo que MEU NOME estudante nenhum(a) pode jogar na lama. Se passo na vida de algum(a) sem transformar nada, estou certo que não é por falta de empenho meu. E se, por acaso, sou uma referência para alguém, certamente essa pessoa, enquanto minha e/ou meu estudante, é também uma grande referênciaparamim.Daínasceumaformadeamor.

IFashion:Vocêéfelizcomasuaescolha?

Daniel:Comqualdelas?rs.EuadoroLetras.Tudoque envolve minha área me deixa extremamente feliz. A arquitetura da nossa Língua, a Literatura... são fantásticas!!! É que existe um preconceito da sociedade e certa apatia: as pessoas dizem não gostar de português, como se não fosse a língua delas, como se não se comunicassem diariamente nessa língua. Dizemnãogostardeliteraturacomosenãopassassem horas imersas em "fanfics", "fofocas", necessitando transmitir e receber relatos sobre outras pessoas. Estudantes vão para uma aula como se estivessem indo para um enterro. Tem muito corpo mole envolvido no âmbito escolar. Mas sei que se a juventude é mais ou menos assim, é porque ela também está sendo criada por nós, adult@s. Apesar de todo esse meu pesar, há poucas situações em minha vida em que eu estou vivendo o presente de maneiratãoplena.Daraulaéumadelas.Àsvezestem vazamento no banheiro do apartamento onde moro, mas enquanto eu estou na sala de aula isso nem me passapelacabeça.

Além disso, tem alguma coisa interessante n@ jovem, que o adulto não tem: a juventude não está "contaminada". Eu posso exigir que minhas estudantesemeusestudantesnãousemcelularemsalae,pelomenosaparentemente,sentir queaturmaestárelativamenteconectadacomigoenãocomumuniversoaleatório.Nãosei comoprocederiacomumadulto.Imaginaacena:

-Oh,Fulano,guardaocelular,poisminhaaulavalemilhõeseeunãovoucompetircomessa droga!

Edaílevantaesaidasala:umquarentãodebarba,voltandopracasaechorandoabraçado comosfilhos,desistindodocursoetc.

Eugostodeserprofessor,sim,principalmenteaparteemqueestoulendoumconto,um capítulodeumromance,umpoema,etemumaenergiaemanandodoscorposjovensali presentes,comoseosentidodaLiteraturativessetocandonóstod@s.

IFashion:Vocêjásofreualgumtipodepreconceito?

Daniel: Incontáveis. É curioso, pois eu não sei, hoje, em que medida numa reunião algumasdasquestõesqueeulevantoseriamounãoconsideradas,sefossemproferidas por meus colegas homens heterossexuais. Às vezes tenho a sensação de que algumas pessoas levam algumas das minhas reivindicações para o lado da "bicha louca". Tipo: "vamos deixar ele falar e vamos seguir rindo aqui com o canto da boca, porque na próxima reunião todo mundo já vai ter esquecido". Não de forma assim consciente, é claro.Etalvezissosejaapenasumasuposição.

TeveumavezemSãoPauloqueumadiretoramedispensouapósaprimeirasemanade trabalho. Era uma escola particular e religiosa, e ela uma mulher vazia e amarga.

Suspeitoqueminhaorientaçãosexualdefiniuessadecisão.Comosaber?

Agora, em relação à época da escola: que terror! Minha alegria é ver estudantes LGBTQIAPN+ (estou nesta parte da sigla, ainda) circulando de modo menos carregado pela vida nos pátios, corredores e salas de aula. Não adianta eu ficar aqui relatando o que passei, pois construiria um muro de lamentações. Porém, ali em torno dos 17 anos, quandoEUMESMOdeixeideterpreconceitocomigo,daífoiavirada!

A partir daquele momento, e talvez isso tenha relação direta com essa minha busca incansável por independência, qualquer sinal de preconceito recebia de mim uma atitude que já é meio automática/inconsciente: me distancio, apenas - como se duas pessoas tivessem discutindo na rua e aquilo fosse dar em briga. Eu me afasto, pois a violênciamedávergonha.Epreconceitopodeser,relativamente,sinônimodeviolência

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