AGUARELA DO SILÊNCIO

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AGUARELA DO SILÊNCIO 2ª EDIÇÃO REVISTA E ACTUALIZADA 26.maio.2010

PREFÁCIO-TUDO É EMOÇÃO Maria Inês Teixeira de Queiroz Aguiar Marçalo é uma escritora que antes de mais nada é poeta. Uma mulher cuja percepção da vida e das circunstâncias se transforma num torrente de sensibilidade capaz de distorcer a falsa sensatez com que os humanos tratamos de disfarçar a dor, o desamor, a frustração, a recordação ou singelamente a natural tristeza de sentir-se singelamente triste. Desta forma tão sublime é capaz de reflectir sem nenhuma distorção nem artifício o sentimento puro. Bem seja o sentimento aberto, pleno e desolador da alma ferida, da entranha mais profunda que só o coração conhece. Bem seja o alento etéreo, reconfortante e subtil da beleza das recordações, da luminosidade da alma em cada enamoramento. As palavras se deslizam nestes sonetos com a naturalidade da chuva, com a precisão do desejo… sempre alimentado delicadamente com a superior espiritualidade que só algumas almas reflectem tão nitidamente. Sentimento puro em estado puro, não é coisa diferente ser poeta… desde a introdução, onde podemos ler, quase respirar o seguinte parágrafo: Sou actriz de mim mesma, Daí a surménage e o cansaço. Os meus cenários são as situações reais da vida E os meus figurantes são os outros. Desde este mesmo ponto de partida o leitor é transportado ao universo da intimidade na que tudo se reconhece e se reflecte profundamente...actores de nossa vida, somos talvez algo diferente os palcos de cada dia com os figurantes de cada dia? Certamente, não. Aguarela de Silêncio, leva por título uno dos poemas que integram este manuscrito de ausências e de presenças e de voltas e de chegadas e de presenças…aguarela de silêncio, é “quando a gente cala e a pedra sente”…e um pode fazer-se pedra pacientemente à espera de não ser mais do que pedra quando o ruído da gente cessa em nossa mente. Angola está também muito presente…não poderia ser de modo diferente quanto vive e sente… poetizando a existência desde o início até a morte. E sempre a saudade, esta saudade única da alma portuguesa, do sentir português, do dizer pausado e sonoro desta maravilhosa língua. Uma saudade que é filosofia da vida, filosofia da experiência, filosofia do ser e do não ser. Tenho aqui a originalidade e profundidade destes escritos: A verdade nua da verdade mesma. Em Madrid, a 20 de Abril de 2010. Por Francisco Javier Pavón Arenas. (Colegiado de Número do Real Colégio Heráldico de Espanha)

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Dedicat贸ria

A meus Pais com todo o meu amor. Maria In锚s.

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Apresentação

Sou actriz de mim mesma E represento os papéis mais variados; Daí, a surménage e o cansaço. Os meus cenários são as situações reais da vida E os meus figurantes,são os outros.

E sendo eu a autora dos dramas e comédias, Das farsas e tragédias em que entro, Isso me basta.

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Aguarela do silêncio”

Quando o silêncio fala, fala à gente, Como a presença de uma mão querida, Como um sorriso numa despedida, Como a saudade de um amigo ausente…

Quando o silêncio fala, a pedra sente E em abraços ternos, toda a vida Se expande, docemente colorida, Desde o amanhecer ao sol poente…

Então, em tons de verde eu deito a alma E beijo o meu azul ardentemente… Bebo o vinho vermelho do poente

E espraio-me na noite e nessa calma, Abarco tudo e todos no presente… Quando o silêncio fala e a pedra sente…

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“Convergência”

Tenho de mim a mistura trepidante De um contraste de vida ou de ideal, De uma pureza extrema alada ao mal E de uma paz que vem e passa adiante…

Bato as asas num gesto radiante E sou o mundo e sonho e sou real… ... Mas logo, grão de areia em areal, De mim, me vou ficando tão distante,

Se um dia eu me perder neste universo De sons, imagens, cores de que sou parte, De algo que eu procuro e não alcanço,

Que o meu caixão, Senhor, seja um só verso Do meu desejo imenso de encontrar-Te Para que eu tenha, enfim, algum descanso!

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“Tudo passa, menos eu.”

Passa no rio a corrente, Passa o vento pelo ar, Passa o sonho pela gente E o sossego ao despertar…

Passam trens, passam cantigas, Passam belas raparigas, Passam velhos a arquejar… Passa o luto e a desgraça, Passa o medo e ameaça Da coragem Nesta vida soçobrar…

Gritos, guerras e canhões, Atropelos, empurrões, Paz, doçura e harmonia… Tudo passa, tudo passa, Tudo treme e ameaça Decompor-se Nesta luta fugidia…

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Tudo passa?! Ou tudo fica?! Se esta amálgama bendita Se renova em cada hora… Como passa o sentimento? Donde vem este lamento Que em minh'alma sempre mora?

Fito um barco regressando, Um lenço branco acenando, Uma gaivota no ar… E o sol no horizonte, Mai-lo mar e mai-la ponte… Lá vem o trem a apitar…

Pedras, montes, arvoredos, Céus sem fim, ó amplidão! Corpos nus, desamparados, Dizei-me: “sentis ou não?”

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Tudo passa menos eu. O sol baixa e já nasceu, O mar, esse não tem fim; Na ponte o trem apitou, Amanhã outro voltou… Tudo passa e pára em mim…

E eu amo como gente, Como pedra, sol poente, Como aves a adejar… Amo tudo e tudo sou Pois que em mim tudo morou E p’ra sempre há-de morar!

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“Espelho de Amor”

Fui pedacinho de rocha, Fui a verdura baloiçando, Fui a sombra que se esboça E pelas paredes roça Quando a noite vem chegando…

Fui feliz: pó, cinza ou vento, Uma onda me tragou; Eu fui tudo num momento E apanhei com o pensamento O instante que passou…

No azul me dissolvi, No azul quente do mar… Se aquilo que eu recebi E me foi dado por ti Me fizesse a ti chegar…

Há como que um grande espelho Diluído nos espaços: No azul, verde e vermelho, 9


Em tudo o que é novo ou velho Ligando o mundo em abraços…

Espelho de puro Amor Fazendo parte de nós… E que até na própria dor Nos deixa ver-Te, Senhor, Quando aos poetas dás voz!

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“Viver”

Viver é rir, chorar, sentir Amor, Ter dúvidas, desejos, esperança; Entrar na doce paz, sentir bonança… P’ra logo ultrapassar a maior dor.

Deixar vir a saudade do presente E engolir, de um trago, o bem futuro; Olhar, sem o temer, o alto muro Do solitário andar por entre a gente...

Saber tirar de tudo bom proveito, Não ter em vista um fim, mas muitos mais E nunca contentar-se do já feito;

Unir a tudo Amor e deste jeito, Saborear os risos e os ais: Sentir bater um coração no peito!

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“Fado”

Quando, ao cair da tarde, o sol poente Cai sobre nós e sobre a natureza, Cai sobre mim o véu de uma tristeza E atrás de mim eu sigo, docemente.

Chamo por mim: “Inês!” E a voz tão quente De toda a minha infância e a beleza De toda a minha terra, é uma certeza Que tudo permanece, em mim, p’ra sempre.

Em cada sol poente há meu passado, Em cada sol nascente há o meu presente E os dias vão trinando em mim seu fado…

Guitarra sou. Se a forma me não mente, É neste coração que hoje é cantado O fado que se escuta noutra gente!

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“O meu reino”

Nasci num reino de oiro à beira mar Onde os meus Pais reinavam com bondade E havia nele tanta humanidade Que chegava p’ra nós e para a dar…

De tal modo que hoje, ao despertar Eu vivo ainda a única verdade Que a vida me deixou: esta saudade Do reino que persiste à beira mar…

Como a saudade é feita de Luanda! Ai, como a chuva cai e brilha o sol! Olha essas ondas nesse azul sem fim!

Esta saudade que em meu peito anda Ai, ela é de oiro como um girassol E se agiganta muito além de mim!...

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“Recordações de Angola”

Perdi todo o passado no caminho… Quero vivê-lo hoje novamente, Mas as recordações de tanta gente Deslizam-me entre as mãos, devagarinho…

Minha Mãe era o sol da nossa casa E o meu Pai, suave entardecer… Os meus Irmãos, a brisa que perpassa Suave e perfumada em meu viver…

Meu Pai segura agora a minha mão… Brito Godins, Baía e a Mutamba Coloridos de amigos que lá estão…

Luanda vem sorrindo e na quitanda, Traz com amor, em jeito de oração, Todo o meu coração que por lá anda!...

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“A propósito de morte de alguém”

Havia um dia de sol tão ardente Que, de repente, se sentiu no ar A trovoada pronta a desabar… E uma nuvem negra foi presente!

E a nuvem negra tem forma de gente, E a nuvem negra tapa o verbo amar E a nuvem negra põe-nos a chorar Que, não se vendo o sol, `inda se sente!

O coração humano estala agora E a noite cai em nós, abruptamente… Tudo é silêncio e dor na escuridão…

Mas vem nascendo o dia que em nós mora E à luz do sol, a morte é, simplesmente, Dos dias pelas noites sucessão…

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“A Florbela Espanca”

Desfolhando o teu livro, um destes dias, Vi um retrato teu que me atraiu E, quando em ti, minh’alma se reviu, Uma pergunta já tu me fazias…

Olhei bem para ti, olhei p’ra nós: Sentimos ambas medo e nostalgia… Depois… As duas rimos de alegria Por podermos, enfim, falar a sós…

Repara na mentira deste mundo... O teu, mais verdadeiro e mais profundo, Já te tirou a ânsia desse olhar…

No desencontro, encontro desta vida Uma tristeza paira em mim perdida: Não ter a tua voz para a escutar!.

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“ Se espero por ti, não sei.”

Se espero por ti, não sei… Se há tanto tempo deixei De saber o que pretendo, De gritar que não entendo, De dizer quanto te amei… Se espero por ti, não sei…

Meus dias passam ceguinhos, Deslizam agarradinhos Ao passado que morreu… E em frente de toda a gente, Eu vou sorrindo, doente, Vou fingindo que sou eu…

Que espero da vida agora?! Que ela enfim se vá embora P’ra eu me juntar a ti? O que faço eu nesta hora Se em minh’alma és tu quem mora Se foi em ti que eu vivi?

Porquê as quimeras loucas, 17


Pobrezinhas e tão poucas Que eu agarro com paixão? Porquê o medo de mim, O de por um breve fim Ao que eu sou: uma ilusão?!

O tédio é presente em tudo… E eu sou um sorriso mudo A que já me habituei… Vivo dum ópio passivo E penso sempre comigo: Se espero por ti não sei…

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“Contorno” Silêncio… Venha a paz junto de mim P’ra eu poder sentir, poder pensar… Já te não quero a ti… Vai-te, não voltes… O teu sorriso só, me há-de bastar…

Desfilam as imagens, os desejos, O abandono, o medo e tudo o mais… Perpassam sobre mim teus doces beijos, Dissolvem-se no eco de meus ais…

Nada mais quero. Dá-me só ternura; Dá-me o contorno do que já passou E fique tão somente o que perdura…

Saudade de um olhar que em mim poisou… Sorriso de um momento de ventura Que para a vida encher, Amor, bastou!

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“Ao nosso Pai”

Foi em Setembro o mês em que eu nasci E em que o teu Amor, mais uma vez, Se desdobrou em outra filha, Inês, Que, p`ra sempre, ficou ligada a Ti.

E como tantas vezes renasci De Ti, meu Pai, de Ti qu`inda em mim crês, Mesmo p`ra além de alguma insensatez De todos estes anos que eu vivi!

Ao rezar o “Pai – Nosso” em cada dia Tu ressaltas, meu Pai, na harmonia Destas três letras com que escrevo PAI.

E assim, encontro a Paz que me fugia E sigo o Teu Amor como meu guia, E toco o Infinito que em mim cai!

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“Amor de dar.”

Tu és a rosa e a tua ausência espinho Que a minh` alma feriu e fez sangrar; E é dessa dor que eu, hoje, a chorar Te falo, quando cruzas meu caminho…

A rosa permanece: é uma criança, É um sorriso e uma palavra amiga, É um perfume intenso que me obriga A manter com o mundo uma aliança.

A rosa permanece, mesmo ainda, Quando perdida em mim vou naufragar E a negra solidão me faz ninguém…

Nos outros reconheço a tua vinda E entrego aquele amor todo p`ra dar Que nos deixaste um dia, ó minha Mãe!

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“Cadeia partida”

Havia um elo na cadeia “Espaço” Tão igual aos demais como um abraço Entre o que é a acção e o pensamento; Havia um elo na cadeia “Tempo”.

Ele era uma das cores da luz do dia, Era o cantar de amor da cotovia E o perfume azul duma flor; Ele era um elo da cadeia “Amor”.

Ora o elo tentou viver sozinho, Mas foi-se o arco-íris lá do céu; E a cotovia, triste e de mansinho,

Seu canto, no azul, esmoreceu… Murcharam as flores pelo caminho E só, com seu amor, ele morreu.

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“A minha Mãe”

Abro o caderno e a folha branca em frente Faz-me um sorriso e um convite mudo, P`ra que eu escreva nela o que se sente Quando a gente está só e sente tudo.

E eu noto nesta minha confidente Uma atenção igual à de um alguém Com quem eu conversava antigamente E este silêncio atento é minha Mãe.

Falámos, num minuto, várias horas E a folha já tem lágrimas, Tu choras Tal como eu, de enternecimento…

Mas numa dor estranha de momento Deixo na folha branca o pensamento De que é em mim, não nela, que Tu moras…

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“À nossa Mãe”

Nos tempos em que havia o Teu sorriso E a doce luz de paz do Teu olhar, Só isso, querida Mãe, era preciso Para a nossa alma inteira aquietar.

No mundo em que estiveste tão presente, Tão pronta a socorrer-nos cada hora, Deixaste uma saudade que se sente Aqui, no coração, que chora agora…

Mas nestes versos tristes de saudade, Por não Te termos já perto da gente, Sobressai um sorriso, uma verdade:

Agora , mais que nunca, estás presente E o Teu amor por nós já nos invade Que, quanto mais nos faltas, mais se sente!

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A propósito do terramoto em Itália na noite de 23 para 24 de Nov. de 1980. O que eu senti:

O dia decorreu e noite adiante, Tremeu a terra toda e destruiu Terras, montanhas, quando nela viu… E adormeceu cansada e soluçante.

Tal como a terra, um grito delirante Pesando em mim, aos poucos explodiu E a mim, parte de um todo, destruiu E o todo me abafou com mão possante…

Enterrada, `inda viva, em vão tentei Ser mais que o nada a que me reduzira Mas todo o meu esforço foi banal…

Ficou-me só de mim o que falhei E como num espelho que se vira, Nem mesmo a imagem minha foi real…

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O que eu deveria ter sentido:

O dia decorreu e, noite adiante, Tremeu a terra toda e destruiu Terras, montanhas, tudo quanto viu E adormeceu cansada e soluçante…

Tal como a terra, um grito delirante, ´inda abafado em mim, explodiu E o meu auto-retrato destruiu E eu fiquei mais eu, de mim distante…

E eu fiquei mais eu, acomodada No todo a que pertenço e já distante Da que fui eu (em mim amortalhada…)

Senhor, meu Deus, meu Astro Radiante, Possa eu eternamente a Ti ligada Fazer parte de Ti, a cada instante!

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“Eu” Sou o calor, a brisa e o perfume Das noites de verão… Sou cânticos das aves pelas tardes, Murmúrios dos ribeiros, sou paixão…

Sou onda, sou espuma, sou quimera, Sou tudo o que morreu e torna a vir… Sou renovada e linda primavera Que se contenta só com existir…

Sou trevas, negras trevas se adensando Antes do temporal… Sou o inferno, a morte , a derrocada, Sou tudo, por meu bem e por meu mal…

E sou tristeza infinda em não saber Tudo aquilo que sou Pois, cada dia, julgo ver nascer Parcelas do que sempre em mim morou…

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“Saudade I” Saudade é uma lágrima dos céus Que nos permite a um tempo a luz do dia E o temporal da noite e a acalmia… Saudade é uma dádiva de Deus!

É ter, em dia claro, os densos véus Da noite e tiritar por ser tão fria… É experimentar o sol de uma alegria Enquanto a alma dói nos vários “eus”…

É ter as mãos suspensas no infinito E os pés prisioneiros do deserto… É como quem se atreve a dar um grito

E o apanha inteiro no seu eco… É como ser-se expulso por maldito E a mão de Deus chamar-nos p` ra mais perto!

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“Saudade II”

Saudade é uma lágrima dos céus Que nos permite a um tempo a luz do dia E o temporal da noite e a acalmia… Saudade é uma dádiva de Deus!

É ter em dia claro os densos véus Da noite e tiritar por ser tão fria… É experimentar o sol de uma alegria Enquanto a alma dói nos vários “eus”…

Saudade somos nós, de nós tão perto, Neste areal da vida, ao pretendermos O nosso enquadramento na Verdade…

E ao cair da chuva no deserto, A um oásis lindo o convertemos E assim, sorrindo em nós, nasce a saudade!

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“Mãe.”

Em versos feitos só de cor brilhante As tuas qualidades quis pintar, Mas em lugar nenhum, perto ou distante Os tons precisos eu logrei achar.

Porque Mãe só há uma neste mundo, Porque Mãe nossa vida quer dizer, Porque és tudo o que há de mais profundo: Tu és os nossos filhos a crescer…

E ao dar-te os parabéns, Mãezinha querida, Eu venho oferecer-te o nosso amor A Ti e ao Pai, nossa árvore da vida.

Que este dia feliz se encha de flor E a seiva que nos uniu à partida Corra em nós, sempre e mais com mais calor!

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Redondilhas

Fui dar um passeio e vi Aquela mulher sombria, Sombria de solidão… Aquela mulher que ri P`ra esconder a alma vazia, Procurando a minha mão…

E vi olhos de criança Interrogando os demais… De lábios roxos, sorrindo, Flores sem calor de esperança… Senti-os como punhais… De lábios roxos sorrindo…

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Voltei a casa e vivi A companhia dos sós E eu fui uma multidão: Fui todo o Irmão que ri Por ser mais digno que nós: P` ra esconder a solidão…

E fui a flor bizarra De toda a infância despida Com olhos de interrogar… A flor que Deus agarra Bem no princípio da vida Para não poder murchar!

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“O dia em que eu morrer.”

O dia em que eu morrer terá de ser, Em tudo, semelhante àquele dia Que me deixou tamanha nostalgia Do berço donde vim para viver.

Nesse meu fim de tempo, a harmonia Entre o partir e o permanecer Fará que, como outrora, eu chore e ria E a morte será só um renascer.

Misturarei as lágrimas saudosas Da gestação do mundo em que vivi Ao riso radiante de outra luz…

E as Tuas mãos queridas, ansiosas, Virão p`ra me afagar e junto a Ti, Tal como outrora, ó Mãe! Está Jesus!

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“O Milagre do chafariz”

Foi na invicta cidade Num dia de sol ardente… Passeava a mocidade Com os oitenta anos de idade Do Avô de alma contente…

O Avô, que segue andando, Ouve um marulhar que diz Que há ali um chafariz… Ouve as pombas arrulhando, Ouve e vê o que não diz…

Não diz que os olhos de outrora A saudade lh`os deixou E é assim que, cego embora, O Avô vê, nesta hora, Tudo quanto já amou…

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Vê a Praça da Trindade E os bancos que lá estão; Vive nele a claridade E o coração da cidade. O neto interrompe então:

“Está ali, num banco sentado, Um mendigo a comer pão E de pombas rodeado, Distribui o seu bocado, Reparte o que tem na mão…”

O Avô segue calado Com o seu grande coração… Leva o do neto a seu lado E o do mendigo sentado: É Avô e é Irmão…

O mendigo da Trindade 35


Não é mais mendigo, não… Vivendo da caridade, Retribui com amizade A esmola que lhe dão.

E não tendo mais que dar Por ser mais pobre que os seus, Vai dentro dele encontrar O peito, para o doar Às criaturas de Deus.

O mendigo da Trindade Não é mais mendigo, não… Chegou a nós, na verdade, E deu-nos, com Amizade, Novo conceito de Irmão.

E a esta narração De tudo o que aconteceu 36


Num dia quente de verão, Com um mais quente coração De um mendigo que se deu,

Algo há a acrescentar Àquilo que aqui se diz: Um hino sobe no ar, - O da alegria de amar Que torna o homem feliz.

E um milagre acontece Em redor do chafariz: Um novo Irmão aparece E o hino agora cresce… - É S. Francisco de Assis!...

(Poema publicado no “Primeiro de Janeiro” de 11/07/81)

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“Amo-te tanto e nunca sei quem és…”

Amo-te tanto e nunca sei quem és… Vejo uma rosa e as pétalas são beijos E o seu perfume são os meus desejos; Amo-te tanto e nunca sei quem és…

Na minha solidão ouço uma voz Chamar por mim “Inês”! Devagarinho, Com medo que te vás e de mansinho, Procuro distinguir-te de entre nós...

Distingo-te no Belo e no Amor, No quase ter o mundo em minhas mãos Quando todos p`ra mim são como irmãos, Se para mim sorri alguma flor… Distingo-te também quando perdida Em horas negras vou p`ra me afundar E vem o teu amor p`ra me ajudar E eu passo a ser então a própria vida. 38


Quem és tu que me dás aquele amor Que eu procuro encontrar entre os demais, Que me permite rir p´ra além dos ais, E me consente, a mim, ser uma flor?

Flor de cacto, eu, cheia de espinhos, Flor que pouco exige, mas que tem A gota de água a tempo que lhe vem De ti, de teu amor, de teus carinhos…

Amo-te tanto e nunca sei quem és… Perpassas, linha recta, nos meus eus De linhas tão quebradas… Serás Deus? Estás tão preso a mim… Nem sei se o és…

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“Ser e estar”

Depois da tempestade é naufragar… E eu saboreio as minhas emoções Como quem vê a onda a agigantar-se E não sabe nadar…

Depois do tédio é – deixar passar… Como lagarto ao sol das sensações Constato que o meu ser, ao aquietar-se, Já me permite estar…

Depois do ódio, só me resta amar. Farta de estar em mim aos encontrões, Abro as janelas da alma que, ao soltar-se, Me permite voar…

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Depois de mim, sou eu. É o conjugar Tantas certezas e contradições. E enquanto os “eus” em mim a confrontar-se, Eu possa ser e estar.

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“A Mãe”

Perguntai ao bebé que nasce agora O que lhe falta para ser feliz… Estende as mãos, tacteia e logo chora E só a mãe entende o que ele diz…

E vai crescendo e basta um só olhar, Um gesto só da alma da criança, Para que a mãe consiga adivinhar O que o bebé procura e não alcança…

Mais tarde, vai seguindo o seu caminho E atento à vida, como um passarinho, As asas vai batendo, mal ou bem.

É homem. Nele há sempre uma criança, Um sorriso suave, uma esperança, Herança que ficou de sua mãe!

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“O dia e a noite”

Quando todos me dizem que é loucura Manter-se vivo aquilo que morreu, Que eu erga uma fronteira ao que fui eu Com um salvo-conduto ao que perdura…

Eu respondo que eu sou quem se procura E que eu sou tudo quanto aconteceu… Não há fronteira em mim; se anoiteceu Negar o claro dia é que é loucura.

Assim, o meu passado é uma alvorada Alada, que perpassa em meu presente E me consente o mundo de eu ser eu…

E quando a noite invade a minha estrada A Deus estendo a mão e sigo em frente… Não há fronteira em mim. Amanheceu!

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“Chuva”

Chove agora. A terra exausta, Ressequida, bebe à toa, E a opressão doida dos peitos Esvai-se na água… E voa...

Sobe o cheirinho da terra E perfuma as almas nuas; Dão-se as mãos e os corações Quando se encontram pelas ruas…

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“A esmola do pobre”

O pregador falava desse Amor Que deve unir os homens, sem diferença De raça, de dinheiro ou mesmo crença, Que deve uni-los na Alegria ou Dor…

À saída da Missa, era ainda dia, Um pobre de um homem se abeirou, Pedindo esmola e em troca lhe deixou Uma expressão plena de alegria…

Notando o doador que, sem falar, O homem lhe sorria, simplesmente, Quis saber a razão desse seu ar…

É que, Senhor, eu hoje estou contente E como nada mais tenho p`ra dar, Quero dar alegria a toda a gente!...

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“Monólogo”

Isto de falar sozinha Tem os seus inconvenientes: Chamo por mim: “ Ó vizinha!” E talvez por culpa minha, Caímos ambas doentes…

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“Infância” Fiquei-me a imaginar O que eu quisera ser, quisera ter… E de um sonho vivi… Sorri e convidei-me para dançar: Demos as mãos, sentimos a amizade, A unidade E eu fui criança adulta E eu fui Felicidade.

Mas quando eu acordei, A minha irmã mais nova eu afastei. Vi-a isolar-se com seu bibe branco, No tempo que passou, Mas de entre o nevoeiro, um arco-íris Então se desenhou:

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E o céu tornou-se azul e azul o mar... Ergueram-se as acácias coloridas, Desenharam-se as ruas e avenidas E um perfume intenso encheu o ar! E eu quis ir a Luanda que crescia Ante os meus olhos e que me dizia: “Anda daí, Inês, vamos brincar!”

Meus olhos choram tanto Que eu oferto as lágrimas À terra onde nasci E atrás desta cortina de saudade Eu vejo a minha Mãe que me sorri E a casa de madeira e o Tomy… O Colégio Académico em frente E a mandioqueira donde a gente Falava com os da casa mesmo ao lado, Os do administrador Lobo Cansado. Havia formigueiros no jardim E eu punha-me a cismar, tempos sem fim, 48


No mundo das formigas tão ordeiro… Mostrava-as ao Tomy, o meu Irmão mais novo e companheiro.

Baloiço agora num quintal florido E o Chiquinho Gonçalves, meu amigo, Também quer baloiçar-se, é a sua vez… Voo mais alto… “Sai daí, Inês!” Saio e faço umas festas ao Tarzan Que ladra alegremente na manhã… Empoleirado numa goiabeira, Grita agora o Jacó: “Ó lavadeira!” E faz tal qual a voz da minha Mãe… Vai misturando as vozes e os nomes E fala agora pelo Dr. Brás Gomes: “Ó Martita! Martita!” Tão bem o imita, Que a mulher responde que já vem…

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O Lua passa o quintal Com carvão rubro na mão… “Tu não te queimas, ó Lua?” “Menina, não queima não!” Ó Lua, branca copa e tronco esguio, Que foi feito de ti? Quando a Brito Godins ficava um rio, Tu levavas-me às costas e ao Tomy… Do teu pirão com óleo de dendém Nos davas a provar… Sabia-nos tão bem! Se bem que já depois de um bom jantar… Uma fogueira acesa no quintal Na noite perfumada E o teu rosto negro tão leal Que me deixava a mim extasiada…

Havia um jogo em que se diziam Palavras em quimbundo E era com pedrinhas que corriam Nesse tempo distante, em nosso mundo… 50


De manhã, muito cedo, o nosso Pai Conduz os meus Irmãos para o Liceu… Tem sempre um ar tranquilo e quando sai Não há no mundo um pai igual ao meu. É que transmite a todos tanta calma Na união que tem com nossa Mãe Que quando Ele sai, a sua alma, Estando n` Ela, está em nós também.

A minha infância permanece aqui, Corre em meu sangue aquilo que eu vivi. Prolonga-se no tempo e no espaço E une as gerações como um abraço. E o meu bibe branco se reparte E é o de qualquer criança e em qualquer parte…

Com três letras se escreve “Pai” e “Mãe”, Com quatro “Amor” e “Vida” e Deus” também. Nossos Pais e Avós as reuniram Formando “Coração” e o transmitiram 51


Às novas gerações. Aconteceu, Que a alma da “Família” assim nasceu…

Luanda está aqui e em qualquer parte; É uma questão de amor, engenho e arte. É uma questão de em cada bibe branco Nós nos vermos a nós… É uma questão de erguer bem alto o canto Dos nossos Pais e Avós!

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“Paisagem” (Arcos de Valdevez)

Rio, espelho de arvoredo Modelado por mãos finas… Mansas águas, não dão medo A quem tem coração ledo, A quem ama estas colinas… Lá fora a noite tombou E eu vou ao seu chamado... E já nem sei se eu sou Porque em mim algo mudou, Só ficou o que é mudado: Sou terra, chão que ora piso, Ar eu sou o que respiro… No profundo me enraízo, Do musical sou o riso, Do Grão-Viver, o suspiro… 53


“Natal” É Natal. Natal puro azul e branco Dos que têm também o pão e a paz; Natal dos pequeninos que seguram Todo o presente sem olhar p`ra trás; Natal do Deus-Menino que sorri Àqueles que o lembram com amor; Natal de todo o mundo que renasce Embalado nas mãos do Criador…

Ó Natal de alegria em casa grande, Onde estás? Onde estão Irmãos e Pais? Onde a doçura, os risos, a alegria Que eu pensei não poder deixar jamais? Meu Natal… Meu presépio pequenino, O mesmo da grutinha de Belém… O mesmo amor por todos, mesma dor De sentir-me mais só do que ninguém!

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“Vive!”

Levanta os olhos e vê E se não vires, imagina O azul forte do céu, O azul quente do mar… Estás em casa fechado, Estás triste, acabrunhado, Preso a uma triste rotina… Como um pássaro isolado, Bate as asas meu irmão… Tens a imaginação Que Deus Poeta, Pintor, Supremo artista do Amor Nos pôs à disposição… Com essas asas repara… O céu vai escurecendo E o mar vai recolhendo Os raios do sol poente…

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O calor vai abrandando, Sopra agora leve brisa E a noite vem chegando E a irmã Lua, poetisa… Do outro lado do mundo Já nasce o sol, meu irmão E nós, aqui deste lado, Presos nesta escuridão… Presos? Libertos? Que importa? Fica a gente como morta Quando a vida corre mal… Mas se a terra continua A girar indiferente, Se a luz da Lua flutua E o sol, aquecendo a gente, Vão cumprindo as leis da vida E da morte… Que direito temos nós De travar o movimento?

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Chora, irmão, no desalento E ri quando sopra o vento Da alegria que te vem. Vai mais além, mais além Da noite que te assustou, Do dia que está p`ra vir, Da neve que te gelou, Bate as asas a sorrir… Mas se as lágrimas caírem, Deixa-as cair à vontade Pois que a chuva sobre a terra Também contém a verdade. És homem. E o Criador, De entre toda a criação, Pintou-te com mais amor… Bate as asas, meu irmão!

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“Quadras” Quem diz que a saudade é triste Nunca soube o que ela era… Nenhum Inverno resiste Ao sopro da Primavera…

A saudade do presente Chego a tocar-lhe, mas é Quando o presente é ausente Que mais eu dele dou fé…

Aqueles que a morte abraça, Quando nos deixam saudade, Quanto mais o tempo passa Mais se sentem na verdade!

O tempo tece uma teia Muito leve e resistente… O que é bom, nela se enleia E lá fica para sempre!

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“Ó minha Mãe”

Como chove lá fora, ó minha Mãe! E como o vento ruge, angustiado! Vem p`ra junto de mim, Mãezinha, vem Abrigar-te debaixo do telhado!

Tu sabes, estamos sós aqui nós duas Que os outros como sombras, pelas ruas, Correndo apressados, já lá vão… Deixa aquecer no teu meu coração!

Ao ver-te assim sorrir, parece dia… Teus olhos são um sol de outro verão Cantando um novo hino à alegria! Não vás ainda… Dá-me a tua mão, Que só de eu estar na tua companhia, Sinto bater, de novo, o coração! 59


“Natal de 1984”

Toda esta suavidade clara e fria, Todo este azul tão pálido e mimoso, Nos reconduz à infância e ao ditoso Natal universal e da alegria.

O Menino sorri. Tem o carinho De sua Mãe, Seu Pai e dos pastores… E a Mãe que sabe bem quantas as dores Que esperam Seu Bebé pelo caminho…

A Mãe sorri e S. José também… Sorri, olhos de amor, olhos de luz E olhando os Pais, sorri também Jesus…

No meu presépio falta a minha Mãe E S. José, meu Pai, ampara a cruz… Eu choro, no Natal que é de Jesus! 60


“Saudades de Luanda”

O quente, a doçura da noite africana As notas saltantes no ar!... O Filho da gente gordinho, gordinho, Sorriso nos lábios, cabelo a dançar!...

Ó Terra velhinha do meigo imbondeiro… Ó Terra tão minha, meu amor primeiro! Luanda da gente que viveu feliz… Mutamba, Baía, projectos que eu fiz!...

Silêncio cá longe, das ondas do mar… Do mar de crianças que nos viu brincar… Oh! Esta saudade que me faz chorar!...

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“Quadras de Natal” Jesus Menino nasceu Numa noite de luar E um milagre se deu: Ouvem-se os anjos cantar!...

O Menino já nasceu! Há alegria na Terra! E a noite de Natal Um dia de Amor encerra!...

Que linda noite de Luz! Mas o frio é tanto, tanto, Que, p`ra agasalhar Jesus S. José tira o seu manto…

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S. José está encantado; Olha o Filho e olha a Mãe… Ao vê-l` O tão enlevado, Jesus sorri-Lhe também!...

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VOLTAS A MOTE: ”ONDE ESTARÁS, MEU AMOR?”

Eu não sei guardar rancor Mas não é justo abusar… “Onde estarás meu amor?” Não tens pena de eu chorar?!

Fraca estou já, sem vigor, Mas pergunto-te outra vez: “Onde estarás meu amor?” Tu vês o que eu sofro, vês?

Vou perdendo a minha cor E só um remédio há: “Onde estarás meu amor?” Responde depressa e já!

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De tanto te perguntar “Onde estarás meu amor?” Já não posso nem chorar Pois secou a minha dor…

Sinto no peito uma dor Feita toda de saudade… “Onde estarás, meu amor?” Diz-m`o já, por piedade!

“Onde estarás meu amor?” Que te sinto dentro em mim… Retribuis com desamor Meu amor que não tem fim…

Falo contigo a sonhar, De dia sonho contigo… “Onde estarás meu amor?” Ter-te e não ver-te é castigo…

Peguei na tela e dei cor 65


Ao teu rosto tão amigo… “Onde estarás meu amor?” Retrato, fala comigo!

No céu, na terra e no mar De teus olhos vejo a cor… E a ela vou perguntar: “Onde estarás meu amor?”

“Onde estarás meu amor?” No céu, na terra ou no mar? É que em tudo eu vejo a cor Dos teus olhos a brilhar…

Venho pedir-te um favor: Deixa-me hoje ir ter contigo! “Onde estarás meu amor?” Viver sem ti não consigo…

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“Súplica”

Se Tu me deste Amor foi para o dar; A quê? A quem? Ajuda-me a encontrar. Se me deste esta essência e só a mim É porque deve haver para ela um fim.

Mostra-me quem eu sou, Descobre porque estou Num mundo em que, até agora, Só tenho sido eu…

Onde o que deveria Provocar-me um sorriso, Teu sorriso constante Que Tu quiseste dar-me, Em lágrimas e dúvidas Sempre se transformou…

Faz-me ver o que eu sou 67


Se teimo em nada ver. Dá-me, ó meu Deus! A plena consciência do meu ser.

Permite que meus olhos, todos luz, Consintam que meus lábios se entreabram Nesse sorriso eterno de Verdade Que já vi em Jesus…

Depois… Larga-me um pouco, se Te apraz E que um caminho louco, se eu quiser, Eu resolva seguir... ...Se disso eu for capaz.

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“O Sonho”

Ai como é bom No sonho mergulhar E estreitar o mundo inteiro, A tudo poder beijar!

Deixar a música vir Junto a mim, como em delírio, E sentir-lhe as pulsações, Possuir-lhe as emoções, Rir então como eu só rio!

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Correr pelos campos fora, Ser o ar que me fustiga, O chão que meus pés castiga, O sonho que me devora…

Amar a esmo, em torrentes, Sem ver a quem nem porquê… Sorrir p`ra tudo o que sente E tomar o ar contente De tudo quanto me vê…

Ir p`rá chuva como quem Para um baile se prepara E valsar com o rodopio Que essas lágrimas em fio Formam junto à minha cara!

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Unir meus lรกbios ao vento, Ser sรณ ele meu sustento Nessa hora de euforia! E sentir-lhe o vรฃo lamento No beijo que pousa lento Em mim e me acaricia!

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Mote: Canção que minha Mãe costumava cantar:

Ai que saudades eu tenho Do sobreiro sobranceiro De frondosa ramaria! Já não se escuta o murmúrio Do susurro da folhagem, Quer de noite, quer de dia…

Menina e moça vivia Com Seu Pai, Suas Irmãs, Todas elas tão louçãs, Tão amigas da Maria Que, no Minho, não havia Casa com mais alegria Quer de noite, quer de dia… Era a casa rodeada De uma quinta sem ter fim E nela havia um jardim De que Maria era a fada… 72


Quando Maria passava, Logo o jardim lhe sorria Quer de noite, quer de dia…

Destacava-se um sobreiro Da Sua predilecção E Ela abria o coração Àquele Seu companheiro Frondoso e tão sobranceiro Que, de lá de cima, via A Maria, noite e dia…

Casou Maria e saiu Um dia, de Valdevez E desde que Ela partiu, Por longo tempo se ouviu A Canção: “Era uma vez…” E a frondosa ramaria Gemia um nome: “Maria…”

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E ao sobreiro que morria De saudades e de pena, Na ramagem que bulia, Por longo tempo se ouvia Um nome: “Maria Helena!...” E a saudade assim vivia No sobreiro que morria…

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“O Julgamento”

A nossa consciência, O outro eu que nos empurra p`ra debaixo d`água Quando o remorso vem… E nos atira à cara a areia suja Do nosso orgulho inútil… E nos obriga a estar presos à lama Deste nosso ridículo…

A nossa consciência, o outro eu Que nos faz sentir pé E dá o equilíbrio E vai mostrando as nossas qualidades E as superioridades E nos põe a razão do nosso lado…

O juiz e o réu analisados E demoradamente criticados E o imprevisto: a sentença final. .................................................................................................... …Ao menos, este riso é positivo.

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“Eu já fui eu em criança”

A consciência me prende, Diz que é de todo impossível Voltar de novo ao passado. A consciência sou eu: Expectadora insensível De um outro eu que sentia Até eu aparecer… A consciência diz : “basta!” Ao que de humano há em mim. Não desabafo; sufoco. Lembro de mim em criança Quando pousava a cabeça No colo de minha Mãe. De minha Mãe que era a Vida, Vida, Amor, Compreensão… Eu já fui eu em criança.

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“Aparição”

Quisera dar-te uns versos de viagem, Uns versos de alegria, Em que esta longa noite Nos fosse transportando até ser dia...

Beijo-te como à brisa… Tua presença acorda-me no sonho De quando estou no deck do navio…

Na noite incendiada por estrelas, Fitando o calmo mar, Na tempestade, no meu eu partido, Nos gritos sem gritar…

És o segredo da maresia intensa, És o azul liberto do horizonte… És tudo isso, mas batem à porta E perdes-te no vulto que é defronte…

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“A minha casa.”

Eu tive uma casa grande, Confortável, colorida, Com fantasmas na lareira, Com cortinas de ouro e sonho Debruadas a poentes E mesas de feiticeira…

Candelabros de ilusão Reflectindo no chão, Todo em vidro, a realidade… Na casa havia o presente E espelhada no chão, A imagem da saudade...

Onde estás tu, minha casa, Esperando por ninguém? A vida, num golpe de asa, Destruiu a minha casa, Destruiu-me a mim também!

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AGRADECIMENTOS Fernando Queiroz de Barros Aguiar Emanuel Teixeira de Queiroz Aguiar Marรงalo Maria Isabel Teixeira de Queiroz Aguiar Marรงalo Luiz Manuel Duarte Pessoa Francisco Javier Pavรณn Arenas Leal Durรกn.

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