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Em março, onde quer eu passo*
Estamos em março, o mês da poesia, que a 21 ganha o direito ao seu Dia Internacional, consagrado pela UNESCO na sua 30ª Conferência Geral de novembro de 1999. Celebrar a poesia é, acima de tudo, celebrar a palavra, a matéria prima de que é feito qualquer poema. A palavra, pela sua diversidade criativa, tem a força de nos ajudar a olhar e a compreender o mundo sob os mais diversos ângulos. Nada nos sensibiliza mais do que quando essa visão nos é dada pela voz dos poetas; dos consagrados ou daqueles que diariamente nascem dos “post” colocados nos murais do “facebook” ou outras plataformas das redes sociais, nas quais incluo o e-mail.
Para felicidade de quem os recebe e lê, há quem não consiga escrever uma simples frase, um recado ou um pensamento mais elaborado, sem ser de forma poética. Trazem com eles a poesia na ponta dos dedos e, de cada vez que escrevem, esta desliza de forma espontânea e natural para o bico das canetas ou o afago das teclas, que depois as transformam em textos, que diariamente nos prendem em compassos de espera.
Tenho a felicidade de ser amiga de quem o faz com frequência, associando às palavras outros elementos - uma fotografia, um quadro, uma estátua ou uma músicaque lhe completam o sentido. Às vezes, leio e guardo só para mim; outras há em que não resisto a que fiquem presos entre os amigos, e partilho-os com outros públicos. Como um repasto que se quer que chegue a outras bocas. Da última vez, por exemplo, usei um deles para uma das aulas que continuo a dar. Agradecem-me, não só pela des- coberta, mas também por se sentirem parte de uma família que se senta à mesma mesa para tomar parte no banquete das letras. O que agora vos dou como entrada, faz parte da ementa que uma destas manhãs recebi:
Abre as mãos às palavras da tribo. Trazem a leveza das sementes, as dispersas raízes da voz.
“Domingo ao escurecer. Mudou a hora num mundo igual. Ainda é inverno, sobretudo do lado de fora da janela. Aqui, neste degredo, estou rodeado de livros e memórias. Há uma espécie de verão, mesmo que sombrio, deste lado. Estou quase nos setenta e ainda ando descalço entre as sombras do escurecer. O mundo não deixou de ser um deserto de areias quentes e de pegadas solitárias por aí fora. O mundo é uma laranja na infância. Onde está a minha mãe? (…). É bom saber que vale a pena escrever, apesar de tudo. Apesar dos bloqueios e da indiferença. Apesar de viver num tumulto de fronteiras.” Leio, releio e fico sem palavras, literalmente, para poder responder. Não há nada pior do que perder as palavras ou não as encontrar quando nos fazem mais falta. O que se pode dizer a alguém que as trata com o mesmo carinho com que uma mãe adormece um filho? E que respondemos quando nos perguntam pela mãe?
Sei onde está a minha - dorme no verso de uma canção de ninar, que não me lembro de alguma vez ter ouvido, mas que foram cantadas aos irmãos que depois de mim vieram. O mundo é uma laranja, diz o poeta, reduzindo-o à pequenez de nos caber na palma da mão. Sentindo-lhe a leveza do tamanho e do peso, dele brota a cor, o calor do sol e o perfume das laranjeiras. Dentro, a nossa vida fatiada em gomos: dos que já vivemos e dos que ainda nos falta viver. Serão poucos, muitos? Passada a barreira dos 70, muitos já não serão, certamente, porque a finitude da vida é como uma maré que recua a cada inverno que passa, do lado de dentro da nossa janela.
*Provérbio popular