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De 1932, ano em que abriu o primeiro “fast food drive-in” nos EUA, até 2007, ano em que a McDonald’s Portugal se tornou na primeira franchise europeia a fornecer wi-fi gratuito em cada um dos 120 (à época) estabelecimentos no nosso país, vai uma longa distância. Pelo meio, a cadeia dos irmãos McDonald revolucionou hábitos, criou polémicas, deu origem a um índice económico, a um conceito laboral pejorativo e a um termo da Sociologia, promoveu incontáveis referências pop culturais e espalhou-se por 119 países onde alimenta milhões de pessoas diariamente. Sem querer discutir os méritos e defeitos da McDonald’s, importam-nos as memórias. E não estamos a falar do patrocínio oficial ao Euro 2004. Estamos a falar dos brindes do Happy Meal.

O Happy Meal apareceu em 1978 como a refeição dos mais novos. A prová-lo está o tamanho das doses e a introdução de um brinde. Atraindo as crianças, a McDonald’s tentava vender-se como restaurante familiar e em 1980 exportou o Happy Meal para fora dos EUA. Quando, em 1991, o primeiro restaurante da marca abriu em Portugal o Happy Meal era um conceito implementado e um produto de sucesso: “preferido pelos filhos, aprovado pelos pais”. Apesar de por cá não termos a nossa própria tradução para Happy Meal, ao contrário do Brasil onde se deve pedir um McLanche Feliz, também as crianças portuguesas têm crescido a brincar com os brindes do seu menu. No entanto, é justo dizer que a maioria de nós vê os premiums como uma diversão descartável

e não como o item de colecção que realmente é. Os brindes do Happy Meal - os brinquedos mais coleccionados do mundo têm sabido reflectir, através de inúmeras licenças milionárias, os gostos das crianças de todos os países, nomeadamente através da ligação, extinta em 2006, com a Disney. No início, quando os premiums eram relativamente simples, as personagens da McDonald’s eram o principal motivo nas caixas do Happy Meal. Importa referir este esquecido grupo de figuras ao serviço do marketing da marca, do qual apenas Ronald McDonald, enquanto mascote da cadeia, é ainda recordado pelos portugueses. Além do palhaço assustador (que é fácil de imaginar a fumar no backstage da gravação de um anúncio televisivo enquanto é ordinário com as crianças presentes no plateau),


havia ainda Grimace, Hamburglar e Birdie. Como eram presença francamente secundária na promoção da marca em Portugal, não era raro ouvir alguém falar do “Roxo”, do “Ladrão” e da “Pássara”, respectivamente. Grimace é a personagem McDonald’s melhor conseguida graças ao seu look descontraído e atitude curtida (que lhe valeu, um dia há muitos anos atrás, uma cuspidela no McDonald’s das Antas). Hamburglar faz lembrar um Alfred E. Neuman depois de dois AVCs e Birdie parece uma personagem rejeitada do elenco da Rua Sésamo. Hoje, estão destinados a apodrecer na memória colectiva e confinados a esquinas escuras em cada restaurante onde ainda exista um boneco gigante. Mesmo o palhaço Ronald parece resignado com a sua falta de protagonismo que o atira para a ala infantil de alguns hospitais em visitas a crianças doentes. Para além dos brinquedos, a própria caixa do Happy Meal com que crescemos acrescentava valor à refeição. As embalagens da refeição infantil mais vendida do mundo eram também elas coleccionáveis e importantes complementos à promoção em vigor, sobretudo se fosse possível construir um diorama com as mesmas. No entanto, a gordura e os restos de alface com mostarda dificultavam a tarefa de guardar os cartões do Happy Meal e o seu destino era geralmente o lixo. Outra particularidade do Happy Meal da nossa infância era a noção que o brinde era 16 aleatório e não calendarizado

uma vez que as idas ao McDonald’s eram controladas pelos pais, os mesmos responsáveis pela dificuldade em completar as colecções inteiras por força das preocupações gastronómicas dos progenitores. Daí que os clientes mais ousados pedissem ao adolescente atrás do balcão para trocar brindes de modo a completar a sua colecção. Outra particularidade é a altura em que comer Happy Meals deixa de ser visto com normalidade pelos nossos colegas que estão muito comprometidos com a sua pré-adolescência. É preciso esperar pelo fim do período de nojo para que os brinquedos do McDonald’s sejam novamente aceites e não precisem de ser guardados às escondidas, mas antes mostrados com orgulho junto a boxes DVD ou em cima da PS2 lá de casa.

Os brindes do Happy Meal são tradicionalmente veículos promocionais de filmes infantis (durante 10 anos a Disney foi rainha – ficou na memória a megalómana promoção do filme “101 Dálmatas”) ou de outras linhas de brinquedos (como a da Barbie ou os Hot Wheels), mas hoje em dia os brindes são menos memoráveis e até as franchises não-há-queenganar têm resultados insatisfatórios. Foi o que aconteceu em 2008 com a promoção para o filme “Star Wars – The Clone Wars”. No que a brindes Star Wars diz respeito, os brinquedos de corda do rival Burger King são, em comparação e na nossa opinião, muito melhores. A nível pessoal, o Miguel só se lembra de ter os brindes idiotas: o Tails, a árvore da Pocahontas,


Centr達o

MIGUEL TEIXEIRA

flickr.com/photos/miguelteixeira






BEIRA , por Ana Maria Henriques e Miguel Carvalho

FAROESTE PORTUGUÊS

"Aquele Querido Mês de Agosto" possibilitou a inversão de papéis entre Miguel Gomes e o cinema. De crítico da sétima arte a objecto de crítica pela realização de um documentário ficcionado, Gomes representou e apresentou o Portugal do interior no mês em que emigrantes e bailes de aldeia fazem a festa. Já editado em DVD, a segunda longa do realizador, aqui entrevistado por e-mail, é música de baile e fotografias descoloradas

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IGUAL – Qual o significado da cena inicial? A raposa é a equipa de filmagens e, em última análise, o espectador, e as galinhas a população beirã? É um piscar de olhos a “A Caça” de Manoel de Oliveira? Miguel Gomes (MG) – Não acho que as metáforas e o simbolismo sejam muito produtivos no cinema. Os filmes não são charadas, nem o espectador um detective. Em geral, acho que muitas vezes não se vê o que se tem à frente porque se tenta ver mais além. Filmei essa cena, antes de tudo, porque na região há raposas e capoeiras e a interacção entre estes dois elementos vem de tempos remotos, faz parte de um imaginário rural. É claro que, deixando a porta do galinheiro aberta, instaura-se um princípio de desejo de ficção: a raposa vai entrar e devorar as galinhas? É uma cena híbrida entre o registo dito documental e o desejo de ficção que o cinema desperta em nós. Mas não havia simbolismo. Não me lembrei dessa cena de A Caça, se a roubei foi inconscientemente. IGUAL – Considerando que em Cannes o filme foi considerado um objecto estranho: como correu a projecção em Arganil às gentes da terra/protagonistas? MG – Não sei se em Cannes o acharam assim tão estranho. Quanto à recepção na Beira Serra houve de tudo, quem gostasse e quem não gostasse. Mas o mais curioso é o modo

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como as pessoas que participaram ou estiveram próximas da rodagem do filme o confrontavam com essas memórias. Há sempre alguém que pergunta porque é que não mostrámos a casa do genro ou cortámos um primo de alguém na montagem final.

IGUAL – Revendo o filme na sua edição DVD deu-me impressão que seria um acrescento útil o comentário áudio do realizador. Por que não existe um? Ninguém se lembrou, não quiseram descodificar o filme, não houve meios?

IGUAL – Com dois géneros em palco (o documentário e a ficção) seria se esperar que se anulassem por oposição, que houvesse um interruptor on-off, mas há antes um enlevo narrativo de blocos que, mais do que se encaixarem, se prolongam. Concorda?

MG – Sim porque a ficção faz já parte daquilo a que chamamos de realidade. Vamos construindo as nossas personas e fabricando os nossos próprios mitos que passam a ser tão reais quanto o resto. E a Beira em Agosto, cheia de canções e fogos de artifício, é já de si MG – Eu sei demasiado sobre um território habitado por uma o filme para poder falar dele grande pulsão de ficção sem impor a minha versão e e espectáculo. diminuir-lhe um pouco o mistério. Uma das coisas que mais IGUAL – Não houve qualquer gostámos quando o filme foi reaproximação com a Sónia visto era a forma como as pes- Bandeira? Mantém contacto, soas se interrogavam sobre o por exemplo, com o Fábio que era encenado ou casual, Oliveira e com outros dos o que tinha sido provocado ou actores improvisados ? não, e todo esse lado de indeterminação parece-me uma MG – Mantenho-me em conqualidade e não um defeito. tacto com todos menos com a E os filmes são experiências Sónia. Ela deixou de querer para serem vividas, não são fazer o filme na véspera de o cadáveres para serem disseca- termos de fazer e isso foi muito dos. No outro filme que lançá- complicado de gerir. Para ela e mos em dvd, “A Cara que para nós. Gosto muito dela no Mereces”, organizamos um co- filme mas os laços que se manmentário audio com quatro têm depois com as pessoas críticos a dizerem coisas difer- com quem trabalhamos já têm entes uns dos outros e, às a ver com relações pessoais, vezes, a atropelarem-se porque e x t r a - c i n e m a t o g r á f i c a s . falavam ao mesmo tempo enquanto eu lhes preparava IGUAL – O papel da música cocktails. Tentámos não reduzir no filme é fulcral. O registo o filme a um único ponto de popular, por exemplo, é aprevista, por mais interessante sentado mais como elemento diegético do que como que este fosse. banda-sonora, daí aquela


Miguel Gomes, o realizador de “Aquele Querido Mês de Agosto”, nas cenas finais do filme.

A banda “Estrelas do Alva” numa actuação panorâmica com vista para as Beiras.

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cena final. Ou seja, vai-se às Beiras em Agosto e ouvir Dino Meira é tão natural como ver silvas num monte ou ouvir o vento numa central eólica. Concorda? MG – Ouvir música de baile sim, Dino Meira não. As bandas tocam sobretudo os êxitos do momento e o Dino Meira ficou para trás, perdido no tempo. Mas eu acho que a canção “Meu Querido Mês de Agosto” é central no imaginário local, mesmo que ela já não fosse tocada quanda a filmei. Exceptuando o “Baile de Verão” do José Malhoa, todas as outras canções tocadas pelos Estrelas do Alva são canções que já ninguém tocaria na realidade. Mas é verdade que uma das memórias que guardo da experiência deste filme é de escutar à noite, na varanda da casa que a equipa partilhava na serra, o som dos vários concertos nas aldeias a misturaram-se uns

com os outros, mas também isso ainda mais português? com o barulho das cigarras MG – É verdade que tivemos e com o piar das corujas. que nos desenrascar. Se foi à IGUAL – Em Cannes disse portuguesa não sei. que a Beira é o faroeste português. Por que diz isso? IGUAL – O conceito de introduzir os actores ainda antes É pelos excessos? de introduzir as personagens MG – Porque há um lado sel- é original. Já viu outros vagem, há novos colonos que filmes que sigam esta chegam e se instalam, e a lei estrutura? local é ainda bastante ditada pela própria comunidade. Mas MG – Não sei, não me recordo. eu não sou sociólogo e essa Mas conheço vários filmes, afirmação é certamente produto sobretudo sem actores profisdo meu próprio desejo sionais, onde a personagem e aquele que a interpreta de ficção. disputam o interesse do IGUAL – Disse que nunca fez espectador. nada de tão instintivo e com tão pouca preparação. Se IGUAL – Está a trabalhar em atendemos ao corte orça- novos projectos? Um novo mental, à transfiguração de filme, talvez? género, ao director de produção que dá uma perninha MG – Um novo filme que iremos como actor, os próprios rodar para o ano e do qual não actores amadores. Este é um irei falar porque aprendi que filme do desenrasca e por tudo pode ir mudando.

Os filmes são experiências para serem vividas, não são cadáveres para serem dissecados.


Desde o apogeu da Shaw Brothers nos anos 70 até à era actual de efeitos especiais e cantores de Pop cantonês, a indústria cinematográfica de Hong Kong tem sido uma das mais caóticas e imprevisíveis à face da terra. Para quem quer começar a entrar no género, também a sua produtividade estonteante, não adversa a remakes, remontagens e rip-offs de toda a espécie, pode ser um obstáculo. Ficam aqui sete sugestões de como melhor mergulhar no universo do cinema made in Hong Kong.

10 FILMES ESSENCIAIS DO CINEMA DE HONG KONG

por Daniel Sylvester

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DESTAQUES

1- Five Deadly Venoms (1978) ais e dançarino de cha-cha-cha premiado, Bruce Lee foi a Não é bem verdade que são primeira grande vedeta internaiguais todos os filmes da Shaw cional de Hong Kong. Dotado Brothers, o primeiro grande es- de um poderoso carisma, Lee túdio de Hong Kong e o utilizou a sua fama para popuprimeiro a exportar os seus larizar vários conceitos da filmes além-fronteiras com filosofia oriental, apostando algum sucesso, mas também tanto no zen como na sua não é uma falsidade completa. destreza física – mesmo que A Shaw Brothers, durante a sua muitos dos seus "ensinamenfase mais fértil dos anos 70, tos" roçassem o plágio. Confazia toda a espécie de filmes, tratado para aparecer na série incluindo comédias, romances americana "The Green Hornet", e filmes de terror. Mas a sua Lee dedicou algum tempo da reputação deve-se indubitavel- sua vida a desempenhar papéis mente a uma série aparente- de ajudantes e capangas nos mente inesgotável de contos de EUA, mas foi após o regresso a artes marciais, sempre nos Hong Kong que o actor atingiu mesmos cenários arcaicos e o verdadeiro estrelato via um quase sempre centrados no filme da Golden Harvest titulado mesmo enredo principal: um "The Big Boss". Mas o melhor jovem discípulo busca a vin- filme de Lee – e o último antes gança pelo assassinato do seu da sua trágica e prematura mestre. É um formato rígido e morte – é uma co-produção quem não acha piada a um americana, com todo o estilo provavelmente não irá mudar e cool inerente à Hollywood de ideia após ter visionado 20. dos anos 70. Vilão à James Por outro lado, quem aprecia a Bond? Presente. Personagem estranha atmosfera de conto de blaxploitation com afro inacredfadas, as brutais façanhas de itável? Pois sim. Banda sonora artes marciais, os estilos ainda de Lalo Schiffrin? Por quem assim vagamente distintos do sois! "Enter The Dragon" lírico King Hu e do sanguinário mistura espionagem, mística, Chang Cheh, e o anúncio crítica social e pontapés contra reconfortante que o filme será a cabeça de forma assaz apresentado em "ShawScope", e satisfatória. tem à sua frente uma fonte quase inesgotável de delícias. 3- Police Story (1985) "Five Deadly Venoms" é apenas um dos muitos bons argumen- A ascensão de Jackie Chan a tos para a tese de Quentin estrela nacional (e, mais tarde, Tarantino, segundo a qual o internacional) marcou um ponto seu realizador Cheh é "o de viragem na indústria cineJack Kirby de Hong Kong". matográfica de Hong Kong: subitamente, o herói solene 2- Enter The Dragon (1973) encarnado por Bruce Lee estava out, e o Zé Povinho sorriActor desde a mais tenra infân- dente protagonizado por Chan cia, especialista de artes marci- estava in. Jackie era adorado

porque não possuía pretensões a um cool elitista: as suas palhaçadas e desventuras traziam à mente não Alain Delon ou Clint Eastwood, mas o humor clássico de um Charlie Chaplin ou Harry Lloyd, influências assumidas pelo próprio na sua cinematografia. E para além disso, claro, havia os stunts absurdamente perigosos, possíveis apenas num país em que as regras de segurança no trabalho eram vistas de forma bastante laxa e as tríades controlavam uma boa porção da indústria. Em "Police Story", Chan dá coça que baste, provoca acidentes de viação que trariam um sorriso à cara de John Landis e, de vez em quando, sorri como que para dizer "fui eu que fiz isto?". Adicionem um final abrupto no bom estilo Hong Kong e têm uma obra-prima do género. 4- Mr.Vampire (1985) Os vampiros em terras chinesas não são como os de cá. Pulam, não te vêem se susténs a respiração e podem ser controlados colocando um pau com um pergaminho na sua cabeça. Criaturas, no fundo, mais reminiscentes de zombies do que de vampiros à ocidental dominam esta comédia de terror que, sem contar com vedetas de peso nem com um realizador famoso, conseguiu lançar uma pequena febre para filmes semelhantes a meio dos anos 80. "Mr.Vampire" é entretenimento puro, desde as incontáveis acrobacias dos desesperados caçadores de vampiros à aparição de um fantasma com cabeça desmon-


tável e uma cena de comédia de costumes, na qual os protagonistas se vêem à rasca por terem que cumprir os rituais do teatime no estilo britânico. Destaque ainda para a banda sonora, repleta de sintetizadores primitivos e coros de crianças – "frightening, frightening, frightening siiiight"! 5- Hard Boiled (1992) John Woo pode gabar-se de uma honra singular: é o único realizador nativo de Hong Kong cuja fama internacional se pode medir com a de estrelas como Jackie Chan ou Jet Li. E, se a sua obra em Hollywood deixa algo a desejar, nem por isso os seus feitos anteriores parecem menos impressionantes: com a série "A Better Tomorrow", Woo introduziu Chow Yun Fat (o Cary Grant chinês, no que toca ao seu charme e à sua versatilidade) e lançou mais uma grande tendência: os filmes de tríade. Depois de várias décadas dum cinema fundamentalmente inocente, recheado de aprendizes desastrados como Jackie Chan em lutas pouco ambíguas entre o bem e o mal, Woo trouxe a estética noir para Hong Kong, investigando o submundo criminoso da metrópole e lançando as bases para toda uma gama de realizadores, de Ringo Lam até Johnnie To. E como se isso não fosse suficiente, Woo estabeleceu também, em filmes como "Hard Boiled", um novo nível de intensidade para o cinema de acção, com stunts suicidas e armas de cartuchos infinitos. "Hard Boiled", talvez o filme mais 28 conhecido da fase Hong Kong

de Woo, é uma boa introdução à estética do realizador.

80 um dos grandes inovadores em Hong Kong, criou com "Once Upon A Time In China" 6- City On Fire (1987) uma ode de amor à cultura do seu país, carregada com Se John Woo introduziu o noir a a melancolia de um povo espalHong Kong, Ringo Lam subiu hado por uma diáspora infindcom força o nível de ameaça e ável. Recuperando a famosa niilismo. Mais conhecido pela personagem histórica e ícone sua triologia "on fire" (City, nacional Wong Fei Hung (cujas Prison, School), Lam delicia-se façanhas já tinham servido em mostrar o lado sórdido da de inspiração para dúzias sua cidade, apostando em de filmes na primeira metade do enredos que dão maior valor à século XX), para encarnar o caracterização e à complexi- herói Hark encontrou Jet Li, um dade narrativa do que aos jovem actor cuja dignidade espectáculos de fogos-de- e aptidão com as artes marciais artifício aos quais estamos lembravam Bruce Lee. Ao longo acostumados quando pen- de três filmes (haveria ainda samos no cinema de Hong mais três com outras consteKong. Em "City On Fire", Chow lações), a equipa Hark/Li detalYun Fat (num dos seus papéis hou as aventuras de Fei Hong mais puramente dramáticos) na sua luta contra o imperialfaz o papel de um polícia a ismo ocidental – sendo que trabalhar infiltrado numa organi- britânicos, alemães, amerização criminosa. A violência canos e russos eram igualverdadeiramente chocante e mente retratados como vilões a ambiguidade moral do filme da peça, apesar de a ideologia resultam numa obra extraordi- de Hark não ser completamente nariamente satisfatória, per- isolacionista: uma seita ultrafeitamente comparável aos nacionalista é alvo da fúria de Li maiores triunfos de Jean-Pierre na primeira sequela do filme. O Melville e Martin Scorsese. Um título de conto infantil não era jovem Quentin Tarantino, um acaso nem só uma referênmaravilhado com o filme, iria cia a Leone, mas uma acabar por integrar muitos dos descrição acertada para o filme, seus momentos no seu filme mesmo nas suas cenas de de estreia, "Resevoir Dogs". acção, marcadas pelo voo com cordas cedo conhecido 7- Once Upon A Time In China como wire fu. (1991) 8- Naked Killer (1992) E quando já parecia que o cinema de Hong Kong se tinha Mais ou menos ao mesmo desviado por completo dos con- tempo que Tsui Hark revitaltos que por tantos anos lhe izava o género das artes marcicrescia também a serviram de fonte principal, eis ais, que chega o filme que trouxe popularidade dos assim chamanova vida ao estilo wuxia. Tsui dos filmes de "categoria III", Hark, já desde o início dos anos uma classificação governamen-


tal para filmes adultos que incluía tanto o canibalismo de "The Untold Story" e a tortura de "Men Behind The Sun" como a comédia sexual "Sex & Zen" e o drama homossexual de Wong Kar Wai "Happy Together". "Naked Killer", um dos maiores filmes de culto do estilo, centra-se no romance entre uma jovem assassina (Chingmy Yau) e um polícia com um passado trágico, protagonizado por Simon Yam ("o Robert DeNiro de Hong Kong", segundo Lee Server.) Yau aprende a controlar as pessoas através da sedução, e tudo caminha para um showdown com um par de assassinas lésbicas. No caminho, há cenários de kitsch incrível, humor que faz o "American Pie" parecer Oscar Wilde, angústia existencial no bom tom noir e um homem que come um pénis julgando ser uma salsicha. Um clássico do seu género, absolutamente único na verve com a qual consegue vender o seu conceito absurdo.

aposta cada vez maior em estrelas do Pop cantonês como protagonistas. No entanto, persiste um certo niche de cinema noir de qualidade, inspirado no trabalho pioneiro de Woo e Lam bem como em mestres interna10- Election (2005) cionais como Melville e Michael O estatuto actual do cinema Mann. Talvez o maior portafeito em Hong Kong não é o estandarte deste movimento é mais saudável, por várias Johnnie To, realizador que tem, razões: a anexação pela China ao longo dos anos, reunido uma iniciou um novo período de obra impressionante de thrillers censura que, embora muito policiais e filmes de acção. A mais liberal do que se estava à sua obra-mestra, "Election", espera, não deixa de surtir os mostra as intrigas de uma seus efeitos; a aposta forte no tríade para servir de metáfora CGI e a influência estética da para um comentário mais geral triologia "Matrix" (já por si um sobre toda a sociedade de derivado medíocre do cinema à Hong Kong. Um filme que conHong Kong em mistura com vence pelo enredo labiríntico anime) tem resultado numa e pelas questões ideológicas corrente inabalável de filmes que levanta tanto como pela ocos na sua grandiosidade; e a violência feroz, "Election" brilha partida de quase todos os ainda devido a actores como maiores ícones da indústria Tony Leung (no papel do (Jackie Chan, John Woo, Jet Li, psicótico Big D) e Wong TinMichelle Yeoh e Chow Yun Fat Lam, que traz toda a dignidade são apenas os nomes mais de um Jean Gabin ao papel conhecidos), tem levado a uma do veterano Uncle Weng. gadgets, femmes fatales e assuntos semelhantes; pode não ter a riqueza das suas obras mais recentes, mas convence pelo flair.

9- From Beijing With Love (1994) Stephen Chow tem conseguido ganhar um niche internacional através do seu estranho estilo de comédia, manifestado em filmes como "Shaolin Soccer" e "Kung Fu Hustle". Mas antes dos triunfos internacionais houve "From Beijing With Love", uma paródia aos filmes James Bond que agrada pela sua atitude despretensiosa e – para os padrões de Hong Kong – subtil. Chow faz a parte de um agente secreto a comando do governo chinês, lidando com

"In The Mood For Love" é o filme mais criticamente aclamado de Wong Kar Wai, mas não entra na lista


Christina Roberts

ATÉ À PRÓXIMA VEZ


Z


Christina Roberts


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